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CEPIK, Segurança na América do Sul

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Observatório Político Sul-Americano 
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro IUPERJ/UCAM 
 
 
Segurança na América do Sul: 
Traços estruturais e dinâmica conjuntural 
 
Análise de Conjuntura OPSA (no9, agosto de 2005) 
ISSN 1809-8924 
 
 
Marco Cepik*
 
 
Neste artigo discuto as possíveis direções de mudança no complexo regional de 
segurança (CRS) da América do Sul, levando em consideração três dinâmicas políticas 
que marcaram a conjuntura recente na região: 1) a crise diplomática entre Colômbia e 
Venezuela, e a situação de segurança nos dois países; 2) as crises na Bolívia e Equador 
e a chamada disjuntiva de segurança entre os sub-complexos dos Andes e do Cone Sul; 
3) as possíveis implicações da crise política brasileira para a integração da América do 
Sul e para a segurança regional. Nos três casos, é preciso considerar ainda a posição 
adotada pelos Estados Unidos e os desafios colocados para as instituições internacionais 
com potencial para processar problemas de segurança na região, em especial a CAN 
(Comunidad Andina de Naciones), o MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) e a 
OTCA (Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia). 
 
Antes de comentar brevemente cada processo, porém, é preciso explicitar o que se está 
entendendo aqui por complexo regional de segurança da América do Sul, bem como 
problematizar um pouco as principais expectativas geradas pela aplicação desta chave 
interpretativa ao se fazer uma avaliação da conjuntura de segurança na região. 1
 
 
 
* Professor de Ciência Política e Relações Internacionais da UFRGS, pesquisador do GEE/COPPE/UFRJ 
e do NERINT/ILEA/UFRGS 
1 Um esforço analítico anterior e mais desenvolvido combinando uma perspectiva realista estrutural com a 
abordagem construtivista da chamada Escola de Copenhagen pode ser encontrado em: CEPIK, Marco y 
BONILLA, Adrian (2004). “Seguridad Andino-Brasileña: conceptos, actores y debates” (páginas 37-94), 
in: CEPIK, Marco y RAMIREZ, Socorro (2004). Agenda de Seguridad Andino-Brasileña: primeras 
aproximaciones. Bogotá, FESCOL/IEPRI/UFRGS. ISBN 9588128099. 517 páginas. 
Observatório Político Sul-Americano - OPSA 
I - Complexos Regionais de Segurança e a América do Sul 
 
Formulada inicialmente por Barry Buzan em 1991, a versão mais recente e 
desenvolvida da chamada “teoria dos complexos regionais de segurança” foi 
apresentada por Buzan e Wæver em 2003, em seu livro Regions and Powers: the 
structure of International Security.2
 
 Em linhas muito gerais, os dois autores argumentam a favor de um nível de análise 
regional para os problemas de segurança presentes no sistema internacional 
contemporâneo. Por definição, regiões são compostas por clusters geograficamente 
delimitados de unidades inseridas em um sistema maior de Estados, de alcance 
tendencialmente global. Ou, nos termos dos próprios autores: um complexo regional de 
segurança é formado “por um conjunto de unidades cujos principais processos de 
securitização, dessecuritização ou ambos, são tão interligados que seus problemas de 
segurança não podem ser razoavelmente analisados ou resolvidos de maneira 
independentes umas das outras”.3 
 
Entretanto, embora as regiões assim concebidas possam ter relevância analítica e 
densidade ontológica, não são atores per se, o que remete ao problema da polaridade no 
sistema e também à questão da diferenciação política entre as regiões. Daí a necessidade 
de combinarmos o estudo da distribuição do poder entre os Estados no nível global de 
análise com uma compreensão focada e devidamente contextualizada das dinâmicas 
regionais de segurança enquanto um nível de análise intermediário entre o plano global 
e o nível das unidades do sistema. 
 
