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Folha de São Paulo (2020-04-30)

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QUINTA-FEIRA, 30 DE ABRIL DE 2020ANO 100 ┆ Nº 33.265 R$ 5,00
D E S D E 1 9 2 1 UM J O R NA L A S E RV I Ç O D O B R A S I L
AUDIÊNCIA/MÊS
PÁGINAS VISTAS 404.556.455
VISITANTES ÚNICOS 69.769.423
Desvio de finalidade
O papel de Guedes
Sobre nomeação de Bol-
sonaro barradapelo STF.
Acerca de apoio público
dopresidenteaoministro.
EDITORIAISA2ATMOSFERAB4
ISSN 1414-5723
9 771414 572056
33265
São Paulo hoje
29
15
0h 6h 12h 18h 24h
˚
˚
QUARENTENAEMSP
Comércio Há 37 dias
Escolas Há 37 dias
Saiba o que abre e o que fecha
emcada estado em folha.com
Supremoveta posse naPFde amigo
deBolsonaro, que fala em recorrer
‘Quemmanda sou eu’, diz presidente ao desautorizar AGU e anunciar recurso da liminar que sustou nomeação de Ramagem
OministroAlexandredeMo-
raes,doSTF(SupremoTribu-
nalFederal), suspendeuon-
temanomeaçãodeAlexan-
dreRamagemparaadireto-
ria-geral da Polícia Federal,
feita umdia antes pelo pre-
sidente Jair Bolsonaro.
Em atenção a mandado
desegurançaimpetradope-
loPDT,Moraesdeclarouem
sua decisão haver “inobser-
vância aos princípios cons-
titucionaisdaimpessoalida-
de,damoralidadeedointe-
resse público” no episódio.
Omagistrado ainda citou
declarações de Sergio Mo-
ro, nas quais o ex-ministro
daJustiçarelatainformação
dada por Bolsonaro de que
anomeaçãododelegadofe-
deral lhepermitiria interfe-
rênciapolíticanainstituição.
Ramagem,atualdiretorda
Abin (Agência Brasileira de
Inteligência), é amigo dos
Bolsonaros,oqueopróprio
presidente usa como argu-
mentoparaa indicação.Tal
proximidade é contestada
emaomenosseisprocessos.
Aliminarfezogovernore-
cuardeinício,mas,apósdar
posse à tarde a AndréMen-
donçanoMinistério da Jus-
tiça,Bolsonarodesautorizou
aAdvocaciaGeraldaUnião,
que declarara em nota que
não entraria comrecurso.
“É dever dela recorrer.
Quem manda sou eu, e eu
quero o Ramagem lá”, disse
o presidente. Poder A4
Fernando Limongi e
Argelina Figueiredo
Confronto como
STF é inevitável
Individualmente,osminis-
tros do Supremo semos-
tramdispostosabarraras
pretensões mais treslou-
cadasdopresidente.Este
nãovaiparardeprovocar
enquanto não encontrar
limites. Seu destino está
nasmãosdacorte. PoderA8
Luiz C. Pereira Jr.
ENTREVISTA
No Emílio Ribas,
mais dametade
temmenos de 60
Primeiro hospital de SP a
teraUTI lotada,oInstitu-
to de Infectologia Emílio
Ribas tem mais da meta-
dedos leitosocupadapor
pessoascommenosde60
anos. “São,principalmen-
te, homens que não cui-
damdasaúde”,afirmaseu
diretor técnico, Luiz Car-
losPereiraJúnior. SaúdeB3
Planos de saúde
optam por tirar
inadimplentes
Amaioria dos 780 planos
de saúde do país desistiu
deacordocomaANSpelo
qualacessariamreservade
R$ 1,4bilhãosemantives-
seminadimplentesemsua
carteiraaté30dejunho.O
setor temia sofrer umca-
lotegeneralizado. SaúdeB5
Venha ver pessoas
agonizando, afirma
Doria a presidente
O governador João Doria
(PSDB)criticouontemJair
Bolsonaroepediuqueele
saíssedesuabolhaefosse
veraspessoasagonizando
noshospitais deSãoPau-
lo.Mais cedo, o presiden-
te atribuiu a governado-
res eprefeitosoaumento
da crise nopaís. SaúdeB2
Promotoria apura
em SP compra
de respiradores
Uma compra feita sem li-
citação pelo governador
João Doria para adquirir
respiradoresdaChinapor
R$550milhõeslevouoMi-
nistério Público de São
Pauloaabrir investigação
paraapurarascircunstân-
ciasdaoperação. SaúdeB1
PIB dos EUA recua
4,8% no 1º tri, pior
queda desde 2009
Acrise do coronavírus le-
vou o PIB dos EUA a cair
4,8%no primeiro trimes-
tre, pior resultado desde
igualperíodode2009,épo-
cadaGrandeRecessão.O
tomboencerraomaiorci-
clodecrescimentodopa-
ís na história. MercadoA20
Uso demáscara será
obrigatório em ônibus
e táxis de São Paulo a
partir de 4 demaio B1
Governo cria ‘Placar
da Vida’ paramostrar
curados; ação coincide
com alta demortes B4
BC vende US$ 50 bi
emmenos de 1 ano
para conter dólar
OBancoCentraldiminuiu
suas reservas em moeda
estrangeiraemUS$50bi-
lhões desde junho passa-
do, para tentar conter o
câmbio. A equipe econô-
micadefendeavendados
dólares para reduzir a dí-
vida pública. MercadoA16
GovernoBolsonaronapossedonovoministroda Justiça; àdir., emcontraste,NancyPelosi, presidentedaCâmaradosEUA,dáentrevistanoCapitólio respeitando regrasde isolamento social
Pedro Ladeira/Folhapress
União quer editais de
leilões com lucromaior
para atrair investidores
estrangeiros A15
Namira do presidente,
apuração da facada pela
PF descartamandante A11
Gilberto Kassab
ENTREVISTA
Hoje eu não daria
apoio a pedido de
impeachment
Ex-prefeitodeSãoPauloe
ex-ministro, o presidente
do PSD se opõe à abertu-
radeprocessocontra Jair
Bolsonaro no Congresso,
aomenosenquantooSu-
premoapuraasacusações
deSergioMoro.Kassabne-
gaternegociadocargosno
governoemtrocadeapoio
aopresidente. Poder A10
Antiviral remdesivir
acelera recuperação
de pacientes, afirma
órgão americano B9
Por analogia,
lideranças judaicas
repudiam Ernesto
OComitê JudeuAmerica-
noexigiuqueErnestoAra-
újo (Relações Exteriores)
se desculpe após compa-
raroisolamentosocialaos
campos de concentração
nazistas.Afalatambémfoi
repudiadaporoutrasasso-
ciaçõesjudaicas. MundoA13
Brasil temmaior
taxa de contágio do
mundo, diz estudo
O Brasil tem o maior nú-
mero de reprodução de
Covid-19 entre 48 nações
analisadas pelo Imperial
CollegedeLondres.Nase-
manaquecomeçounesta
segunda(27),cadainfecta-
dotransmitiaovíruspara
cercade3pessoas. SaúdeB6
Mauricio Stycer
Minissérie ‘Todas
asMulheres do
Mundo’ encanta
Jornalista e crítico de televisão agora
escreve às quintas na Ilustrada
Ilustrada B12
Drew Angerer/Getty Images/AFP
Alunos almoçam separados por divisórias para evitar contágio por Covid-19 em escola de Taipei, em Taiwan Sam Yeh/AFP
a eee
opinião
A2 QUINTA-FEIRA, 30 DE ABRIL DE 2020
UM JORNAL A S ERV I ÇO DO BRAS I L
a
Publicado desde 1921 – Propriedade da Empresa Folha daManhã S.A.
presidente Luiz Frias
diretor de redação Sérgio Dávila
superintendentes Antonio Manuel Teixeira Mendes e Judith Brito
conselho editorial Rogério Cezar de Cerqueira Leite, Marcelo Coelho,
Ana Estela de Sousa Pinto, Cláudia Collucci, Hélio Schwartsman,
Mônica Bergamo, Patrícia Campos Mello, Suzana Singer, Vinicius Mota,
Antonio Manuel Teixeira Mendes, Luiz Frias e Sérgio Dávila (secretário)
diretoria-executiva Marcelo Benez (comercial), Marcelo Machado
Gonçalves (financeiro) e Eduardo Alcaro (planejamento e novos negócios)
editoriais@grupofolha.com.br
EDITORIAIS
Desvio de finalidade
Opapel de Guedes
DesdequeassumiuaPresidência,
JairBolsonarovemconhecendoos
freios impostospelas instituições
a arroubos personalistas e auto-
ritários.A liçãodestaquarta-feira
(29), relativaàgestãodeumórgão
essencial deEstado, foi semdúvi-
da amais contundente até aqui.
Em boa hora, o mandatário se
viucompelidoarecuardanomea-
çãodeAlexandreRamagemparao
cargodediretordaPolíciaFederal.
Poucoantes,oministroAlexandre
deMoraes, do Supremo Tribunal
Federal, suspendera liminarmen-
te a decisão escandalosa.
Bolsonaro, comodehábito, tes-
tava os limites de seu mandonis-
mo. Se não resta dúvida de que a
escolha do chefe da PF está entre
as atribuições exclusivas do pre-
sidente da República, igualmente
parece óbvio que o uso desse po-
der para proteção de interesses
pessoaisedesuafamílianãoestá.
Como Moraes argumentou em
sua decisão, nomeações para car-
gos públicos devem respeito não
apenasàsformalidadeslegais,mas
tambémaosprincípiosde impes-
soalidade,moralidadee interesse
públicoinscritosnaConstituição.
Acusado pelo ex-ministro Ser-
gio Moro de tentar interferir na
PF com o fim de obter informa-
çõessobreinvestigaçõessigilosas,
Bolsonaroreconheceuqueseuob-
jetivo era exatamente esse, como
senadahouvessedeerradonisso.
“Sempre falei para ele: ‘Moro,
nãotenho informaçõesdaPolícia
Federal.Eutenhoquetododiater
umrelatóriodoqueaconteceu,em
especial nas últimas 24horas, pa-
rapoderbemdecidirofuturodes-
sa nação’”, declarouopresidente.
As acusações deMoro ainda se-
rão investigadas pelo inquérito
aberto pelo STF, que será condu-
zidopeloministroCelsodeMello,
mas o pronunciamento deBolso-
narodeixouclarassuasintenções.
Há evidências deque ao chefe
doExecutivo incomodaminvesti-
gaçõesquemiramfilhosealiados,
esobrammotivosparadesconfiar
daescolhadodelegado,denotória
intimidade coma família.
Moraes apontou desvio de fina-
lidade na nomeação, mesmo ar-
gumentousadopeloministroGil-
marMendesparaimpediraposse
do ex-presidente Luiz Inácio Lu-
la da Silva (PT) comoministro do
governoDilmaRousseff, em2016.
Entendeu-senaépocaqueano-
meação do líder petista tinha co-
mo objetivo principal livrá-lo das
investigaçõesconduzidasporMo-
ro e pela Lava Jato emCuritiba.
SeadecisãodeMendespareceua
estaFolha indevida, à luzdoprin-
cípiodaseparaçãoentrePoderes,
deve-sereconhecerqueascircuns-
tânciasqueopaísvivehojetornam
maisdefensáveismedidasexcepci-
onaiscomoatomadaporMoraes.
Desdearedemocratizaçãodopa-
ís,nenhumpresidentedesafiouos
limitesimpostospelaConstituição
comoBolsonaro, que submete as
instituiçõesdemocráticasaestres-
se permanente com o claro obje-
tivo de enfraquecê-las. Em casos
assim,caberespondercomfirme-
za aos que abusamde seupoder.
Emmeioaoturbilhãodeatosede-
claraçõesestapafúrdiasdasúltimas
semanas, o presidente Jair Bolso-
naromostrou aomenos um lam-
pejo de sensatez ao esvaziar uma
crise que se insinuava na condu-
çãodapolítica econômica.
“Ohomemquedecideeconomia
no país é um só, chama-se Paulo
Guedes”, disse na segunda-feira
(27), tendoaoladooministrocita-
do.Orapapétinhasuarazãodeser.
Na semana anterior, a ala mili-
tar do governo provocara alvoro-
ço como anúncio de umobscuro
programa de obras cujo propósi-
to,segundoogeneralBragaNetto,
chefedaCasaCivil, seriafomentar
arecuperaçãodosinvestimentose
da atividade produtiva depois de
superadooimpactodocombateà
disseminaçãodonovocoronavírus.
