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Renato N. Rangel 1 PREFÁCIO A História de Osasco é relativamente recente e não inclui acontecimentos de tal importância, que possam definir marcos históricos, ao menos na tradição paulista. Essa consideração não leva em conta o fato das bandeiras comandadas por Antônio Raposo Tavares, que residiu na Vila Quitaúna, no século XVII, partirem da região onde se encontra Osasco, segundo o sentido da correnteza do Rio Tietê. Por exemplo, não existem fatos como a Convenção de Itu, ou a primeira siderúrgica denominada Fábrica de Ipanema, instalada em Araçoiaba, ou ainda, a importância para Araçariguama da presença do padre Guilherme Pompeu de Almeida, na região de Santana de Parnaíba. Em meados do século XIX a região onde se encontra Osasco pertencia a um latifundiário de nome João Pinto. Os limites dessas terras eram: ao norte o rio Tietê; ao sul a estrada de Cotia, a nascente os rios Pinheiros e Pirajuçara; e a poente o rio Cotia. Posteriormente parte dessa área foi vendida ao coronel Licínio de Camargo e outros. Nessas terras achava-se o sitio de Quitaúna, sendo que este havia pertencido a Antônio Raposo Tavares, depois a Chico Brito e com a sua morte passou para o seu filho Cândido Mariano de Brito1. Apesar do que foi dito, Osasco tem uma relevância indiscutível, não por alguma tradição distante, mas por apresentar um microcosmos que configura bem o Brasil moderno. Não tem tradição, porém, projeta um futuro brilhante, principalmente com a chegada dos forasteiros, a partir dos anos quarenta do século passado. 1 - Raízes do movimento operário em Osasco, Helena Pignatari Werner, Editora Cortez, São Paulo, 1981. Renato N. Rangel 2 Mesmo diante dessas informações, parece razoável registrar que historicamente, do ponto de vista social, vale a pena destacar a existência da Cooperativa de Vidreiros, em geral de origem italiana, que sob a liderança do professor Edmondo Rossoni, pretendeu fazer frente à Vidraria Santa Marina, pertencente a Antônio Prado, isso após a greve de 1909. Essa Cooperativa, após muito trabalho de seus cooperados foi boicotada, inclusive com os seus documentos e capital de maneira criminosa, pela interferência do advogado Marroni, a mando de Antônio Prado2. É bem verdade que a emancipação da Capital, tanto política como administrativa, ocorreu em um momento no qual acabava de inaugurar-se Brasília, marco muito importante na nossa história recente, porque a interiorização do novo modelo econômico e social repercutiu em todo o Brasil, portanto, inclusive em Osasco. A construção civil que avançou pelo interior do país, fez progredir inclusive a indústria instalada em Osasco. Inclua-se aqui que a construção de novas hidrelétricas levou a encomenda de novos geradores e material elétrico, também em Osasco, o que propiciou emprego e maior circulação de riqueza, além da atração de novos habitantes devido às oportunidades que surgiram. Esta cidade participa ativamente do avanço ciclópico, pelo qual a nação está passando, mesmo com todas as mazelas. Até parece que o lema “Ordem e Progresso” da nossa bandeira nacional não faz sentido, pois, tem- se verificado que com todas as desordens constatadas os avanços são indiscutíveis. Quanto à esta firmação existem discordâncias fundamentadas, porém, só o tempo e o distanciamento histórico trarão as conclusões mais definitivas. Sob o ponto de vista material Osasco tem avançado a passos largos, tanto é que em 2013, com uma população aproximada de seiscentos e noventa mil habitantes, o seu PIB per-capita estava ao redor de oitenta mil reais3, embora sob o aspecto cultural deixe muito a desejar, incluindo-se aqui os esportes, as artes em geral, as ciências e a literatura. Esperemos que com a chegada da Universidade Federal e dos Centros Universitários essa lacuna seja ao menos diminuída, caso o espirito critico venha a ser construído. 2 - Ibidem. 3 - Internet/IBGE – 08/10/2016 – 21:30 horas Renato N. Rangel 3 Cabe registrar que o presente texto tem fortes raízes nas anotações particulares encontradas nos arquivos de Orlando A. da Costa Rangel, falecido em 1994, na cidade de Osasco. Seus apontamentos incluem as duas campanhas pela emancipação e também os movimentos que culminaram com a primeira eleição aos cargos da nova municipalidade. O presente trabalho não pretende contar a História de Osasco mas sim, destacar alguns fatos históricos mais recentes, com base em documentos encontrados e recordações próprias do autor, segundo a sua versão. Renato N. Rangel 4 HISTÓRIAS DE OSASCO Uma contribuição à História de Osasco (C 1940 - C 1960) Considerando-se que inclusive os fatos do presente admitem óticas distintas e interpretações diversas, o que também denominamos por fatos e versões, imaginemos o que pode ocorrer com os acontecimentos do passado, onde dependendo do tempo decorrido chegam a tornar-se até mitos. Assim ocorre com a História das Civilizações, dos povos, regiões geográficas, pessoas, instituições e assim por diante. Por que esse comportamento da História no caso da cidade de Osasco deveria ser diferente? Para o historiador, a condução do seu trabalho precisa ter um foco, o qual pode resultar inclusive de interesses particulares, o que não torna o trabalho de menor valor, pois, o pano de fundo é sempre mais abrangente porque pretende dar maior substância ao objeto em estudo. Feitas estas primeiras considerações vamos ao assunto propriamente dito. No antigo Subdistrito da Capital do Estado de São Paulo, denominado Osasco, existiam regiões que poderiam ser consideradas como “bairros”, embora na verdade se tratasse de zona rural. Dentre estes vamos ressaltar Quitaúna e o Quilômetro Dezoito. No primeiro aqui citado destacavam-se uma guarnição militar do Exército com dois quartéis – um de infantaria e outro de artilharia além do matadouro de Carapicuíba – então bairro do município de Barueri. O matadouro encontrava-se do lado esquerdo considerando-se o sentido de fluxo do rio denominado Ribeirão Vermelho, que corre no sentido do rio Tiete, na divisa que se colocava entre São Paulo e Barueri, atualmente entre Osasco e Carapicuíba. O acesso a essas localidades dava-se pela antiga Estrada de Itu – hoje Avenida dos Autonomistas – ou pela Estrada de Ferro Sorocabana – atual Renato N. Rangel 5 Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Nos anos quarenta do século passado, o deslocamento das pessoas era feitos pelos trens ditos de subúrbio, ou por duas jardineiras verdes e movidas a gasolina – nome dado aos ônibus que possuíam apenas a porta dianteira – em que a cobrança era feita pelo próprio motorista condutor. Como já disse, eram duas jardineiras, uma conduzida pelo senhor Gentil e a outra pelo senhor Elisário,na verdade eram propriedade do primeiro, o qual residia em Barueri. Saiam do centro daquela cidade, passavam pelo Largo da Estação – denominado Praça João Pessoa4, em Osasco, e iam até o Largo de Pinheiros, fim da linha do bonde elétrico que atendia esse bairro da Capital; uma jardineira passava no período da manhã e a outra no da tarde. Havia uma certa solidariedade desses condutores para com os habitantes daquelas regiões distantes, por exemplo, quando alguém necessitava um medicamento, era só solicitar a um deles, mediante depósito prévio em suas mãos, que a encomenda chegava na volta. Outra curiosidade de interesse é que, a plataforma de embarque ferroviário de Quitaúna era muito longa, por interesse de ordem militar. A Estrada de Itu não era pavimentada e na sua margem encontravam- se linhas telegráficas em postes de madeira com muitos fios. Pela dita Estrada passavam as boiadas conduzidas pelos chamados boiadeiros, partindo de Pirituba e em direção ao matadouro de Carapicuíba. Nos anos quarenta havia uma pequena escola mista estadual em Quitaúna, na Estrada de Itu, uns 300 metros antes de chegar na estação ferroviária, partindo do centro de Osasco. Era apenas uma sala de aula e todos os dias o quartel do Exército enviava soldados levando uma merenda para os alunos – era comum canjica ao leite. O próximo passo dos militares foi acolher essa escola no recinto do 4º Regimento de Infantaria. A mesma foi ampliada para duas salas, então conduzidas pelas professoras Célia e Estela, por volta de 1945. Os alunos passaram a usufruir além da merenda, das aulas de Educação Física ministradas pelos próprios militares e, com acesso a todo o equipamento disponível, inclusive piscina. 4 - Jornal “ Diário da Noite”, 08/01/1962 Renato N. Rangel 6 Essa fotografia foi obtida em 1947, no campo de futebol do 4º R.I. Do lado direito do Ribeirão na divisa de municípios encontrava-se o campo do clube de futebol de várzea denominado por “Nacional”, onde atuava o Juvenil Esporte Clube “Matadouro Municipal” formado pelos trabalhadores do matadouro e, especialmente mantido pela ação de vereadores da Capital que por lá garimpavam votos, concedendo benesses como o material esportivo e a manutenção do campo. Ali se dava a diversão dos domingos. Lembremos que não havia a televisão, somente o rádio e uma precária sala de cinema no centro de Osasco, na Rua da Estação, que no fim dos anos quarenta foi substituída pelo Cine Glamour, de dimensões bem maiores e bastante evoluído para a época. Curiosidade: em 1950 o já famoso cantor e compositor Luiz Gonzaga, apresentou-se na festa de formatura do primeiro grau, do Grupo Escolar Marechal Bittencourt, nesse mesmo Cinema, tudo sob a orientação do Diretor Professor Guido Morrone. Em Quitaúna, a partir da Estrada de Itu, indo pela atual Rua Luís Henrique de Oliveira, ao longo da também atual Rua São Bento, encontravam-se algumas chácaras onde se cultivavam frutas e legumes; em outra havia a criação de gado leiteiro, cujos produtos eram vendidos aos habitantes da própria região. As frutas eram comercializadas pelo senhor “Camisola”, principalmente na praça fronteiriça aos quartéis e o leite era Renato N. Rangel 7 fornecido pelo senhor Manoel às casas das proximidades. Nessa mesma região havia uma olaria conhecida como Olaria do Nino, hoje um bairro; no início da Rua Luís H. de Oliveira existiam duas casas grandes e confortáveis, com jardins e lago com peixes, em uma área com aproximadamente 2000 metros quadrados, onde residiam dona Ângela e o senhor Silvio Gava com as respectivas famílias, sendo que este último sempre se apresentava com o único automóvel novo do “bairro”. Na área conhecida por Quilômetro Dezoito havia o Campo do Estrela, a margem da Estrada de Itu, limitado pela Avenida Um – hoje Avenida Comandante Sampaio – e pela atual Avenida Nossa Senhora da Imaculada Conceição, sendo que do outro lado desta avenida havia um canavial, cuja área se encontra totalmente urbanizada, tendo inclusive a edificação de um templo católico. Essa última Avenida dava acesso a locais bem menos expressivos, que posteriormente se desenvolveram de maneira extrema, como o Jardim Santo Antônio e vizinhança. No final dos anos quarenta já residiam bem próximo ao campo do Estrela, na atual Avenida Comandante Sampaio os tenentes aposentados do Exército, Luiz Nunes da Silva e Teóphilo Fortunato de Camargo, ambos com os seus vários filhos já criados e adultos. Na mesma avenida residia dona Margarida, ao que parece viúva e com vários filhos também criados e adultos. Neste registro de pessoas mais influentes na região cabe incluir o nome do senhor José Pedro, que residia com família numerosa em uma casa Renato N. Rangel 8 das mais confortáveis para aqueles padrões, na Avenida Três nº125. Fotografia da parte da frente do casarão citado no texto Deve-se inclusive deixar documentado que nessa época existiu no Quilometro Dezoito o Clube “Raposo Tavares”, sendo que Luiz Nunes da Silva foi seu secretário, Clube esse do qual não temos mais notícias, que possam ser acrescentadas a esta narrativa. Do outro lado da atual Avenida dos Autonomistas, em frente à estação da CPTM, havia um grande e belo casarão de aproximadamente mil metros quadrados, com porões tão altos que possibilitaram transformá-lo em andar térreo, tudo indica que tenha sido sede de uma antiga fazenda na qual o mesmo se encontrava. Sabe-se que no início dos anos quarenta do século XX, nesse local, funcionara um clube social denominado “Cacique”, ao que parece inclusive bailes eram realizados nesse edifício. Na Estrada de Itu, em frente à empresa industrial conhecida como Hazafer – era uma triparia que inclusive exportava – encontrava-se o armazém do senhor Benedito Alves Turíbio, na esquina com a presente Rua Professor José Renato N. Rangel 9 Azevedo Minhoto. Naquele tempo as compras mais volumosas, em que se destacavam o carvão e a lenha usados nos fogões domésticos, eram entregues em domicílio com o uso de carroças a tração animal. As padarias do centro de Osasco faziam circular essas carroças pelas regiões mais distantes, para vender pães e alguns confeitos aos clientes desses lugares, todos os dias. Mais uma informação que deve ser registrada é que na Avenida Sete, no Quilômetro Dezoito, encontrava-se a sede da Sociedade Esportiva “Vera Cruz”, fundada em 7 de novembro de 1953 e que, tinha como presidente o Senhor Sebastião Santiago, em 1960. Em Quitaúna, diante dos quartéis do Exército, na Estrada de Itu, destacavam-se as casas dos militares com patentes acima de capitão. Eram confortáveis e aprazíveis, davam um certo elã à região, consistindo em um diferencial positivo. Ao que tudo indica, os quartéis devem ter sido construídos no período em que Pandiá Calógeras foi Ministro da Guerra, no início do século XX e as casas edificadas posteriormente. Nessa mesma Estrada, um pouco antes de chegar aos quarteis, haviam várias casas em nível mais elevado em relação a via, onde entre outros residiam, Rodolpho dos Santos Ferreira, que deverá aparecer posteriormentecomo um dos líderes da emancipação, influente na eleição do primeiro prefeito e candidato a deputado estadual, além de Lino José Andrade Socorro, residente à Estrada de Itu, número 12363, um alfaiate de grande qualidade especialmente porque confeccionava fardamentos militares com grande maestria, era muito procurado. Vale lembrar que, de acordo com as falas da época, todas essas terras pertenceram ao “coronel” Delfino Cerqueira, da antiga Guarda Nacional. Nessas mesmas terras do então Ministério da Guerra, posteriormente e por negociação, com os préstimos do coronel Florêncio José C. Monteiro, foi construída uma Escola Estadual para oferecer o chamado Curso Primário, ou seja, os primeiros quatro anos escolares do ensino oficial, com início aos sete anos de idade. O zelador residente era o senhor Benedito Benedetti, com a esposa e seus dois filhos. Mais adiante e no sentido do matadouro encontrava-se o Empório Leão, no número 13069 da Estrada de Itu, propriedade do senhor José Almir Avelino. Sabe-se que nesses empórios encontravam-se, desde doces industrializados -fornecidos pela Cia. Bela Vista – até tamancos de madeira e couro de boi, querosene, carvão Renato N. Rangel 10 vegetal, cereais a granel, óleo vegetal a granel, leite em frações de litro, vinho a granel, bebidas em geral e por aí afora. Foto do Empório Leão, posteriormente sede do “Grêmio do Cedro” Convém recordar que nesse período as residências não eram servidas por água potável encanada, esgotamento sanitário, coleta de lixo, iluminação pública e os fogões domésticos eram a lenha ou carvão vegetal, além disso o banho diário era tomado em bacias de folha-de-flandres, com água aquecida no fogão doméstico. Telefone nem pensar, a comunicação mais rápida era pelo telegrafo da Estrada de Ferro Sorocabana; o envio de dinheiro consistia na postagem em espécie e no Correio, por meio de envelopes transparentes, para maior segurança; podia ser via férrea ou aérea e em Quitaúna não havia agência dos Correios. As casas eram servidas por energia elétrica, mas unicamente na Estrada de Itu e, a cobrança era feita mensalmente por um funcionário da empresa fornecedora - Cia. Light & Power – em dinheiro, mediante recibo e na residência do consumidor. Renato N. Rangel 11 Ainda a propósito dos hábitos e costumes locais daqueles tempos, vale lembrar que quando as pessoas faleciam, o corpo era velado em uma mesa na sala da residência da família e o féretro normalmente era conduzido a pé, até o Cemitério de Bela Vista, em Osasco. Em alguns casos, dependendo das posses da família o transporte era feito por caminhões ou ônibus. Durante o velório, que normalmente incluía uma noite, ofereciam- se café com algumas guloseimas e havia muita conversa. A encomenda do corpo era realizada na Igreja de Santo Antônio, ou na Capela do próprio Cemitério. Quanto aos casamentos: o cível costumava ocorrer no Cartório de Osasco, situado à Rua João Batista e no caso da cerimônia religiosa, acontecia na Igreja Matriz de Santo Antônio, em Osasco, geralmente com poucos assistentes, porque era na casa dos pais da noiva que se aglomeravam os convidados a espera do novo casal, para a festa de confraternização que ia noite a dentro, e da qual os noivos retiravam-se para seu novo lar. Lembremos que nesses tempos começavam a despontar os primeiros Templos Evangélicos, como por exemplo o da Rua General Florêncio, em Quitaúna. Para tanto, no início, entre os seus frequentadores havia os que não residiam no Subdistrito de Osasco. Creio que existisse certo esforço no sentido de implantar a bandeira dos evangélicos, em um ambiente onde os católicos eram praticamente absolutos por tradição ou comodismo. Quanto às cerimônias de batismo, além da Igreja Matriz de Osasco, também ocorriam aos domingos na Capela Católica do 4º Regimento de Infantaria, após os serviços da missa dominical. Nesses tempos, o registro civil de nascimento já era normal, porém a cerimônia de batismo era menos frequente. Creio que esse fato devia ser consequência das leis trabalhistas em vigor, que concediam certas vantagens aos pais, como por exemplo o denominado “salário família”, isto é, um pequeno acréscimo por filho nascido, que sendo fixo, para os salários menores era mais significativo. Eram os efeitos da legislação trabalhista implantada nos anos trinta. Um outro componente da vida social naqueles tempos e que merece ser mencionado, é a questão do lazer. Os homens adultos, nas horas de Renato N. Rangel 12 folga conversavam muito, enquanto bebericavam, as vezes em excesso. Era comum ouvir a narração das partidas de futebol através do rádio e depois com o advento da televisão, assistir os campeonatos de futebol era um prato cheio. Além dos jogos nos campos de várzea, costumavam organizar partidas de “malhas”, ou melhor, pequenos discos de ferro com um diâmetro aproximado de 9 a 10 centímetros, que eram lançados a uma distância aproximada de 20 metros, onde se encontrava um pino de madeira, do qual os discos deveriam aproximar-se ou derrubá-lo; também gostavam dos jogos com cartas de baralho. As mulheres ouviam muita novela, especialmente pelas ondas da Rádio São Paulo, conversavam bastante e algumas gostavam de uma partida com cartas de baralho enquanto outras optavam pela leitura de romances. As jovens, em geral, enfeitavam-se e liam romances, sem deixar de namorar, ainda que por vezes de maneira platônica. Nos esportes dominava o futebol com vários craques, sendo que alguns destacaram-se no cenário nacional e um no internacional, trata-se de Jair da Costa. No caso do boxe ressalte-se o nome de “Vicentão”, que também trabalhava no Matadouro de Carapicuíba e participou de embates na Capital. Vale lembrar que nas artes podemos destacar Heraldo e seu Regional, inclusive com apresentações na Capital, especialmente no programa radiofônico denominado “Peneira Rodini”, que era levado ao ar, se não nos falha a memória, aos sábados à tarde, pela então Rádio Cultura de São Paulo. Os meninos gostavam de uma “pelada”, isto é, futebol na rua, de pés descalços e com qualquer número de participantes. Adoravam “brincar de mocinho”, pretensamente imitando os seriados cinematográficos dos domingos, em que destacavam o herói e o malfeitor, além disso, jogavam com bolinhas de gude e em determinada época do ano, brincavam com piões de madeira com ponta de aço, que giram pelo desenrolar de uma fieira. Era uma grande satisfação, porque cada um podia mostrar as suas habilidades. Uma outra maneira de brincar era “jogar taco”, ou seja, quatro meninos, dois próximos a cada uma das duas casinhas, feitas com forquilhas de arbusto, atiravam uma bola das de tênis, para destruir a casinha, que era defendida por um menino com o auxílio de um taco – porrete. Caso a bola Renato N. Rangel 13 acertasse, os que estavam com os tacos começavam a contar pontos, a partir das corridas que davam entre as casinhas, que ficavam distantes entre si uns 15 metros. Algumas vezes inclusive as meninas participavam desses jogos. Além do mais, os meninos costumavam ir nadar pelados no Ribeirão, localizado no limite entreSão Paulo e Barueri, ou Matadouro de Carapicuíba. Esta parte da narrativa tem a pretensão de começar a adquirir forma mais definida a partir do momento em que o então subtenente do Exército Orlando A. da C. Rangel foi transferido de Santa Maria, RS, para o 4º Regimento de Infantaria, sediado em Quitaúna, onde chegou com a esposa - Alice – e dois filhos em tenra idade. Após rápidas estadias residindo no Quilômetro Dezoito, em Barueri e Osasco centro, foi designado para o destacamento militar da hidrelétrica da Light, em Cubatão – litoral paulista – devido à Segunda Guerra Mundial, sendo que a família ficou