Ao destacar a importância da territorialidade e das agendas regionais a partir das 
dinâmicas de segurança dos Estados mais poderosos do sistema, Buzan e Wæver 
mantiveram algo de sua ênfase anterior na construção intersubjetiva de processos de 
securitização e do argumento em favor da relevância potencial de atores não-estatais e 
dos setores (social, ambiental, político e econômico). Ou seja, de configurações que 
 
2 BUZAN, Barry & WÆVER, Ole. (2003). Regions and Powers: the structure of International Security. 
Cambridge-UK, Cambridge University Press. ISBN 0521891116. 564 páginas. 
3 BUZAN & WÆVER (2003:44). 
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tendem a situar-se a uma distância maior do problema crucial relativo ao uso potencial e 
atual da força nas relações internacionais. 
 
Pode-se afirmar, no entanto, que nesta versão de 2003 da Teoria dos Complexos 
Regionais de Segurança (RSCT seguindo as iniciais do nome que os autores dão para 
sua teoria em inglês) há um diálogo (e concessões teóricas importantes) muito mais 
significativo com o realismo estrutural e o chamado neo-realismo ofensivo, o que dota o 
modelo de maior alcance e interesse. 
 
Ainda que se possa discordar da classificação dos autores em relação à distribuição de 
capacidades entre os atores no nível global de análise, pelo menos seus critérios são 
claros o suficiente para que possamos identificar os pontos de inconsistência e 
polêmica. Para Buzan & Wæver (2003:27-39), a situação existente durante a Guerra 
Fria (2 superpotências mais 3 grandes potências) foi transformada na direção de uma 
clara diferença de capacidades entre os Estados Unidos (superpotência), por um lado, e 
a União Européia, Japão, China e Rússia (grandes potências), por outro. A isto se somou 
uma relevância crescente dos complexos regionais de segurança (RSC seguindo a 
denominação em inglês) e das potências regionais, tais como Índia, Brasil, África do Sul 
e outras. 
 
Em termos mais abstratos, a premissa básica deste modelo descritivo – i.e. que as 
relações internacionais contemporâneas na área de segurança tendem a configurar 
complexos regionais consistentes e estáveis – é mediada pelo reconhecimento a respeito 
da centralidade da distribuição de poder das unidades relevantes no sistema como um 
todo. 
 
Neste sentido, enquanto as superpotências podem mais facilmente transcender a lógica 
da adjacência ou os constrangimentos geográficos em suas relações de segurança no 
planeta inteiro, esta não é uma possibilidade para a maioria dos cerca de duzentos 
Estados existentes hoje em dia. Situados entre os países que podem ser caracterizados 
como superpotências e aqueles Estados mais fracos, “prisioneiros das dinâmicas de 
segurança estabelecidas por seus vizinhos”, os autores procuram diferenciar ainda as 
potências regionais e as grandes potências. A diferença entre estes dois últimos tipos de 
atores está relacionada com suas capacidades materiais, mas também com o modo 
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segundo o qual cada Estado é incluído nos cálculos de poder, nas percepções de ameaça 
e no entendimento sobre ganhos relativos dos demais atores.4
 
Assim, a estrutura essencial de um dado complexo regional de segurança é conformada 
por três tipos de relações: 1) a distribuição de poder entre os Estados da região 
(polaridade regional); 2) os padrões de amizade-inimizade entre os atores relevantes ao 
longo dos setores militar, político, social, econômico e ambiental (polarização); 3) 
relações de poder com atores externos à região, especialmente as grandes potências e 
superpotências (intrusão, overlay, dinâmicas interregionais e pré-complexos de 
segurança). Além destes tipos de relacionamentos, outros dois elementos cruciais para 
avaliarmos a estrutura de um complexo regional de segurança seriam: 4) a fronteira de 
exclusão que nos permite diferenciar um complexo (RSC) de outro, considerando 
pertencimentos exclusivos de cada país a um ou outro complexo; 5) anarquia, o que 
significa que, em princípio, um RSC deve ser composto por duas ou mais unidades 
autônomas.Considerando a existência atualmente, sempre segundo Buzan & Wæver (2003: 445-
446), de onze RSCs (América do Norte, América do Sul, Europa, Pós-URSS, Oriente 
Médio, África Ocidental, África Central, Chifre da África, África Austral, Sul da Ásia, 
Leste Asiático), estes poderiam ser classificadas segundo os padrões de amizade-
inimizade em três tipos: ‘formações conflituais’, regimes de segurança e comunidades 
de segurança.5
 