Tudo estava errado na divulga-
ção da empreitada, obviamente
avalizada por Bolsonaro. O plano
exibidonãopassavademeiadúzia
deslidesvagosejargõestecnocráti-
cos.Alémdisso,emborasejaneces-
sário planejar o cenário pós-pan-
demia,hámedidasmaisurgentes
a tomar para amparar cidadãos,
empresas, estados emunicípios.
Dadaatradiçãoestatistaegasta-
doradasForçasArmadas,surgiram
temoresjustificadosdequesebus-
cavaumabrechapermanentenas
normas de contenção da despesa
pública, ora correta e temporari-
amente relaxadas para o enfren-
tamento da calamidade.
Intençõesdogêneroforamnega-
dasporBragaNetto,masaausên-
ciadenomesdaequipedeGuedes
naentrevistaacirrouasincertezas.
Opresidente,afinal, jáhaviademi-
tidoo titulardaSaúdee logo faria
omesmocomoda Justiça.
Uma vez prestigiado, o minis-
tro da Economia tratou de reafir-
mar sua agendade reformas libe-
raiseajustedasfinançaspúblicas.
No que diz respeito ao longo pra-
zo, ele está correto: o Estado bra-
sileirosairáaindamaisdeficitário
eendividadodestacrise,oquetor-
na ilusório a esta altura imaginar
programas grandiosos de obras.
Entretantosuapastadeixaade-
sejar, sim, na liderança das políti-
casimediatasparaamitigaçãodos
efeitosdarecessãoqueseiniciaso-
breoempregoearendadas famí-
lias. Esse vazio logo se viu ocupa-
dopeloCongressoNacionale,em
parte,peloBancoCentral—além,
claro, de atrair osmilitares.
Compelido a recuar em nomeação para a PF,
Bolsonaro recebe nova lição sobre limites do poder
são paulo O túmulo de Frank Sina-
tracarregaumadasmais impactan-
tes frases já gravadas em uma lápi-
de. “Thebest isyettocome”(“ome-
lhoraindaestáporvir”), prometea
inscriçãonaCalifórnia.
Éotítulodeumacançãodosanos
50,gravadaporSinatranadécadase-
guinte. Foi a últimamúsica que ele
interpretou empúblico.
Mortoem 1998,ocantortransmi-
teumamensagemdeesperança. Já
os vivos em 2020 recebem basica-
mentemensagensdedesesperança.
Umadelasestampadanamanche-
tedojornalTheNewYorkTimesna
manhãdestaquarta(29),aorelatar
o aceleradíssimo encolhimento da
economia americana nesta crise.
“Vai piorar”, anunciava-se ali.
E daí?
Edaí, JairBolsonaro,queseuspro-
blemasmal começaram.Adeclara-
ção do presidente sobre osmortos
pelocoronavírusdesafiaquemacha-
va que não haviamais nenhumab-
surdo possível a ser dito por ele. E
mostra que de Brasília não vai sair
nada mesmo, se é que alguém ain-
da esperava isso. O presidente ca-
va cadadiamais fundo seupróprio
buraco e leva seuministério junto.
Quem espalhava pelas redes so-
ciais gráficos de arrefecimento das
curvas já recolheu as previsões. As
regiõesdopaíscomUTIsemcolap-
so são cadadiamais numerosas.
Aeconomiamalcomeçouadesci-
da. O PIB americano caiu 4,8% (ta-
xaanualizada)noprimeiro trimes-
tre;aprevisãoparaosegundovaina
casados 30%negativos. Por aqui, o
estragodaquedaderendasearras-
tará pormuito tempo.
O apoio popular ao presidente
tende a sermenor, e o apoio políti-
co,mais custoso e problemático. A
disputainstitucionalsóagoracome-
çaachegaraquestõesmaiscentrais
doautoritarismodopresidente—e
nãovaiaparecerdaínenhumasolu-
çãoparaascrisessanitáriaeeconô-
mica dos próximosmeses.
Os túmulospelopaísestãosendo
abertos a toque de caixa. O que vai
escrito nas plaquinhas Bolsonaro
nunca vai entender.
roberto.dias@grupofolha.com.br
brasília Jair Bolsonaro deve ter se
cansado de cometer erros na crise
docoronavírus.Depoisdepreversó
800mortesnopaís,deinsistirnopo-
der milagroso de um remédio e de
atazanargovernantesquetomaram
medidasdeisolamento,opresiden-
te decidiu fingir que não temmais
nada a ver com isso.
A curvademortes está emdispa-
rada, mas Bolsonaro afirma que o
problema é de governadores e pre-
feitos.JáoministrodaSaúdeadmitiu
queestá“navegandoàscegas”eque
ninguémsabequandovaiseropico
dacontaminação, embora seuche-
fetenhaditohápoucomaisdeduas
semanas que estava “começando a
ir embora a questãodapandemia”.
Bolsonarocomprovousuaincom-
petênciaparalidarcomacrisee,ago-
ra,resolveuabrirumbaúdebrinque-
dosantigosparadistrairsuasbases.
Comosenãoexistisseumadoen-
ça devastadora, ele voltou a acenar
a redutos conservadores com uma
pauta voltada à segurança pública
esuaconhecidacartilhaideológica.
Na semana passada, depois de
acertarademissãododiretordaPolí-
ciaFederal,Bolsonaropegoucarona
numamanifestaçãodegruposevan-
gélicosepublicouumvídeoemque
crianças diziam ser contra o abor-
to. O tuíte tevemais de 85mil inte-
rações entre seus seguidores.
Opresidenteaindatentoureviver
a ameaça fantasmadaesquerdana
educação. Emdois eventos sem re-
lação com a área, Bolsonaro elogi-
ou oministro AbrahamWeintraub
e reclamou da “doutrinação de dé-
cadas” nas escolas brasileiras.
Aideiaémudardeassuntoerefor-
çarseuvínculocomgruposquepo-
deriamficarperturbadoscomaes-
calada demortes ou a saída de Ser-
gioMoro do governo. Para isso, va-
le buscar tambémseu adormecido
discurso linha-dura na segurança.
Nestaquarta(29),onovoministro
da Justiçaexagerounapropaganda
edisse queopresidente é “umpro-
fetanocombateàcriminalidade”.O
deputadoBolsonarojamaisaprovou
umprojeto de lei sobre o tema. No
Planalto,nãodesenvolveunenhuma
política pública relevante na área.
rio de janeiro Jair Bolsonaro insis-
te na narrativa de que não tem na-
daavercomasmortescausadaspe-
laCovid-19.Vaiquecola. “Edaí?La-
mento.Querqueeufaçaoquê?”,ele
pergunta.Obrigadaporterpergun-
tado,presidente.Aqui vãoalgumas
sugestões do que fazer, visto que o
senhor parecemeio sem ideia.
Uma medida urgente é que você
paredebrincarderoletarussacom
avidadobrasileiro.OImperialCol-
legedizqueoBrasil temamaior ta-
xa de contágio do coranavírus do
mundo e prevêmais de 5.000mor-
tes, napróxima semana.Diferente-
mentedoquevocêdisse, se insistir
emabrirocomércio,quemcorreris-
co é o povo.Oúnico risco a que vo-
cê se expõe é ser tachado de geno-
cida.Mas e daí?
O que eu quero, Bolsonaro? Que
vocêpeçadesculpasporterditoque
égripezinha,histeria, fantasia.Que
o vírus está indo embora, que está
superdimensionado, que brasilei-
ropula emesgoto enãopeganada,
quetodomundovaimorrerumdia.
Oquemaiseuquero?Quevocêpa-
redetentar interferirnas investiga-
ções da Polícia Federal para prote-
gerseusfilhos,quemostreosresul-
tadosdetodososseusexamespara
Covid-19, que trate jornalistas sem
parecerumcavalo,quenãocumpri-
mente as pessoas comamão cheia
de perdigotos, que desista de esti-
mular e de participar de atos gol-
pistas. Entenda, você até “manda”,mas não édonodopaís.
Por fim, deixe que os governado-
res façamoquevocênão temfeito,
tentarpreservarvidas. Jádiziaqual-
queravó:senãoforparaajudar,não
atrapalhe. Aproveite e demita o in-
competente do Weintraub e tam-
bémoRicardoSalles,antesquenão
sobreumaárvoreempénaAmazô-
nia.Antesqueeumeesqueça,conta
pra gente, cadê oQueiroz?
Se nada disso for possível, tenho
uma sugestãomuitomais simples.
Renuncie.E,porfavor, levejuntopa-
raoinfernooszerosàesquerdados
seusfilhos.SeDeusrealmenteexis-
te, é para lá que vocês vão.
Opior está por vir
Baúde brinquedos antigos
Oque eu quero, Bolsonaro?
-
Roberto Dias
-
Bruno Boghossian
-
Mariliz Pereira Jorge
Sobramrazõesmorais, políti-
cas e possivelmente jurídicas
para o impedimento de Jair
Bolsonaro.Asacusaçõesdomi-
nistroSergioMoroaodeixaro
cargosãograveseverossímeis.
Somam-se à repulsivapartici-
paçãodopresidentenamani-
festaçãoemque,diantedoQG
do Exército, uma turba urrou
pelo fechamento doCongres-
so e do SupremoTribunal Fe-
deral,comavoltadaditadura.
Aindaassim,édifícildescar-
tarasconsideraçõesnãosóda
oportunidade,massobretudo
dos efeitos do impeachment.
Se uma proposta nesse senti-
do avançasse no Congresso,
consumiria inevitavelmente
a atenção, o tempo e os esfor-
ços que devem ser dedicados
aoúnicopropósitocoletivoque
agora de fato importa: conter
aenormedevastaçãohumana,
social eeconômicaproduzida
pelo coronavírus.
Ela poderá ter também ou-
tras consequências nefastas
quenãoconvémignorar.Nosis-
temapresidencialista, os titu-
laresdoExecutivotêmmanda-
tofixo;asuaabreviaçãoéqua-
sesempretraumática.Comou
semreeleição,ocalendáriopre-
estabelecido é a regra de ou-
ro que organiza a disputa pe-
lo poder. Políticos e partidos
têm nas eleições periódicas e
comdata conhecidao seuho-
rizonte de ação.
Eis por que, na origem do
presidencialismo,o impeach-
ment foi criadocomorecurso
últimoeexcepcionalpara fre-
ar a ambição dos mandatári-
os; suamerapossibilidadede-
veria dispensar o seu efetivo
emprego. O recurso frequen-
teao impeachmentdesestru-
tura o jogo do presidencialis-
mo e cria perigosa instabili-
dade institucional, que ten-
de a enfraquecer a confiança
na democracia.
Em três décadas, a contar
de 1989, dois presidentes fo-
ram impedidos noBrasil. Nos
EUA, em mais de dois sécu-
los, foram abertos processos
contra quatro presidentes. É
insensato supor que um ter-
ceiro trauma do gênero, ape-
nasquatroanosdepoisdoan-
terior,mesmoparabarrarum
mandatáriocomostensivavo-
caçãoautoritária, contribuirá
paraofortalecimentodasnos-
sas instituiçõesdemocráticas.
Por fim, não custa lembrar
que, afastado, Bolsonaro se-
rásubstituídopelovice, gene-
ral Hamilton Mourão, com o
qual compartilha convicções
reacionárias, entre elas uma
visão antediluviana da ques-
tãoambientaledorespeitoao
mododevidadenossaspopu-
lações indígenas; sensibilida-
de zero para a tragédia social
brasileira e, muito provavel-
mente, a mesma concepção
estreita da importância das
liberdades civis.
Assimnão fosse, não lhe te-
riaocorrido,aodeixaroExér-
cito para se juntar a Bolsona-
ro, saudar o falecido major-
torturador BrilhanteUstra. A
sua ascensão ao poder trans-
formariaodiaseguinteao im-
peachmentnacontinuaçãodo
atual pesadelo.
mhermtavares@gmail.com
Odia seguinte
-
MariaHermínia Tavares
Pesquisadora do Cebrap e
professora aposentada da USP.