em uma pensão na cidade de Santos. Lembremos que nesse período, em plena Guerra, havia grande dificuldade em vários aspectos, inclusive para conseguir alugar um imóvel residencial. De volta a Osasco e após vender uma casa que deixara em Porto Alegre, RS, adquiriu um lote de terra na atual Rua André Manojo – centro de Osasco – para depois vende-lo e em seguida comprar outro imóvel em Quitaúna, localizado na Estrada de Itu, número 13059, para onde mudou-se com a família em dezembro de 1944. A partir dessa última iniciativa Rangel resolveu fixar raízes em Osasco, pois, deixou de participar de seleções e concursos profissionais que resultassem em sua promoção, porém com a transferência para outra unidade militar. Seu objetivo era aprofundar raízes em Quitaúna/Osasco, não só em termos materiais, tais como a aquisição e construção de imóveis, mas também no sentido social e cultural. Nesse período as suas principais iniciativas de caráter comunitário foram a criação do Grêmio do Cedro, a denominação da antiga Rua Vinte e Dois por Rua General Florêncio e a liderança do movimento contrário à primeira campanha de emancipação de Osasco. Ainda a propósito de iniciativas outras, logo após passar para a reserva remunerada, foi indicado pelo então coronel Florêncio, comandante da guarnição militar de Quitaúna, para estruturar uma guarda interna à Companhia Brasileira de Material Ferroviário - COBRASMA, em Osasco, sendo que após estudos e tratativas, não foi concluído o acordo devido às visões distintas entre as partes envolvidas. Com isso ficou conhecido da Renato N. Rangel 14 família Vidigal, maior acionista da empresa, motivo pelo qual encaminhou vários retirantes nordestinos recém-chegados, para a referida empresa, onde conseguiram uma oportunidade de emprego. De passagem, devemos registrar que na época não havia qualquer equipamento de saúde em Quitaúna, nem mesmo uma farmácia. Por isso, sua esposa, dona Alice, aplicava injeções, até mesmo intravenosas e sem qualquer interesse pecuniário. Em sua residência chegava a formar fila de espera, com duas, três e até quatro pessoas sendo que a única exigência era que viessem após as quatorze horas, devido aos seus afazeres domésticos. Alguns traziam sua própria seringa; recordemos que as seringas e agulhas não eram descartáveis e precisavam ser fervidas antes das aplicações. Aliás, dona Alice, com satisfação, auxiliou alguns partos realizados em residências de pessoas mais desprotegidas. Seus filhos, em geral, quando adoentados eram tratados com repouso – na cama, alimentação reforçada, antitérmicos, às vezes aplicações intramusculares como por exemplo: “eucaliptina” e “transpulmin”; esporadicamente uma consulta com o doutor Edson, capitão médico do 4º R. I. Em Quitaúna, são dignos de nota os acontecimentos de caráter social como as solenidades de Primeira Comunhão, na Capela Católica do 4º R. I., onde havia um grupo de jovens que participavam da Cruzada Eucarística Católica e, a “Ata de Resolução Popular” redigida pelo então aclamado condutor da cerimônia Orlando Rangel, cuja assinatura é acompanhada por mais 38 cidadãos presentes à solenidade, a qual registra a denominação da antiga Rua 22, a partir da Estrada de Itu, por Rua General Florêncio José Carneiro Monteiro, em 13/07/1952, onde há algum tempo já havia uma parada de ônibus. Renato N. Rangel 15 Na primeira foto encontram-se da esquerda para a direita, em pé: Gerd, Pinheiro Machado, Orlando Rangel, Antônio Lopes, Gregório Barbosa, Renato N. Rangel 16 Adriano, Luiz Nunes da Silva “Gijo”; abaixo e agachado, de suspensório e gravata: Almir Avelino. O homenageado fora comandante da Guarnição Militar entre 1948 e 1951, tendo contribuído com os seus préstimos para a construção do Grupo Escolar General Sampaio, o asfaltamento da Estrada de Itu a partir de Pinheiros, construção de uma nova estação ferroviária em Quitaúna e o novo sistema de transporte de gado bovino, desembarcado em Pirituba, e conduzido por terra para o matadouro de Carapicuíba, dentre outros feitos Em dezembro de 1953 o presidente da recém fundada União dos Defensores de Quitaúna, Erasmo Pinheiro Machado, solicitou a Orlando Rangel que preparasse o anteprojeto dos Estatutos da referida associação, cujo documento foi entregue em 24/01/1954. Não existem vestígios que registrem os acontecimentos seguintes referentes a apontada União. Continuando este relato, aos 26 dias do mês de junho de 1954, devido a atuação decisiva de Orlando Rangel, foi fundado o “Grêmio do Cedro”, com finalidades semelhantes às da União citada anteriormente. A Assembleia Constituinte deu-se no edifício – antigo Empório Leão – situado a Estrada de Itu, número 13069. Na mesma ocasião foi aprovado um anteprojeto de estatutos, a ser encaminhado para o devido registro em Cartório. As principais finalidades da novel entidade eram: “a) cuidar dos interesses coletivos da população do bairro; b) proteção aos menos favorecidos da sorte; c) amparo moral ao esporte e ao desenvolvimento cultural de seus associados”. A condução dos trabalhos coube a Orlando A. da C. Rangel, secretariado por Antônio Nunes de Oliveira. Após escrutínio secreto foram eleitos, para presidente: José Gabriel Corrêa; vice- presidente: Antônio Lopes; primeiro secretário: Orlando Assis da Costa Rangel; segundo secretário: Antônio Nunes de Oliveira; primeiro tesoureiro: Rafael Caliente; segundo tesoureiro: Ananias de Almeida; diretor de beneficência: José Maximino Gonçalves; diretor social: José Cordeiro. Os estatutos do “Grêmio do Cedro” foram registrados no 1º Ofício de Registro de Títulos e Documentos – Rua Roberto Simonsen, número 106 – sendo publicados no Diário Oficial de 12 de agosto de 1954. Renato N. Rangel 17 A seguir, alguns documentos são anexados com a finalidade precípua de, ao menos de passagem, demonstrar quão ativa era essa instituição nascida naquele ambiente distante e desprotegido pelo poder público. Com esses anexos deve ficar claro que o Grêmio do Cedro teve uma vida bastante ativa, ao prestar relevantes serviços à comunidade local, nos aspectos: esportivo, cultural e beneficente. Logotipo do Grêmio do Cedro Para funcionar no mesmo imóvel locado pelo Grêmio, constituiu-se em 21/06/1955 o Esporte Clube “Duque de Caxias”, com estatutos elaborados por Orlando Rangel e cujo presidente era Ângelo Gatti. Na verdade, o único esporte praticado era o futebol, além do uso de uma mesa Renato N. Rangel18 de pig-pong, jogo de damas e de xadrez, sendo que o registro na Federação Paulista de Futebol não consta embora exista a ficha de solicitação devidamente preenchida. Renato N. Rangel 19 Renato N. Rangel 20 Renato N. Rangel 21 Ainda a propósito do Grêmio do Cedro, convém lembrar que em suas reuniões eram realizadas palestras sobre temas como: datas nacionais, personagens de destaque e questões sociais, em geral por sócios encarregados das mesmas. Consistiam em um aprendizado tanto para os ouvintes como para os palestrantes. Lembremos que houve total apoio a constituição do Esporte Clube “Duque de Caxias”. Durante a existência do Grêmio, em todos os finais de ano era feita uma campanha para a coleta fundos destinada à festa de Natal, sendo que ao final eram distribuídos brinquedos às crianças carentes da região. Em março de 1957 a professora de canto e música Rossana Fiorio solicitou o uso da sede para essas atividades, mediante uma modica contribuição. Essa solicitação foi atendida, com a concordância do E. C. “Duque de Caxias”, também locatário, sem custas para a professora, porém, com o compromisso da manutenção do local e inicialmente por 90 dias, fato este que demonstra a preocupação com as artes Renato N. Rangel 22 Renato N. Rangel 23 Inúmeras vezes o Grêmio, por intermédio dos seus sócios, socorreu famílias e pessoas necessitadas com alimentos e medicamentos. Renato N. Rangel 24 Finalmente na Assembleia Geral Extraordinária (ata nº 73), realizada em 3/09/1958, na sede situada a Estrada de Itu, número 12914, decidiu-se por encerrar as atividades do Grêmio, especialmente pelo desinteresse da maioria dos seus sócios. Na verdade, a expressão usada foi “adormecimento temporário”. Os móveis foram divididos entre os sócios presentes, para a respectiva guarda e, os novecentos cruzeiros restantes no caixa tiveram como depositário o primeiro tesoureiro, Ananias de Almeida. Faz-se também necessário registrar aqui que no dia primeiro de maio de 1959, ocorreu uma reunião na casa número 5 da Avenida Um – atual Rua Francisco Sgambatti, para deliberar sobre a reativação do Grêmio. Após convocação com antecedência de dez dias, a presença foi muito pequena e desestimulante. Estiveram presentes: Isach Melo Filho, José Cordeiro, José de Oliveira Cruz, Abílio Martins de Oliveira e Gregório Barbosa de Souza. Aqui está o último registro encontrado, referente ao Grêmio, no que tange às suas atividades sociais. Essa foi a experiência de caráter associativo mais duradoura e profícua por aqueles lados, com efeitos até o segundo movimento de emancipação de Osasco, da Capital. Ainda nesse tom vale lembrar que em 7 de abril e 1960 foi fundada a Sociedade da Guarda Noturna de Quitaúna, em documento conferido e atestado por José Candido da Silva – presidente e Antônio Dinaer Piteri – secretário, em 15 de junho de 1960. Renato N. Rangel 25 Renato N. Rangel 26 A Campanha do Não -1953- Ao tempo da realização do Primeiro plebiscito visando a emancipação de Osasco, da Capital do Estado de São Paulo, em Quitaúna, tudo começou quando uma certa tarde, Orlando A. C. Rangel, José Maximino Gonçalves e Antônio Lopes, na Rua General Florêncio, em conversas foram despertados por uma carreata ruidosa que anunciava com alto-falantes a indiscutível vitória do Sim, no plebiscito que se avizinhava. Alertados quanto ao movimento em marcha, com plebiscito marcado para 13 de dezembro de 1953, resolveram reunir alguns outros vizinhos, analisaram os fatos e decidiram por iniciar um movimento contrário. Tal atitude ocorreu, ao que parece, porque a primeira impressão era de que um pequeno grupo de pessoas, da região central de Osasco, imaginava ter o direito de decidir em nome das maiorias, sem consulta-las. Inicialmente as lideranças a favor da emancipação ignoraram os discordantes, de maneira que mais adiante ao mudarem de comportamento, já era tarde. Os contrários estavam organizados e já contavam com o apoio de autoridades da Capital e até mesmo do Governo do Estado. Ao que tudo indica houve uma falha grave no encaminhamento da primeira campanha emancipacionista, porque o pequeno grupo que a liderou não tinha representatividade na comunidade como um todo. Para documentar, o jornal semanário “Folha de Osasco”, em seu número 2, datado de 8 de novembro de 1953, noticia o Movimento Contra a Autonomia iniciado em Quitaúna, sendo que os dirigentes do mesmo são “os senhores tenente Orlando Assis da Costa Rangel, José Cordeiro, tenente Rafael Caliente, José Selim, Erasmo Pinheiro Machado, José Maximino Gonçalves, Gregório Barbosa e Vitorio Martoni”, os quais resolveram lançar ao povo da região um manifesto esclarecendo os motivos de tal iniciativa. Nessa mesma edição, o presidente da Sociedade Amigos de Osasco, Reinaldo de Oliveira, afirma que “Osasco recebe com júbilo o aparecimento do seu jornal”, dirigindo-se a Rolf A. Trapp, diretor do referido noticioso. Ainda, transcreve uma carta de Jânio Quadros, prefeito da Capital, declarando-se favorável à independência de Osasco, especialmente pelas dificuldades do poder central de São Paulo para chegar às regiões mais distantes, isso em 23 de outubro de 1952. Renato N. Rangel 27 Diante desses fatos os embates pró e contra conseguiram atrair a atenção para Osasco, daí a extensão da linha da Companhia Municipal de Transportes Coletivos – CMTC – até o matadouro de Carapicuíba no Quilometro 21, melhora na coleta de lixo, iluminação da Estrada de Itu e muitas promessas. Além do mais os candidatos a vereador e a deputado estadual passaram a frequentar mais a miúde a região, dentre eles destacam-se Gabriel Quadros, Paulo de Tarso Santos e irmão, Arruda Castanho, William Salem e outros. Encaminhavam providências com vantagens e conveniências para os times de futebol e melhoras nas condições das ruas. Um dos primeiros manifestos “Ao Povo”, justificava a discordância em relação ao movimento pela autonomia, por acreditar que na verdade o povo local iria ter que arcar com os gastos relativos à nova Câmara Municipal, estruturação e manutenção da nova máquina pública do executivo, inclusive a desvalorização dos imóveis ao deixarem de pertencer a Capital. Além disso deixariam de contar com a CMTC, àquele tempo muito importante para o deslocamento urbano das pessoas. Naquele momento histórico um outro fator muito importante foi lembrar que Santo Amaro, bairro da Capital, fora anteriormente desmembrado como município e, tivera que retornar à Capital,por completa deficiência de orçamento e dificuldades administrativas internas. Esses fatos estimulavam as incertezas com relação ao pretenso futuro município, especialmente porque a arrecadação tributária no caso de Osasco era bem menor que a de Santo Amaro. A comissão que subscreveu o manifesto denominado “Ao Povo” constituía-se por: Gabriel Quadros (vereador), Valmir Camargo, Orlando A. da Costa Rangel, Teóphilo Fortunato de Camargo, José Almir Avelino, Antônio Lopes, José Cordeiro, José Maximino Gonçalves e Luiz Lopes da Silva. Com data de 7 de novembro de 1953, um grupo de cidadãos residentes em Osasco fez publicar em “Secção Livre”, um manifesto “Ao Povo” de Osasco, no jornal Folha de Pinheiros, o qual destacava que tal emancipação só iria beneficiar aqueles que se reuniam no “larguinho da Estação, onde se fazem os conchavos e se alimentam as intrigas políticas, Renato N. Rangel 28 incapazes na sua patente desagregação de ter dado, até hoje, de Osasco para Osasco, na edilidade de São Paulo, um só e modesto vereador”. Havia uma forte preocupação em deixar de residir na Capital, embora distantes do centro, porém com impostos bem reduzidos. Alegavam que “eles – os emancipacionistas – são nossos amigos, mas se plantaram no alto das suas importâncias e resolveram, quase que a nossa revelia, assunto de tão transcendental importância”. No dia 15 de novembro de 1953 vem a público o manifesto “Osasco não deseja a sua autonomia”, impresso no jornal Folha de Pinheiros, assinado pela comissão e encabeçado por Gabriel Quadros e Orlando A. C. Rangel, além de outros cidadãos. O Partido Socialista Brasileiro - PSB, por meio de manifesto do Diretório Municipal, dirigiu-se ao povo no sentido contrário ao movimento emancipacionista, onde consta o nome de Maria Genta. Justificava que “os chefes políticos locais tentam por essa forma, destruir a vitória popular e reconquistar o prestígio abalado, pela derrota de 22 de março”. Afirmava que “a descentralização administrativa, que é uma necessidade, poderá ser atendida com a criação de uma Subprefeitura ou de uma Agência Distrital, que, a exemplo da que está sendo criada no Tatuapé e em outros bairros, tratará com a máxima eficiência todos os problemas locais”. Informava, ainda, a realização de comícios nos dias 2 e 10 no Largo da Estação – atual praça Antônio Menck. A propósito da dita descentralização administrativa citada anteriormente, um primeiro passo foi dado quando em 13 de agosto de 1956, o prefeito da Capital criou, pela Portaria nº 152, os Conselhos Distritais, constituídos por elementos radicados nos Distritos, com prestação de serviço público “pró-honore”, sem qualquer remuneração. Durante essa batalha encontra-se no jornal “A Gazeta”, com data de 27 de novembro de 1953, uma notícia intitulada “Gravíssima questão”, a qual informa que o Procurador Geral da República, tendo em vista os fatos ocorridos no Rio Grande e na Bahia, recomenda que no processo de emancipação dos novos municípios, deva-se previamente consultar a Câmara Municipal do desmembrado e, além disso, a devida consulta popular inclua todos os eleitores, isto é, aqueles que habitam a região Renato N. Rangel 29 pleiteante e os das demais regiões. As Câmaras Municipais poderiam contrapor-se às decisões das Assembleias Legislativas Estaduais, quando vissem seus municípios mutilados por decisões desse tipo, pelas respectivas Assembleias. O referido parecer foi acolhido pelo Supremo Tribunal Federal, para nortear as Leis Orgânicas dos vários Estados. Renato N. Rangel 30 Renato N. Rangel 31 No dia 28 de novembro de 1953, Jayme Regalo Pereira, em “Ao Povo de Osasco”, no jornal Folha de Pinheiros, propriedade do vereador Arruda Castanho, alegava ter sido o primeiro a levantar a bandeira da emancipação de Osasco, nomeando vinte osasquenses que o acompanhavam. Renato N. Rangel 32 Argumentava em sua crítica, ter ciência de que um grupo de pessoas alheias aos interesses de Osasco procurava conquistar adeptos contra o referido movimento. “Por mais incrível que pareça quando tudo fazia prever uma demonstração unanime em favor da autonomia, aparecem os pescadores de águas turvas procurando tirar partido da situação em favor de seus interesses escusos os quais, certamente, o eleitorado osasquense saberá repelir. ” Renato N. Rangel 33 Renato N. Rangel 34 Diante de declarações tão lamentáveis, Orlando A. da C. Rangel, um dos líderes do Não, fez publicar em “Seção Livre” e “Ao Povo de Osasco”, no jornal Folha de Pinheiros, no dia 4 de dezembro de 1953, uma série de argumentos que procuravam rebater as teses de Regalo Pereira. O autor alegava, por exemplo, que o direito a discórdia faz parte da democracia, questionava a expressão “inteligência primária” e estranhava que o referido senhor Regalo estivesse interferindo em assuntos internos à família osasquense. Por Renato N. Rangel 35 último afirmava ainda que era um equívoco o senhor Regalo considerar os discordantes como políticos partidários. Renato N. Rangel 36 No jornal denominado Gazeta datado de 12/11/1953, consta que o mesmo recebera uma comissão contrária a autonomia de Osasco, a qual na verdade pleiteava a transformação do Subdistrito em Subprefeitura. Consideravam que a dita emancipação, na realidade satisfazia um pequeno grupo de osasquenses. Alegavam que a separação levaria a perda dos serviços da CMTC e informavam que haviam entregue ao Prefeito da Capital um memorial com 600 assinaturas, pleiteando a extensão das linhas da CMTC até o chamado Quilometro Vinte e Um – Matadouro – à tarifa de três cruzeiros. O Prefeito Jânio Quadros prometeu providências em favor dos solicitantes. Fizeram parte dessa comitiva: Orlando A. da C. Rangel, Teophilo F. de Camargo, José Cordeiro, Luiz Lopes da Silva, Rafael Caliente, Renato N. Rangel 37 Antônio H. Tomanik, Gregório Barbosa de Souza, Ceci Avelino, Carlos Dasaço, Manuel Pimentel, Antônio Canepa, Adair de Brito, Isaias Queiroz Dreguez, Anísio Dias Moreira e Manoel Martins Costa. Em 22 de novembro de 1953, o jornal Folha de Osasco publica em seu número 4, o título “Pela Autonomia de Osasco”, informando que no dia 13 desse mês, no Cine Osasco, realizara-se uma sessão promovida pela Sociedade Amigos de Osasco, sob a presidência de Reinaldo de Oliveira. Na referida sessão foi deliberado fundar o MovimentoPró-Autonomia, para organizar os procedimentos que pretendiam levar à emancipação de Osasco. Na mesma data a referida Folha publicou o título “Esclarecimento sobre o que vai por aí contra a autonomia”, tendo como autor Reinaldo de Oliveira. Começa dizendo: “duvidas ainda pairam no espirito de muitos osasquenses no tocante a autonomia”. Destacava especialmente as seguintes dúvidas: a propalada desvalorização do salário mínimo e os aumentos dos impostos municipais, com a possível emancipação. Trazia argumentos tais como a Consolidação das Leis Trabalhistas e a Lei Orgânica dos Municípios. Esclarecia que os próprios da Prefeitura da Capital passariam para o novo município sem ônus, que com o desmembramento os salários não poderiam ser alterados e os impostor teriam que obedecer aqueles níveis do município de origem, no caso a Capital. No entanto, evitava considerar que o novo município iria criar a sua própria Lei de Zoneamento e, com isso abriria uma brecha para alterar os critérios dos valores dos impostos. A esta altura havia um argumento forte dos contrários a separação, ou seja, o valor das tarifas do transporte coletivo, porque nas rotas intermunicipais normalmente elas são mais elevadas que nas internas aos municípios. Esse mesmo número dessa Folha, trazia uma notícia indicativa de que o vereador Willian Salem, do Partido Social Progressista, viria para Osasco tomar parte dos comícios contrários à emancipação, portanto juntando-se ao movimento local, conhecido como sendo do Não. A Folha de Osasco publicou no dia 29 de novembro de 1953 uma manifestação tendo como autor Rafael Caliente, contrária a emancipação. Entre os argumentos destacava que a Prefeitura de São Paulo autoriza o “sagrado habite com um simples alvará, sendo que o pobre pode Renato N. Rangel 38 folgadamente pagar os seus impostos e construir a sua casa”. Ressaltava que para manter uma máquina pública como a proposta, as custas serão muito elevadas e o povo terá que arcar com essa nova realidade. Durante a campanha do Não, que foi relativamente breve, porém aguerrida, os seus líderes se cotizaram nas despesas relativas a impressão de panfletos, manifestos, inclusive em “Secção Livre” de jornais e confecção de faixas em tecido. Os veículos usados foram basicamente um automóvel pertencente a José