 
4 Temas ‘globais’ de segurança seriam aqueles que a superpotência e as grandes potências tendem a 
impor como tal, ou aqueles – mais raros - que criam constelações de interesses de natureza não-territorial. 
São exemplos de temas ‘globais’ em pelo menos um dos sentidos mencionados o terrorismo 
internacional, o crime organizado, o aquecimento global da biosfera e a ação das corporações globais e 
movimentos sociais. Para uma discussão adicional sobre o papel das regiões na economia mundial 
contemporânea, cf. o capítulo 13 (“The Political Economy of Regional Integration”) em: GILPIN, Robert 
(2001). Global Political Economy. Princeton-NJ, Princeton University Press. Páginas 341-361. Um outro 
trabalho interessante para a relativização das teorias econômicas globalistas, mas que destaca o papel dos 
clusters regionais sub-nacionais e sua articulação multi-nacional em bases regionais mais amplas, é: 
SCOTT, Allen J. (2000). Regions and the World Economy: the coming shape of global production, 
competition, and political order. Oxford, Oxford University Press. 
5 A noção de regimes na tipologia de Buzan & Wæver (2003:53-54) é utilizada de maneira analiticamente 
frouxa, apenas para designar uma situação intermediária entre ‘amizade’ e ‘inimizade’, Ela acompanha 
certa tradição trinômica da chamada Escola Inglesa das Relações Internacionais (nas três imagens de 
Hobbes, Grotius e Kant). 
 4
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Já do ponto de vista do padrão de distribuição de poder, os RSCs podem ser 
classificados em dois tipos principais: ‘padrão’ e ‘centrados’. Nos RSCs padrão, a 
multipolaridade é definida principalmente pela presença de mais de uma potência 
regional (caso do Oriente Médio, América do Sul, Sul da Ásia, Chifre da África e África 
Austral), ou pela presença de mais de uma grande potência (caso do Leste Asiático). Já 
os RSCs ‘centrados’ podem ser de três tipos: unipolares centrados em uma 
superpotência (América do Norte), unipolares centrados em uma grande potência (pós-
URSS), ou quando a região tende a tornar-se um ator através de elevados graus de 
institucionalização (União Européia). É importante destacar que os complexos regionais 
de segurança existem independentemente da importância do regionalismo como política 
de Estado, ou da auto-identidade regional de um conjunto de unidades. Isto é o que nos 
permite falar em complexos centrados ou standard. Por outro lado, os processos mais 
relevantes e interessantes para serem analisados são justamente as tentativas de 
transformação – normalmente dirigida por grandes potências ou potências regionais – 
na direção de complexos regionais ‘centrados’ em torno de uma potência ou de um 
conjunto de instituições.6 
 
Não há espaço aqui para detalhar mais, ou mesmo para criticar sistematicamente a 
taxonomia e o modelo propostos por estes autores, cuja utilidade neste momento 
redunda em permitir uma descrição inicial da estrutura essencial da segurança na 
América do Sul. Utilizando esta moldura conceitual, algumas possíveis direções de 
mudança a partir de elementos conjunturais selecionados podem ser entretidas na 
próxima seção. 
 