Escreve às quintas
Benett
Presidente acerta ao esvaziar disputa na economia,
masministro deve liderançamais ativa na crise
a eee
opinião
QUINTA-FEIRA, 30 DE ABRIL DE 2020 A3
Polícia Federal
Jair Bolsonaro só sabemesmo fa-
zer isto: recuar (“Bolsonaro recua
e anula nomeação de Ramagem
para direção-geral da Polícia Fe-
deral”, Poder, 29/4).
Danilo Bracchi (Ilhéus, BA)
*
Tal revogação evidenciamais ain-
da o dolo e amá-fé do presidente
Bolsonaro quanto ao desvio de fi-
nalidade na nomeação de Rama-
gem. Aliás, se Ramagem fosse éti-
co, não teria aceitado tal nomea-
ção, pois era evidente que coloca-
riaaPFsobpermanentesuspeita,
mesmoqueelefosseomaiscapaci-
tadodos delegados. O certo é que
Bolsonarodeixaclaroquenão lhe
pode faltar o apoio permanente
do Ramagem, como um fiel espi-
ão. Se não pode ser na PF, que se-
ja naAbin.
Jorge Filgueiras (Recife, PE)
*
Caradepau.Bolsonarodizquepre-
cisa de relatórios da PF para deci-
dirofuturodanação.Deveriaére-
ceber relatórios diários sobre as
vítimas da Covid-19, mas isso ele
não quer, afinal para ele não pas-
sadeumagripezinha.Deusnos li-
vre destes males: a pandemia e o
pandemônio,nãonecessariamen-
te nessa ordem.
José Teodoro da Silva (São Paulo, SP)
Sensatez
Sensata a decisão do ministro do
Supremo (“Alexandre de Moraes,
do STF, suspende nomeação de
Ramagem na Polícia Federal”, Po-
der,29/4).Anomeaçãodeumami-
godo investigadoparaconduzir a
PF era um disparate, uma afron-
ta ao cidadão brasileiro. E que o
STF não vacile se forem necessá-
rias suspensões cada vez que Bol-
sonaroacharquetempoderesab-
solutos sobre a nação.
Willian Marques (Curitiba, PR)
*
Vejo a decisão do ministro como
uma clara interferência do Judici-
árionoExecutivo.ExisteoAI-5no
Judiciário.Ea imprensasecaladi-
ante daditadura. É preocupante.
Jackson deMoura Ferro Silva
(Itajaí, SC)
*
Essadecisão, juridicamente,nãose
sustenta,poissuafundamentação
repousa emdúvidas e hipóteses.
Antonio Ferreira de Carvalho
(Belém, PA)
*
Se um presidente não consegue
nomear um chefe para PF (e is-
so é atribuição de ministro), é si-
naldequeofimda linhaestábem
próximo. Não passa de um fanto-
che (“BolsonarodesautorizaAGU
edizquerecorreráaoSupremode
decisão que barrou Ramagem na
PF”, Poder, 29/4).
Carlos Rogério DeMello
(Lavras, MG)
Pelo menos
O delegado indicado pelo presi-
dente para chefiar a Polícia Fede-
ral nunca exerceu nenhuma che-
fiaimportantenoórgão,nuncafoi
superintendenteregionaloudire-
tornasededainstituição.E,dere-
pente,serianomeadoparaocargo
de diretor-geral, sendo que há pe-
lomenos 27 superintendentes re-
gionaismaisexperientes,alémdos
diretores na sede na Polícia Fede-
ral. Ficou claro que não havia cri-
tério técnico, apenas o interesse
da investigada família Bolsonaro
emseproteger.
Paulo Henrique deMello
(Valinhos, SP)
Ponto mais baixo
Maisumavez,opresidenteJairBol-
sonaro admitiu e provou que não
serveparanada.Nuncacontribuiu
emnadanosquase30anosemque
foi deputado no Congresso, ape-
nas recebendo dinheiro público e
criando alianças com milicianos.
Estamos no ponto mais baixo na
nossa história.
Jenny Gonzales (São Paulo, SP)
*
Nopaísdapiadapronta,oanticris-
to se chamaMessias.
Fernando Scavone (São Paulo, SP)
Testes
DoriaeCovasdeveriamfazertestes
emmassa, como acontece na Co-
reia do Sul. Por que não fazem?A
Folha tem que obter essa respos-
ta.Nacoletiva,asperguntassãodi-
fusas. Pareceque esses dois tema
benesse da imprensa.
José Roberto Alferes Siqueira
(Cacoal, RO)
Respiradores de SP
Onde estão os órgãos para barrar
essespolíticos?Dorianãocumpre
oquefala.Ondeestãoasmáscaras
que seriam feitas a R$ 0,80 pelos
presidiários? Onde está a presta-
çãodecontadessascompras?Po-
líticoseaproveitadapandemiapa-
ra fazer trapaças (“Doria compra
respiradoressemlicitaçãodaChi-
na por R$ 550mi; Promotoria in-
vestiga”, Cotidiano, 29/4).
Lirete Nogueira (Fortaleza, CE)
*
Parabéns, governador. São Paulo
tem o que falta ao presidente: li-
derança pela vida.
Dermival Pereira deMacedo
(Barueri, SP)
*
Doria está se aproveitando desse
momento. Cadê o Ministério Pú-
blico? Se Bolsonaro fizesse isso, a
imprensajáestariacaindodepau.
Carlos Alberto Siciliano (São Paulo, SP)
Marcelo Coelho
Concordo com quase tudo o que
escreveuMarcelo Coelho (“O bol-
sominioné tãoburroeotárioque
acreditanaprópriamentira”, Ilus-
trada, 29/4). O “quase” é pela ne-
gligência que cometemos emnão
reconhecer que há, sim, um gru-
po que não é burro nem míope.
É um grupo que sempre quer es-
tar em vantagem. É ingenuidade
acreditar que as pessoas são boas
e manipuladas. Há muitas e mui-
tas pessoas ruins, que não se im-
portam que todos sofram, desde
que elas se beneficiem.
Laércio Martins
(São Sebastião do Paraíso, MG)
Parabéns a Marcelo Coelho pe-
la análiseirretocável da realidade
bolsonarista.
Ronaldo Luiz Mincato (Campinas, SP)
*
Rebato com veemência o que es-
creveu Marcelo Coelho. Admito
que votei equivocadamente em
Bolsonaro,masnãomeconsidero
umbolsominion,mentiroso,burro
emuitomenosotário.Aliás,otário
é o colunista emuitos outros que
não têm a humildade de se arre-
penderporteremmantidoacorja
petistanopoderportantotempo.
Maurílio Polizello Júnior
(Ribeirão Preto, SP)
E daí?
Sevocêvotounoatualpresidente,
quandomorrerumparenteseu,um
amigo, um conhecido ou um vizi-
nho devido à Covid-19, lembre-se
da resposta dele sobre asmortes:
“E daí, sou oMessias, mas não fa-
çomilagres”.
Manoel Messias Borges de Araújo
Filho (Rio de Janeiro, RJ)
*
“E daí que já são mais de 5.000?”
Talvez o objetivo seja 6 milhões,
comonoHolocausto.Afinal,asati-
tudes, ideologias e sensibilidade
sãodeumparaleloinegável.Como
médico,queseidalutadoscolegas
contra a morte travada nas UTIs,
émuito difícil ouvir este “e daí?”.
Teotônio Negrão Filho
(Ribeirão Preto, SP)
Acompanhando
Opaís quebrando recordes de ca-
sos emortes pela Covid-19 e omi-
nistrodaSaúdedáentrevistadizen-
doqueestá“acompanhandoosnú-
meros”paraveraevolução.Deon-
de saíramesses gestores?
Alfredo dos Santos Júnior
(Serra Negra, SP)
PAINELDO LEITOR
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Cartas para al. Barão de Limeira, 425, São Paulo, CEP 01202-900. A Folha se reserva o
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Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular
o debate dos problemas brasileiros emundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo
Nos últimos dias, como muitos de
nós, tenho ficado em casa, em ho-
me office, ajudando os filhos com
os trabalhos escolares e testemu-
nhando a transformação do mun-
do diante da crise de saúde públi-
ca. Issome levaarefletir sobreo lu-
gar (ou a falta de lugar) da ciência
emnossa sociedade.
Ao observar a resistência de par-
tedapopulaçãoàsrestriçõesemvi-
gor,meperguntosobrearazãodes-
sadesobediência.Alémdeumques-
tionávelespíritodeprotesto, talati-
tuderevela,acimadetudo,umdes-
conhecimentoprofundodoquees-
tamosvivenciando.Agrandemaio-
ria não sabe como este vírus se re-
produz e é transmitido. No entan-
to, os vírus fazem parte domundo
desde o início dos tempos e são ti-
doshámuito comoumadas amea-
çasmaisgravesparaasaúdeglobal.
Lembrodemeusprimeiroscursos
demicrobiologia:empoucotempo
pude entender que, embora invisí-
veis a olho nu, os microrganismos
têm uma existência concreta e po-
demsertransmitidoscomextrema
facilidade. Umas poucas aulas prá-
ticas complacas de Petri e estirpes
inofensivasdebactérias forambas-
tanteeficazesparamefazeremcom-
preenderasnoçõesbásicasdeeste-
rilização, transmissão e contágio.
A falta de conhecimento históri-
co também é espantosa. Quem vi-
veu a epidemia da Aids logo deduz
que não respeitar o confinamento
equivale amanter relações sexuais
semcamisinhaemmeioaosurtode
HIV. Essesparalelos sãomenosób-
viosparaosmais jovens,quenunca
experimentaramaansiedadeeoris-
co associado à contaminação viral.
Mais uma vez, algumas horas dedi-
cadasaexplicarahistóriadasgran-
desepidemiaspoderiammudartu-
do.Sãorelatosmarcantes.Quantos
ignoramahistóriadapestebubôni-
caoudagripeespanhola?Quantos
sabemavaliarocustohumanodes-
sas grandes tragédias?
Enfim, é bastante claro que pou-
cosentendemoimpactodaciência
nesta crise de saúde.
Sem as décadas de investimento
robustoempesquisasfundamentais,
que, utilizando técnicas modernas
debiologiamolecular, nospermiti-
ram detectar rapidamente o vírus
por meio de sua sequência de áci-
dos nucleicos, omomento atual—
já terrível—poderia ser aindapior.
Muitospaíses já se voltarampara
apesquisacientífica—aúnicasaída
para superar a epidemia. Anúncios
de investimento chegam a bilhões
dedólares.Éopreçoaserpagopara
encontrar vacinas ou terapias anti-
virais comarapideznecessária.Te-
mosde fazer omesmo.Depressa.
A primeira resposta é a consis-
tência do nosso comportamento
como sociedade: cada um deve es-
tardispostoadesistirdecertascoi-
sas, a encarar alguns sacrifícios pa-
ra que todos possamos, juntos, fa-
zer omelhor.
A longo prazo, a única resposta
paraevitaraocorrênciadessasepi-
demias, ou pelo menos para redu-
zir seu impacto, depende da ciên-
cia e donosso interessenela. A cul-
turacientíficatambémnosimpedi-
riadeembarcaremdesinformações
e fantasias nocivas.
Acomunidadecientíficaestáple-
namentemobilizadaparainformar,
ensinar e proteger. Mas, para isso,
precisa de investimento contínuo.
Odia 1ºdeMaio, festado trabalho,
nesteanonosconvidaaconsiderar-
mosdiversas realidadeseaspectos
que a crise do coronavírus pôs es-
pecialmente em destaque: que no
mundo há um grande número de
pessoas boas; que o progresso de-
veestarunidoaumdomíniosobre
a natureza, e que, ao mesmo tem-
po,arespeite;quedependemosuns
dosoutros;quesomosvulneráveis;
e que uma sociedade, para ser hu-
mana, precisa ser solidária.
Na resposta à pandemia, distin-
guem-se sobre tudo as profissões
voltadas para o cuidado das pes-
soas. Palavras relacionadas com
“cuidar” ocupam as manchetes:
acompanhar, chorar, proteger, es-
cutar... Essa situação nos faz pen-
sarno“paraquê”eno“atéquepon-
to” de qualquer trabalho. De algu-
ma maneira, aprendemos a com-
preendermelhor que o serviço é a
alma da sociedade, o que dá senti-
do ao trabalho.
Otrabalhoébemmaisdoqueuma
necessidadeouumproduto.O livro
da Bíblia que relata as origens da
humanidade afirma que Deus cri-
ou o homem “para que trabalhas-
se” e cuidasse domundo (Gênesis,
2,15). O trabalho não é um castigo,
mas a situação normal do ser hu-
manonouniverso.Medianteo tra-
balho, estabelecemosumarelação
comDeusecomosoutrose, traba-
lhando,cadaumpodedesenvolver-
semelhor como pessoa.