Maximino Gonçalves e outro de Antônio Lopes; para os comícios realizados nos diversos bairros foi usado um caminhão pertencente à dona Margarida, já citada. Esses veículos eram usados principalmente no período noturno, quando as atividades de seus proprietários eram menores. Mesmo com um sistema de som precário esses comícios conseguiam reunir número razoável de pessoas. Lembremos que nesses tempos o comício consistia em um acontecimento quase festivo, mesmo sem a presença de figuras conhecidas das artes. Além dos argumentos trazidos pelos líderes do movimento, um outro atrativo era a presença de deputados e vereadores, já conhecidos do público. Renato N. Rangel 39 Como a aprovação do plebiscito de emancipação dependia inclusive da Assembleia Legislativa, caravanas foram encaminhadas para gestões junto àquele poder público. Uma dessas foi constituída somente por mulheres, dentre as quais destacavam-se: Maria Genta, Bruna Mazulait, Eloisa da S. Prado, Alice N. Rangel, Maria de L. Prado, além de outras. Mesmo não tendo sido recebidas no plenário, alguns deputados vieram ao encontro das mesmas, sendo que particularmente o deputado Wilson Lapa, fez um pronunciamento acalorado em favor da causa ali defendida por elas, nas escadarias do Palácio das Indústrias, localizado no Parque Dom Pedro II, onde se encontrava instalada a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Durante o histórico movimento que se prendeu à bandeira do Não, mesmo que possa ter sido visto como algo retardador dos acontecimentos posteriores, que levaram à efetiva emancipação, não foi de todo inócuo. Para chegar a essa conclusão, basta lembrar que em razão desse choque de opiniões surgiram novas lideranças, mais representativas e que vieram a contribuir de maneira mais efetiva, quando ocorreu o segundo movimento emancipacionista, pois, as ideias se tornaram mais claras e os objetivos mais bem definidos. Mesmo assim os registros indicam que um número elevado de cidadãos não era favorável a causa do Sim. Tanto é que afora a ação judicial interposta pelo então prefeito Ademar de Barros, foram detectadas alterações na contagem dos votos, quando do segundo plebiscito e manipulação dos resultados. Em função desses apelos e irregularidades, a questão foi parar no Supremo Tribunal Federal, em Brasília, de onde finalmente veio a decisão favorável a causa do Sim. Apesar desses impasses, os fatos mostraram que a emancipação de Osasco foi benéfica, não só para o novo município como para a região oeste da Capital. Tendo em vista os desentendimentos da primeira campanha pela autonomia de Osasco, parece que as pessoas se descobriram, especialmente aquelas das regiões mais distantes do centro, tendo sido notadas pelos cidadãos osasquenses do denominado “centrinho”. O documento que segue é uma comprovação de que a partir da primeira tentativa de realizar o plebiscito, ao menos Quitaúna juntou-se aos movimentos sociais regionais mais significativos, tais como as campanhas Renato N. Rangel 40 para prefeito de São Paulo, governador do estado e em seguida para presidente da República. Renato N. Rangel 41 O Segundo Plebiscito -1958 - No dia 13 de dezembro de 1957, reuniram-se na Associação Atlética Floresta, situada à Rua Primitiva Vianco, a Associação Amigos de Osasco e convidados, sob a presidência de Reinaldo de Oliveira, sendo que o mesmo solicitou ao secretário a leitura da Ata da Reunião realizada no dia 7 próximo passado, a qual foi aprovada. Em seguida o presidente fez uma explanação sobre os acontecimentos de interesse da coletividade osasquense, que estavam ocorrendo em Osasco e solicitou que, sem cor partidária, todos participassem de um novo movimento para a emancipação de Osasco. Acrescentou que tal iniciativa impunha a obrigação das tratativas junto à Assembleia Legislativa do Estado terem de ocorrer até o dia 30 de abril de 1958, para que em tempo hábil fosse autorizado o plebiscito em Osasco. Aconteceram vários debates sobre a manutenção da Sociedade Amigos de Osasco – SADO - na liderança do movimento. Finalmente decidiu-se que deveria haver uma Diretoria Coordenadora do novo movimento, tendo sido eleitos por aclamação para presidente da mesma Luiz Gonzaga de Carvalho, o qual após assumir a direção dos trabalhos passou a composição da mesa diretora, com representantes dos vários segmentos sociais, dentre esses: Fortunato Antiório, Walter Ramos, Licínio Castro, Walter Auada e Antônio Gaban. Em seguida foram eleitos, por aclamação, para primeiro secretário: Orlando A. da Costa Rangel, e segundo secretário: Silvio Galhardi, os quais tomaram assento à mesa. O presidente Luiz Gonzaga solicitou que tanto os contrários como os favoráveis ao movimento se manifestassem,o que ocorreu. Dentre os autonomistas, Constantino Ianni propôs que nas futuras reuniões, as mesmas fossem dirigidas por mesas diferentes e que a SADO deveria ficar incumbida de providenciar os documentos necessários, a serem enviados à Assembleia Legislativa do Estado e inclusive quanto a criação das comissões necessárias. Continuando, Antônio Barros propôs que os procedimentos a serem encaminhados não fossem entregues a líderes partidários. Nota-se uma preocupação geral em não entregar a condução do movimento aos Renato N. Rangel 42 partidos políticos. Devido ao adiantado da hora o senhor presidente encerrou os trabalhos por volta de uma hora e vinte minutos do dia seguinte, convocando uma nova reunião para as 20 horas do dia 27 do mês corrente. Essas iniciativas tinham a ver com o calendário estabelecido pelas normas em vigor, ou seja, por força de dispositivo da Constituição Estadual, nos anos de milésimos 3 e 8 poderiam ser revistos os quadros territorial, administrativo e judiciário do Estado de São Paulo. A Assembleia havia determinado em dezembro passado -1957- a realização de consulta popular, nos distritos que se manifestassem favoráveis a emancipação, mediante requerimento e o exame das condições previstas pela Lei nº 1, de 18 de dezembro de 1957 – Lei Orgânica dos Municípios e demais leis pertinentes ao assunto. Deve ser anotado que em 70 distritos houve manifestação favorável a emancipação, com o Sim de seus habitantes. Renato N. Rangel 43 Renato N. Rangel 44 Renato N. Rangel 45 Na Capital só Osasco pleiteou a autonomia, sendo que no dia 21 de dezembro de 1958 compareceram às urnas 8421 votantes, dos quais 3856 optaram pelo Sim e 2728 pelo Não. Renato N. Rangel 46 Para que se tenha uma ideia das condições do subdistrito àquela altura, lembremos que segundo estimativas do Departamento de Estatísticas do Estado, em 1º de janeiro de 1958, Osasco possuía uma população de 77518 habitantes. No último ano a Prefeitura da Capital havia recolhido entre Imposto Territorial e Urbano e de profissões aproximadamente Cr$ 818 331,00 – oitocentos e dezoito mil e trezentos e trinta e um cruzeiros - o cruzeiro era a moeda da época5. 5 - Jornal O Estado de São Paulo, 01/01/1957, pg.9. Renato N. Rangel 47 Renato N. Rangel 48 Após a consulta popular a imprensa publicou com destaque o regozijo dos autonomistas, devido à notícia de que a Assembleia havia votado a Lei Quinquenal, decidindo favoravelmente ao Sim do último plebiscito. Noticiava também que era aguardado para o dia 2 de janeiro o depoimento do senhor Egon Von Gatti, funcionário da Justiça Eleitoral responsável pelo pleito em Osasco. Em declarações iniciais, fatos foram registrados impondo a necessidade de uma sindicância por irregularidades durante a referida consulta, na 33ª secção e na 11ª. Por outro lado o senhor Aristides Collino Júnior acusou o presidente da 28ª secção de irregularidades presenciadas pelo acusador; a senhora Paula Antônia registrou ter observado irregularidade na secção 39ª. Os autonomistas, por sua vez, alegavam que os acusadores eram orientados por elementos do Cartório do Registro Civil de Osasco, os quais estariam intimamente ligados ao sr. Ademar de Barros – prefeito da Capital6. Recorreram no sentido da anulação do plebiscito os srs. Ademar de Barros e Lacydes Prado, baseados nos seguintes argumentos: o total de votos anulados foi de 4200, mais numeroso que a diferença entre o Sim e o Não, que foi de 1302 votos; os fiscais do prefeito não foram autorizados a atuar alegando-se irregularidade no prazo de solicitação de credencial; em um total de 21000 eleitores haviam votado apenas 6677, portanto, menos de 35 %; mesários coagiram eleitores a votar Sim; em 4 secções as assinaturas dos eleitores foram falsificadas pelos mesários7. Tendo em vista o andamento dos procedimentos legais, o assunto continua na imprensa, tanto é que em seguida encontramos a seguinte notícia: “com a conclusão de que houve fraude no plebiscito de Osasco, o parecer do promotor Rui Junqueira de Freitas Camargo, adotado pelo juiz Neville Riemma será hoje enviado a Secretário de Segurança”. Fala-se em dez sindicâncias, ilícito penal, inquérito policial e parecer do promotor8. 6 - Jornal O Estado de São Paulo, 31/12/1958, pg. 9. 7 - Jornal O Estado de São Paulo, 30/12/1958 8 - Jornal O Estado de São Paulo, 16/01/1959. Renato N. Rangel 49 Renato N. Rangel 50 A esta altura convém reforçar que as notícias e datas destacadas neste texto, nem sempre são perfeitamente coerentes, isto porque a maior preocupação no caso, foi com a intenção de dar vida à narrativa. Foi Renato N. Rangel 51 também de procurar demonstrar que os fatos, como sempre, não ocorreram de maneira linear, como se a vida transcorresse de forma previsível, sem as intempéries da realidade. No caso de Osasco parece visível que havia uma destinação certa, contudo, só a tortuosidade dos acontecimentos levou ao grande desfecho, e é importante considerar que os debates pró e contra foram os grandes construtores da História. Em consequência os grandes objetivos da região puderam ser atingidos, mesmo com a objeção dos contrários e os discutíveis argumentos dos favoráveis. Essa é uma pretensa visão quando são trazidos à luz alguns documentos da época, contudo, é verdade que sob a ótica daquele que conta a história. A simples iniciativa de trazer à tona ou selecionar os fatos ocorridos no passado, é uma decisão que resulta da escolha de um lado, no conjunto de tudo o que ocorreu, na outra ponta as conclusões sempre são norteadas a partir de alguma pretensão do autor. Por motivos como esses sempre cabem revisões da História, pois, as óticas encetadas na verdade são escolhas, as quais dependem de inúmeros fatores, tais como: conhecimento, acesso aos documentos, sentimento de justiça e outros. Como se vê a emancipação de Osasco foi conseguida a semelhança de um parto onde se usa o fórceps, para trazer a luz o novo ser. A impressão que se tem é de que a grande maioria dos habitantes da localidade não tinha outra aspiração senão, de alguma maneira, continuar residindo na Capital, embora fosse patente o descaso para com o antigo Subdistrito. Devido a essa percepção, já há algum tempo pequenos grupos, especialmente do velho centro, vislumbravam na separação uma efetiva alternativa de melhora das condições locais. Parece que a primeira tentativa de independência não foi felizpor inexperiência ou crença em alguma diretriz suposta pacificada em todas as regiões, ou ainda, uma liderança imaginada por esses grupos de cidadãos, que ficou provada não existente. A partir do momento em que o grupo de cidadãos da região central se deu conta da realidade vinda a lume, resolveu agregar novas lideranças com o intento de atingir o antigo objetivo, o que foi saudável, contudo, apesar da nova concepção do movimento emancipador, as dificuldades foram quase intransponíveis, basta considerar os documentos anteriormente apontados. Renato N. Rangel 52 Renato N. Rangel 53 Primeira campanha eleitoral para prefeito de Osasco O relato dos acontecimentos que serão abordados a seguir, resulta da utilização de apontamentos deixados por Orlando Assis da Costa Rangel, falecido em agosto de 1994, na cidade de Osasco. Como ficará demonstrado, o autor participou de maneira muito intensa da referida campanha, em mais de uma frente e sem, contudo, ter primado pelo protagonismo que o levasse à projeção de uma imagem, da qual pudesse tirar proveito pessoal, como por exemplo usufruindo de cargos ou funções com remuneração. Como será visto trata-se de uma trama complicada, como sempre cheia de idas e vindas, produto de desconfianças, traições, ingratidões, interesses escusos, ciúmes, sede pelo poder e por aí afora. Para completar, nessa época o panorama político nacional estava muito conturbado, tanto é que no dia 25 de agosto de 1961 o presidente Jânio da Silva Quadros renunciou à presidência, aumentando consideravelmente a temperatura dos acontecimentos. A essa altura os abutres da política já estavam preparados para influir na mesma de maneira desastrosa, tanto é que tudo deu no que deu, isto é, em 1964 sobreveio uma ditadura militar com o apoio de parte dos civis mais poderosos e influentes, que durou 20 anos. Os seus efeitos maléficos estão vigorando até hoje, principalmente porque destruíram uma pretensa classe política que se formava. Foi nesse ambiente que transcorreu a campanha política para a eleição do primeiro prefeito de Osasco Embora nem tudo esteja bem ordenado, na medida do possível pretendemos pintar um quadro que ao nosso ver poderá ser interessante, tendo em vista o que realmente aconteceu, logo, podendo descontentar pessoas mais interessadas na sua versão. Mãos à obra Primeiramente são dados alguns traços históricos do candidato Antônio Menck, registrando que apesar da sua pouca instrução formal conseguiu através de sua lhaneza, humildade e honestidade, amparado por Renato N. Rangel 54 sua posição econômica projetar-se nos meios políticos da localidade onde vive, além de Tatuí, Porangaba e adjacências. Sua família e a de sua esposa tem origem na cidade de Tatuí. Em Osasco participou corajosamente da campanha de emancipação ocorrida em 1953, tendo sido derrotado no plebiscito realizado no dia 13 de dezembro desse ano. Sem desanimo prosseguiu a luta aproveitando todas as oportunidades que com o tempo surgiram, para a conquista almejada. Era um janista de primeira linha, tendo tomado parte das várias campanhas do referido: para vereador, prefeito, governador do Estado e presidente da República. Elegeu seu sobrinho José Menck a deputado federal. Ao reiniciar-se a campanha emancipacionista, em 1958, lá estava Menck novamente engajado com todas as suas forças, inclusive financeiras. Finalmente com a consulta popular realizada em 21 de dezembro de 1958 saiu vitorioso, juntamente com os seus aliados e nos primeiros dias de 1959, com a decisão do Tribunal Regional Eleitoral – TRE - foi marcada a primeira eleição para a escolha dos dirigentes do novo município. Atendendo ao apelo de elementos da sua equipe política, aceitou candidatar-se a prefeito tendo como seu vice e companheiro de chapa Reynaldo de Oliveira. As notas destacam que nessa ocasião o seu autor, embora fizesse parte da referida equipe, não se encontrava presente quando da escolha dos candidatos, por não ter sido convidado. Decorridos aproximadamente uns trinta dias o mesmo grupo inicial substituiu o vice pelo nome de Marino Pedro Nicoletti, com alegações diversas e inconsistentes. Iniciado o movimento, Antônio Menck patrocina a instalação do Diretório Municipal do Partido Republicano, que fica entregue a Maciel de Paula Melo, pessoa de sua confiança, enquanto isso o candidato Marino Nicoletti registrou-se pela União Democrática Nacional - UDN. No decorrer da campanha o prefeito da Capital, Ademar de Barros, impetrou recuso junto ao Supremo Tribunal Federal, até que a Assembleia do Estado resolvesse a questão levantada pelo próprio Ademar. A esta altura Menck juntamente com a alta cúpula janista de São Paulo consegue interferir nas decisões que deveriam vir de Brasília – STF, o que acontece e finalmente em maio de 1961 é marcada a data das eleições para 7 de janeiro de 1962. A campanha Menck é reiniciada em junho de 1961, porém, com a retirada de apoio dos partidos que o haviam aceito. A situação ficou caótica, com os candidatos sem registro partidário, o que os tornava inelegíveis. Os partidos locais fugiam Renato N. Rangel 55 de Menck alegando o seu desgaste político e a falta de competência a ambos candidatos quanto à capacidade político-administrativa. Eis que após muitas demandas conseguem registro no Partido Trabalhista Nacional - PTN, graças ao empenho e boa vontade do seu presidente regional, Rodolpho dos Santos Ferreira. As anotações deixadas por Rangel indicam que apesar das inúmeras dificuldades o candidato não desanimava e tinha a sorte de sempre aparecer alguém que se propunha a resolver as questões postas no seu caminho. Sua estrela brilhava admiravelmente apesar das intrigas surdas e algumas vezes justas de seus adversários políticos. Registre-se que as previsões do observador não são boas para Menck, considerando a influência de seus sobrinhos, de seu cunhado Pedro N. Fernandes e Reynaldo de Oliveira. Em continuação, os referidos apontamentos afirmam que, Marino Pedro Nicoletti é nascido em Osasco, tem 38 anos, é graduado em engenharia civil e funcionário da Polícia Técnica do Estado de São Paulo. Tem origem humilde, demonstra ser honesto, trabalhador e bom chefe de família. Surgiu nos meios políticos de Osasco em 1959, por acaso, devido a indicação dos elementos mais chegados ao “velho” Menck, em substituição ao nome de Reynaldo, para a campanha à prefeitura, como já apontado anteriormente sem a popularidade necessária a um candidato dessa natureza. Embora tenha participado do movimento contrário aos embargos do prefeito da Capital, não teve maior destaque. Retomada a campanha o candidato a prefeito impõe que: sem Marino como vice não continuará como candidato. Iniciado o movimento Marino ausenta-se do cenário osasquense na primeira fase com desculpas diversas, tais como enfermidades na família e dificuldades no local de trabalho, além disso mostrava-se arredio à equipe menckista, também, demonstrando insegurança ou desconfiança nos destinos de tudo que era proposto. Renato N. Rangel56 O movimento político em Osasco no ano de 1961 Nos primeiros dias do mês de junho, após decisão favorável do STF, o Tribunal Regional Eleitoral - TRE - marcou para o dia 7 de janeiro de 1962 as esperadas eleições. Correu, então, o boato de que inclusive menckistas como Maciel, Izonel José Ribeiro, Conrado del Papa e outros afirmavam que Menck não seria mais candidato, visando especialmente afastar Marino do pleito. Nesse contexto surgem os sobrinhos de Menck: José Menck, Antônio Braz Menck e André Menck, todos desqualificando a candidatura Menck- Marino, sob a alegação de que um era muito idoso e o outro era impopular. Um grupo regular de menckistas agrupou-se nas fileiras do PTN, sob o comando de Rodolpho aguardando os acontecimentos. Em seguida correu o boato de que o PTN não aceitaria a candidatura de Marino e enquanto procurava-se estruturar o Diretório Municipal desse partido, consolidou-se a contrariedade à presença de Marino como candidato a vice. Enquanto isso Izonel José Ribeiro, da UDN, confabulava com Maciel, do PR, pretendendo liquidar com as pretensões dos candidatos Menck e Marino. Ao mesmo tempo o deputado José Menck atuava junto ao Partido Democrata Cristão contra as candidaturas em foco; finalmente reestrutura- se o PDC de Osasco, sob a presidência de José Menck e vice-presidência de Asdrúbal Gonçalves Torres, com vacilações e indefinições em suas atitudes políticas. Ao mesmo tempo Reynaldo de Oliveira entra em férias, afastando-se do movimento, parece que de proposito e procurando alguma vantagem quando do seu retorno. Com o enfraquecimento do grupo e a ausência absoluta de Marino agrava-se a crise. A esta altura o advogado Clovis Ribeiro, experiente nessas tratativas, foi introduzido no grupo favorável a essas candidaturas, de forma que com sangue novo um reduzido número de menckistas toma as rédeas da situação, com novo entusiasmo. Rangel e Clovis tomam a iniciativa de revigorar o PTN em Osasco, para registrar os candidatos que estavam à deriva e sem partido político. Lá pelos primeiros cinco dias do mês de julho Rangel procurou transitar por entre os meios políticos de Osasco, ora contra, ora a favor de seus candidatos, para verificar as reais condições do “velho” Menck, tendo encontrado de maneira geral um ambiente adverso a essa candidatura, Renato N. Rangel 57 especialmente pela frieza em relação à mesma, desconfiança e despeito, especialmente por ser Marino seu genro. Acreditava-se que caso eleitos, os demais membros da família iriam agrupar-se em torno deles, criando no futuro uma verdadeira dinastia Menck, porque a experiência mostrava que após todas as brigas e desavenças internas à família terminavam todos reconciliados. Rangel alertou Menck a respeito das atitudes vacilantes de Izonel da UDN e Maciel do PR, que davam motivo a desconfiança, não conseguindo perceber qual o entendimento do candidato, pois, acomodava-se em um silencio estranho, até enigmático. Enquanto esses fatos ocorriam, os líderes do Partido Social Democrático, do Partido Democrata Cristão, do Partido Republicano Democrático e do Partido Social Progressista, procuravam criar distorções nos meios políticos para destruir as candidaturas Menck e Marino. Percebia-se que os elementos considerados menckistas ao rodearem o “velho” demonstravam excesso de confiança na vitória sem, contudo, o efetivo conhecimento da situação, não