II – Conjuntura de Segurança da América do Sul 
 
Caracterizado ao longo do século XX por uma baixa incidência de guerras interestatais, 
o complexo regional de segurança da América do Sul foi classificado por Buzan & 
Wæver (2003:304-339), em termos de padrões de amizade-inimizade, como sendo um 
 
6 Para uma discussão sobre o papel do regionalismo na política externa brasileira e os desafios associados 
à construção efetiva de uma Comunidade Sul-Americana de Nações, ver: LIMA, Maria Regina Soares & 
COUTINHO, Marcelo Vasconcelos. (2005). “Globalização, Regionalização e América do Sul”. Análise 
de Conjuntura OPSA, Rio de Janeiro, n. 6, p. 1-10, maio 2005. Disponível em: 
http://observatorio.iuperj.br/artigos_resenhas/Globalizacao_Regionalizacao_e_America_do_Sul.pdf. 
Acesso em: 05 de agosto de 2005. 
 
 5
http://observatorio.iuperj.br/artigos_resenhas/Globalizacao_Regionalizacao_e_America_do_Sul.pdf
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‘regime de segurança’, por oposição tanto a formações mais conflitivas na África e 
Ásia, quanto mais pacíficas, como na Europa ocidental.7
 
Outros traços definidores da situação de segurança na região no começo do século XXI 
seriam, por exemplo, a ausência de grandes potências dentre os doze países que formam 
este complexo, a multipolaridade com baixo grau de polarização, a aspiração do Brasil 
pelo reconhecimento regional e mundial enquanto grande potência capaz de estruturar o 
RSC por meio da institucionalização de uma Comunidade Sul-Americana de Nações 
(ou um Estado Multinacional, conforme se argumentará mais adiante no texto), a baixa 
capacidade de interação (infra-estrutura tecnológica e social para transportes e 
comunicação) entre os países do complexo, vulnerabilidades no âmbito das unidades 
(especialmente instabilidade política e déficits de desenvolvimento social), e uma 
dinâmica de segurança inter-regional definida por oscilações seculares no grau de 
intervenção dos Estados Unidos na região. 
 
Como já destacou Mônica Hirst (2003:25-80), os dois desenvolvimentos mais 
marcantes da segurança na América do Sul ao longo dos últimos anos foram, 
respectivamente, a diversificação de agendas e prioridades nas políticas de segurança de 
países importantes da região e o contraste entre a evolução política e militar do Cone 
Sul e da região andina.8
 
No caso da fragmentação nos posicionamentos em política externa e temas de defesa, é 
notória a diferença nos graus de apoio às prioridades e ênfases da guerra global anti-
terror promovida pelos Estados Unidos entre, por exemplo, a Colômbia e o Chile. Outro 
exemplo do primeiro tipo de fragmentação e divergência entre os países da América do 
Sul ocorreu durante a Conferência Especial de Segurança da OEA em 2003. Naquele 
momento, quando a solução adotada – a noção de segurança multidimensional – mal 
conseguiu ocultar a distância conceitual entre, por exemplo, as ênfases do Brasil e da 
 
7 Para uma discussão sobre as guerras interestatais na América do Sul e sua relação com a formação dos 
Estados no século XIX, ver LÓPEZ-ALVES, Fernando. (2000). State Formation and Democracy in Latin 
America: 1810-1900. Durham-NC, Duke University Press. Sobre as causas da baixa incidência de guerras 
interestatais e dos elevados níveis de violência civil, um ponto de partida pode ser: MARES, David. 
(2001). Violent Peace: militarized interstate bargaining in Latin America. New York, Columbia 
University Press. Uma referência mais geral é: HOLSTI, Kalevi J. (1996). The State, War, and the State 
of War. Cambridge, Cambridge University Press. 
8 Cf. HIRST, Monica. (2003). “Seguridad regional en las Américas”. In: GRABENDORFF, Wolf [ed.]. 
La seguridad regional en las Américas. Bogotá, Fescol- Cerec. Páginas 25-80. 
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Argentina na pobreza como ameaça à segurança e as preocupações muito mais 
tradicionais da Venezuela e do Equador com ameaças militares estatais. 
 