A reação exemplar de inúmeros
profissionais,crentesounão,peran-
te à pandemia, está manifestando
essa dimensão de serviço, e ajuda-
nosapensarqueodestinatárioúl-
timo de qualquer tarefa ou profis-
sãoéalguémcomnomeesobreno-
me, alguémque possui umadigni-
dade irrenunciável. Todo trabalho
nobre pode ser reconduzido, afi-
nal, à tarefade“cuidardaspessoas”.
Quando procuramos trabalhar
bem, mantendo a abertura para o
próximo,onossotrabalho,qualquer
trabalho, ganha um sentido com-
pletamente novo, e pode tornar-se
umcaminhodeencontrocomDeus.
Fazumbemmuitogrande integrar
notrabalho—mesmonomaisroti-
neiro— a perspectiva da “pessoa”,
que é a do serviço que vai além do
devido pela retribuição recebida.
Como acontecia já nos primei-
ros tempos do cristianismo, per-
cebe-se também agora o potenci-
al de cada leigo que tenta ser tes-
temunha do Evangelho, ombro a
ombro com seus colegas, compar-
tilhandopaixãoprofissional, com-
promisso e humanidade emmeio
ao sofrimento causado pela pan-
demia e pela incerteza do futuro.
Todocristãoé“Igreja”e,apesardas
limitaçõespessoais,seestiverunido
aJesusCristo,pode levaroamorde
Deus“àtorrentecirculatóriadasoci-
edade”,paracitarumaimagemutili-
zadaporsãoJosemaria,quepregou
amensagemdasantidadeatravésdo
trabalhoprofissional.Comonosso
trabalhoeonossoserviçopodemos
tornar presente o cuidado deDeus
para comcadapessoa.
A celebração de 1º de Maio tam-
bémépreocupaçãopelo futuro,pe-
la insegurançano trabalho a curto
oumédioprazo.Oscatólicos recor-
remoscomespecial empenhoà in-
tercessãodesão JoséOperário,pa-
raqueninguémpercaaesperança,
paraquesaibamosnosajustaràno-
va realidade. Que são José ilumine
osquetêmdetomardecisões,enos
ajudeacompreenderqueotrabalho
é para a pessoa, e não o contrário.
Nos próximos meses e anos se-
rá importante “fazermemória” do
que estamos vivendo, como pedia
opapaFrancisco, e lembrar-nosde
que “caímos na conta de que está-
vamosnomesmobarco, todos frá-
geis edesorientados;mas, aomes-
motempo, importantesenecessári-
os, todoschamadosaremar juntos”.
Oxalá este dia 1º de Maio nos le-
ve a desejar que a liberdade recu-
perada no final do confinamento
seja uma verdadeiraliberdade “a
serviço dos outros”. O trabalho se
tornará então, como é o desígnio
de Deus desde o princípio, o cui-
dadodomundo e, emprimeiro lu-
gar, daspessoas quenelehabitam.
O trabalho de cuidar domundo
O vírus da ignorância
-
Fernando Ocáriz
Monsenhor, é prelado da Opus Dei
-
Hugo Aguilaniu
Biólogo geneticista e diretor-presidente do Instituto Serrapilheira
A reação exemplar de profissionais na pandemia expõe a alma da sociedade
Quantos sabem avaliar o custo humano das grandes tragédias epidêmicas?
[
A celebração de 1º
deMaio também é
preocupação pelo futuro,
pela insegurança no
trabalho a curto ou
médio prazo. Os católicos
recorremos com especial
empenho à intercessão
de são José Operário,
para que ninguém perca
a esperança, para que
saibamos nos ajustar
à nova realidade
[
Quem viveu a epidemia da
Aids logo deduz que não
respeitar o confinamento
equivale amanter relações
sexuais sem camisinha
emmeio ao surto de HIV.
Esses paralelos sãomenos
óbvios para osmais
jovens. (...) Mais uma vez,
algumas horas dedicadas
a explicar a história
das grandes epidemias
poderiammudar tudo
An
dr
é
St
ef
an
in
i
a eee
poder
A4 QUINTA-FEIRA, 30 DE ABRIL DE 2020
Jornal filiado ao IVC
Circulação paga às quintas de mar.2020, impresso mais digitais (IVC) 324.882 exemplares
Páginas vistas no site da Folha emmar.2020 (Google Analytics) 404.556.455
Visitantes únicos no site da Folha emmar.2020 (Google Analytics) 69.769.423
Votei no Bolsonaro sabendo que era um
jumento, mas esperando ummínimo
de honestidade. Não teve. É burro e corrupto
DeFernandoHoliday, vereador (Patriota-SP), sobre asmudanças feitas
porBolsonaronadireçãodaPolícia Federal e noMinistério da Justiça
TIROTEIO
comMariana Carneiro e Guilherme Seto
Nosseusprimeirosmovimentoscomodiretor-geralda
Polícia Federal, antes de sua nomeação ser suspensa
noSupremo,AlexandreRamagemprocuravaumnome
para substituir o superintendente do Rio de Janeiro,
umdoslocaismaissensíveisepolêmicosemrelaçãoà
famíliaBolsonaro.Deacordocomrelatos,odelegado
também indicou que fariamudanças emSãoPaulo e
emMinasGerais.Aexpectativaeraadequepoliciaisdo
Norteganhassemespaçonoórgãosobnovocomando.
Largada
denovo CarlosHenriqueOli-
veiraestánachefiadoRiohá
menosdecincomeses.Eleto-
mou posse emdezembro do
anopassado,apósumimbró-
glio com sua nomeação, que
durou de agosto até novem-
bro. O delegado foi escolha
deMaurício Valeixo, ex-dire-
tor-geral,efoielogiadoporRa-
magemnaprimeira reunião,
nesta terça (28).
lista Nosbastidores,Rama-
gem pediu sugestões de no-
mes para o comando doRio,
mas aindanão tinha escolhi-
do. Para São Paulo, Alexan-
dre Saraiva, superintenden-
tedaPFdoAmazonas,estava
nalistadecotados.Seunome
foipartedaprimeiracriseen-
volvendoopresidentedaRe-
pública e o órgão, em agosto
do anopassado.
ajuda Nodiscursodesaída,o
ex-ministroSergioMorodisse
que o presidente queria tro-
car o diretor-geral e as chefi-
as deRio ePernambuco sem
motivos razoáveis.
nem tudo A informação da
PFnanoitedequarta(29)era
a de que, por outro lado, Ra-
magemestavadecididoanão
mexeremPernambuco.OPai-
nel mostrou ontem que ha-
viasinalizaçãonestesentido.
teimosia Segundo relatos,
antes de Ramagem ser esco-
lhido,generalHeleno(GSI)le-
vouquatro indicaçõesparaa
PF ao presidente Bolsonaro.
Foi ignorado.
nãodá ApesardeBolsonaro
terditoqueaindasonhacom
Ramagem,aPFavaliaquenão
hápossibilidadedissoocorrer
agora. No Judiciário, a análi-
seédequequalqueraçãoper-
deuoobjetoapartirda revo-
gaçãodanomeação.
feitos Opositoresdizemque
Bolsonaro conseguiu em 16
mesesacumulardoisdosmais
polêmicosepisódiosdogover-
noDilmaRousseffedeMichel
Temer.Opresidentereprodu-
ziucomMorocrisesemelhan-
teàdelaçãodeJoesleyBatista
paraTemer,enaindicaçãode
Ramagem, o caso danomea-
çãode Lula paraDilma.
baixas Os principais hospi-
tais particulares de São Pau-
lo jáafastaram 1.895profissi-
onais por suspeita ou conta-
minaçãopelocoronavírus.Al-
guns hospitais não informa-
ramquantosforamafastados,
o que evidencia queonúme-
ro é aindamaior.
voltando Prevent Senior
(371),BeneficênciaPortugue-
sa(390),SãoCamilo(353),Os-
waldoCruz(187)eSantaCata-
rina (142) informaramosnú-
merosaoPainel, ressaltando
quepartedosfuncionários já
havia retornadoao trabalho.
sigilo Os números de Eins-
tein(348)eSírio-Libanês(104)
sãodofinaldemarço.SãoLu-
iz e 9 de Julho disseram que
os números são informados
para a Secretaria de Saúde.
pantomima O ex-presiden-
te e atual senador Fernando
Collor(Pros-AL)temrespon-
didodemaneiradespojadaa
perguntasnoTwitter. Sobreo
realityshowBBB,Collordisse
tertorcidomuitoporBabu,e
respondeuquepodemcontar
comeleparaumaCPIdoBBB
que favoreça oparticipante.
patuscada Umseguidorpe-
diuquefalasseque“aFiatTo-
ro[carrodivulgadonoBBB]é
a evolução da Elba”. Um Fiat
Elbafoipivôdedenúnciasque
resultaramnoimpeachment
deCollor,em 1992.Osenador
respondeu que “evolução da
ElbadeveseraPalioWeekend.
ATorodeveseraevoluçãoda
Strada, não?”.
mãofechada AFapesp,uma
das principais agências de
fomento à pesquisa científi-
ca do país, teve redução de
58,4% nos repasses federais
em2019,primeiroanodogo-
vernoBolsonaro.
aporte OsR$6,2milhõesdes-
tinadosàinstituição,vincula-
da à Secretaria de Desenvol-
vimento Econômico do go-
vernoJoãoDoria(PSDB),não
são nemmetade dos R$ 14,9
milhões de 2018. A compen-
sação em 2019 veio pormeio
de R$ 1,3 bilhão do estado. A
Fapespéfinanciadoradepes-
quisas sobre o coronavírus.
Camila Mattoso
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MG, PR, RJ, SP
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DF, SC
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AL, BA, PE, SE, TO
R$ 1.177
Outros estados
R$ 1.460
GRUPO FOLHA
brasília OministroAlexandre
deMoraes,doSupremoTribu-
nalFederal, suspendeunesta
quarta-feira(29)anomeação
deAlexandreRamagempara
adiretoria-geraldaPolíciaFe-
deral,emmaisumatodacor-
tecontrárioamedidasadota-
das por Jair Bolsonaro.
Após a Advocacia-Geral da
Uniãoafirmarqueocasoesta-
vaencerradoeoprópriopre-
sidente revogar anomeação,
ele afirmou que quem man-
da no governo é ele e que irá
apresentar recurso ao STF.
A decisão deMoraes se ba-
seia,principalmente,nasafir-
maçõesdeBolsonarodeque
pretendiausaraPF,umórgão
deinvestigação,comoprodu-
tordeinformaçõesparasuas
tomadas de decisão.
O ministro concedeu limi-
nar(decisãoprovisória)auma
açãoprotocoladapelooposi-
cionistaPDT,quealegou“abu-
so de poder por desvio de fi-
nalidade” com a nomeação
dodelegadopara a PF.
Moraes destacou que sua
decisão era cabível pois a PF
nãoéum“órgãodeinteligên-
ciadaPresidênciadaRepúbli-
ca”, mas sim “polícia judiciá-
riadaUnião, inclusiveemdi-
versasinvestigaçõessigilosas”.
Na decisão, oministro afir-
mouhaver“inobservânciaaos
princípiosconstitucionaisda
impessoalidade, da morali-
dade e do interesse público”,
acrescentando que, “em um
sistemarepublicano,nãoexis-
te poder absoluto ou ilimita-
do, porque seria a negativa
dopróprioEstadodeDireito”.
Ramagem chefiou a segu-
rança de Bolsonaro durante
acampanhade2018, tornou-
seamigodafamíliaeviroudi-
retor-geral da Abin (Agência
BrasileiradeInteligência).Sua
possenocomandodaPFseria
na tarde desta quarta-feira.
Nosábado(25),aFolhamos-
trouqueapuraçãocomanda-
dapeloSTF,comparticipação
de equipes da PF, tem indíci-
osdeenvolvimentodeCarlos
Bolsonaro, um dos filhos do
presidente, em esquema de
disseminaçãode fakenews.
A solenidade desta quarta
foi mantida, mas apenas pa-
ra a posse do novo ministro
da Justiça,AndréMendonça,
queassumiuolugardeSergio
Moro —que deixou o gover-
noacusandoopresidentede
tentarinterferirpoliticamen-
te nas investigações daPF.