apresentando maior apreço pela causa e ao mesmo tempo dispersando forças em função de suas imposições e vaidades pessoais. Nesse ponto o movimento popular encontrava-se completamente frio, enquanto o “velho” Menck se envolvia com problemas isolados e sem nenhuma noção de conjunto. Nessas condições o referido candidato ameaça desistir; correu a notícia em Osasco segundo a qual o mesmo não mais seria candidato. Foi quando Rangel recebeu essa notícia pelo próprio Maciel. Voltam os rumores de que o candidato Menck não iria conseguir um partido para registrar-se com Marino. Enquanto isso Rangel e Clovis continuavam trabalhando intensamente nos círculos da Capital para conseguir o registro partidário, pois, essa candidatura achava-se bloqueada nas cúpulas dos partidos, inclusive do PTN. Rodolpho encontrava-se em situação delicada porque havia manifestado o desejo de no futuro próximo candidatar-se a deputado, o que descontentava outros pré-candidatos da Capital, por dividir o eleitorado em prejuízo daqueles, acostumados a contar com os eleitores de Osasco. A esta altura surgiu o nome de outro candidato, Giuseppe Romano Donati (Pepe), com registro no PR e sob a proteção do Palácio do Governo do Estado e da empresa Brow Boveri, instalada em Osasco, contando ainda com o apoio de antigos menckistas ligados a Antônio Dinaer PIteri (Guaçu). Renato N. Rangel 58 Houve cisão no PR e com isso Rangel intensificou seus entendimentos com Rodolpho, o qual aguardava uma oportunidade para manifestar-se a favor da chapa Menck-Marino, foi quando Antônio Loureço dos Santos (Parafuso) através de seus contatos obteve sucesso junto ao PTN, ao conseguir contornar os problemas, em favor da causa menckista. Enquanto isso Marino continuava ausente e cada vez mais decepcionante junto aos seus companheiros de luta. Notava-se também que Albertino de Souza Oliva tornava-se alheio às reuniões, deixando dúvidas quanto aos passos que iria tomar a seguir. Tal atitude foi observada em uma reunião na residência do candidato em que se encontravam Rangel, Pedro, Reynaldo e Loureço. Nessa reunião ficou acertado que a secretaria do Comitê Central (antigo e tradicional) seria entregue a Reynaldo, enquanto Pedro Fernandes insistia no sentido de que a presidência deveria ficar com Rangel, o que não foi aceito enquanto não fosse resolvida em definitivo a questão da candidatura a vice-prefeito, por não considerar a atual candidatura viável junto ao eleitorado. Pedro insiste que aceite por não acreditar totalmente nos argumentos ali postos. Diante dessas afirmações Reynaldo lembrou que em conversa com Rodolpho, o mesmo sugeriu que a situação poderia ser contornada se fosse apresentada uma lista quadrupla ao “velho” Menck, para que o mesmo escolhesse aquele do seu agrado, desde que não fosse Marino. Em seguida Menck perguntou a Reynaldo se na lista haveria algum nome da família Menck, ao que Reynaldo respondeu negativamente. Em consequência disso o “velho” não aceitou a sugestão, dizendo que só sairia candidato em conjunto com Marino, sem maiores esclarecimentos. Além disso ameaçou retirar a sua candidatura sem dar apoio a qualquer outro candidato. Em decorrência desse fato resolveram que iriam à campanha com Marino, mesmo que pressentindo a visível derrota. Renato N. Rangel 59 Um resumo cronológico dos acontecimentos Mês de junho de 1961 Comentário sobre os sobrinhos de Menck, José Menck e Walter Menck. Ao mesmo tempo que as nomeadas candidaturas estavam em perigo, Rangel soube pela senhora Maria – esposa do “velho” – que Marino havia solicitado por telefone, a presença do deputado José Menck para dirimir as dúvidas e resolver o impasse, sendo que o mesmo havia prometido comparecer com urgência para agir no sentido do registro das candidaturas. Todavia, observou-se e ficou claroque ao comparecer alguns dias após a solicitação, o deputado procurou esquivar-se alegando a exigência da sua presença em Brasília o mais breve possível. Nesses mesmos dias a senhora Maria em conversa reservada fez saber ao colaborador Rangel que havia solicitado a presença do deputado Walter Menck, líder do PR na Assembleia Legislativa do Estado, para intervir no caso. Registre-se que o referido deputado estadual não compareceu e procurou livrar-se de qualquer compromisso com evasivas diversas. Diante desses fatos Rangel procurou informar-se junto à direção do PR, para saber da efetiva força desse deputado, vindo a ter conhecimento de que o mesmo era uma figura sem qualquer prestígio no partido. É interessante registrar que enquanto esses fatos ocorriam, o “velho” Menck continuava afirmando que José o prestigiava como candidato e que Walter não era apenas seu sobrinho, mas também muito amigo, em consequência confiava tanto em Walter como em José e que não o abandonariam toda a vez que necessário fosse. Quanto ao Partido Republicano - PR - Junho de 1961 – dia 29 – Tem início um boato de desconfiança a respeito das atitudes de Maciel de Pádua Melo. Durante entendimentos com o mesmo intensifica-se uma inquietação na área menckista. Vem à tona notícias desencontradas que evidenciam o desafeto dos menckista Renato N. Rangel 60 quanto à candidatura de Marino Pedro Nicoletti, tanto é que Izonel e Conrado del Papa, auxiliados por elementos da ala antiga desgastavam essa candidatura. Mês de Julho de 1961 – Dia 1º - Rodolpho, Rangel e Loureço procuraram efetuar entendimentos com Pádua Melo, a favor do registro dos candidatos, porém, nada conseguiram. Dia 3 – Por volta das 21 horas reuniram-se na residência de Rangel, o “velho” Menck, Pedro N. Fernandes e Maciel de Pádua. Após intensa e acalorada argumentação Maciel não aceita a proposta de integrar o seu partido - PR - à atuação do movimento eleitoral menckista, visando a eleição de prefeito e vice-prefeito. Apesar desses fatos ficou acertada uma reunião informal, marcada para o dia 8 próximo futuro devido, segundo Maciel, considerar prematuro marcar uma convenção para o pronunciamento oficial do partido. Acrescenta não acreditar que qualquer partido venha a registrar as candidaturas de Menck e Marino, inclusive o PTN. Dia 8 – No Comitê Central da campanha suprapartidária, ás 20 horas teve início uma reunião informal para sentir a diretoria do PR, quanto às candidaturas pleiteadas, sendo que foi visível a contrariedade geral em relação às mesmas. Na ocasião manifestaram-se a favor, juntamente com Rangel: Nelson Rosa da Silva, José Pedro e José Roque Zemela. Logo a seguir, em conversa com Menck, Maciel declarou que a partir daquele momento o candidato encontrava-se desobrigado em relação aos compromissos assumidos anteriormente com o partido, tendo em vista a atitude da maioria dos membros do Diretório do partido. Como nada ficou resolvido em definitivo, decidiu-se marcar uma nova reunião para continuar as tratativas, no dia 19 vindouro. Dia 9 – Nesse dia foi encaminhado um pedido ao presidente do Diretório, contando com quase toda a diretoria, para que se prosseguisse a reunião anterior no próximo dia 11, sendo que houve assentimento por parte do mesmo. Dia 10 – Registre-se que em contato com Maciel, ficou claro que no seu entender, tudo indicava que Menck não seria mais candidato. Estranho! Renato N. Rangel 61 Dia 11 – Embora houvesse reunião do PR marcada para essa data, a mesma não ocorreu por falta de quórum. Especialmente porque os elementos partidários de Pepe não compareceram. Dia 19 – Em entrevista com Alceu de Assis, presidente da Direção Regional do PR, o mesmo declarou que dera credencial a Maciel para prestigiar Antônio Menck, contudo estranhava a atitude do Diretório de Osasco, tendo Alceu neste mesmo dia reforçado o apoio à candidatura Menck. As 21 horas houve a continuação da reunião do partido iniciada no dia 8, tendo sido encerrada com discussões acaloradas e até violentas referentes aos nomes dos pré-candidatos Menck e Pepe. A esta altura os menckistas: Rangel, José Pedro, Zemela e Nelson mantiveram-se no seu firme propósito, enquanto Carlos Bonatto não deixou clara a sua posição. Foi marcada uma nova reunião para o dia 30. Dia 30 – Não houve reunião por falta de quórum, isto porque os que eram a favor da candidatura Pepe faltaram. Dia 31 – Houve a Convenção para a escolha do candidato, no Salão de Festas de José Candido Pacheco, no Quilômetro Dezoito, com o comparecimento dos quinze membros do Diretório, do secretário Regional Alexandre de Barros além do deputado Derville Allegretti. Com uma assistência de aproximadamente 300 pessoas Maciel abriu os trabalhos. Lida e aprovada a ata da reunião anterior a presidência encaminhou os nomes de Menck e Pepe como candidatos, para que fosse realizada a escolha definitiva, tendo passado em seguida o comando dos trabalhos a Alexandre de Barros. Concedida a palavra aos interessados, Rangel pronunciou-se favorável à candidatura Menck, historiando sua vida e suas profundas raízes em Osasco, inclusive o seu prestígio político tanto dentro como fora dessa cidade. Em seguida usou da palavra Moacyr Silva, levantando a candidatura de Pepe, com várias ponderações. Mario Nanias usou da palavra para propor que o nome do candidato a vice e o dos vereadores fosse deixado para um outro momento, no que foi acompanhado pelos convencionais. Realizado o escrutínio secreto obteve- se como resultado: 8 votos para Pepe, 5 para Menck, 1 voto nulo e 1 voto em branco. Registre-se que os escrutinadores foram Rangel e Moacyr Silva. Tendo sido convidado para conduzir o candidato escolhido a compor a Renato N. Rangel 62 mesa diretora Rangel recusou-se, o que então foi feito por Moacyr e Carlos. Foram inclusive convidados para tomar assento à mesa os senhores Izonel e Reginaldo Valadão, respectivamente, da UDN e do PSB. Após os comentários de saudação do presidente, Pepe usou da palavra, visivelmente emocionado e agradecendo o apoio recebido. Nota sobre o Partido Republicano -PR - Desde a desastrada convenção do dia 31 de julho de 1961, como dissidente, Rangel não mais compareceu às reuniões partidárias. À distância observava que a candidatura Pepe não apresentava receptividade entre os eleitores e que, além de caminhar mal o PR marchava para o desprestígio. Nessas circunstâncias Pepe ia mal e o Diretório Municipal, na figura de Maciel, procurava outro rumo. Na última quinzena de novembro, Maciel procurou encontrar-se com Rangel para uma conversa, na qual relatou em parte suas dificuldades e solicitou o seu comparecimento às reuniões do Partido, em especial para a escolha do candidato a vice, que ocorreria no dia 5 de dezembro. Em vista disso o mesmo compareceu à referida convenção e teve a oportunidade de constatar suas previsões, pois, havia grande desagregação, os próprios candidatos a vereador manifestavam descontentamento com Pepe porque se tratava de uma candidatura muito fraca em termos de projeção junto ao eleitorado. Abertos os trabalhos da referida Convenção, inicialmente foram substituídostrês componentes do Diretório, por outros três mais atuantes. Em seguida foi apresentado o nome de Reginaldo Valadão como candidato a vice-prefeito pelo PSB, para homologação inclusive no PR, tendo sido rejeitado. Com isso a questão do vice continuou em aberto. Logo a seguir teve destaque a questão Pepe, havendo manifestações contrárias à manutenção do seu registro, porque verificou-se que se tratava de um candidato sem qualquer possibilidade de vitória, além de ter demonstrado ser um péssimo coordenador do movimento. Por solicitação de Maciel, Rangel teve que se pronunciar a respeito do que se passava, quando fez notar que tudo o que ocorria era consequência e responsabilidade do Renato N. Rangel 63 próprio partido, ao optar pelo registro de Pepe. O candidato agia segundo sua formação social e política, portanto, achava prudente conservá-lo na mesma situação, até que o mesmo concluísse quanto a sua inviabilidade eleitoral. Nesse momento chegaram ao recinto Valadão e Pepe, os quais foram recebidos com indiferença. Maciel os informou quanto ao resultado do escrutínio, o que deixou clara a surpresa de Valadão. Solicitando a palavra disse que se considerava um legitimo representante do povo, como moço humilde que era e que se contrapunha ao império econômico dominante. Pepe afirmou que o resultado o surpreendia, pois, considerava Valadão como seu legitimo companheiro de chapa e que os comunistas o apoiavam incondicionalmente; que estes haviam sido procurados por Menck, na pessoa de Rodolpho, e que tinham recusado qualquer aliança, especialmente com os menckistas. Por outro lado, os comunistas afirmavam que inclusive Hirant Sanazar os havia procurado para negociações, contudo resolveram não dar apoio ao mesmo, por se tratar de liderança política envolvida com o imperialismo econômico, contrário aos interesses dos partidários da esquerda. Pepe afirma ainda que havia sido traído por vários antigos companheiros, inclusive o presidente do Diretório Municipal da UDN, Izonel José Ribeiro, o qual logo no início da campanha havia se comprometido em dar-lhe apoio, no entanto, mais tarde resolveu enveredar para o candidato Menck. Alegou que inclusive o mesmo havia sido visto saindo da casa do candidato altas horas pela porta dos fundos, juntamente com outro elemento da UDN, onde fora vender sua sigla ao candidato rico. Mais uma vez enfatizou a sua intimidade com a candidatura Valadão. Logo em seguida foi encerrada a seção. A partir dessa data Rangel prosseguiu afastado das reuniões, mesmo na condição de 1º vice- presidente do Diretório e em plena vigência do cargo. Tal atitude deveu-se a não pretender novas polêmicas que pudessem enfraquecer o Diretório. Renato N. Rangel 64 Nota sobre o Partido Trabalhista Nacional - PTN - Mês de julho de 1961 - Dia 9 – Começam os entendimentos para o registro das candidaturas Menck – Marino e ao mesmo tempo, observam-se algumas dificuldades relativas ao nome de Marino, as quais posteriormente foram contornadas com as gestões de Rodolpho, incluindo aí a presença de vários menckistas companheiros de outras jornadas. Dia 17 – Nesse dia houve a Convenção do Partido, com início às 20 horas, na sua sede, cita à Rua Tenreiro Aranha, onde por aprovação unanime fora sacramentada a chapa Menck – Marino. Dia 18 – Nessa data foram para a Capital: Rangel, Rodolpho e Clovis, com a documentação necessária para encaminhar o registro dos candidatos no Tribunal Regional Eleitoral. Note-se que em relação ao deputado Augusto Amarante continuavam certas dificuldades. Dia 20 – Menck recebe em visita o vereador Benedito Rocha, um dos líderes partidário. Dia 22 – Novamente os três citados vão à Capital para encaminhar providências no sentido de desfazer as dificuldades interpostas por Amarante. A esta altura é preciso registrar que houve a interferência bastante decisiva de Clovis, sem a qual tudo seria muito mais difícil, até que enfim Amarante resolveu homologar o Diretório de Osasco e em seguida concordar com os candidatos escolhidos pelo mesmo, em data recente. Dia 23 – Finalmente Benedito Rocha e Amarante resolvem assinar a homologação dos candidatos escolhidos e encaminha-la ao TRE, sendo que logo em seguida surgem dificuldades quanto ao registro do Diretório de Osasco. Novamente são efetuados entendimentos com o representante regional do Partido e inclusive no TRE, então, os referidos acima juntamente com Clovis procuraram solucionar as dificuldades encontradas. A seguir ocorreram entendimentos com Malheiros do TRE, o qual traçou as linhas necessária à oficialização do Diretório Municipal. Tendo em vista esses acontecimentos, foi estruturado um novo Diretório e inclusive realizada nova Convenção, porque o TRE optou por cancelar as Diretorias Renato N. Rangel 65 onde constavam como responsáveis, em uma Rodolpho e em outra Avelar Pires de Azevedo. Finalmente com o credenciamento de Rodolpho o Diretório foi legalizado em 1º de setembro, sendo que em seguida o TRE registrou as candidaturas Menck – Marino. Nota sobre o Partido Social Trabalhista – PST - Mês de julho de 1961 - Dia 25 – O candidato Menck recebeu em visita dois cidadãos que se diziam influentes politicamente: Edson Cardozo Paes e José Casado da Cunha Lima - de origem nordestina - os quais hipotecaram toda solidariedade e fizeram muitas promessas de colaboração. Informaram que pretendiam trazer em apoio à campanha o governador de Alagoas, um bispo daquele estado e o brigadeiro Loiola, pretendendo animar a campanha e convocar os nordestinos de Osasco. Dia 16 – Foram realizados entendimentos na casa do candidato, com Casado e Edson Cardoso Paes, este advogado, visando a formação do Diretório do PST em Osasco. Reunidos as 18 horas no Danúbio Hotel juntamente com o coronel João Clímaco, este último como lidimo representante do Partido prometeu conceder credenciais para que Casado e Edson formassem o Diretório, inclusive com predominância do pessoal indicado por Menck. Dia 17 – Nessa data os dois representantes do Partido retornam à Menck para ultimar as providências quanto a constituição do Diretório em tela. Logo de início solicitam a concessão de duas salas, um automóvel para sua movimentação além de todo o material de propaganda, para os candidatos do Partido. Em resposta o candidato garantiu de início, apenas uma sala para a instalação do Diretório, sendo que o restante seria resolvido em data futura, pois, não poderia haver desigualdade de tratamento no que se refere aos partidos da base de apoio. Diante desses Renato N. Rangel 66 fatos os postulantes retiraram-se e não mais procuraram contato. Dias após Rangel procurou falar com o João Clímaco, não sendo possível encontra-lo. Passados mais alguns dias veio à tona que as colocações de Edson e Casado eram desprovidas de qualquer significado, na verdade eram um embuste. A esta altura surgiu o nome do professor Hilton Reis Santos, como o verdadeiro representante regional do Partido. Em seguida Rangel procurou visitar o referido para entabular entendimentos, tendo concluído que os primeiroseram impostores, que pretendiam tirar proveito próprio, em função das indefinições reinantes. Nota sobre o Partido Libertador - PL - Mês de agosto de 1961 - Dias 1º a 6 – Foram efetuados vários entendimentos de Clovis com Dalmo de Abreu Dallari, Secretário do Partido, para que o mesmo apoiasse a campanha defendida por ele e inclusive formasse um Diretório em Osasco. Dia 9 – Nesse dia Rangel, Clovis, Pedro Fernandes e Rodolpho, realizaram uma visita a Dalmo, em seu escritório, na Capital, onde ficou acertado o apoio ao candidato dos mesmos. O anfitrião solicitou uma lista com os nomes indicados para a formação do Diretório Municipal. Dia 14 – Com o retorno de Rangel, Menck, Clovis e Pedro, ao escritório de Dalmo, os mesmos foram portadores da relação solicitada. Dia 20 – Rangel, Clovis e Rodolpho retornam a Dalmo e este declarou que se encontrava em dificuldades para a formação do Diretório em pauta, porque ocorrera uma mudança inesperada na alta direção do Partido. Esclarecia que, a entrada do brigadeiro Faria Lima e outros elementos considerados por ele estranhos às hostes do Partido, não permitiam continuar com o mesmo foco, por isso estudava uma maneira de anular as últimas decisões, junto ao TRE. Pensava inclusive em demitir-se do Diretório Renato N. Rangel 67 Regional. Finalmente ponderou que caso conseguisse o seu intento manteria o apoio à campanha, como combinado. Registros relativos à campanha Menck, a prefeito Mês de agosto de 1961 - Dia 6 – Em um “show” musical realizado na Avenida 9, no Quilômetro Dezoito, sob os auspícios da Sociedade Amigos de Comandante Sampaio, compareceram juntamente com Menck membros da sua equipe, tendo usado da palavra os companheiros Rangel e Heliodoro de Vincenzo. Dia 12 – Foi sacramentado um “acordo” do presidente da Associação Amigos de Comandante Sampaio, Nelson A. da Silva, com Menck, valido até 7 de janeiro próximo futuro. As 20 horas houve “show” musical em um local da Avenida 5 com a presença de Menck. Foram oradores: Lourenço, Heliodoro e Rangel. Registre-se que na tarde do mesmo dia, em matinê dançante no Salão de Baile de José Candido Pacheco, foram oradores: Marino e Rangel. Dia 13 – Novamente houve “show” musical na Avenida 9, local onde foram oradores: Marino e Rangel. Ainda nesse dia, houve a visita dos representantes da sociedade dos nordestinos de Osasco, solicitando apoio financeiro para a mesma, no que tiveram seu pleito atendido com um valor mensal em espécie. Dia 14 – À noite houveram entendimentos com Afrânio de Oliveira, por intermédio de sua sogra, na residência desta, proporcionados pelo senhor Pires do TRE, onde Rangel presenciou a conversa de Afrânio com Augusto do Amarante, via telefone. Dia 15 – Por convite do Templo Evangélico sito à Avenida Cobrasma compareceram em visita, às 15 horas, Menck, dona Maria, Pedro, Lourenço e Rangel, onde este último usou da palavra em nome do casal. Às 16 horas, compareceram à Sociedade dos Nordestinos, em Presidente Altino, o deputado José Menck, Casado, Asdrúbal Gonçalves Torres e Rangel. Dessa Renato N. Rangel 68 solenidade Rangel retira-se antecipadamente após constatar ato extremamente demagógico por parte do deputado José Menck. Às 18 horas seguem para o Jardim Santo Antônio: Rangel, Lourenço e José Carlos Próspero, a convite de Anastácio Delgado, para um “show” musical a realizar-se naquele local. Em lá chegando eles encontraram o candidato Hirant Sanazar ao microfone, usando da palavra a convite do mesmo Delgado que os havia convidado. Delgado empenhou-se em