Quanto à diferenciação entre Cone Sul (regime de segurança) e Andes (‘formação de 
conflito’), regiões que chegam a ser tratados por Buzan & Wæver (2003:320-339) como 
dois sub-complexos de segurança claramente delimitados, o final do contencioso 
Equador-Peruapós a guerra do Cenepa em 1995 deixa apenas a guerra civil da 
Colômbia para dar substância a esta diferenciação. Os indicadores sociais e a 
estabilidade política dificilmente poderiam autorizá-la, especialmente depois do colapso 
argentino em 2001 (ou da atual crise política no Brasil) e da dificuldade de classificação 
do Paraguai neste contexto. Mesmo o conflito colombiano, independentemente do 
sucesso ou fracasso das políticas de defesa e segurança de Uribe, hoje dificilmente 
corresponde à imagem tão corrente a poucos anos atrás, de um conflito de facto 
regionalizado por diversos mecanismos de spill-over. 
 
Entretanto, mesmo que não seja possível aceitar a tese sobre os dois sub-complexos de 
segurança claramente distintos na América do Sul, as dificuldades persistentes na 
capacidade dos países sul-americanos coordenarem posicionamentos internacionais na 
área de segurança têm implicações para uma análise das possíveis direções da mudança. 
As fontes de mudança, neste momento, são tanto internas à região (polarização entre as 
opções da Colômbia e da Venezuela, crise política no Brasil, ritmo e forma da 
integração econômica e política etc.), quanto externas (pressão dos Estados Unidos 
sobre países específicos e para que a região como um todo venha a ‘internalizar’ sua 
agenda de segurança). 
 
No restante desta seção comentarei brevemente os desenvolvimentos recentes no âmbito 
interno de alguns países, bem como suas ligações com os níveis de análise regional, 
inter-regional e global. Do ponto de vista do Brasil e da segurança regional, a díade 
Colômbia-Venezuela constitui o maior problema para a consecução da integração 
política e econômica da região, pois são os dois países com maior capacidade de 
interação na região norte da América do Sul, cujos governos atuais representam as 
alternativas polares – pró e anti-Estados Unidos – que estão colocadas concretamente 
caso fracasse a tentativa mais recente de integração. 
 
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No caso da Colômbia, com uma imagem favorável para 79,7% dos entrevistados e 
expectativas de voto acima de 70% um ano antes das eleições, o presidente Uribe parece 
consolidar sua liderança. Depois de vencer algumas resistências internas no Congresso 
dos Estados Unidos devido aos protestos internacionais de grupos de direitos humanos 
em função dos processos de desmobilização e anistia para os paramilitares, Uribe 
conseguiu aprovar a continuidade do Plano Colômbia. Mesmo que as operações das 
FARC em Putumayo e outras regiões tenham mostrado que o chamado Plano Patriota 
estava longe de ser a ‘batalha final contra as FARC’ prometida pelo presidente, ou que o 
crescimento econômico de 3,9% no último ano tenha sido abaixo do necessário, ou 
ainda que os hectares plantados e o volume de cocaína exportado não tenham 
diminuído, o fato é que os resultados da sua política de Segurança Democrática em 
termos de redução de seqüestros e homicídios têm lhe garantido os níveis atuais de 
aprovação. Ao mesmo tempo, a fragmentação política que permite a Uribe governar 
acima dos partidos e do Congresso torna qualquer alternativa política pouco provável. 
Caso a Suprema Corte aceite a tese da reeleição, mais quatro anos de guerra apoiada 
pelos Estados Unidos sob o conceito amplo de luta contra o (narco) terrorismo parecem 
muito prováveis na Colômbia. 
 