Nacerimônia,Bolsonarofez
acenos a ministros da cortepresentes—DiasToffoli,pre-
sidentedoSTF,eGilmarMen-
des—, mas defendeu a inde-
pendência entre os Poderes.
“RespeitooPoderJudiciário,
respeitoassuasdecisões,mas
nósantesdetudorespeitamos
a nossa Constituição. O se-
nhorRamagem,que tomaria
posse hoje, foi impedido por
umadecisãomonocráticade
umministro do STF”, discur-
sou, destacando que conhe-
ceu seu indicadonaeleição.
“Creioserumamissãohon-
radaparaosenhorRamagem.
Gostariadehonrá-lohojedan-
do-lhepossecomodiretor-ge-
ral da Polícia Federal. Tenho
certezaqueesse sonhomeu,
maisdele[Ramagem],breve-
menteseconcretizaráparao
bemda nossa Polícia Federa
e donossoBrasil”, afirmou.
Namesmasolenidade, len-
doumartigodaConstituição,
Bolsonarotambémdestacou
a importância da harmonia
entre os Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário e dis-
se que segue esse princípio.
“Assimmecomportoedirijo
essanação.Nãopossoadmitir
queninguémousedesrespei-
taroutentardesbordaranos-
saConstituição.Esseéomeu
papel; o papel não sódosde-
mais Poderes, bem como de
qualquer cidadão desse Bra-
sil. Harmonia, independên-
cia e respeito entre si.”
Ao voltar para o Palácio da
Alvorada,Bolsonarodesautori-
zouaAGUedissequeoórgão,
diferentementedenotaoficial
que havia divulgadomais ce-
do, vai recorrerdadecisãode
Moraes. “É dever dela [AGU]
recorrer. Quem manda sou
eueeuquerooRamagemlá.”
Bolsonaroafirmouque,seo
recursonãodercerto,eletem
“várias opções” para o pos-
to, entre elas o secretário de
Segurança Pública do Distri-
to Federal, AndersonTorres.
Poucodepoisdeopresiden-
tedesautorizaranotadaAGU,
JoséLevi,onovoresponsável
peloórgão,reafirmouoinver-
STFbarranovo chefedaPF,
Bolsonaro fala emPoderes
independentes e recorrerá
Presidente cancela nomeação de Ramagem após derrota judicial, mas
desautoriza AGU, diz que quemmanda é ele e que insistirá no nome
so. “Jáfoiditoquenãohaverá
recurso”, disse. Ele deu a en-
tender,porém,quenãotinha
informaçãosobreasnovasde-
clarações dopresidente.
Comoadecisãosobreocaso
foimonocrática, a AGUpode
recorrer para queMoraes re-
avalieopróprioentendimen-
tooupara levarocasoaople-
nário.Assim,caberiaaos11mi-
nistrosdacortedecidirseano-
meaçãodeixoudeobservaros
princípiosdaimpessoalidade,
moralidadeedointeressepú-
blico, comoafirmouMoraes.
O ministro tem defendido
nos bastidores, porém, que
nãocabereferendodoplená-
rio em liminar emmandado
de segurança, que foi omeio
processual usadopelo PDT.
Assim,segundoele,suadeci-
sãonãopoderiasersubmetida
aos demaismagistrados, que
sóseriamchamadosaopinar
aofinaldainstruçãodoproces-
so, ou seja, após a apresenta-
çãodemanifestaçõesdaspar-
teseoutrasdiligências.Atese,
no entanto, é controversa, e
outrosministrosdiscordam.
Há outra discussão jurídi-
ca, sobre seoprocessoainda
podeser julgadoouseestaria
encerrado,vistoqueopróprio
Bolsonaro sustou os efeitos
danomeaçãodeRamagem.
Emsuadecisão,Moraestrata
operfildeRamagemesuapro-
ximidadecomafamíliaBolso-
narodeformasecundária.Ele
usadeclaraçõesdopresidente
edeMoroparaexemplificaros
riscosdanomeação.
Em referência às relações
deRamagemcomafamíliado
presidente, oministro apon-
tou ainda que o princípio da
impessoalidade encontra-se
nomesmocampododaigual-
dade eda legalidade.
Moraesdeclarouaindaque
oPoderJudiciárionãodevese
restringirsóao“exameestri-
toda legalidadedoatoadmi-
nistrativo”, mas também ob-
servar“amoraladministrati-
va”e“ointeressecoletivo,em
fielobservânciaao ‘sensoco-
mumdehonestidade,equilí-
brioeéticadasInstituições’”.
ApósasaídadeMoro,ano-
meaçãodonovodiretordaPF
viroualvodeaçõesnaJustiça
ederesistêncianoCongresso.
Continua na pág. A6
Opresidente Jair Bolsonaro e o filho Flávio em aglomeração na posse do titular da Justiça Ueslei Marcelino/Reuters
EMDIA DE
VISITA DE
BOLSONARO,
CENTRAL
PARA COVID-
19 CONFIRMA
INTEGRANTE
INFECTADO
Um integrante
do Centro de
Coordenação
das Operações
do Comitê
de Crise, que
acompanha
as ações de
combate ao
novo corona-
vírus, obteve
resultado
positivo para a
Covid-19 nesta
quarta (29).
O local analisa
a possibilidade
de que os 32
membros
sejam submeti-
dos a testagem
para a doença.
Nesta quarta,
a sala onde
está instalado
o centro foi
visitada pelo
presidente
Jair Bolsonaro,
acompanhado
doministro
Walter Braga
Netto (Casa
Civil) e de
empresários
que apoiam o
governo, como
LucianoHang
(Havan), Meyer
Nigri (Tecnisa)
e Flávio Rocha
(Riachuelo).
Os integrantes
foram avisados
pormeio de
mensagemde
WhatsApp.
Bolsonaro, o
ministro e os
empresários
entraram
na sala sem
máscaras.
a eee QUINTA-FEIRA, 30 DE ABRIL DE 2020 A5
100 m
de altura
Mastros foram
construídos de forma
independente e
formam o arco
Complexo viário
desafoga o trânsito
na região da rotatória
do Colinas
Única ponte em arco
e curva do Brasil
PISTA SUPERIOR
70 estais,
posicionados tridimensionalmente,
que garantem beleza e sustentação
36 mil metros
de cordoalhas (cabos) de estaiamento
60 mil
trabalhadores
transportados
nesses ônibus
1.246
viagens de ônibus
180 mil
veículos
CIRCULAÇÃO DIÁRIA
PISTA INFERIOR
COMPRIMENTO DOS
VIADUTOS EM FORMATO DE “X”
COMPARE COM OUTRAS CONSTRUÇÕES
302 m
365 m
100 m
92 m
30 m
Pista inferior
Pista superior
Arco da Inovação
Prédio da Fiesp
Cristo
Redentor
O Arco da Inovação equivale a um prédio de 33
andares. É oito metros mais alto que o prédio da
Fiesp, na av. Paulista, e tem quase três vezes e meia
a altura do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro
Av. Jorge Zarur
Av
. S
ão
Jo
ão
APRESENTA
Ateliê de produção de conteúdo para estratégia de marcas e mercado publicitário em todas as plataformas |
Fotos: Ehder de Souza
Ponte estaiada entregue em São José dos
Campos contou com as mais avançadas
técnicas de construção e é a única no Brasil
em arco e curva; vai desafogar o principal
ponto de congestionamento da cidade
Desafio de engenharia
e cartão postal
A
cidade de São José dos
Campos (SP) ganhou na
última semana uma obra
querepresentaaomesmotempoa
força da engenharia para superar
desafios e a possibilidade de de-
senvolver complexos viários que
embelezam o entorno em vez de
deteriorá-lo.
ChamadadeArcodaInovação,
a obra foi realizada pela Constru-
toraQueirozGalvãoapósprocesso
licitatóriodaPrefeituradeSãoJosé
dosCampos.Osdoisviadutos, em
formatodeXequepassamsobum
arcode100metrosdealtura,ligam
as avenidas São João e Jorge Zarur
e resolvem o principal nó de con-
gestionamento da cidade.
Para sua realização, a equipe
de engenharia daQueirozGalvão
foi em busca das técnicas mais
avançadas, principalmente para
a construção do arco. Por meio
de um sistema de fôrmas auto-
trepantes (ATR), foram constru-
ídos os doismastros de forma in-
dependente, que se encontraram
a 100metros de altura para criar
a estrutura semielíptica.
Aoarco foramfixados 70estais
que permitem a sustentação dos
dois viadutos que se cruzam den-
tro dele. A colocação de cada um
dessesestaisdependeudecálcu-
loscriteriososparadefinirpo-
siçãoeinclinação,garantindo
o entrelaçamento perfeito
entre eles. No interior
deles,hámais de 36mil
metros de cabos.
Outro desafio foi o terreno (a
estruturaestá ao largodeumcór-
rego,epartedaobraaconteceudu-
rante o período das chuvas, o que
deixa o terreno mais instável). Aí,
contouaexperiênciadostrabalha-
doresdaconstrutoraeainteração
entre as equipes de projeto e de
execução, o que permitiu ade-
quações, recálculosereenge-
nharia paramanter a conti-
nuidade das obras.
O resultado é umno-
vomarcoarquitetônicoe
cartãopostaldacidade.
Arco de 100 metros de altura visto de cima, com os estais que sustentam os viadutos Viadutos em X, que passam dentro do arco e que ligam as avenidas Jorge Zarur e São João
a eee
-Matheus Teixeira
e Julia Chaib
brasília Adecisãodoministro
AlexandredeMoraes de sus-
pender a nomeação de Ale-
xandreRamagemparaache-
fiadaPolíciaFederalentrapa-
raasériederevesesqueacor-
te impôsaogovernonosúlti-
mos dois meses e mantém a
pressãodoSupremoTribunal
FederalsobreJairBolsonaro.
Desde que a Organização
Mundial de Saúde declarou
pandemiadonovocoronaví-
rus, em 11março, o STF con-
trariou os interesses do Exe-
cutivoemaomenos 12ações.
OdespachodeMoraesdes-
taquarta(29)sobreaPFfoinamesma linha. Esse caso, po-
rém,revelouumcomponente
amaisnarelaçãoentreosPo-
deres, na avaliaçãodeminis-
tros de tribunais superiores.
Aosuspenderanomeação,
eles avaliam nos bastidores
que Moraes um mandou re-
cadoclarodequeacortenão
aceitará interferência na PF,
sobretudoemdoisinquéritos
sobsigilo:osqueinvestigama
organizaçãodeatospró-inter-
vençãomilitareadissemina-
çãodefakenews,quetemum
filhodopresidente,overeador
CarlosBolsonaro(Republica-
nos-RJ),namiracomosupos-
toarticuladordeesquemade
disseminaçãonotícias falsas.
CarloséofilhodeBolsona-
romaispróximodeRamagem.
Asduas investigaçõessãoca-
ras para umaala do STF.
Desde que o ministro Dias
Toffoli, presidente da corte,
instaurou o inquérito sobre
notícias falsas contra minis-
trosdoSTF,emmarçode2019,
ele foialvodecríticasdepro-
curadoreseinvestigadores li-
gados à Lava Jato.
Toffoli, porém, sempre fez
questão de defender a lega-
lidade da medida para levá-
la adiante. Na visão dele e de
outrosministros,a investiga-
ção é importante para eluci-
dar a rede de ataques que os
atingeeconteressesdisparos.
Essaapuraçãofoimuitocri-
ticadaporjuristasepelamili-
tância bolsonarista, mas de-
fendidapelogovernofederal.
Segundo as críticas o STF
não poderia ter agido de ofí-
cio, ou seja, ter determinado
a abertura de inquérito sem
ter sido provocado pela Pro-
curadoria-GeraldaRepública,
comoé a regra do Judiciário.
AAdvocacia-GeraldaUnião,
porém,manifestou-secontra
o arquivamentodo caso.
Nestaquarta,logoapósade-
cisão deMoraes, a leitura de
atoresdo Judiciário foi queo
ministrotraçouumalinhade
até ondeBolsonaropode ir.
Houveinclusiveaavaliação
dequeoSTFpoderáautorizar
diligências da PF nos próxi-
mos dias contra integrantes
doesquemadefakenews,pa-
ramostrar quenão recuará.