dar explicações sobre o fato com evasivas, em consequência os mesmos retiram-se do ambiente com uma forte má impressão. Dia 17 – À noite Rangel entrevistou-se com Dirceu de Campos a respeito das legendas PRT e PSB, estudando a possibilidade de contornar as dificuldades junto ao PSB e eliminar os efeitos danosos do PRT, em função de fatos ocorridos. Dia 18 – Por volta das 10 horas houve uma entrevista de Rangel com Manuel Ferreira Batista, presidente da Sociedade dos Nordestinos de Osasco, juntamente com Antônio Gabriel do PSB. As 21 horas os três e mais alguns elementos da referida Sociedade tiveram um encontro com o professor Hilton Reis dos Santos, na Capital, à Rua Barão de Limeira número 937. Daí resultou que o referido professor garantiu apoio à campanha Menck e recomendou a Gabriel que providenciasse a homologação das candidaturas Menck – Marino, junto ao PSB. Deve-se fazer notar que quando dessas tratativas os nordestinos entraram em acordo com Hilton, para quando da sua próxima candidatura a deputado, tudo isso mediante a concessão de auxílio em dinheiro e serviços técnicos. Dia 19 – Durante o dia Rangel e Clovis estiveram na Capital, providenciando ações junto a políticos, para ajustes na sua campanha. Às 20 horas, a convite de Reginaldo Valadão, compareceram ao Diretório do PSB, no Quilômetro Dezoito: Menck, Rangel, Nelson e Rodolpho, sendo que o candidato declarou logo de início que não se submeteria a qualquer sabatina por parte dos membros do Diretório. A esta altura, Rangel propôs que a si próprio fossem direcionadas todas as questões relativas ao andamento da campanha em Osasco. O Diretório aceitou a proposta e solicitou a Menck que se pronunciasse a respeito, no que não foi correspondido, tendo em vista apenas manter-se em silêncio. Mesmo assim a iniciativa proposta foi mantida e durante uns 50 minutos Rangel foi Renato N. Rangel 69 questionado, com a abordagem de vários assuntos relativos ao novo Município e futura administração. Prosseguindo, entra no salão o jornalista Emanuel juntamente com uma outra pessoa de sua confiança, porém, não identificada pelos presentes, motivo pelo qual Rangel questionou o presidente Valadão se a entrevista era de caráter público ou privado. O presidente respondeu que a reunião era de caráter privado e que, era de total responsabilidade do jornalista publicar qualquer notícia infundada ou desvirtuada. Nesse panorama ocorreu uma discussão acalorada entre Emanuel e os diretores anfitriões, o que em boa parte levou os convidados a iniciar uma retirada, cercada de boas maneiras e gestos de cortesia. Foi por ocasião dessa reunião que Rangel percebeu em Menck um comportamento diferente, retraído, muito sério e distante. Apesar do modo de sua manifestação no dia anterior onde relutava em aceitar o convite, particularmente influenciado por Marino Pedro e Pedro Fernandes, mesmo assim foi levado a comparecer devido aos argumentos de Rangel, Rodolpho e Clovis. A partir desses acontecimentos procurou afastar-se das indicações dos companheiros acima, especialmente as de Rangel a quem, ao que parecia, dedicava maior atenção. Ainda nesse dia, as 19 horas, realizou-se um “show” musical, no Jardim Piratininga, que contou com a presença de Rangel, Reynaldo e Lourenço, no qual ficou nítida a ausência de Marino, cujo argumento foi de ter que levar um filho ao médico, no que mais tarde foi desmentido por Clovis. Segundo este último, na verdade ele deslocara-se para a Capital com a finalidade de comparecer a uma festa da comunidade japonesa, juntamente com a família. Dentreos boatos correu um, dias após, em que Pepe pretendia apresentar alguns fatos surpreendentes a respeito de Marino – palavras desabonadoras gravadas. Essa notícia foi transmitida a Marino pelo deputado José Menck, ocasião em que o difamado prometeu processar Pepe, por falsidade ideológica. Depois de vários lances José Menck convenceu Marino a deixa-lo resolver tudo, com boas maneira, junto a Pepe. O importante é que tais acontecimentos deixaram pesadas duvidas inclusive no grupo apoiador, sendo que tudo foi abafado entre os protagonistas. Dia 20 – Durante o dia Rangel esteve na Capital, juntamente com Clovis, procurando entendimentos com políticos. Às 20 horas houve “show” musical na Avenida 9, onde compareceram os oradores Rangel e Lourenço. Renato N. Rangel 70 Dia 21 – A noite, em conversa com Dirceu Campos, este propõe a Rangel executar a propaganda da campanha, mediante o devido pagamento, motivo pelo qual o segundo encaminhou a proposta a Menck, sendo que este pediu para aguardar outro momento. Lembremos que ainda nesse dia Rangel e Clovis estiveram na Capital, procurando ajustar os tramites para o registro das candidaturas Menck – Marino. Dia 22 – Pela manhã Rangel e Clovis estiveram novamente na Capital fazendo gestões junto a políticos influentes. Á noite Clovis esteve no Diretório da UDN, onde encontrou Pepe e constatou uma proposta indecorosa do mesmo para obter o apoio daquele partido, ou seja, entregou ao presidente Izonel José Ribeiro um documento escrito em que se comprometia a pagar seiscentos mil cruzeiros (R$ 600.000,00), além de fornecer todo o material da campanha. Dia 23 – Das 9 às 18 horas Rangel e Clovis compareceram à residência de dona Carmen, onde lidaram inclusive com dados eleitorais secretos relativos a Osasco. Em prosseguimento dirigiram-se à cidade de Santo André, para entendimentos com o senhor Manoel da UDN. Tratava-se de um lugar-tenente do bispo Dom Jorge, com o qual foram acertadas medidas relativas ao Diretório da UDN em Osasco. Manoel acompanhou-os até São Paulo, tendo ficado no centro para entender-se com o deputado Roberto de Abreu Sodré. O objetivo era impedir que a UDN apoiasse outro candidato que não Menck. É interessante notar que nesse mesmo dia, quando o PSB inaugurava uma placa em um salão sito à Rua João Batista, em Osasco, a polícia foi acionada pelo Exército para que juntos comparecessem ao local, para averiguações. Dessa operação resultou a prisão de vários dos presentes, os quais foram recolhidos ao Quartel de Artilharia em Quitaúna. Dentre esses elementos podemos citar: Edmundo Campanha Burjato, Luiz Gonzaga de Carvalho, Reginaldo Valadão, Antônio Benedetti, no total, aproximadamente umas 36 pessoas. Diante desses fatos Rangel permaneceu em conferência com Menck durante todo o dia, de onde recolheu-se para a sua residência as 20 horas. Dia 28 – Durante todo o dia Rangel manteve-se em conversações com Menck, com grande expectativa diante dos fatos. Nenhum dos outros companheiros deram sinal de vida, ausentaram-se. A noite telefonaram para o Clovis, mas não o encontraram. Renato N. Rangel 71 Dia 29 – Rangel e Clovis encontram-se na residência de Rodolpho, para tratar da nova coleta de documentos do PTN, para o devido registro das candidaturas Menck – Marino, inclusive providenciando as assinaturas dos dirigentes do Partido. À noite, na residência do candidato a prefeito reuniram-se: Marino, Lourenço, Pedro, Zemela, Reynaldo, Rodolpho, Rangel, Clovis, Menck e senhoras: Maria e Aparecida, esta última esposa de Marino. Nessa reunião foi entregue a Menck a documentação que deveria ser assinada, por exigência, para o encaminhamento de seu registro junto ao Partido, sendo que Marino deveria assinar juntamente. Inesperadamente Menck recusa-se a assinar a documentação afirmando que não desejava mais ser candidato. Ato continuo Marino faz a leitura de documento no qual Menck renuncia à candidatura, sendo que dentre suas palavras vale a pena destacar o parágrafo: “com Jânio comecei e com Jânio termino”. Marino encerra dizendo que acompanha seu sogro na postura assumida pelo mesmo. Como essa foi uma atitude planejada em separado, sem a participação dos demais elementos do grupo, criou-se um impasse e grande insatisfação, pois, mal haviam conseguido algum sucesso a duras penas na primeira fase da campanha. Era lamentável porque o PTN havia sido o único partido a se comprometer com o registro das candidaturas, com o que salvava uma situação tão delicada e intrincada, quando nenhum outro partido queria assumir responsabilidades. Houve verdadeira revolta, porque todo o esforço fora em vão e sem qualquer consideração para com os companheiros de luta. Note-se que tudo isso ocorreu no momento em que os outros partidos, na realidade fugiam dos candidatos Menck - Marino, porque não acreditavam no potencial dos mesmos. Clovis, como sempre, procura contornar a situação com habilidade e argumentos, calma e inteligência, no que não é atendido; Lourenço apela para os bons sentimentos dos candidatos, sem sucesso; Rodolpho propõe a Menck um prazo de 15 dias para uma decisão definitiva, tendo em vista todo o esforço dedicado até aquele momento, mas também não foi atendido. A esta altura, Marino reforça a atitude tomada por Menck, declarando que a decisão fora muito bem pensada por ambos e que os dois tomavam tal atitude, tendo em vista os movimentos existentes em Osasco e inclusive no país, pelo que concordava com o sogro em particular pela atitude sincera. Lembremos que a política nacional estava convulsionada, devido à renúncia do presidente Jânio Quadros e com isso, os políticos “raposas” Renato N. Rangel 72 estavam à espreita do banquete que os deveria saciar. No documento lido constava, por estranho que pareça, agradecimentos especiais a Clovis e Rodolpho, de tal forma que os demais companheiros figuravam como pessoas de segundo plano, embora tivessem dedicado seus esforços e relações com desassombro até aquele momento, pela causa em tela. Após o termino da fala de Marino, dona Maria insistiu para que Rangel se pronunciasse a respeito, o qual aceitou a incumbência declarando acreditar que ainda não fosse a ora do seu pronunciamento e que lhe parecia mais conveniente no final. Com a palavra, Rangel dirigiu-se a Menck, afirmando que como seu secretário político ou assessor, trabalhando dia e noite a sua vista, em sua residência, sem qualquer interesse particular senão a vitória do movimento e o coroamento do seu nome, tudo pela causa maior, ou seja, o interesse coletivo de Osasco, vinha notando de sua parte certa falsidade e ingratidão. Tendo em vista tal atitude com a qual bania de qualquer consideração companheiros dos momentos mais difíceis, não podia admitir de sua parte uma infidelidade dessa natureza. Em seguida dirigiu-se a Marino e Pedro, fazendo-lhes entender que não havia outra interpretação senão a culpabilidade de ambos no fato em consideração, pelo parentesco e grande influência que exerciam sobre o candidato sendo que com os outros companheiros eram muito reservados. Marino procurou se desculpar, ao passo que Pedro acusou Rangel de prepotente e declarou que nada sabia sobre a renúncia. Travou-se então uma forte discussão entre Rangel e Pedro, de forma queo primeiro resolveu afirmar que Pedro era manhoso e aproveitador da situação atual e outras passadas, para tirar proveito pessoal, incluindo-se aí o seu mandato de Juiz de Paz, de onde tirava proveito pecuniário e que sempre se mostrava um mau companheiro na política, sem qualquer visão nesse campo, permanentemente desconfiado com os companheiros e traiçoeiro, visando suas conveniências. Rangel afirmou ainda que o ato presenciado não era mais que uma infidelidade e pronunciada fraqueza dos candidatos. As afirmações levaram a um ambiente tão tumultuado que forçou o casal Menck a intervir pedindo calma, no que foram acatados, porém o mesmo Rangel fez questão de asseverar que não se considerava como os demais, íntimos do casal, que estavam sempre juntos ao mesmo para tirar vantagens inclusive econômicas, não sendo o seu caso, pois, nada lhes devia nesse sentido. Por Renato N. Rangel 73 volta das 23 horas Rangel e Rodolpho retiraram-se, contudo, levados por Marino em seu automóvel, por insistência do mesmo. Durante o trajeto Marino procurou encontrar desculpas as quais, porém, não foram suficientes nem claras. Clovis permaneceu na residência de Menck, sendo que aproximadamente a uma e meia da madrugada chegou a residência de Rodolpho, com a documentação motivo de todo o acontecido assinada por Menck e Marino, justamente porque os mesmos haviam retrocedido, continuando como candidatos após muito relutarem. Dia 30 – Finalmente Rangel, Clovis e Rodolpho encaminham a documentação necessária para o registro das candidaturas Menck – Marino, originária do Diretório Municipal para registro junto ao Tribunal Regional Eleitoral. Ao retornarem à residência de Menck, por volta das 21 horas, encontraram um ambiente calmo, quando Rodolpho entregou a dona Maria o protocolo do registro encaminhado. Ato continuo Clovis lembrou ao candidato que todos aguardavam o prazo de 15 dias para a sua confirmação definitiva, no que houve acordo das partes. Mês de Setembro de 1961 - Dia 1º - O TRE confirma o registro das candidaturas solicitadas no dia anterior. Dia 2 – Nesse dia Hugo Silva convida o candidato Menck para uma reunião no período da noite com diversos políticos de Osasco, tendo como pauta principal o momento político nacional, por encontrar-se delicado e de certa forma até ameaçador sob o ponto de vista da paz social. Nessa mesma data o candidato fez uma visita a Rangel, na residência deste, onde declarou não ter aceitado o convite face à anormalidade social em que se encontrava o país. Dia 3 – À noite Rangel, Heliodoro e Rodolpho compareceram em visita a residência de Menck, onde foram recebidos com grande afabilidade. Na oportunidade, dona Maria apresentou suas desculpas a Rodolpho, pelos fatos ocorridos na noite do dia 29 próximo passado. Dia 5 – No período da manhã Rodolpho informou Rangel que em contato com Clovis fora informado de que novamente o par candidato vacilava e tudo indicava que iriam desistir, inclusive, tendo alertado para que ele, Rodolpho, se preparasse para entrar no páreo na condição de Renato N. Rangel 74 candidato a vice-prefeito. Para isso faltava apenas encontrar um substituto do candidato a prefeito que tivesse condições financeiras. Dias 6 a 10 – Parecia que tudo estava calmo. Prosseguia o “alistamento eleitoral”, com o auxílio de pessoas dos grupos de Menck e de Rodolpho, sendo que este já contava com mais de 1500 eleitores. Dia 11 – No período compreendido entre 22 e 23 horas estavam reunidos: Clovis, Ivan, dona Carmem, Rodolpho, Reynaldo, Lourenço, Zemela e Rangel, quando Menck declarou que se encontrava disposto a prosseguir na campanha com todo o ardor. Nas tratativas de Clovis ele fez ver a Reynaldo que o mesmo deveria fazer o possível para atrair o Partido Democrata Cristão -PDC – para o lado menckista. O mesmo ainda levantou a questão da necessidade de organizar os Subdiretórios dos partidos nos bairros, tal que os seus candidatos a vereador fossem os responsáveis pelos mesmos; a proposito Rodolpho informou que já havia iniciado esse trabalho no seu partido. Clovis insistiu junto ao candidato para que desse todo o apoio aos partidos que os aceitassem, em particular ao PTN, oferecendo transporte e material de propaganda. Dia 13 – Na noite desse dia Rangel fez uma visita a Menck onde encontrou tudo em calma. O mesmo não teve, porém, boa impressão quanto à marcha da campanha dos menckistas. Dia 14 – Compareceram à residência de Menck: Rangel, Clovis, dona Carmem, Ivan, Rodolpho, Pedro, Zemela, Lourenço e Marino. Nesse encontro Clovis solicitou a Marino que procurasse, com rapidez, preparar uma planta do Município de Osasco, indicando os vários bairros, para que se apontasse onde instalar os futuros Subdiretórios dos partidos. Marino pronunciou-se de maneira desfavorável à inciativa, pois, não acreditava que essa planta fosse efetivamente tão importante, considerava uma perda de tempo. Rangel lembrou a Marino que poderia ser apenas um esquema destacando o centro de Osasco, com setas dirigidas para os vários bairros, sendo que esses poderiam ser identificados por pequenos círculos. Clovis lembrou os candidatos que daqui para a frente os mesmos deveriam comparecer a todas as festas para onde fossem convidados, tais como quermesses, casamentos, batizados, aniversários, etc. sempre oferecendo um pequeno mimo e, em determinadas situações até dinheiro, dado ao fato Renato N. Rangel 75 de que esse procedimento era comum entre os políticos e com efetivos resultados positivos. Dia 16 – Rangel teve conhecimento de que Marino havia entrado em entendimentos com o Conselho Deliberativo da UDN, sem conseguir nada, além de promessas vãs. Dia 17 – Durante o dia Rangel procurou dar assistência a Menck, enquanto isso Arildo continuava distribuindo propaganda e Maneco atuando pelos bairros, na pichação pela candidatura. Em Reunião, às 19 horas, apresentou-se Sydney de Carvalho, como candidato a vereador, solicitando legenda no PTN para incorporar-se à campanha. Em consequência Menck solicitou a Rangel que interferisse junto a Rodolpho para conseguir registrar o candidato, o que aconteceu. Dia 20 – Logo pela manhã Rangel conversou com Rodolpho a respeito do registro das candidaturas a vereador de: José Cândido, Nelson Alexandre, Antônio Máximo da Silva e Sanches -motorista – este último a pedido de Menck. Rodolpho concordou em tudo solicitando apenas que os referidos comparecessem à próxima reunião do Diretório Municipal. Na noite desse mesmo dia compareceram à residência do candidato: Pedro, Rodolpho, Nestor de Oliveira (Piraju), Zemela, Clovis, Ivan, dona Carmem e Rangel. Logo no início Clovis indaga de Nestor, como andavam as coisas no panorama político, este evitou qualquer manifestação mais enfática, temendo assumir atitude de risco, sendo que em seguida retiraram-se Nestor e Zemela. Clovis informa a Menck que pretendia trazer elementos de projeção política na Capital, para contribuir na formação dos candidatos a vereador e que, para isso necessitava de uma sala no Largo da Estação ou nas proximidades, objetivando dar assistência trabalhista às pessoas comuns, de maneira gratuita, no que Menck discorda. Em seguida Clovis dizque esteve em entendimentos com o médico Adauto Ribeiro, muito conhecido em Osasco, para que por meio da política o mesmo obtivesse um credito de Cr$ 30 000 000,00 (trinta milhões de cruzeiros), a serem aplicados no seu Hospital, com a contraproposta da disponibilidade de certo número de leitos, para o atendimento de pessoas desassistidas na saúde. Menck declarou que não devia tomar conhecimento desse problema, pois, nada tinha a ver com a sua candidatura. Em seguida enfatiza que não tem pretensões com os problemas dos operários, inclusive Renato N. Rangel 76 por ser amigo dos patrões, além de declarar ter certeza de que os candidatos a vereador eram cidadãos suficientemente esclarecidos e independentes de orientações de elementos estranhos ao ambiente osasquense. Dia 21 – Pela manhã Rangel e Rodolpho encontraram-se com Menck e este se achava bastante animado. À tarde Rangel esteve em Pinheiros a procura de José Pedro para acertar detalhes da campanha, não o encontrando. Por telefone conversou com Clovis dando notícias dos acontecimentos, quando o mesmo prometeu um encontro na residência de Rangel à noite, o que não aconteceu. Dia 22 – A partir desta data surgiu um fato complicador, ou seja, elementos da antiga ala menckista tais como Reynaldo, Pedro, Marino e outros resolveram que toda a campanha deveria ser conduzida por um Comitê Central apartidário e encarregado de controlar todas as ações da campanha, sem a interferência dos partidos políticos. Neste ponto, Reynaldo, por exemplo, afirma que qualquer partido só seria necessário para o registro dos candidatos, no mais deveriam ser eliminados do processo. Nessa condição deveria incluir-se também o PTN, porque o grupo do candidato era autossuficiente e sabia muito bem como proceder no andamento da política osasquense, não dependendo de orientação partidária. A esta altura observa-se o comportamento nitidamente prepotente, do grupo que liderou a primeira campanha pela emancipação. Ao mesmo tempo que o referido grupo se autodenominou dono da campanha, Reynaldo fez publicar um convite impresso no qual propunha que quem desejasse poderia agregar-se ao grupo, cuja garantia de segurança era dada pelos nomes de pessoas a mais tempo ligadas a Menck. Com o surgimento dessa pretensa força houve uma cisão no movimento entre os denominados “partidários” e os “apartidários”, com a grande decepção dos companheiros que lutaram e empenharam suas palavras nos momentos de maior dificuldade, particularmente quando as candidaturas careciam de registro. Transpostas essas barreiras, surge um grupo que pretende se tornar dono da situação, impondo suas decisões aos demais, de maneira autônoma. Registre-se que de vez em quando Rangel conversava com Reynaldo, em seu consultório dentário, esclarecendo que as coisas iam de mal a pior. Renato N. Rangel 77 Mês de Outubro de 1961 - Dia 3 – À noite reuniram-se na residência de Rodolpho: Rangel, dona Carmem, Clovis, Ivan, José Cândido e José Braz Menck. Não compareceram Marino e Menck, mesmo tendo sido convidados para a mesma, sob a alegação de que Menck havia viajado para Santos inesperadamente. Em conversa de Clovis com Braz Menck, pareceu ficar claro que havia a possibilidade de reconciliação. Dia 5 – Em reunião do PTN, com a presença de Hilton Reis Santos e Benedito Rocha, este último proferiu uma verdadeira aula aos candidatos a vereador, que se encontravam presentes. Dia 7 – Em visita ao candidato Menck, Rangel observa que o mesmo se encontra inclinado a não aceitar qualquer