A conjuntura da Venezuela, tanto no plano material quanto discursivo, representa uma 
alternativa oposta ao desenvolvimento colombiano, mas igualmente caracterizada por 
uma consolidação da liderança presidencial. As vitórias da coalizão de Chávez nas 
eleições estaduais e as perspectivas favoráveis para as eleições locais deste ano, além da 
situação econômica extremamente favorável e várias iniciativas bem sucedidas na 
região (e.g. os acordos petrolíferos com a Argentina e o lançamento da Telesur) deixam 
Chávez relativamente confortável para confrontar diretamente os Estados Unidos. 
Embora as compras de aviões ‘Super Tucanos’ brasileiros, helicópteros e fuzis AK-103 
russos tenham reforçado as hostilidades entre os dois países, a recente ruptura do 
governo venezuelano com a DEA (Drug Enforcement Agency) demonstra que até aqui 
Chávez encontra-se disposto a bancar os custos de uma ‘alternativa bolivariana’ para a 
ALCA e a política de “guerra global contra o terror” do governo Bush. A dimensão sul-
americana da disposição de Chávez foi testada recentemente nas acusações mútuas de 
intervencionismo no Equador e na Bolívia, onde Evo Morales encontra-se em segundo 
lugar nas pesquisas de opinião para a próxima eleição presidencial. 
 
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Por sua vez, os protestos populares que derrubaram os ex-presidentes Mesa na Bolívia 
(março) e Gutierrez no Equador (abril) atualizaram dois dos desafios mais persistentes e 
relevantes na região: o equacionamento da questão social (identidade indígena e 
redução da pobreza) e a fragilidade política e administrativa dos Estados nacionais 
como elemento dificultador da própria integração regional. Do ponto de vista da 
segurança, as vulnerabilidades internas destes países e do Paraguai – três dos quatro 
buffers tradicionais na região – colocam em evidência um padrão de intervenção norte-
americano mais aberto, por meio de contratos para o estabelecimento de Forward 
Operations Facilities (FOLs) como as do Equador e do Paraguai, além da assistência 
militar renovada na Colômbia e, muito provavelmente, de operações encobertas de tipo 
mais tradicional contra Chávez na Venezuela. 
 
Entretanto, o vínculo mais estreito entre a conjuntura doméstica e a segurança regional 
acontece no caso brasileiro. Não resta dúvida de que a crise política no Brasil, com a 
desmoralização do Partido dos Trabalhadores e o risco de impeachment do próprio 
presidente Lula, abala toda a constelação de segurança na América do Sul. A 
perspectiva de um processo de polarização social e político interno, com agravamento 
das relações civil-militares e riscos institucionais diversos devido à incerteza que se 
abre, é algo de uma magnitude que parece somar e transcender todas as crises políticas 
recentes na região, do colapso do governo argentino em 2001 à escalada repressiva que 
acompanhou os violentos protestos sociais na Bolívia em 2003 e 2005, passando pelo 
golpe e pelo paro venezuelano. O colapso do governo Lula ameaça levar de roldão uma 
recém nascida Comunidade Sul-Americana das Nações que já enfrentava sérias 
demandas de institucionalização e equacionamento de uma agenda comum para tratar 
dos problemas relacionados ao conflito armado colombiano, narcotráfico, transformação 
das forças armadas e participação em Operações de Paz e missões da ONU.9
 
Afinal, a declaração de Cuzco ao final da III Reunião de Cúpula da América do Sul em 
dezembro de 2004 prometia fazer deste ano um marco na direção de uma arquitetura 
 