Essa decisão não foi o pri-
meiro recadodoministro ao
Planaltoemrelaçãoàautono-
miadaPF.Nomesmodia em
que Moro acusou Bolsonaro
deinterferirnacorporação,na
sexta (24), Alexandre deMo-
raesdeterminouàPFquenão
troque os delegados respon-
sáveispelasinvestigaçõesdos
atospró-ditaduraeadenotí-
cias falsas na internet.
O presidente não é oficial-
mente investigado, mas par-
ticipou dos atos e, se houver
indícios de que ele ajudou a
organizar os protestos, po-
deráviraralvodasapurações.
Além dessas ações, houve
outras decisões do tribunal
que limitaram a atuação do
Executivo. Ainda sobre a de-
missão deMoro, o STF auto-
rizoua investigaçãocontrao
chefedoExecutivoparaapu-
rar as acusações do ex-juiz.
Esse inquérito pode impu-
tar crimes tanto aBolsonaro
quanto aMoro.
Dentrodacorte,Moroacu-
muladesafetosdesdequecon-
duzia a Lava Jato. Por isso, a
medida pode ser usada tam-
bémparamandarrecadosao
ex-ministro.
Emoutrafrente,Bolsonaro
sofreuderrotasemmedidasli-
gadasaocombateàpandemia.
Naprincipaldelas,osminis-
tros impediramaofensivado
presidentecontragovernado-
reseprefeitosparaflexibilizar
a quarentena.
Porunanimidade,oSTFde-
cidiuqueestadosemunicípi-
os têm competência concor-
renteemmatériadesaúdepú-
blicae,portanto,podemregu-
lamentaroisolamentosocial.
Amesmadecisão foi toma-
daemrelaçãoàatribuiçãopa-
ralistarasatividadesessenci-
ais na pandemia. Segundo o
tribunal, os entes da federa-
ção podem, de acordo com
aspeculiaridadesdecada re-
gião,definirquaisserviçospo-
dem ser prestados no perío-
doda crise.
Nos bastidores, os minis-
tros dizem que irão limitar
as ações do presidente que
vãonacontramãodaharmo-
nia entre os Poderes e os en-
tes da federação. No entan-
to, prometem ajudar quan-
do o governo estiver alinha-
do com os demais atores no
enfrentamento àpandemia.
Comoprova disso, Alexan-
dre de Moraes levou menos
de48horasparaanalisaruma
ação da AGU e dar liberdade
paraogovernodescumprira
Lei de Responsabilidade Fis-
cal emanobrar o orçamento
no combate à doença.
Namesmalinha,oplenário
dacortederruboudecisão li-
minardoministroRicardoLe-
wandowskiparamanterava-
lidade daMP que permitia o
cortede salário e reduçãode
jornadaeasuspensãodecon-
tratodetrabalhopormeiode
acordo individual entre pa-
trão e empregado.
poder
A6 QUINTA-FEIRA, 30 DE ABRIL DE 2020
Nosúltimosanos,oSTFjábar-
rouaindicaçãodeoutrosmi-
nistros por presidentes. Em
2018, a então presidente do
Supremo,CármenLúcia,sus-
pendeu a posse da deputada
federalCristianeBrasil (PTB-
RJ) para oMinistério do Tra-
balho.Emdespacho,acolheu
parcialmentereclamaçãoque
citavacondenaçõescontraela
na Justiça doTrabalho.
Ocasomaiscélebrefoiodo
ex-presidente Lula. Em 2016,
quando o impeachment ba-
tia à sua porta, Dilma Rous-
seff (PT) tentou emplacar o
petista na Casa Civil, a esco-
lhachegouaserpublicadano
DiárioOficial,masfoibarrada
pordecisõesdaJustiçaFederal
eporGilmarMendes,doSTF.
Na época, ele disse ter vis-
todesviodefinalidadenano-
meação, que teria o objetivo
deimpedirumaiminentepri-
sãodo ex-presidente.
ConversasdeLulagravadas
pelaPolíciaFederal,mantidas
sobsigilodesde2016erevela-
das pela Folha em setembro
passado,porém,colocamem
xequeatesedequesuanome-
açãoporDilma tivesse como
objetivo principal obstruir
as investigaçõesdaLavaJato.
Bruno Boghossian, Matheus
Teixeira, Ricardo Della
Coletta, Daniel Carvalho e
Gustavo Uribe
Medida tem respaldo
de especialistas,mas
há quemveja ativismo
-Renata Galf
são paulo A decisão do mi-
nistro Alexandre de Moraes
desuspenderanomeaçãode
Alexandre Ramagem levan-
ta questionamentos por en-
volveraçãodiscricionáriado
presidente da República, ou
seja, que não exige critérios
objetivosparaaescolha,mas
“juízodeconveniênciaeopor-
tunidade”.
Paraamaioriadosespecia-
listas ouvidos pela Folha, foi
correta a decisão deMoraes.
Segundoeles, opoderdeno-
meação do presidente não é
absoluto e deve respeitar as
regras previstas pela Consti-
tuição, como impessoalida-
de,moralidade e legalidade.
“O que o Supremo faz não
égovernaremlugardopresi-
dente, é evitarodesgoverno.
O Supremo está estreitando
o leque de escolhas do presi-
dente, não eliminando”, afir-
mouGustavoBinenbojm,pro-
fessor de direito administra-
tivo da Universidade do Es-
tadodoRiodeJaneiro(Uerj).
Na decisão, Moraes argu-
Continuação da pág. A4
STF barra novo chefe da PF,
Bolsonaro fala em Poderes
independentes e recorrerá
mentaquehouveabusodepo-
dernanomeação,vistoquea
leiprevêquesãonulososatos
praticadosporagentespúbli-
cos comfinalidade diferente
da que é prevista em lei.
Para o professor de direi-
to público da FGV Carlos Ari
Sundfeld, “a decisão é técni-
ca,dificilmentepoderiacontar
comindícios tão fortes como
aconfissãodopresidente,isso
fezoSTFdecidircorretamen-
teporsuspenderanomeação”.
SegundoSundfeld,odesvio
definalidadeestariaem“não
colocaralguémparacumprir
as normas,mas alguémpara
ajudar o presidente a fazer
interferênciasquea leiveda”.
Háquemafirme,noentan-
to,queseriaprecisohaverpro-
vas mais contundentes para
queanomeação fosseanula-
danestemomento.
Oprofessordedireitocons-
titucionaldaUSPElivaldaSil-
va Ramos vê ativismo judici-
alnadecisãoeafirmaqueela
cria umprecedente ruim.
Para ele ainda não há pro-
vas suficientes de que a no-
meação de Ramagem seria
abuso de poder, mas apenas
indícios.Segundoele,apesar
dealiminar(decisãoprovisó-
ria)poderserconcedidasem
provascabais,porsetratarda
suspensão de um ato discri-
cionário seria preciso haver
provasmaismaduras.
Oprofessordedireitocons-
titucionaldaUFPR(Universi-
dade Federal do Paraná) Mi-
guel Gualano de Godoy tam-
bémvêadecisãocomreceio,
masconsidera temerário co-
locaradecisãoemtermosde
certo e errado. “Mais proble-
mático que a decisão do mi-
nistro Alexandre de Moraes
éoSTFnãofirmarumprece-
dentenítido sobreashipóte-
sesqueautorizamessa inter-
venção, quedeve sempre ser
excepcional”, afirma.
Apesar disso, Gualano não
consideraadecisãocomoati-
vismojudicial, jáquealeiper-
mitequeatosdenomeaçãose-
jamanuladospeloJudiciário.
Para Lucianode SouzaGo-
doy, advogado e ex-juiz fede-
ral, foi correta a decisão em
caráter provisório, combase
no conceito do perigo da de-
mora.“Oujuizconcedeoune-
ga,seelenegaeonovodiretor
tomaposseedáaopresiden-
te os relatórios que ele disse
que almejava, terá se consu-
madoodanoenão temmais
como reverter.”
A professorade direito pú-
blicodaUSPMariaPaulaDal-
lariBucciconcordacomade-
cisãodoSTF.Segundoela,nos
fatos trazidos nos pronunci-
amentos do ex-ministro da
JustiçaSergioMoroedopre-
sidenteestá “plenamenteca-
racterizado o abuso de po-
der,pordesviodefinalidade”.
$
Derrotas de Bolsonaro
no Supremo
Isolamento social
(24.mar) Marco Aurélio
Mello mantém a legalidade
dos decretos que impõem
restrições a circulação
Acesso à Informação
(26.mar) Alexandre de
Moraes suspende retirada da
obrigatoriedade de órgãos
públicos cumprirem prazo
para responder pedidos
Prorrogação deMP
(27.mar) Moraes nega
pedido do Planalto para
ampliar a vigência de
medidas provisórias
Proibiçãodecampanha
(31.mar) LuísRobertoBarroso
veta a circulaçãoda campanha
federal “OBrasil nãopode
parar”, contra o isolamento
Autonomia dos estados
(8.abr) Moraes decide que
estados e municípios têm
autonomia para impor o
isolamento social. No dia 15,
STF decide por unanimidade
Convidados na posse do novoministro da Justiça e do novo
advogado-geral da União, no Planalto Pedro Ladeira/Folhapress
DecisãodoSupremo
mantémpressão
sobreopresidente
Nos bastidores, determinação do ministro Alexandre de
Moraes foi lida como imposição de limites ao Executivo
Oministro Alexandre deMoraes no plenário da corte Rosinei Coutinho - 6.fev.20/STF
$
Entenda a decisão e
relembre outros casos
NOMEAÇÃO PARAA PF
• Oministro Alexandre
de Moraes suspendeu a
nomeação de Alexandre
Ramagem para o
comando da PF após o
PDT entrar commandado
de segurança alegando
“abuso de poder por
desvio definalidade”
no ato de Jair Bolsonaro
• Omagistrado baseou
sua decisão no
comportamento do chefe
do Executivo. Segundo o
ministro, há elementos
que apontam o interesse
de Bolsonaro em escolher
para o comando da
corporação alguém
que pudesse fornecer
acesso a informações
privilegiadas. O próprio
presidente admitiu
interesse pessoal
emações da PF, em
pronunciamento após a
demissão de Sergio Moro
• Para oministro do STF,
houve “inobservância aos
princípios constitucionais
da impessoalidade,
damoralidade e do
interesse público” na
nomeação. “Em um
sistema republicano,
não existe poder
absoluto ou ilimitado
(...)”, acrescentou
• Alexandre citou ainda
acusações do ex-juiz
contra o presidente.
“[Moro] afirmou (...) que
o presidente da República
informou-lhe da futura
nomeação (...), para que
pudesse ter ‘interferência
política’ na instituição,
no sentido de ‘ter uma
pessoa do contato pessoal
dele’, ‘que pudesse ligar,
colher informações, colher
relatórios de inteligência’”
•Ramageméamigo dos
filhos deBolsonaro.
Sobre essa relação,
o ministro afirmou
que o princípio da
impessoalidade “exige do
administrador público a
prática do ato somente
visando seu fim legal,
de forma impessoal”
LULA
Dilma Rousseff (PT) tentou
nomear Lula para ser
ministro da Casa Civil,
emmarço de 2016, antes
do impeachment. Gilmar
Mendes, do STF, impediu
a posse, dizendo entender
que havia um desvio de
finalidade na nomeação.
Omagistrado concluiu na
época que a intenção do
ato era impedir a prisão
de Lula. Mais tarde,
conversas de Lula gravadas
pela PF e reveladas
pela Folha colocaram
em xeque essa tese
CRISTIANE BRASIL
Em janeiro de 2018, a
ministra Cármen Lúcia,
na época presidente do
STF, suspendeu a posse
da então deputada federal
Cristiane Brasil (PTB-
RJ), filha do ex-deputado
Roberto Jefferson, para o
comando doMinistério
do Trabalho. A ministra
acolheu “parcialmente”
reclamação de um grupo
de advogados, que chamou
de “grande imoralidade” a
nomeação, porque Cristiane
já tinha sido condenada
na Justiça do Trabalho
MOREIRA FRANCO
Em fevereiro de 2017, a
nomeação de Moreira
para a Secretaria-Geral
da Presidência chegou a
ser suspensa por juízes
federais. O argumento era
que a escolha de Michel
Temer visava proteger
o aliado, citado por
executivos da Odebrecht
em delação premiada
com a PGR. A AGU
reverteu as decisões
a eee
poder
QUINTA-FEIRA, 30 DE ABRIL DE 2020 A7
-CamilaMattoso
brasília A decisão do minis-
tro Alexandre deMoraes, do
STF (Supremo Tribunal Fe-
deral), pegou a Polícia Fede-
raldesurpresanamanhãdes-
ta quarta-feira (29). A nome-
açãodeAlexandreRamagem
já era dada comocerta. Uma
reuniãocomdiretoresesupe-
rintendentes na terça (28) ti-
nhadadoinícioaonovociclo.