entendimento amistoso com o PTN e ainda por outro lado, tem o firme propósito de afastar Clovis daquele convívio, argumentando que se trata de pessoa não idônea e, portanto, nociva ao meio. Alegava mais, que a partir desse momento deviam afastar todos os elementos provenientes de São Paulo e imbuídos com pretensas intensões de interferir na campanha local. Diante do exposto Rangel discordou frontalmente da sua pretensão, alegando que o registro de sua candidatura e a de Marino, foram conseguidos mediante entendimentos e compromissos morais assumidos com diversos políticos da Capital, sem o que nada teria sido conseguido. Concluiu afirmando que não voltaria atrás, no que se refere a essa atitude. Dia 8 – Rodolpho convocou uma reunião em sua residência, para as 20 horas, a qual compareceram: Menck, Marino, Zemela, Rangel, Lourenço, Sydney, Juca Gregório, Clovis, Ivan, dona Carmem e José Candido. Logo no início Rodolpho leu uma carta de convocação para a criação de um Comitê Central assinada por Reynaldo. Afirma que discorda totalmente da iniciativa, como presidente do Diretório Municipal do PTN. Em seguida Marino procurou desculpar Pedro e Reynaldo, maiores responsáveis pela ideia. O presidente do Partido afirmou que o PTN não podia concordar com o controle de um órgão estranho ao partido e acima do mesmo, conduzindo autocraticamente a campanha. A esta altura Sydney de Carvalho e José Candido manifestaram-se solidários com Rodolpho. Clovis mencionou que Renato N. Rangel 78 vinha observando o desenrolar dos fatos e especialmente a péssima conduta dos candidatos em relação ao único partido que os registrou, sem exigir contrapartidas. Ainda insistiu com Menck para que nomeasse uma equipe de direção do referido Comitê, o qual sob pressão apontou os nomes de Rodolpho e Marino para tal. Marino aceita a incumbência discordando do nome de Rodolpho por se tratar de dirigente partidário, portanto contrário aos ditames de seu grupo, que pretendia a hegemonia. Com a manutenção do nome de Rodolpho, pela ação de Menck, Rangel usou da palavra para afirmar que na condição de diretores da campanha deveriam atentar para a sua debilidade, além de preparar com urgência um plano de administração ou plataforma de governo, que norteasse a campanha, pois, haviam várias solicitações nesse sentido. Destacou ainda que várias falhas estavam sendo notadas e que mantida a postura atual, a campanha estava fadada ao insucesso, juntamente com o partido. Nesse momento veio a notícia de que na data em curso ocorria o aniversário natalício do candidato, motivo pelo qual o aniversariante convida todos a comparecerem à sua residência para uma pequena comemoração, quando foram servidas algumas guloseimas e bebidas. Diante desses fatos, Rangel não compareceu ao aniversário e retirou-se para sua residência bastante decepcionado com o rumo dos acontecimentos Dia 10 – Nessa data o companheiro Rangel, por volta das 19 horas e 30 minutos, recebeu em sua residência a visita do candidato Menck, Renato N. Rangel 79 Panfleto apócrifo Panfleto apócrifo Renato N. Rangel 80 o qual solicita que não abandone sua campanha e que continue até o fim da mesma; afirmou que haviam muitos mal-entendidos e que continuava contrário a manutenção do nome de Clovis no grupo. O anfitrião explicou Panfleto apócrifo Renato N. Rangel81 que se encontrava em situação difícil, porque Clovis fora seu companheiro inseparável nas horas de maior dificuldade, especialmente junto aos políticos da Capital, em particular quando da luta para reestabelecer Rodolpho na direção do Partido, peça decisiva no registro dos candidatos no PTN. Lembrou que naqueles momentos não havia partido que quisesse assumir as suas candidaturas. Afirmou que Reynaldo e Pedro foram maus companheiros, porque em silencio e sem tomar iniciativas para o registro, aguardaram o momento para se apossar da direção do movimento. Asseverou que Marino havia sido uma negação do ponto de vista político, pois, além de se omitir em momentos cruciais, não apresentava segurança em suas ações. Tendo em vista esses fatos preferia retirar-se da campanha a trair sua própria consciência, mas que prometia continuar como amigo, porém, fora de sua campanha. Não tinha condições no momento para adiantar qualquer atitude futura. Por volta das 23 horas chegaram a residência de Rangel: Rodolpho, Marino e Hélio Dejtiar, com o propósito de convence-lo a mudar de posição, notadamente voltando atrás no que tangia à campanha. Marino, especialmente, procura argumentar a propósito das péssimas qualidades de Clovis, qualificando-o como falso médico e doente mental, sendo seus irmãos maus elementos; um deles inclusive encontrava-se preso, como arrombador de xadrez, na cidade de Santo André. Lafayete, outro irmão, era um vigarista, portanto de todos os irmãos só se salvava um que era médico muito conceituado, concluindo que precisava eliminar Clovis do meio menckista. Diante do exposto Rangel falou que: “muito se admirava do fato de terem se aproveitado de Clovis em momentos bastante delicados, para agora agirem dessa maneira com aquele que em várias oportunidades provou dedicação à causa, desde os primeiros momentos em que o prefeito Ademar de Barros impetrou mandado de segurança contra o resultado do Plebiscito de Osasco”. Além do mais, “durante todo o processo que antecedeu o registro das candidaturas, trabalharam muito próximos um do outro, sem que se percebesse qualquer deslize da parte de Clovis”. A essa altura, Dejtiar afirmou que se afastara da casa de Menck por não querer conviver com Clovis, inclusive porque era tuberculoso incurável, constituindo perigo para aqueles que o cercavam. Garante que Clovis é um doente mental, hábil e perigoso político que faz dessa ação uma profissão, desde muitos anos, quando ainda convivia nos círculos de Ademar de Renato N. Rangel 82 Barros. Recomenda que Rangel abandone Clovis e retorne ao convívio do círculo menckista, para o bem e vitória da chapa Menck – Marino, alega saber que a palavra de Rangel tinha repercussão nos meios que cercavam a campanha Menck e finalmente que voltasse atrás para o bem-estar da família menckista. Marino procurou distorcer os propósitos de Rangel com elogios além do merecido e de cunho duvidoso. Mais uma vez Rangel fez ver a Marino que na verdade por meio de ações ardilosas, o mesmo mantinha o comando da campanha juntamente com Reynaldo e Pedro, deixando tanto o PTN como Rodolpho em segundo plano, o que trazia mais um motivo para não retroagir em sua decisão de afastamento. O dirigente descontente frisou que horas atrás já havia se entrevistado com Menck, sem acordo. O seu retorno estava condicionado ao afastamento de todos os motivos que levaram a essa situação. Contudo, concordou em comparecer no Comitê Central, no dia seguinte, como observador e esperando que o PTN ali se encontrasse reunido, para usufruir da parte que por direito realmente lhe cabia. Não considerava Pedro e Reynaldo possuidores de qualquer liderança, que lhes permitisse ocupar as funções a eles concedidas e que não tinham a menor habilidade para reunir e conduzir qualquer grupo. Dia 11 – Cerca de 20 horas e 30 minutos Rangel chegou ao Comitê Central, na Rua da Estação, nº 79, não encontrando os dirigentes do PTN, mas sim a velha turma de Reynaldo e Pedro. Constatado esse fato, Rangel retornou ao PTN onde, conversando com Rodolpho foi informado de que o mesmo já havia conversado com Pedro e Reynaldo, sendo que estes haviam menosprezado o Partido, motivo pelo qual não mais compareceriam àquele local. Ainda naquele dia foi ao encontro de Marino para expressar o que Rodolpho havia dito, inclusive com o veto as presenças de Reynaldo e Pedro na alta direção do Comitê, no que Rangel também concordava. Nessas circunstâncias não havia mais condição para uma aproximação entre as partes. Em conversa com dona Maria, Rangel expos a situação criada, especialmente porque não havia como conviver nessa luta com a presença de Reynaldo e Pedro, nas funções que ocupavam e que, sinceramente não gostaria de prejudicar o nome do velho amigo Menck, em uma campanha que descambava para a deslealdade e derrota nas urnas. Em consequência Rangel retirou-se para o seu lar sem maiores formalidades de caráter político. Renato N. Rangel 83 Dia 12 – Rangel é convidado por Rodolpho a comparecer em sua residência, às 22 horas, para uma entrevista reservada com Marino. Ao comparecer à mesma foi surpreendido pela presença que incluía Pedro, Reynaldo e Lourenço, além de Marino. Foi quando Rodolpho admitiu a todos, os quais tomaram parte na conversa como se fossem dirigentes do movimento. Para Rangel foi uma afronta, sendo que o mesmo não teve condições de protestar, pois, não se tratava de sua residência ou ambiente de seu domínio e muito menos era o proporcionador da reunião. Diante desses fatos Rangel retirou-se mais uma vez muito contristado com o acontecido. A partir dessa data manteve-se ao longe, observando o infeliz curso dos acontecimentos. Mês de novembro de 1961 - Dia 5 – Às 11 horas, compareceram na residência de Rangel: Clovis, Sydney e Francisco, para uma visita. Clovis solicita a Rangel que compareça a Regional do PR a fim de entendimentos com Salgado, no dia seguinte. Afirma que possivelmente o Diretório Municipal do PR em Osasco deverá unir-se ao PTN para retirar o apoio a Marino. Neste ponto Clovis e Sydney insistem para que Rangel aceite a candidatura a vice-prefeito, o qual não se considera sem condições políticas, porém, no caso seria necessário o apoio de alguém com condições financeira, pois, o patrimônio que possuía havia sido amealhado inclusive com o sacrifício da família e, não podia colocar em risco o que havia construindo. Somente com apoio financeiro de um terceiro poderia entrar na luta, o que escapava a sua alçada. Então Sydney argumentou que iria conversar com Silvio Gava, o qual demonstrou interesse em apoiar financeiramente um candidato a vice, sendo que ele próprio não desejava candidatar-se a cargo do poder executivo. À tarde Rangel visitou Rubens que se prontificou a ajuda-lo no PR, caso efetivamente ficasse com a direção do mesmo; não encontrou Nelson Alexandre, mas deixou recado para que o procurasse. José Candido lamentou não poder assumir no momento um compromisso com a nova proposta de candidatura a vice, contudo a alternativa lhe era simpática e viável. Ao anoitecer Rangel encontrou Pepe e Lourenço, sendo que o primeiro manifestou grande satisfação pelo gesto da pare de Rangel contra aquela cúpula, ao passo que Lourenço demonstrou irritação. Renato N. Rangel 84Dia 6 – À tarde compareceram à Regional do PR, Rangel e Clovis, para proceder a tratativas com Salgado, porém o mesmo não se encontrava. Por acaso lá se avistaram com Ferrari, o qual mostrou-se intransigente na defesa da candidatura Menck – Marino. Renato N. Rangel 85 Dia 7 – Em conversa com Nelson Alexandre da Silva, o mesmo concordou com Rangel por ter abandonado o bloco dirigente do Comitê Central, dizendo que os tem suportando com desprazer e sacrifício. À tarde Rangel encontrou-se com Marino, por acaso, tendo conversado sobre vários assuntos exceto política local. Finalmente Marino insistiu muito em levar Rangel no seu automóvel para a residência deste último, o qual se viu impedido de não aceitar, sendo que durante o trajeto Marino persistiu bastante na revisão da posição política de Rangel, então este solicitou descer do veículo assim que notou a presença do tenente Reis em uma das ruas. Rangel fez Marino ver que havia sido injustiçado pelo chamado alto comando do Comitê Central, ou seja: Marino, Pedro e Reynaldo, motivo pelo qual o seu afastamento do grupo menckista era definitivo e irrevogável. Marino não queria acreditar no que se passava, sempre procurando desculpar-se e inclusive a Reynaldo e Pedro, que considerava bons companheiros. Dia 8 – Na manhã desse dia o próprio Maciel em visita a Rangel, habilidosamente propôs uma reconciliação com Pepe, destacando que o seu candidato ainda apresentava grandes chances de vitória. Propôs a Rangel a sua candidatura a vice ou a indicação de um nome como candidato e uma relação com candidatos a vereador. O anfitrião afirmou que não se considerava fora do pleito eleitoral, contudo, não sacrificaria os seus interesses particulares em uma aventura dessa natureza. Quanto aos candidatos a vereador não tinha segurança para indicar de momento, porém iria pensar no assunto procurando pessoas a altura do encargo e com condições financeiras. Dia 15 – Pela manhã, como convidado, Rangel compareceu à inauguração da Galeria Fuad Auada, no centro de Osasco. Teve a oportunidade de ouvir vários oradores, dentre eles o deputado Carlos Kherlakian e Walter Auada. Tudo correu muito bem e após o falatório foram servidos comes e bebes a todos. Às 20 horas e 30 minutos, a convite especial de Lourenço, Rangel compareceu a uma recepção no Clube Atlético Osasco, em Presidente Altino, quando deveria ocorrer a entrega do título de Sócio Honorário ao Governador Carvalho Pinto, ao Secretário da Agricultura José Bonifácio Coutinho Nogueira e aos Deputados Estaduais Carlos Kherlakian e Antônio Renato N. Rangel 86 Menck. O Governador e o Secretário fizeram-se representar no ato pelo tenente Willian, da Força Pública do Estado. Foram oradores: Lourenço, como presidente do Conselho Deliberativo, o tenente Willian, o deputado Kherlakian, Marino e Rodolpho, todos componentes da mesa de honra. Em seguida Lourenço convidou Rangel para tomar parte da referida mesa, solicitando inclusive o seu pronunciamento. No uso da palavra o convidado evocou a data saudando a Diretoria do Clube, com destaque especial para a trajetória da Associação cuja data de fundação foi justamente 15 de novembro de 1914, dias após o início da terrível primeira guerra mundial, com o uso dos gases venenosos que infelicitaram a humanidade. Destacou que o Clube havia nascido justamente durante um enorme embate pela sobrevivência, motivo pelo qual era possuidor do germe da resistência desde sua fundação. Saudou as diretorias anteriores, que garantiram a trilha de conquistas do bem em prol do povo de Osasco. Ao termino o orador foi muito cumprimentado, em especial pelo representante do Governador e pelo deputado Kherlakian. Dia 16 – Logo pela manhã, em conversa com Rodolpho, este declarou que Rangel possuía grande possibilidade de ser registrado como vice, tendo em vista os entendimentos com vários políticos e em particular com o PDC, como uma segunda opção junto a Menck. À tarde Rangel seguiu em visita ao deputado José Menck, sendo recebido com grande afabilidade e demonstrando que ele próprio tinha interesse na apresentação de uma outra candidatura a vice a ser encaminhada juntamente com a de seu tio. Solicitou que escolhesse um outro nome que parecesse viável à disputa como vice, sendo que a resposta foi a impossibilidade de uma indicação no momento, então, José lembrou os nomes de Roberto Pignatari e José Ribeiro, no que foi contestado devido à inviabilidade desses nomes frente ao eleitorado. José Menck solicitou ainda que pedisse a Rodolpho um encontro para entendimentos, acerca da política de Osasco, no que foi atendido. Dia 28 – Reuniram-se na residência de Rangel: Rodolpho, Clovis, Francisco, Arlindo Tonato e Leo Ribeiro de Morais, para discutirem a candidatura deste último a prefeito. Após a apresentação desse nome, esclareceu-se que o mesmo possuía cobertura total do Governo Federal e era amigo de Carvalho Pinto. Em seguida Rodolpho prometeu auxiliá-lo, Renato N. Rangel 87 mesmo estando comprometido com a candidatura Menck. Leo demonstrou bom conhecimento de causa e coragem para enfrentar a luta, fazendo várias sugestões de caráter administrativo. A esta altura Rangel disse que precisava de 48 horas para examinar a situação e assumir com segurança uma diretriz. Prosseguindo Leo afirmou ter sob sua influência, no momento, os partidos PTB e PSD, possivelmente também o PSP, sendo que a questão do vice poderia ser focada em outro momento. Dia 29 – Por volta das 10 horas Rangel avistou-se com Tonato e Rodolpho, tendo feito ver a ambos as poucas chances da empreitada proposta, isto é, a candidatura Leo, a menos que fosse sacrificada a candidatura de Hirant Sanazar. Diante desse argumento Rodolpho concordou com o exposto, enquanto Tonato ao também concordar informou que seria viável um entendimento com Hirant, pois, o mesmo já havia demonstrado disposição para tal, desde que se firmasse um acordo de apoio a sua futura candidatura a deputado. Por volta de 23 horas reuniram-se na residência de Rangel: além do anfitrião, Leo, Tonato e Clovis, quando o dono da residência fez ver a Leo que se tratava de uma perigosa empreitada, caso Hirant mantivesse sua candidatura a prefeito. Afirmou ainda que as forças políticas, no momento, encontravam-se divididas entre Hirant e Menck, com vantagem acentuada para o primeiro. Insistiu que uma das primeiras ações era investir de alguma maneira no afastamento de Hirant, mesmo que para tal houvesse um preço alto a ser pago. Clovis propôs que se conversasse com Hirant para que o mesmo se integrasse ao nosso movimento como candidato a vice, o que deveria custar em dinheiro a metade do valor inicialmente suposto, desde que se assumisse o compromisso de contribuir para a sua eleição a deputado, cargo tão almejado por ele. Nesse ponto Leo concordou plenamente e afirmou que iria conversar com Hirant, em um entendimento na base de dois milhões de cruzeiros. A partir dessa data Leo ausentou-se de Osasco, sem dar mais qualquer notícia. A esse tempo é iniciada a campanha do candidato Fuad Auada, então, Rangel foi convencido pelo mesmo a se colocar ao seu lado, em especial como um dos coordenadores da jornada. Em seguida notou que vários candidatos a vereador pelo PR,voltaram-se para a essa candidatura e inclusive o próprio presidente Maciel, procurou entendimentos com a sua Renato N. Rangel 88 coordenação, no que foi recebido com satisfação e respeito. A partir desse momento os dirigentes do PR integrados à essa campanha -Fuad Auada- fizeram publicar um manifesto de apoio a esta e no mesmo repudiaram a candidatura Pepe. Rangel aceitou assinar o referido manifesto, a pedido de Maciel, isto em dezembro de 1961. A partir de então o PR passou a funcionar em uma sala da Galeria Fuad Auada, sem qualquer custo ao Partido, sendo que desse momento em diante inclusive o material de propaganda dos candidatos a vereador passou a ser fornecido por Fuad. Nota sobre HIrant Sanazar, candidato a prefeito Enquanto Rangel permanecia em silencio cuidando de seus afazeres particulares, nos primeiros dias do mês de dezembro ao adquirir material de construção no Depósito Novo, na Rua Antônio Agú, deparou-se com João Catan que em seguida lhe apresentou Hirant Sanazar. Este foi muito afável e demonstrou admiração quanto à atitude tomada por Rangel frente ao grupo de Menck, afirmando que havia solicitado ao seu velho pai para procura-lo afim de entendimentos de ordem política, conforme seu desejo. Pediu que aguardasse a visita de seu pai para breve, o que fez Rangel agradecer e se colocar ao dispor para conversas, sem compromisso antecipado. Em seguida despediram-se de maneira muito cordial. Renato N. Rangel 89 Surge a candidatura Fuad Auada, a prefeito Mês de dezembro de 1961 - Nos primeiros dias desse mês correu a notícia de que Fuad Auada havia obtido registro como candidato a prefeito, tendo como seu vice Albertino de Souza Oliva, ambos pelo PSD. Dia 10 – A convite especial compareceram Rangel e esposa, à festa de coroação da Rainha da Sociedade Amigos de Comandante Sampaio, onde o mesmo em discurso proferido teve a oportunidade de saudar a Rainha e a Diretoria daquela Sociedade. Notou a presença dos candidatos a prefeito: Menck, Fuad e Hirant, com as respectivas equipes. Mais ou menos às 23 horas desse dia Rangel recebeu em sua residência uma visita cortês de Fuad Auada, acompanhado de Clovis Ribeiro e do amigo Arlindo Tonato, oportunidade em que após conversa agradável Fuad procurou explicar detalhadamente o motivo de sua candidatura a prefeito. Continuando, procedeu a um convite para que Rangel viesse a participar de sua campanha, destacando que caso ele aceitasse o convite, deveria compor a cúpula do movimento, juntamente com Tonato e Clovis. Garantiu que só os três juntamente com ele, candidato, iriam constituir o centro de comando, acrescentando que onde um dos três estivesse falaria em seu nome, com toda a autoridade. Após a exposição de Fuad e as considerações de Arlindo e Clovis, já engajados na campanha, Rangel resolveu assumir o compromisso de integrar-se a mesma, destacando que deveria haver tratamento igualitário entre os três, com a maior franqueza e sinceridade possível, sem qualquer interferência de elementos estranhos à cúpula, enfatizando que a sua adesão não implicava em interesses particulares, monetários ou de proteção de qualquer espécie. Afirmou ainda que o acompanharia em qualquer condição, com elevado espirito de desprendimento e em favor de Osasco. Prosseguindo os entendimentos, resolveram que a campanha deveria ter início logo no dia seguinte. Esse encontro na residência de Rangel terminou às duas horas do dia 11. Dia 11 – Ocorreram entendimentos gerais e a equipe não se reuniu. Renato N. Rangel 90 Dia 12 – A partir das 12 horas houve um grande afluxo de políticos de Osasco e de São Paulo, ao recinto da Galeria Fuad Auada, com inúmeras apresentações de propostas, alertas, informações e outros