9 Sobre a importância e as bases conceituais de um Estado Sul-americano multinacional, a um só tempo 
superação da CAN e do Mercosul e alternativa ao chauvinismo de alguma versão rediviva do “Brasil 
Grande”, será interessante observar os trabalhos desenvolvidos por diversos pesquisadores dos programas 
de pós-graduação em Ciência Política e Relações Internacionais na UFRGS, em particular a dissertação 
de mestrado de Maria da Graça Hahn (sobre o Tribunal Sul-americano) e a tese doutoral de José Miguel 
Q. Martins (sobre as relações entre Brasil e China e suas implicações na área de segurança e defesa). 
 9
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regional capaz de aproveitar e transcender as experiências da CAN (Comunidad Andina 
de Naciones) e do MERCOSUR (Mercado Común del Sur). Ainda em fevereiro de 2005 
foram assinados 20 acordos bilaterais entre Venezuela, Brasil e Argentina, 14 deles 
sobre petróleo e os restantes em áreas tão diversificadascomo agroindústria, infra-
estrutura e ciência & tecnologia.10
 
Além disso, enquanto os presidentes da Venezuela, Brasil e Argentina selavam em 
março deste ano uma ‘alianza estratégica’, o presidente colombiano Álvaro Uribe e 
Hugo Chávez reuniam-se em Caracas para desarmar a crise diplomática desatada pelas 
denúncias mútuas de corrida armamentista e pela captura do guerrilheiro colombiano 
Rodrigo Granda em território venezuelano no final do ano passado. A normalização das 
relações colombo-venezuelanas e a redução das tensões entre a Argentina de Kirchner e 
o Brasil pareciam indicar a correção do rumo proposto pelo governo Lula: 
“Pragmatismo, disciplina fiscal, liderazgo regional y una voz representativa en los 
foros mundiales son los conceptos con los que se puede describir mejor al gobierno 
Lula y sus relaciones con sus vecinos latinoamericanos” (El Tiempo). 
 
Já no começo da crise que ameaça tragar seu governo, Lula cancelou uma importante 
visita a Bogotá e Caracas prevista para o final de junho, onde iria reunir-se novamente 
com Uribe, Kirchner e Chávez. No ponto em que se encontra a crise política brasileira 
em agosto de 2005, um eventual colapso do governo Lula representará também um 
custo altíssimo para a segurança na América do Sul, não apenas pelo potencial de 
instabilidade econômica e social, mas por retirar a iniciativa das mãos do Estado mais 
dotado de recursos na região, o que eventualmente poderá deixar como únicas opções 
para a região a iniciativa norte-americana da ALCA e a reação bolivariana capitaneada 
por Chávez. 
 
Um sinal particularmente grave nesta direção foi o tom da resolução adotada pela XVI 
Reunião de Cúpula da CAN, onde se destaca a ''instabilidade democrática'' na região 
 
10 Embora não contemple uma análise sobre os aspectos políticos e institucionais da integração sul-
americana, muito menos da dimensão da segurança e da defesa, e embora adote um discurso geral algo 
demiúrgico a respeito do papel brasileiro, o seguinte trabalho de Darc Costa constitui sem dúvida uma 
excelente contribuição para a compreensão da importância da melhoria da capacidade de interação (infra-
estrutural e sócio-cultural) para um projeto de integração regional: COSTA, Darc. (2003). Estratégia 
Nacional: a cooperação sul-americana como caminho para a inserção internacional do Brasil. Porto 
Alegre, L&PM. 
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como uma ameaça direta à segurança, mas não há qualquer sinalização de um avanço na 
direção da construção de um Estado multinacional na América do Sul. Sem este, a 
transformação do complexo de segurança da América do Sul infelizmente poderá se dar 
na direção de uma integração da região andina (e mesmo o Paraguai) ao complexo de 
segurança norte-americano, por meio de um processo de incorporação que traz para a 
agenda dos Estados Unidos não apenas seus aliados (como a Colômbia), mas também 
seus adversários (como a Venezuela). Esta seria uma transformação radical na 
paisagem, algo que o final da Guerra Fria e os atentados de 11 de setembro não haviam 
causado. Cabe esperar que os povos, mais do que os governos e os Estados, sejam 
capazes de evitar o agravamento das condições de segurança na conjuntura que se abre. 
 
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	Marco Cepik*

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