Tanto integrantesdacúpu-
la quanto membros da ba-
se da corporação já conside-
ravam a escolha do sucessor
de Maurício Valeixo um as-
sunto encerrado.
Policiaispassaramodiaarti-
culandoumamaneiradepres-
sionaropresidenteJairBolso-
naro (sem partido) a tomar
umarápidadecisãoenãoper-
mitirqueoórgãofiqueacéfa-
lodiantedasuspensãodano-
meaçãodeRamagem.
Membros da direção ten-
taramcontatocommilitares
próximosaopresidentepara
ajudarnoconvencimento.Até
ofinaldanoitedestaquarta,a
expectativaeraqueadecisão
seria por um nome que não
agravassemais a crise naPF.
Depois de afirmar que res-
peita oPoder Judiciário, Bol-
sonaro disse que a AGU (Ad-
vocacia-Geral da União) vai
recorrerda liminardeMora-
es. “Quemmandasoueueeu
querooRamagemlá”,afirmou.
AntesdadecisãodoSupre-
mo,asatençõesestavamvol-
tadas para a escolha dos no-
vosdiretoresedecomoono-
vocomandantefariaparasu-
perardesconfiançasinternas
e principalmente da opinião
pública,porcausadasacusa-
çõesfeitaspeloex-ministroda
Justiça SergioMoro.
O ex-juiz afirmou ao anun-
ciar suademissãoqueBolso-
narohavialheinformadoque
gostariaderealizaratrocana
PFparaquepudesseter inter-
ferência política, “uma pes-
soa de contato pessoal, que
pudesse ligarecolher relató-
rios de inteligência”, de acor-
do comsuas palavras.
Nascontasdepoliciais,oór-
gão está há quase dezmeses
sangrando.Acriseteveinício
ainda em agosto do ano pas-
sado,quandoBolsonaroatro-
pelou a direção da PF e deci-
diutrocarosuperintendente
doRio de Janeiro.
A principal reclamação de
delegadoséqueasituaçãode
instabilidadeatrapalhaoan-
damentodetrabalhos,parali-
sandotambéminvestigações.
Apesar de momentos de
calmaria nos dez meses que
se passaram desde a primei-
ra turbulência, policiais rela-
tamqueasituaçãonuncapa-
receude fato resolvida.
Apassagemdeanochegou
DelegadosveemPFsangrandoe
tentamevitarquefiqueacéfala
Decisão do STF que barrou posse de Ramagem pega corporação de surpresa
INQUÉRITODAS FAKENEWS
Em inquérito sigiloso
conduzido pelo STF, a PF
identificou o vereador
Carlos Bolsonaro, filho do
presidente Jair Bolsonaro,
como um dos articuladores
de um esquema criminoso
de fake news. Dentro da
PF, não há dúvidas de que
Bolsonaro quis exonerar o ex-
diretor da PFMaurício Valeixo,
homem de confiança de Moro,
porque tinha ciência de que a
corporação havia chegado ao
seufilho. Para o presidente,
tirar Valeixo da direção da
PF poderia abrir caminho
para obter informações da
investigação do STF ou trocar
o grupo de delegados do caso
ATOS PRÓ-GOLPEMILITAR
Oministro Alexandre de
Moraes, do STF, autorizou a
abertura de inquérito para
investigar os atos do dia 19
demarço. O pedido foi feito
por Augusto Aras. O objetivo
é apurar possível violação da
Lei de SegurançaNacional
por “atos contra o regime
da democracia brasileira”. A
investigaçãomira empresários
e aomenos dois deputados
federais bolsonaristas
por, possivelmente, terem
organizado e financiado
os eventos. Os nomes
sãomantidos em sigilo.
Bolsonaro, que participou
dos atos em Brasília, não
será investigado, segundo
interlocutores do procurador-
geral. Eles alertam, porém,
que, caso sejam encontrados
indícios de que o chefe do
Executivo ajudou a organizá-
los, ele pode vir a ser alvo
CASOQUEIROZ
Em agosto do ano passado,
Bolsonaro anunciou que
trocaria a o superintendente
da Polícia Federal no Rio
de Janeiro, Ricardo Saadi,
por questões de gestão e
produtividade. A corporação
passava por momento
delicado, após vir à tona
o caso Fabrício Queiroz,
policial aposentado e ex-
assessor do senador Flávio
Bolsonaro (Republicanos-
RJ) na Assembleia do Rio. Ele
é o pivô da investigação do
Ministério Público que atingiu
o senador, primogênito do
presidente. A suspeita é de
que o dinheiro seja de um
esquemade “rachadinha”
—quando funcionários são
coagidos a devolver parte de
seus saláriosaos deputados
Mendonçadiz quepresidente é profeta e prometemais operações
-Daniel Carvalho e
Ricardo Della Coletta
brasília O novo ministro da
Justiça e Segurança Pública,
André Luiz Mendonça, to-
mou posse nesta quarta-fei-
ra(29)prestandocontinência
e fazendoumasériedemen-
ções elogiosas ao presidente
JairBolsonaro(sempartido),
a quemchamoudeprofeta.
Em seu discurso e diante
de uma plateia majoritaria-
mente sem máscaras e com
nomes do Judiciário e parla-
mentares,eleprometeumais
operaçõesdaPolíciaFederal,
atuação técnica e imparcial.
“Combateirrestritoàcrimi-
nalidade.Hámaisdeumadé-
cada tenho me dedicado, na
práticaenateoria,aocomba-
te à corrupção. Presidente, o
senhor tem sido, há 30 anos,
umprofetanocombateàcri-
minalidade”,disseMendonça
em uma das manifestações
elogiosasquefezaBolsonaro.
O novoministro da Justiça
fez homenagem também ao
ministrodaSecretaria-Geral,
Jorge Oliveira, nome que era
inicialmente o mais cotado
paraassumirapastanolugar
deSergioMoro,quepediude-
missãona semanapassada.
DissequeoBrasilvive“mo-
mentodifícilnahistória”elis-
touvalorescomosquaisdisse
secomprometer:oEstadode
Direito, liberdade,fraternida-
de, igualdade, bem estar, de-
senvolvimento, segurança e
“acima de tudo” Justiça. Afir-
mouestarsempredisposto“a
prestarcontasnãosóaochefe
danação,masatodoopovo”.
Ele também disse se com-
prometer com o combate ir-
restrito à criminalidade.
“Cobre de nósmais opera-
çõesdaPolíciaFederal,presi-
dente”, disse o ministro, que
também afirmou compro-
missocomaatuaçãointegra-
dacomestadosemunicípios.
Ao falar da PF, defendeu
princípios de autonomia, in-
dependênciatécnica,respon-
sabilidade,prestaçãodecon-
tas e controle.
Eletomouposseaoladode
JoséLevi,novoAdvogado-Ge-
raldaUnião(AGU).Participa-
ramdacerimôniaospresiden-
tesdoSTF(SupremoTribunal
Federal),ministroDiasToffo-
li,edoSTJ(SuperiorTribunal
deJustiça), JoãoOtávioNoro-
nha, oministroGilmarMen-
des (STF) e o governador do
DF, Ibaneis Rocha (MDB).
Asolenidadeincluiriatam-
bémapossedeAlexandreRa-
magemcomodiretor-geralda
PF,masBolsonarorecuoude-
pois da decisãodo Supremo.
AndrédeAlmeidaMendon-
ça,47,deixouaAdvocacia-Ge-
ral da União e ocupa a vaga
deixadaporMoro,que,aope-
dirdemissão,acusouopresi-
dentedeinterferênciasnaPF.
O novo ministro é pastor
da IgrejaPresbiterianaEspe-
rançadeBrasíliaeintegravaa
AGUdesde2000, quandoen-
cerrousuaatividadecomoad-
vogadoconcursadodaPetro-
bras(1997-2000). Integrantes
da bancada evangélica esta-
vampresentes à cerimônia.
Em outubro de 2002, ele
publicou no jornal Folha de
Londrina um artigo sobre a
eleição do ex-presidente Lu-
la (PT). Intitulado“Opovose
dáumaoportunidade”,o tex-
totemtomotimista.Nele,diz
que“oBrasilcresceueseupo-
voamadureceu,restandocon-
solidadaademocracianãosó
porqueonovopresidente foi
eleitopelopovo,masporque
saiu dopróprio povo”.
Horas após sua nomeação
ter sido publicada, Mendon-
çapublicounasredessociais:
“Agradeço ao presidente Jair
Bolsonaroporconfiaramim
amissãodeconduzir aspolí-
ticaspúblicasde JustiçaeSe-
gurançadonossopaís”.
Afirmou que seu compro-
misso“écontinuardesenvol-
vendootrabalhotécnicoque
tempautadominhavida”.Dis-
secontarcomoapoiodopo-
vobrasileiroeencerroupedin-
do “queDeusnos abençoe”.
Mendonça foi corregedor
da AGU no governo Temer.
ChegouaogovernoBolsonaro
por indicaçãodoministroda
CGU(ControladoriaGeralda
União),WagnerRosário,com
apoiodabancadaevangélica.
A sua transferência para a
Justiça teve apoio da cúpula
militarearticulaçãodopresi-
dentedoSTF, JoséDiasToffo-
li.Aexpectativaéadequeele
melhore a relação de Bolso-
naro comoPoder Judiciário.
AtransferênciadeMendon-
çafortaleceaindicaçãodeseu
nomepara umadas duas va-
gas a que Bolsonaro terá di-
reito de preencher no STF. O
presidente já disse que con-
sidera oministro, a quem se
referiu como “terrivelmente
evangélico”,aumdospostos.
Entre oministro do STF GilmarMendes e o presidente da corte, Dias Toffoli, o novo titular da Justiça, AndréMendonça, abraça o presidente na posse Pedro Ladeira/Folhapress
atrazernovoânimo,maslogo
emjaneiroveioasegundacri-
se, dandomais sinais de que
a relaçãodeMoroeBolsona-
ro estava enfraquecida e que
seria difícil reatá-la.
Quandoapandemiadoco-
ronavírus começou, surgiu
outra indicação de aparente
tranquilidade —que, de no-
vo, duroupouco.
Oex-ministrodaJustiçavol-
tou para amira do presiden-
te, entreoutrosmotivos,por
não se posicionar contra o
isolamento social.
Nosbastidores,segundore-
velou Moro, havia por parte
de Bolsonaro principalmen-
teapreocupaçãocominqué-
ritos emandamento.
ComadecisãodeMoraes,a
PolíciaFederal ficará tempo-
rariamente sob o comando
de Disney Rosseti, número 2
da ainda atual gestão.
Em seu pronunciamento
bombástico de despedida,
MorodisseterindicadoaBol-
sonaro o nome do delegado
para substituir Maurício Va-
leixonocargodediretor-geral.
“Eunãopermaneço.Tenho
compromisso com a institu-
ição, quenãopodeparar, até
quesedefinamascoisas.Mas
estou de saída”, disse Rosseti
aoPainelnestaquarta.Odire-
tor deve ser transferidopara
uma funçãoemumtribunal,
na área de segurança.
Na última terça-feira (28),
Ramagemacenoupara alvos
dopresidenteemsuaprimei-
rareuniãocomodiretor-geral.
Odelegadofeznominalmente
elogiosaossuperintendentes
dacorporaçãonoRiodeJanei-
ro e emPernambuco.
Sergio Moro disse em sua
saída que o presidente que-
ria substituí-los sem motivo
e semrazão aceitáveis.
Ramagem também quis se
posicionar em relação ao ex-
ministro, fazendo menção
positiva a dois delegados sa-
bidamente ligadosaMoro.O
diretor pediu tranquilidade.
A transmissão do cargo foi
elogiada, por ter contado in-
clusivecomaparticipaçãode
Valeixo.Elestrocaramhome-
nagensno encontro.
O ex-diretor-geral lembrou
na conversa que Ramagem
chegou a quase fazer parte
da sua gestão. Ele foi indica-
doparaassumirasuperinten-
dência de Alagoas, mas de-
sistiu quando foi convidado
pelopresidenteparaachefia
daAbin(AgênciaBrasileirade
Inteligência).