lembretes. Às 22 horas iniciou-se uma reunião com o PSD, em uma sala do andar superior da Galeria, frente para a Rua Antônio Agú, com a presença de alguns elementos estranhos. Composta a mesa diretiva, o candidato a vice Albertino sugeriu a criação de alguns Departamentos: de Propaganda, de Publicidade, o Feminino e o Jurídico, os quais tiveram o início de sua organização a partir daquele momento. Ainda com a palavra, Albertino convidou Rangel para ser o organizador dos comícios em todo o município, sendo que o mesmo não aceitou, até que se consultasse Fuad, ainda ausente. No entanto após várias considerações do condutor dos trabalhos, Rangel resolveu aceitar a função, acreditando ser de suma importância para a campanha de Fuad, inclusive por considerar como uma das questões chave. Terminada a reunião os diretores do PSD ficaram convictos de que estavam senhores da situação. Dia 13 – Após um dia atarefadíssimo, inclusive com a realização de dois comícios, um em Quitaúna e outro no Quilometro Dezoito, por volta das 23 horas houve uma reunião da Diretoria do PSD, na qual estiveram presentes: Albertino, Clovis, Alexandre Portela, Rangel, Silvio Gava, Tonato, Fuad, Walter Auada, José de Barros e Silva e Paulo Amparo, este último candidato a deputado e proveniente da Capital, além de outros elementos não identificados. Com apalavra, Albertino com gestos de indelicadeza e impróprios a um candidato, discorda violentamente da orientação inicial da campanha, avocando uma autoridade que até então não possuía. A essa altura Alexandre Portela, Paulo Amparo e José de Barros e Silva, manifestam-se favoráveis a Albertino, reforçando suas palavras e de certa forma atacando o próprio Fuad. Os mesmos tinham como objetivo o afastamento de Clovis e a destituição da cúpula de direção anteriormente constituída, por considerarem a situação do PDS subalterna, quando segundo os mesmos o Partido é que deveria ter o controle do movimento político, com a aquiescência do candidato a prefeito. Neste ponto Walter pronunciou-se enfaticamente a favor da orientação de seu pai e da manutenção da cúpula constituída pelo candidato, sem qualquer modificação, aproveitando a oportunidade para se dirigir a Albertino com considerações muito fortes a respeito do mesmo. Foi quando Rangel usou Renato N. Rangel 91 da palavra para fazer um arrazoado em que atacava de forma frontal o secretário do PSD, José de Barros e Silva, informando que ali estava a convite de Fuad, por entendimentos havidos anteriormente, e ainda, que não tinha qualquer receio em função das palavras afrontosas proferidas pelo mesmo. Continuando com a palavra assegurou que não aceitava a proposta do PDS de colocar juntamente com ele um elemento do Partido, mesmo na condição de assistente. Preferia retirar-se da função a aceitar tal diretriz. A essa altura Fuad, então presente, dirige-se a Paulo Amparo dizendo que o mesmo não merecia a sua simpatia pessoal, que aliás já o vinha observando e que o seu comportamento era equivocado e inclusive, sua presença não era grata naquele meio, sendo que a orientação da campanha seria mantida como tal, mesmo sem a participação dos discordantes do PSD. Solicitando a palavra, Clovis proferiu uma lição de moral na política, dirigida a Portela, especialmente quanto aos seus pronunciamentos no caso em foco, sendo que este último procurou manter-seem silencio por falta de argumentos plausíveis. Essa reunião terminou pior volta das 2 horas do dia 14. A partir dessa data o movimento era intenso na Galeria, especialmente nas últimas horas de cada dia, tudo pela causa Fuad – Albertino. Ressalte-se que grande parte da Galeria passou a ser ocupada por pessoas que deram apoio às candidaturas apontadas acima. Foram colocadas à disposição salas para a Direção Geral – cúpula -; para o candidato Fuad; Departamento Jurídico; Departamento Feminino; sala do PSD; sala do PTN; sala do PR; sala da Cia. de Propaganda Jaraguá e sala da Cia. Spark. Outras salas dos andares superiores foram ocupadas para repouso e refeições, para estudos de propaganda e publicidade e uma última para reuniões reservadas com os candidatos, tudo sob as expensas do candidato Fuad. Ao candidato a vice, Albertino, foram fornecidos todos os instrumentos necessários à campanha, juntamente com os candidatos a vereador, sem cor partidária, tudo incluído nas custas do candidato Fuad Auada. Um outro fato que deve ser registrado é o seguinte: Fuad recomendava com insistência a todos os candidatos que não admitiria ataques pessoais a seus adversários políticos, tendo mesmo solicitado a Renato N. Rangel 92 Rangel que interferisse quando necessário, em qualquer ocasião que julgasse conveniente, para retirar oradores que descambassem por esses caminhos menos polidos e perigosos. A propósito, Rangel teve a oportunidade de censurar em público e suspender a palavra de um líder nordestino que atacava violentamente o candidato Antônio Menck, em um comício relâmpago no portão dos fundos da COBRASMA – Companhia Brasileira de Material Ferroviário. As palavras desse orador estão registradas apenas para documentar o nível de discurso do mesmo: “ Menck é um grileiro, sua riqueza é produto da dilapidação dos miseráveis. Nada fez por Osasco com o seu dinheiro, onde mantem-se emprestando dinheiro a juro. Tudo que diz ter feito por Osasco foi por intermédio da política, mediante pedidos aos donos do poder político, fazendo politicalha, com o sacrifício dos seus próprios companheiros. Sua memória é embrutecida com o suporte de artifícios vindos da Velha República”. Tal orador era um velho escritor, o qual foi suspenso dos palanques, por ordem de Fuad. Com referência à campanha Fuad Auada para prefeito, Rangel encaminhou ao candidato, no dia 12 de janeiro de 1962, um relatório sumário, no qual fazia constar considerações do tipo: a) Campanha de curta duração, pois, fora do dia 12 de dezembro de 1961 até o dia 4 de janeiro de 1962, ou seja, 24 dias corridos, com muita chuva e festas de fim de ano. b) O primeiro Comício foi realizado em Quitaúna, reduto de descontentes com a emancipação de Osasco, entretanto contando com razoável público. c) O último ocorreu no Largo da Estação, com uma assistência bastante boa quando comparada com os semelhantes de outros candidatos. d) Foram programados 53 Comícios sendo que 16 deixaram de ocorrer devido ao mau tempo. Dos 52 Comícios relâmpago programados foram realizados 45, mesmo sendo castigados pela chuva. e) Lamentavelmente nesses Comícios os nossos candidatos a Vereador foram uma negação em todos os sentidos, contando-se mais com a voz e capacidade de expressão dos locutores contratados, os quais na verdade não poderiam ter o empenho de um candidato, o que aliás foi irrelevante. Renato N. Rangel 93 f) No Quilômetro Dezoito, reduto de maior eleitorado do Município, onde a nossa penetração não era boa, melhorou muito a partir de quando passamos a contar com o apoio do candidato a Vice Reginaldo Valadão. g) Os bairros que apresentaram maior dificuldade na aceitação do nome do nosso candidato foram: Presidente Altino, Vila Iara, Helena Maria e Vila dos Remédios, este último por existir uma dúvida quanto ao limite territorial do novo município. h) A grande maioria dos candidatos a vereador só comparecia no momento em que chegava o candidato ao cargo majoritário, com isso, não criando um crescer de expectativa no público presente. i) Os carros de propaganda que circulavam tiveram um papel saliente tanto na propaganda insistente como nos Comícios Volantes, sendo que estas ações iniciadas por nós foram copiadas pelos adversários, mas sem grande sucesso. Mesmo com todas as dificuldades climáticas e muitas vezes a péssima qualidade do leito carroçável das ruas, lá estavam eles fazendo o seu trabalho. j) Muitas vezes, no momento mais necessário, ocorriam falhas imperdoáveis, ocasionadas pelo desgaste de equipamentos, devido em particular ao uso excessivo. k) Muitas críticas houveram quanto à marcha da campanha, contudo, em especial daqueles que pretendiam obter alguma vantagem pessoal. Felizmente o espírito equilibrado do candidato superou todas essas dificuldades. l) Foi muito importante o serviço de terraplanagem que contou com duas moto-niveladoras e um caminhão basculante e, com isso, pudemos nos aproximar dos eleitores segundo o desejo dos mesmos. As ruas alagadas e os campos de futebol tiveram preferência no andamento dos trabalhos. Os pedidos foram muitos, fizemos o possível para contentar as pessoas. Com todos os percalços o equipamento operou em todos os bairros de Osasco, numa demonstração de boa vontade para com a população. Finalmente vários pedidos não foram atendidos por motivos que escaparam ao nosso controle, todavia, justificados. Renato N. Rangel 94 Ocorrências quando da eleição prevista para 07/01/ 1962. Às 20 horas do dia 6 – um sábado – tudo estava preparado e em condições ótimas para a realização do pleito: contratados 25 ônibus da Empresa de Ônibus Breda e mais um avultado número de taxis, que deveriam ser usados para o transporte de eleitores dos mais diversos bairros, sem distinção de candidato e partido. O corpo de fiscais dos partidos PSD, PR e PTN, todo credenciado. Milhares de sanduiches e refrigerantes armazenados na Galeria, para a distribuição ao pessoal em serviço, no dia seguinte. Tudo pronto para entrar em ação à zero horas do dia 7. Às vinte horas do dia 6, uma emissora de rádio da Capital deu a notícia de que o pleito estava suspenso, por determinação do STF. Estabeleceu-se um verdadeiro pânico na Galeria e em outros pontos chave de Osasco. Por volta das 21 horas a senhora Maria Preste Maia, esposa do prefeito da Capital, entra na Galeria e indo diretamente ao senhor Fuad Auada, afirma: “Então, ganhamos ou não ganhamos? ”, em seguida saiu desse local para consumar um escândalo que começou no centro de Osasco para logo depois dirigir-se à residência de Edmundo Burjato, onde proferiu palavras rusticas, inclusive alguns empurrões na esposa do referido médico, retirando-se logo a seguir, acompanhada por uma viatura da polícia. Eram 22 horas quando muitos populares em alvoroço invadem a Galeria revoltados com os últimos acontecimentos, no que foram acalmados pelos nossos líderes, que prometiam tomar as providências cabíveis. Logo depois veio ao conhecimento dos líderes que o encarregado judicial da eleição, Bandeira de Melo, não tomara conhecimento da liminar do ministro do STF que suspendia o pleito e que, a mesma deveria ser apreciada pelo Tribunal Regional Eleitoral, ato estea realizar-se às 2 horas da madrugada do dia 7. Às 24 horas a multidão continua exaltada e o Departamento de Ordem Política e Social - DOPS - reforça sua presença, temendo qualquer agitação social com maiores consequências. Renato N. Rangel 95 Às 2 horas e 30 minutos do dia 7 o TRE resolveu acatar a liminar do ministro Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa, suspendendo as eleições e noticiando oficialmente a sua decisão. Na manhã seguinte – domingo – o movimento de repulsa ao ato do ministro e à postura da esposa do prefeito da Capital tomou vulto. Instala- se uma tribuna livre no Largo da Estação, a partir de onde sucedem-se oradores de todos os credos políticos, inclusive clérigos e particulares, os quais acodem aos microfones aos gritos de protesto, contra o ato do ministro. Às 20 horas desse mesmo dia realizou-se o grande comício de protesto, com manifestações acaloradas, tendo comparecido ao palanque os seguintes destaques: Fuad Auada, Antônio Menck, Hirant Sanazar, Marino Pedro Nicoletti, Nicolau Atra, Albertino de Souza Oliva, Reginaldo Valadão, Emilio Carlos, José Menck, Rio Branco Paranhos, Benedito Rocha, Altimar Ribeiro de Lima e um sacerdote da Igreja Católica de Santo Antônio. No dia 8 continuava em pleno vigor a tribuna livre, criada por Fuad Auada, de maneira ininterrupta. Todos os candidatos a prefeito e vice se irmanaram na luta comum, em defesa do pleito o mais rapidamente possível. Neste ponto, vários deputados e vereadores de São Paulo manifestaram-se em uníssono a favor das conquistas do povo de Osasco. Logo no início do dia tomou vulto extraordinário o movimento popular pró-eleições, com uma quantidade muito grande de pessoas no Largo da Estação, clamando por justiça e esbravejando contra as autoridades que haviam contribuído para aquela situação, causadora de um mal-estar indescritível. Às 15 horas partiu de Osasco uma grande caravana, com aproximadamente 200 veículos, tais como automóveis, caminhões e ônibus, rumo à Assembleia Legislativa do Estado, sendo que primeiramente aproximaram-se de jornais importantes para dar entrevistas e defender as eleições, para depois serem recebidos pelo presidente da Assembleia, Roberto de Abreu Sodré, juntamente com outros deputados, os quais se colocaram a favor do movimento, prometendo defender os interesses dos emancipacionistas. Em continuação a caravana seguiu para o Palácio do Governo do Estado, no bairro de Campos Elísios, tendo sido impedida do Renato N. Rangel 96 seu intento, por forças policiais-militares, que se encontravam nas proximidades do mesmo. Diante desses fatos uma comissão foi constituída e em seguida recebida pelo governador Carvalho Pinto, obtendo do mesmo a promessa de atender as reivindicações do povo de Osasco. Logo após a caravana se dividiu, de tal maneira que uma parte se dirigiu à sede do poder municipal e outra à residência do prefeito Prestes Maia. Chegando no Ibirapuera, sede da prefeitura, foi destacado um representante do prefeito para ouvir as queixas, ao passo que quando da aproximação de sua residência houve impedimento por parte de forças policiais. Ao voltar para Osasco a caravana é recebida por uma multidão que a aguardava, no Largo da Estação e ruas adjacentes. A tribuna livre continuou sendo ocupada por inúmeros oradores, até que por volta das 23 horas e 30 minutos foi convidada a silenciar, por decisão das forças policiais. Dia 9 – A partir das primeiras horas desse dia o movimento adquire um caráter mais agressivo, porque o comércio todo cerrou as portas, inclusive os bares, em sinal de luto pelos acontecimentos resultantes de ação judicial. Pessoas passam a usar um laço negro na lapela, janelas fechadas de onde pendia um tecido negro, as igrejas católicas fazem soar músicas fúnebres, os veículos passam a usar uma bandeirinha negra bem visível. Às 19 horas desse dia constituiu-se uma nova caravana, que se pôs em marcha rumo a Assembleia sendo que lá chegados foram recebidos por um representante da presidência, Dr. Viana, instruído para informar que o Presidente, Roberto de Abreu Sodré, havia avocado para si a causa de Osasco. O referido afirmou inclusive que aquele órgão público também se encontrava em condições de desafio diante da ação judicial do STF. Prosseguido, a caravana seguiu em direção ao Palácio do Governo sendo recebida pelo governador, que em breves palavras marcou uma posição de solidariedade com os demandantes. Esclareceu que já considerava Osasco como um município, tanto que na véspera havia criado a Coletoria Estadual do novo município. Promete gestões no sentido da confirmação do município em questão, por ser um fato importante para o Governo Paulista. Às 21 horas a caravana retorna a Osasco, não sem antes transitar pela frente da residência do prefeito Prestes Maia, em sinal de protesto, inclusive com muitas bandeiras negras, com manifestações de repulsa a Renato N. Rangel 97 atitude do prefeito. A seguir a caravana retorna ao Largo da Estação, onde é recebida por uma multidão de osasquenses havidos por notícias. Dia 10 – Nesse dia seguiram por via aérea para Brasília o senhor Fuad e seu filho Walter, ao encontro de Farid, outro filho, que já se encontrava na Capital Federal, encaminhado os entendimentos que poderiam facilitar o transito de seu pai junto ao STF. Em Osasco existia uma grande expectativa das pessoas em geral, o que aconteceu inclusive no dia 11. Dia 12 - Fuad retorna a Osasco portando o protocolo gerado por petição encaminhada junto ao STF, datada de 10 do mês corrente. Enquanto isso a campanha popular a favor das eleições prossegue a todo o vapor e Walter permanece em Brasília, apoiado pelo advogado e deputado Paulo Lauro, sem falar nos outros defensores da causa. Nos dias seguintes os sacerdotes da Igreja de Santo Antônio irmanam-se à causa com grande disposição. Dia 16 – Nessa data, à tarde, Fuad parte em direção a Brasília para assistir ao julgamento da causa demandada por Osasco, que deveria ocorrer no dia seguinte. Dia 17 – Esse foi o dia da grande virada, porque o Supremo reuniu-se e decidiu por unanimidade a favor dos osasquenses e contrário à reclamação da prefeitura da Capital, considerando-a improcedente. Sendo assim, aquele tribunal resolveu que o TRE deveria marcar uma nova data para a realização das eleições municipais de Osasco. A boa nova atingiu Osasco por volta das 17 horas desse dia atribulado. Às 24 horas, aproximadamente, chegam no aeroporto do Congonhas os senhores Fuad e Walter, portando o documento que garantia a decisão, destinando-o inclusive ao TRE, ao prefeito Prestes Maia e à Assembleia Legislativa. Dias 18 e 19 – Fuad acompanhado por Clovis e alguns outros elementos da equipe, encaminhou os documentos vindos de Brasília aos devidos destinatários, mantendo vários entendimentos com diversas autoridades de São Paulo. Clovis não compareceu em Brasília, no entanto a sua desenvoltura junto aos políticos e outras autoridades em São Paulo foi de relevante importância, desde o dia 8, procurando criar condições favoráveis às ações de Fuad em Brasília, pondo a prova toda a sua habilidade política, que incluía um comportamento racional, objetivo e bem calculado. Renato N. Rangel98 Na tarde do dia 18, em reunião, o TRE definiu como data para realização do pleito o dia 4 de fevereiro de 1962 e no dia 19 do mês em curso o Cartório da 5ª Zona Eleitoral publicou os devidos editais. Dia 20 – Reinicia-se a campanha eleitoral Fuad – Albertino, incluindo a candidatura de Valadão para vice, como ocorria desde o mês de dezembro passado. Reforça-se a propaganda por todos os meios, com comícios onde se encontravam um ou o outro candidato a vice, porém com a presença constante de Fuad. Nessa reativação o candidato a prefeito manteve a cúpula de decisão, constituída por: Rangel, Tonato e Clovis, com alguns erros graves devidos ao calor da vitória na Capital Federal, tais como: a) Comentários em praça pública de que o grande vitorioso da causa que levava à realização das eleições em curto prazo era Fuad, portanto o grande emancipador. Tal provocou no eleitorado da antiga ala do Não certo descontentamento; b) A presença contínua do padre Syr Assunção no palanque, passando a impressão de que o clero predominava entre nós e, ainda, com o boato de que o referido clérigo se achava afastado da Cúria e do clero de Osasco. Como político mineiro, na verdade encontrava-se pleiteando a eleição a vereador de seu protegido, Gelson Di Marso, que por sinal não foi eleito. Renato N. Rangel 99 Renato N. Rangel 100 c) A presença de Paulo Lauro e Altimar Ribeiro de Lima, que tinham como objetivo reavivar o nome de Ademar de Barros, para futuros pleitos, sendo que os anti-ademaristas constituíam larga parcela do eleitorado de Fuad. Além do mais, os próprios filhos de Fuad, que deveriam ficar à margem da campanha, cuidando das Organizações Fuad Auada, conforme combinado anteriormente, não se comportaram dessa maneira. O próprio Walter Auada lançara-se na campanha com toda a disposição, imaginando que suas atitudes iriam beneficiar o pai, o que não aconteceu, pois, como já se sabia, a maioria das pessoas os consideravam como rapazes menos responsáveis, criados em berço de ouro, dispondo de tudo o que fora construído na vida sacrificada de seus pais, quando do início da mesma em comum. Contudo, Rangel registra que apreciava muito especialmente Walter, com o qual teve a oportunidade de em várias circunstâncias privar de seus bons propósitos, manifestando inúmeras vezes sentimentos altruístas. Apesar disso continua apegado a pessoas do seu convívio na infância, que no entender de Rangel, pretendiam apenas tirar proveito próprio, nas ações a que era estimulado. Poucas vezes falou com Farid e Willian, motivo pelo qual preferia não registrar qualquer comentário, mesmo tendo informações menos favoráveis. d) Finalmente, Rangel encerra dizendo que encontrou em Fuad um homem justo e marcado pela retidão; dona Rosa e suas filhas, pessoas muito agradáveis e respeitosas. Desde o dia 21 de janeiro até o dia 2 de fevereiro desenvolveu-se a fase aguda da campanha, contando com a poderosa Organização Fuad Auada, no entanto, as paixões de causa, a falta de uma orientação bem definida do discurso e o ambiente de já ganhamos, em função da vitória do candidato junto ao poder judiciário, em Brasília, começaram a corroer o movimento. Havia quem acreditasse que pelo fato do sucesso do candidato na Capital Federal, a vitória em Osasco seria consequência. No período de 20 de janeiro até 2 de fevereiro foram realizados 30 Comícios, sendo 29 nos bairros e um no Largo da Estação, sem que se Renato N. Rangel 101 tivesse um público numericamente constante, variava entre 200 e 600 pessoas, porém, quando realizado no Largo da Estação, superou-se as expectativas porque interrompeu o transito no Largo e nas ruas adjacentes, foi o maior, desde um outro famoso realizado com a presença de Jânio Quadros. Foram realizados vários comícios relâmpago, em