NaPF,atribui-seoutromo-
mento ruim do ano passado
à família Bolsonaro.
Em julho, o presidente do
STF,DiasToffoli,determinou
asuspensãodeinvestigações
criminaispelopaísqueusem
dados detalhados de órgãos
decontrole (comoCoaf eRe-
ceita Federal) sem autoriza-
ção judicial, atendendo a pe-
didodadefesadosenadorFlá-
vioBolsonaro(Republicanos-
RJ),filhomaisvelhodopresi-
dente daRepública.
Apolêmicadecisãoqueres-
tringiuautilizaçãoderelatóri-
osdoCoaf (ConselhodeCon-
troledeAtividadesFinancei-
ras) fez as atividades do ór-
gãodespencarem.
Centenas de inquéritos fo-
ramparalisadosporcausada
liminar,segundoinformações
daPolícia Federal.
Em agosto do ano passa-
do,porexemplo,oórgãoela-
borou apenas 136 relatórios
de inteligênciafinanceira (os
RIFs), caindo a índices que
existiam em período anteri-
or à Operação Lava Jato. Na
médiadoprimeirosemestre,
eram 741pormês.
$
Casos da PF que envolvem entorno do presidente
a eee
poder
A8 QUINTA-FEIRA, 30 DE ABRIL DE 2020
OPINIÃO
-Fernando Limongi e
Argelina Cheibub Figueiredo
Professor da Escola de Economia
de São Paulo da FGV e do departamento
de ciência política da USP e professora
do Instituto de Estudos Sociais e
Políticos da Uerj
SergioMorosaiuatirando.Su-
asdenúnciasreabriramasca-
sas de apostas: Jair Bolsona-
ro resistirá? Completará seu
mandato? A experiência re-
centecolocouoimpeachment
do presidente na agenda. As
atenções se voltaram para o
presidente daCâmara.
Nãofaltamrazõesparaque
Rodrigo Maia acate um dos
muitos pedidos que tem à
disposição.Estes semultipli-
cam com a velocidade do ví-
rus ao qual o presidente, em
razãodeseupassadodeatle-
ta, acredita ser imune.
No caso de seu afastamen-
to, a proteçãonão lhe é dada
pelapráticaesportivaoupor
seupassadoprofissional.Seu
vice é sua maior defesa, não
tanto pelo que é —um mili-
tar reformado—, mas mais
peloquenãoé—umpolítico.
Por isso, é pouco prová-
vel que o Congresso dê iní-
cio a um processo de impe-
achment contra o presiden-
te.Nãopelas razõesque têm
sido citadas pelos analistas.
Apoio das ruas não é condi-
çãonecessáriaparadesenca-
dear a ação. Em geral, o que
ocorreéo inverso.Sãoas for-çaspolíticasengajadasemen-
curtar o mandato presiden-
cial que mobilizam e levam
os cidadãos às ruas.
O impeachment é antes de
tudo um ato político. Como
tal, quem o provoca deve es-
tar preparado para o dia se-
guinte, isto é, temque “com-
binarcomoadversário”e,no
caso, este não é o proverbial
zagueiro russo, mas o vice-
presidente.
Sem saber qual o perfil do
novogoverno,queespaçoes-
te lhe reserva, políticos não
vãosemover.Eovice,porde-
finição,porqueeleitoconjun-
tamente com o presidente,
é um elemento de continui-
dade. Em outras palavras, o
grupoencasteladonopoder
precisa de segurança de que
seus interesses serãopreser-
vados na nova ordem.
Eéaíqueumapossívelação
peloCongressocontraBolso-
naroencontraseumaiorobs-
táculo.HamiltonMourãonão
épolítico,eaexperiênciana-
cionalrecenteensinaqueim-
peachmentsnãodecolamsem
queo vice entre emcampo.
ItamarFrancoeMichelTe-
mer(MDB)foramosfiadores
daderrubadadosdois titula-
res que sucederam. A nego-
ciação com Mourão está e
deve continuar interditada,
seja porque ele não tem ba-
se política própria, seja por
seu passadomilitar.
Uma outra possibilidade
aventada é a da intervenção
das Forças Armadas, via um
golpe aberto oubranco.
A primeira possibilidade
pode ser descartada. Os mi-
litares não derrubarão Bol-
sonaroparaassumiropoder
pormeiosextralegais.Nãohá
apoioparaesterecursoextre-
moque,comcerteza, levariaa
umconflitointernoacorpora-
ção.Quem lideraria o golpe?
Quemcorreriaoriscodeque-
brar a hierarquia? Quem as-
sumiria o poder?
A pressão para que Bolso-
narorenuncieseriaumasolu-
çãomaisconvenienteparaas
Supremonão terá comoevitar
confronto comopresidente
Individualmente, ministros têmmostrado disposição para o ativismo imoderado
aprender lições, deve ter en-
tendido que Bolsonaro não
fala da boca para fora quan-
dodizquenãoquernegociar.
Bolsonarocontinuaomes-
mocamicasecapazdeplane-
jar dinamitar as adutoras do
Riode Janeiroparaobter au-
mento salarial. Mas, como
diz o ditado, cão que muito
ladra nãomorde. Bolsonaro
não negocia, mas recua. Se
tem alguma habilidade, é a
de cutucar a onça com vara
curta e sair ileso.
Os ataques, contudo, dei-
xam digitais compromete-
doras. Para onde se olha, so-
bretudo quando se olha pa-
ra baixo, para o submundo,
lá estão as marcas deixadas
pelo clã Bolsonaro e seus ca-
maradas. Basta ler os jornais
parasaberque,defato,Moro
se afastou para salvar o que
restavada suabiografia. Bol-
sonaro, como o próprio afir-
mou em sua lenga-lenga da
última sexta-feira (24), tam-
bém tem uma biografia. No
seucaso,contudo,édelaque
ele temque se salvar.
Dadoo seu intervencionis-
moimoderado,oSTFnãoterá
comoevitaroconfrontocom
o presidente. E não terá por-
queopresidente daRepúbli-
ca não deixará de produzir
elementos para tanto.
Para fazer jus ao seu apeli-
do quando na ativa, o presi-
dentedesembestouaprodu-
zir indícioscontrasipróprio,
comoodecreto assinadopa-
raquebrarocontrolesobreo
desviodearmasdeutilização
exclusivadasForçasArmadas.
Coincidênciaounão,nomes-
mo dia, novas revelações so-
bre a relação do filho 01 com
as milícias do Rio de Janeiro
vieramà luz. No ritmo atual,
embreve, faltarápescoçopa-
ra tanta corda.
O ministro Alexandre de
Moraes já deu demonstra-
ção clara de que não abrirá
mão do comando da investi-
gação a ele designada, inves-
tigaçãoque,todossabem, in-
clusiveopresidente,chegará
aofilho02,CarlosBolsonaro,
e sua redede robôs.
Celso de Mello seguiu na
mesma toada e, em pouco
tempo, os demais supremos
terão oportunidade de con-
tribuir para montar o cerco
aopresidente.
OSTFvemtratandoa letra
da Constituição com a elas-
ticidade necessária para in-
tervir e colocar a conveniên-
cia a serviço de suas inclina-
ções políticas de momento,
mesmo quando amparadas
por maiorias circunstanci-
ais, como no caso da prisão
após condenação em segun-
da instância.
O presidente, como uma
criança birrenta, não vai pa-
rardeprovocar,decriarcasos
(e investigações) enquanto
nãoencontrar limites.Odes-
tino do presidente está nas
mãos do STF.
JoãoPereiraCoutinhofezuma
perguntaestranhaemseuarti-
godestasemana:porquesalvar
um jovemdelinquente e aban-
donar um velho exemplar? A
perguntaéprovocativa,masre-
al,nestestemposdepandemia.
Odebateéoseguinte:oque fa-
zer quando as UTIs explodem
degente e hámais pessoas em
situaçãocríticadoqueacapa-
cidade de atendimento?
Foi odilemavividopela Itá-
lia, semanasatrás.Umapubli-
cação do Colégio Italiano de
Anestesia,Analgesia,Reanima-
ção e Terapia Intensiva criou
um protocolo para lidar com
o tema espinhoso. O conceito
é simples: dado que os recur-
sos são escassos, o foco é pre-
servar quem tem “maior pro-
babilidade de sobrevivência”.
Comosegundaopção,quem
tem mais anos de vida pela
frente, de forma a “maximi-
zarbenefíciosparaamaioria”.
Logo me perguntei: quantos
anos? 50 anos me parece OK;
10 anos soa pouco relevante.
Quemvaidecidir essas coisas?
Oprotocoloé,poróbvio,utili-
tarista.Seuscritérioschocama
partir deumolharmenos trei-
nado.Umdeles,emparticular:
estabelecer um limite de idade
naentradanaUTI.Pessoasse-
rãoexcluídas“apriori”.Meinco-
modaimensamenteisso.Imagi-
neimeuvelhopai, sevivofosse,
aos91,dandodecaranaporta.
Concorde-se ounãocomes-
te ouaquele critério, émelhor
teralgumprotocolodoquene-
nhum. O pior cenário é quan-
do escolhas desse tipo são to-
madas subjetivamente, noca-
lor da hora.
Há quem vámais longe nis-
so tudo. Peter Singer (nosso
filósofo utilitarista-chefe) de-
fende que a sociedade como
um todo deve pensar não em
vidas perdidas, mas em anos
de vida perdidos. Ele mencio-
na umestudomostrando que
aItáliaperdeuemmédia “ape-
nas” trêsanosdevidaparaca-
damorteregistrada.Singervai
além: sugerequeamelhormé-
trica seria calcular tudo em
termos de “bem-estar”. Certo
seria calcular o quanto per-
demos, emtermosde felicida-
de agregada, parando a eco-
nomiapordois ou trêsmeses,
vis à vis o benefício de preser-
varumcerto estoquede “anos
devida”, emgeraldestinadosa
pessoasmuito idosas.
Singer acredita que os eco-
nomistas facilmente fariames-
sa conta, colocandoumpreço
navidahumana.Pergunteipa-
raumamigoeconomista, e ele
concordou: “fazemos isso toda
hora, a começarquandodeci-
dimos o orçamento público”.
Deminhaparte,desconfiode
tudoisso.SigocomoamigoCou-
tinho:“oproblemadoutilitaris-
moéqueeleéassazflexível”.Di-
go que é preciso propor algum
critério mais objetivo para sa-
berquandoacontabilidadede
vidashumanas éaceitável.
Joshua Greene sugere o se-
guinte: concordaríamosemsa-
crificarumesalvarquatroope-
ráriosdistraídos,nofamosodi-
lemadobondedesgovernado.
Com uma condição: cada um
imaginando a si mesmo den-
trodoexperimento.Seria ilógi-
conãomultiplicarporquatro
a chance de sobreviver.
Omesmoraciocíniodeixade
funcionar quando o contexto
é mais aberto. Alguém topa-
ria viver em uma sociedade
na qual pudesse ser sacrifica-
do,aqualquermomento,para
salvar trêsouquatropessoas?
O utilitarismo é uma ética
plausível em situações extre-
mas, quando as opções em jo-
gosãopoucaseoscritériosam-
plamentecompartilhados.Mas
éimplausívelnagrandesocieda-
de,ondeacontademaximização
dobem-estaréexageradamente
“flexível”,etodosdemandamos,
comrazão,direitos iguais.
O país deveria pensar nisso
quando ingressana fasemais
críticadapandemia.Devería-
mos fazerqualquercoisapara
evitarquenossosprofissionais
de saúde tenhamque fazer es-
colhas de vida e de morte en-
tre cidadãos brasileiros, por
falta de leitos e respiradores.
Dinheiro não nos falta, visto
que nenhum corte na carne vi-
mosatéagoradosetorpúblico,
enemmesmoosR$2bilhõesque
nossospolíticosreservarampa-
ra gastar na campanha eleito-
ral foramdestinadosà saúde.
Seriaumaestranhaformade
contabilidadehumanainvestir
empanfletosonecessáriopara
que nenhumde nossos velhos
seja retiradodeumventilador,
emumhospital qualquerdes-
te país imenso e ingrato.
Brasil precisa fazer qualquer coisa para evitar o drama vivido em hospitais italianos
-
Fernando Schüler
Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo
Estranha contabilidade humana
dom.ElioGaspari, JaniodeFreitas

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