estações ferroviárias, portas de fábricas e outros com raras aparições de candidatos a vereador. O casal Fuad e dona Rosa fez várias visitas particulares, inclusive comparecendo em fábricas onde foi sempre bem recebido. Cumpre lembrar que, segundo Rangel, o candidato Albertino teve seu prestígio bastante abalado, junto à população mais humilde desde as suas primeiras apresentações em público. O candidato Valadão tinha pouca chance, pois, havia intensificado a sua campanha somente nos últimos dias de janeiro, assim mesmo conseguiu admirável destaque no Quilometro Dezoito e no Jardim Novo Osasco. Era mais conhecido apenas no Quilometro Dezoito, onde se criou e, como era socialista sofreu um bombardeio constante do clero local. Fuad conseguiu manter um crescimento constante na aceitação do eleitorado, apesar da campanha exígua, sempre vibrante e disposto a dialogar com todos, expondo-se às questões postas. Com raríssimas exceções, não pode contar com os companheiros candidatos de campanha, especialmente por se tratar de pessoas despreparadas e aventureiras. Quanto aos candidatos a vice, não havia entendimento, notava-se um certo ciúme por qualquer sinal que pudesse aparecer como destaque particular de um dos candidatos. Nos últimos dias, as prévias realizadas pelos próprios funcionários da Cia. Jaraguá, pareciam indicar uma posição confortável para a campanha, porém, elas eram falsas e quando foi detectada essa falha já era tarde. Na noite do dia 3 para 4 de fevereiro foram confeccionados 3000 sanduiches, adquiridas frutas e refrigerantes; contratados 70 taxis e 10 ônibus para transportar os eleitores de qualquer candidato, os quais trabalharam a partir das 7 horas da manhã, sem cessar, apesar das chuvas que dificultaram as tarefas dos mesmos. A preparação do corpo de fiscais deu um trabalho enorme e finalizado o pleito cada um dos “voluntários” recebeu a quantia de Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros), que foram pagos na presença de Rangel, a todos esses inescrupulosos. Renato N. Rangel 102 Dia 4 – As eleições foram realizadas na mais perfeita ordem, apesar dos maus pressentimentos. A abstenção não foi grande, em relação à prevista, tendo em vista o dia chuvoso e a teimosia dos elementos mais exaltados do Não. Votaram nesse pleito 26 009 eleitores. Curiosidade incluída nos apontamentos Durante a segunda fase da campanha Fuad foram executadas muitas obras de porte pequeno ou médio, voltadas para a manutenção e até construção de alternativas viárias, além do beneficiamento de campos de futebol de várzea, em vários bairros de Osasco. Para essa empreitada foram disponibilizados uma moto-niveladora e vários caminhões basculantes, com os quais foram executadas as demandas, a partir do dia 27 de janeiro, como nas informações que seguem: a) Jardim Helena Maria e Cidade Munhoz – terraplenagem e movimentação de terra nas ruas José Rodrigues, 800 m; York de Matos, 500 m; três, 1000 m; Avenida Existente, 600 m; rua Projetada, 150 m; João Marinho, 400 m e mais 100 m. b) Jardim Piratininga – ruas Amador Bueno, 300 m; Martin Afonso, 500 m, além de vários aterros. c) Quitaúna e Quilometro Vinte e Um – Avenida das Olarias, abertura e remoção de barrancos; rua Nossa Senhora Aparecida, 100 m mais tubos de concreto para a travessia de valo; General Florêncio, em frente à IgrejaPresbiteriana Independente, 10 caminhões de entulho; Avenida um, parte alta, 100 m de abertura e terraplenagem no restante. d) Jardim Quitaúna – Rua Octávio A. de Almeida, terraplenagem de 600 m e remoção de barrancos. e) Quilometro Dezoito – Construção da ligação entre a Rua José Navarro e a Avenida Orquídea; vários caminhões de aterro na parte baixa da José Navarro, o que permitiu a ligação do Quilometro Dezoito com a Vila Iolanda. Aterro na Rua dos Patriarcas. Renato N. Rangel 103 f) Jardim Roberto – Em uma extensão de 2000 m, abertura da Rua Trinta e Dois, que dá acesso ao bairro. g) Jardim Santo Antônio – No fim da linha de ônibus, fez-se a manutenção das vias que dão acesso à Estrada de Bussocaba, pelo Jardim Jaguaribe. h) Jardim Ipê – Terraplenagem do novo campo de futebol. i) Bela Vista – Terraplenagem e movimentação de terra na Rua Trinta e Seis, 150 m; terraplenagem na Rua Madre Rossello; em um terreno pertencente à Igreja Presbiteriana Independente e inclusive na frente da mesma, tudo na mesma Rua apontada. j) Cerâmica Hervy – Terraplenagem nas ruas internas à fábrica. k) Jardim Umuarama – Avenida do Contorno, terraplenagem e movimentação de terra por 300 m e em uma rua que sai dessa Avenida. l) Jardim Sindona – Abertura das Ruas Cinco e Seis além de uma travessa, com um total de 300 m. m) Cia. Eternit – Termino do nivelamento do campo de futebol, iniciado na primeira fase da campanha. n) No dia 3 de fevereiro foi dado por encerrado esse trabalho, sem antes deixar de efetuar um aterro no campo de futebol do Clube local - do bairro (?), onde foram colocados vários caminhões de terra. Renato N. Rangel 104 Para concluir Finalmente no dia 5 de fevereiro foram abertas as urnas e para nossa surpresa, logo de início saiu na frente para então ganhar o pleito Hirant Sanazar, aquele que parecia não simpático às forças políticas de Osasco e com enorme dificuldade para conseguir um partido que o registrasse. Obteve maioria esmagadora de votos, com um número maior que a soma dos outros dois candidatos que o seguiram. Nessa escala ficou em segundo lugar Antônio Menck e em terceiro Fuad Auada. Para vice-prefeito foi eleito Marino Pedro Nicoletti, com uma diferença de votos não tão expressiva em relação a Roberto Pignatari, Albertino de Souza Oliva e Reginaldo Valadão. Marino não tinha qualquer expressão política, foi carregado por Menck e auxiliado por partidários de Fuad, que se opunham a Albertino e Valadão, inclusive seus filhos que preferiam Marino como vice. Dos 219 candidatos a vereador foram eleitos 23, lembrando que nenhum deles conseguiu atingir o quociente eleitoral mínimo que foi de 959 votos; o candidato mais votado foi Alfredo Tomás com 433 votos. Foram eleitos: Pelo PDC – Pedro Furlan, Primo Brozeguini, Octacílio Firmino Lopes, Marino Lopes, Anísio Nunes e Osler de Almeida Barros. Pelo PTN – Orlando Calasans, Wilton Pereira da Silva, Benedito V. Nitão e Vicente Florindo. Pela UDN – Clovis Carrilho de Freitas, João Gilberto Port e João E. Bornacina. Pelo PSD – José Guize, Cid S. A. Von Putkammer e João Catan. Pelo PRT – Aimoré de Melo Dias, Clovis Assaf e Aderaldo J. de Castro. Pelo PR – Alfredo Tomás e Esmeraldino Malagueta. Pelo PSB – Joaquim Fraga e Moacir de Araújo Nunes. Renato N. Rangel 105 Considerando-se o quociente eleitoral e o número de votos do candidato mais votado, fica nítida a baixa representatividade dos eleitos frente à massa eleitora do município. Quanto aos candidatos a cargos majoritários os respectivos números de votos foram bem mais significativos, levando em conta que Hirant obteve 9810 votos e Marino 6427 votos, em um total de votos em branco de 2626, além de 1335 votos nulos. A exceção de Alfredo Tomás, os outros vereadores foram eleitos com um número de votos que variou entre 325 e 165 sufrágios. Renato N. Rangel 106 Renato N. Rangel 107 Comentários finais A primeira parte deste trabalho, ou seja, aquela que documenta alguns fatos do cotidiano das pessoas, em especial de Quitaúna e do Quilometro Dezoito, pretende que se tenha alguma ideia do ambiente nessas regiões e naqueles tempos. Lembremos que as expressões Quilometro Dezoito e Quilometro Vinte e Um, correspondiam a distância percorrida pela Estrada de Ferro Sorocabana, a partir da Estação Júlio Prestes. O panorama em que viviam as pessoas daqueles “bairros” era de grande simplicidade, motivo pelo qual tendo em vista um padrão de comparação social bem despretensioso, havia um elevado grau de satisfação e felicidade pessoal entre os habitantes locais. Quando se deslocavam no sentido do centro de Osasco, notavam que pouquíssimas casas abrigavam, por exemplo, um automóvel, além disso sabiam que essas residências não possuíam telefone, geladeira e outros equipamentos como os eletrônicos e eletrodomésticos dos nossos tempos. Mesmo na região central, os fogões domésticos eram a carvão vegetal ou lenha. Tratava-se de uma vida bastante simples e, inclusive sem despertar grandes ambições, principalmente devido à existência de uma referência comparativa relativamente baixa. Por volta do ano de 1954, quando das comemorações do quarto centenário da cidade de São Paulo, o dentista Cipriano Negrão, já idoso, pai do radio-ator de novelas Walter Negrão, alugou uma casa no Quilometro Vinte e Um, onde estabeleceu o seu consultório; nesta mesma época a agente postal, dona Cleonice A. Mello, instalou na sala de sua residência, próximo ao número 13059 da Estrada de Itu, a primeira Agência Postal; na mesma Estrada, nas proximidades dos Quarteis Militares surgiu a primeira Drogaria, de propriedade do senhor Raul, na qual aplicava-se via intramuscular o antibiótico “dibiotil”, a torto e a direito, inclusive nos casos de gripe. O primeiro Açougue mais próximo foi estabelecido no Quilometro Dezoito, na mesma Estrada; feira livre era somente no centro de Osasco, na Rua João Batista. Havia dois pequenos túneis por sob a Estrada de Ferro, um para Presidente Altino e outro no Quilometro Dezoito. É provável que por esse último túnel deviam passar as boiadas que provinham do Renato N. Rangel 108 desembarque ferroviário em Pirituba, com destino ao Matadouro de Carapicuíba e que, primeiramente ficavam em repouso no chamado “campo da boiada”, constituído por morros, onde hoje existe um grande conjunto habitacional, da Companhia de Habitação Popular - COHAB – atualmente um bairro de Carapicuíba. Nesse período existiu um pequeno cinema em Quitaúna, próximo à primeira Agência Postal e pertencente ao tenente Grecco, da reserva do Exército, e seus filhos. Nessa pequena sala de cinema, com aproximadamente 200 assentos, nas tardes de domingo a criançada se reunia para assistir a mais um episódio da série “Zorro”. Logo no início aparecia o vilão, que recebia uma forte vaia, para em seguida surgira imagem do “mocinho Zorro”, calorosamente aplaudida. Não havia carrinho de pipocas nem cantina e mesmo assim estampava-se na face daqueles petizes um sentimento de satisfação com aquele aparato tão singelo. Não existia o cinema em cores e muito menos a televisão, tecnologia esta que foi conhecida anos após. No carnaval, essa mesma sala era transformada em salão de baile onde realizavam-se matinês muito concorridas, ao som de gravações musicais apropriadas para o momento. Ainda a propósito dos hábitos de vida naqueles tempos e localidade, convém destacar um comportamento dos meninos que nos dias atuais felizmente foi abandonado. Naqueles idos todos os meninos possuíam um estilingue, instrumento constituído por uma forquilha, em geral de madeira, à qual eram presos dois pedaços de material elástico e na outra ponta um pedaço de couro, para mirar e atirar pedras nos passarinhos, tratava-se de “matar passarinho”. Ainda bem que os tempos estão mudados, hoje as crianças são condicionadas a respeitar a Natureza, com argumentos bastante convincentes. Na frente desse cinema havia um bar e restaurante da família do tenente Ramos, também da reserva do Exército, onde foi instalado o primeiro aparelho de televisão, com acesso aos clientes, além de um outro público, mandado instalar pelo prefeito Jânio Quadros, na Praça da Estação férrea e sob o controle de um funcionário da prefeitura, que o acionava ao anoitecer. Já que estamos tratando de reminiscências lembremos que na primeira metade dos anos quarenta do século passado, quando as tropas militares sediadas em Quitaúna, deslocavam-se para instrução em Renato N. Rangel 109 acampamentos ou manobras, o transporte do equipamento pesado era realizado por meio de muares ou veículos tracionados por esses animais. Assim, podia-se observar o chamado carro pipa, que transportava água, o carro cozinha que já ia funcionado pelo caminho e as carroças de quatro rodas carregadas com munição, alimentos, barracas e agasalhos, além de medicamentos. A exceção de alguns oficiais montados a cavalo, a tropa ia a pé. Com o fim da guerra que durou de 1939 até 1945, as unidades do Exército foram equipadas com veículos automotores, o que se observou inclusive em Quitaúna. No Quilometro Dezoito o salão de baile do Pacheco, conhecido como “Gafieira do Pacheco”, era uma referência para região, ao menos em termos de diversão e socialização, particularmente para os habitantes desse bairro. Nesse ambiente havia inclusive música ao vivo, o que indicava certo diferencial a maior. Com o passar do tempo a rede elétrica começou a se expandir, a partir da Estrada de Itu, no sentido oposto à Estrada de Ferro, devido ao fato de terem surgido novos loteamentos residenciais de baixo custo, o que obrigou inclusive a extensão de novas linhas de ônibus, para servir essa população. Observa-se que com esses acontecimentos, as demandas sociais ampliam-se cada vez mais. Por exemplo, novas escolas estaduais passaram a ser construídas, especialmente no governo Carvalho Pinto e com a emancipação, tornou-se necessário demarcar a área de um novo Cemitério, o do Jardim Santo Antônio, bairro adjacente e posterior ao Quilometro Dezoito. De maneira geral a iluminação pública, com lâmpadas incandescentes veio logo depois, sendo que a rede de água potável e o esgotamento sanitário são bem posteriores. Naqueles tempos a água doméstica era obtida de poços freáticos, sendo que o perigo de contaminação era mínimo, pois, as residências eram relativamente distantes uma das outras, a população era pequena e por consequência as fossas negras eram em pequeno número, além de distantes desses poços. É importante que a grandiosidade de uma cidade como Osasco, com aproximadamente 700 mil habitantes e um dos maiores PIBs – Produto Renato N. Rangel 110 Interno Bruto - do Brasil, tenha conhecimento de suas origens, que inclusive podem ser consideradas como recentes, para poder fazer uma avaliação mais consistente do que tem sido essa epopeia, a moda brasileira. Por que a moda brasileira? Porque, na verdade, é o que em maior ou menor intensidade tem ocorrido pelos rincões desse imenso território, especialmente nos últimos sessenta anos. Note-se que essa transformação ciclópica, independente da maior ou menor capacidade de gestão dos seus agentes públicos, eleitos ou não, resulta de uma força social que tudo transforma, as vezes até perigosamente, porque causa distorções como, por exemplo, o fenômeno das favelas, em parte consequência da incapacidade dos agentes públicos, particularmente pela visão imediatista e comprometida com interesses particulares. Não podemos deixar de registrar que esses agentes públicos, especialmente os eleitos, são escolhidos pela massa popular, que sob a pressão das premências mais imediatas, não consegue vislumbrar horizontes mais distantes e, com isso entrega-se às promessas daqueles que exploram as tensões mais angustiantes. Esse comportamento tem ocorrido Brasil afora e, em especial, em grandes núcleos populacionais como o de Osasco. Em outros ambientes, seriam uma verdadeira bomba- relógio, tal a gravidade das necessidades e condicionantes sociais. Trata-se de um ambiente onde poucos efetivamente se conhecem, em particular devido a migração e o descompromisso com as respectivas raízes sociais, pois, ainda não decorreu o tempo necessário para a criação das tradições locais, assumidas por praticamente todos os cidadãos. Quanto à segunda parte deste texto, a documentação encontrada parece demonstrar que, os interesses particulares, as incompetências, a sede de poder, os conluios partidários, as traições e invejas, dentre outros fatores, marcam as características dos movimentos sociais, políticos ou não. Pelo que foi encontrado, na verdade, o grande objetivo do primeiro prefeito era a eleição a deputado, contudo, o permanente desentendimento das equipes dos outros candidatos levou à maciça vitória do primeiro alcaide. Note-se que o referido já era vereador na Capital onde, aliás, não exercia o mandato a contento. Fazia parte do que nos dias atuais passou-se a denominar por “baixo clero”, caracterizado por sua insignificante expressão Renato N. Rangel 111 política, mas que, todavia, define o fiel da balança nos momentos de difícil conciliação, em função dos seus interesses menores. Dos outros candidatos convém lembrar apenas dois: Fuad e Menck, pouco preparados para a função e rodeados por uma chusma de aproveitadores, inclusive os candidatos a vice e a vereador. Tal ocorreu em boa parte porque os cidadãos de ilibada reputação, como costuma acontecer, mantiveram-se acomodados em seus círculos restritos, não assumindo suas devidas obrigações de cidadania prestante. Nos dias atuais, quando se diz que o meio político se deteriorou não é verdade porque ele já era assim, a única diferença fundamental é que a maior concentração de riqueza material, por tudo o que aconteceu nos últimos 50 anos, levou às roubalheiras e mal feitos gerais de dimensões descomunais, quando comparadas com as daqueles tempos. Na verdade, os fatos indicam que as nossas crises são constantes e esses acontecimentos, por incrível que pareça, constituem a alavanca do nosso desenvolvimentono sentido amplo. Esse comportamento leva muitas pessoas a afirmar que “o brasileiro é assim mesmo”, sempre procurando atalhos inclusive que possam ser até desonestos, em boa medida porque sempre é preciso levar vantagem em qualquer circunstância. Como ainda vivemos voltados para a Europa, não sem motivo, isto é, nossa origem branca está lá, isto porque nos esforçamos para ignorar as origens africanas e a dos selvícolas já existentes por aqui. Queremos ser europeus em detrimento de tudo o mais, todavia, é preciso considerar que toda tecnologia e cultura daqueles povos, foram conquistadas a duras penas e em um tempo muito longo. O que existe de organização social e respeito às normas nos países europeus, resultou em parte do entendimento adquirido e por outro lado da imposição de regras acompanhadas de maior vigilância e pesadas punições. Não podia haver outra maneira de convivência, após tantas guerras, fome e frio, além das dificuldades quanto à mobilidade social. Não é o caso do Brasil, espaço geográfico que inclusive no período trágico da escravidão negra, admitia para esses seres humanos alguma possibilidade de ascensão social, como os últimos estudos vêm demonstrando. O espírito europeu é de construções mais permanentes, ao passo que nestas paragens tudo tem sentido mais provisório, parece que ainda não encontramos uma direção e Renato N. Rangel 112 sentido para o nosso destino. Exemplifiquemos com o caso da cidade de São Paulo, maior cidade nordestina do país. Somente daqui há várias gerações teremos um caldo de cultura mais homogêneo, para a infelicidade dos poucos “paulistanos quatrocentões”, que se encontram perdidos nessa babilônia, esperança de um grande porvir. Entre nós ainda permanece a tradição de que uma iniciativa só tem reconhecimento, quando isso ocorre em primeiro lugar no exterior, particularmente na Europa, caso contrário não existe o reconhecimento interno à nação. Dois acontecimentos importantes permitem justificar essa afirmação, note-se que Santos Dumont sempre preferiu fazer suas demonstrações em Paris, com certeza porque se tal tivesse ocorrido no Rio de Janeiro ou em Salvador, nenhuma repercussão teria. Ainda nesse sentido, observe-se o que ocorreu com o padre Landel de Moura, mesmo conseguindo desenvolver inovações tecnológicas importantíssimas, quanto às transmissões radiofônicas, ainda não tem sua capacidade criativa reconhecida inclusive no Brasil. Esse fato resulta das suas demonstrações terem ocorrido, por exemplo, em São Paulo e não na Europa ou Estados Unidos. A propósito convém lembrar que o aero móvel desenvolvido e produzido por Oskar Hans W. Coester, no Rio Grande do Sul, mesmo já tendo sido aceito e implantado em Jacarta, Capital da Indonésia, não encontrou aceitação em ao menos outra cidade brasileira, a não ser Porto Alegre. São argumentos como esses que permitem aceitar a figura criada por Mário de Andrade, baseado em uma lenda amazônica, relativa ao Macunaíma, e que consegue interpretar bem esse grupo de indivíduos desprovido de caráter, ou seja, de um conjunto de traços comportamentais e afetivos bem definidos, para então constituir uma unidade populacional viva e ativa. Como não poderia deixar de ser, Osasco está imersa nesse caldeirão fumegante que é o Brasil, com destaque para o caso de São Paulo, onde a construção a partir da desconstrução predomina por todos os cantos dessa megalópole até assustadora. Renato N. Rangel 113 Por esse motivo e pela falta de documentos com maior credibilidade, torna-se bastante difícil avaliar com segurança a trajetória dessa cidade. Houve um amadurecimento precoce, sem um lastro de tradições, em decorrência de origens recentes, não muito qualificadas e que basicamente tinham nessa localidade um ambiente de dormitório, pois, os seus maiores interesses encontravam-se fora. A proximidade da Capital tem aspectos positivos e negativos. No sentido dos argumentos apontados, quero crer que predominem os fatores negativos, porque qualquer iniciativa sempre estará sujeita às emanações da cidade bem maior, a Capital. Na esperança de que novas contribuições a propósito desses temas venham a lume, encerro por aqui. Enfim, por ora é só!