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ART 155 - DOUTRINA PENAL - PARTE ESPECIAL

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2020 - 03 - 18 
Curso de Direito Penal Brasileiro - (v. II) - Parte Especial - Ed. 2018
DECRETO-LEI 2848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940
ART. 155.
Título II
Dos crimes contra o patrimônio
Capítulo I
Do furto
Furto
Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço), se o crime é praticado durante o repouso
noturno.
§ 2º Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a
pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de 1 (um) a 2/3 (dois terços), ou aplicar somente
a pena de multa.
§ 3º Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor
econômico.
Furto qualificado
§ 4º A pena é de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, se o crime é cometido:
I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
III - com emprego de chave falsa;
IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.
§ 5º A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor
que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.
§ 6º. A pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a subtração for de semovente
domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração.
1. Bem jurídico protegido e sujeitos do delito
Em sede de bem jurídico protegido, é importante fixar alguns conceitos de patrimônio, para
fins penais. Apresentam-se cinco concepções a respeito: jurídica, econômica, jurídico-econômica
ou mista, pessoal e funcional.
Para a primeira, compõe o patrimônio o conjunto de direitos patrimoniais de uma pessoa,
sendo a tutela penal um prolongamento dos direitos subjetivos. Tal concepção está “estreitamente
ligada ao Direito Civil e, por isso, identificada com a soma dos direitos subjetivos patrimoniais de
uma pessoa”.1
Já a segunda considera o patrimônio como o conjunto de bens ou valores econômicos que se
encontram sob o poder de disposição de uma pessoa, avaliáveis pecuniariamente. Segundo o
entendimento jurídico-econômico ou misto, só integram o patrimônio as posições econômicas que
obtenham reconhecimento jurídico, ou seja, “a soma dos valores econômicos à disposição de
alguém sob a proteção do ordenamento jurídico”.2
Pelo conceito pessoal, tem-se em conta principalmente a pessoa do titular do bem e não tanto o
patrimônio como soma de valores econômicos. Melhor explicando: o direito subjetivo do titular de
desfrutar (usufruir) dos objetos.
Distingue-se entre delito contra a propriedade (v.g., furto) e delito contra o patrimônio
globalmente considerado (v.g., estelionato). E, por fim, na noção funcional de patrimônio, o que se
encarece é a utilidade propiciada ao titular do objeto. Reporta-se, assim, essencialmente à
possibilidade que tem determinado bem de satisfazer as necessidades pessoais.3
O direito de propriedade é entendido aqui “como fonte de utilidades destinadas à persecução
de fins individuais, vinculando-se diretamente com as concepções que concebem o bem jurídico
em função da satisfação de necessidades humanas e recupera a tradicional afirmação de que com
a subtração de um objeto alheio, na realidade não se lesiona a propriedade, visto que o direito a
ela continua existindo, mas sim os poderes de disposição sobre o objeto que dão conteúdo ao
direito”.4
A doutrina brasileira diverge quanto à objetividade jurídica no delito de furto, identificandose
quatro correntes: para alguns, é bem jurídico suscetível de tutela somente o direito de
propriedade; para outra corrente, somente a posse é protegida; para uma terceira, o âmbito
protetivo da norma engloba a posse e a propriedade e, finalmente, há posicionamento no sentido
de que se tutelam a propriedade, a posse e a detenção.
Prefere-se o último entendimento, figurando como objeto de proteção tanto a propriedade
como a posse e a detenção, pois mostra-se evidente quanto aos dois últimos casos a existência de
interesse na coisa furtada. Assim, representa um bem para o possuidor poder usá-la, e, por
consequência, a privação desse uso implica necessariamente um dano de natureza patrimonial.5
O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa (delito comum), havendo controvérsia
doutrinária quanto à possibilidade de o proprietário ser autor, alinhando-se duas vertentes, uma a
favor6 e outra contra.7 Os que admitem o furto de coisa própria sustentam que, se o furto é a
violação da posse, esta é o bem jurídico imediatamente tutelado, caracterizando-se como coisa
alheia, sobretudo quando o exercício da posse implica um poder imediato de disposição ou gozo
da coisa.
Contrariamente, entende-se inadmissível que o proprietário seja sujeito ativo do delito, uma
vez que o furto de coisa comum é incriminado (art. 156, CP) e, até mesmo interpretando-se o
dispositivo teleologicamente, não há como concluir que se pretendeu incluí-lo como autor de
crime contra si próprio.
Quanto ao possuidor, não pode ser sujeito ativo do crime, já que se encontra na posse da coisa
ou exerce algum direito inerente à propriedade, podendo responder unicamente por apropriação
indébita.8
Sujeitos passivos do furto, mantendo-se coerência com a natureza do bem objeto de tutela
penal, são o proprietário, o possuidor ou o mero detentor.
Com efeito, se a posse e a detenção equiparam-se a um bem, conclui-se que os titulares desses
bens possam ser lesados (sujeitos passivos) em caso de subtração.
A pessoa jurídica pode ser sujeito passivo do crime, todavia o inverso é inadmissível. O ente
moral é incapaz de praticar ação em sentido jurídico-penal.9
2. Tipicidade objetiva e subjetiva
2.1 Furto simples
A ação incriminada consiste em subtrair, que corresponde a deduzir, diminuir, retirar, tirar às
escondidas a coisa da vítima, vale dizer, o agente tira a coisa de alguém, subordinando-a ao seu
poder de disposição (tipo básico/simples/anormal/incongruente).
Saliente-se que, embora a clandestinidade seja, em geral, o elemento inerente à subtração, não
caracteriza o furto, já que a subtração pode ocorrer de forma manifesta. Evidentemente, a
subtração pressupõe o não assentimento da vítima, sob pena de não se caracterizar o delito. No
entanto, a eficácia jurídica do consentimento pressupõe que tenha se verificado no momento
anterior ou no ato de apreensão da res, não tendo nenhum valor se realizado a posteriori. Também
há necessidade de que a anuência tenha sido feita pelo detentor do direito de dispor da coisa,
como o proprietário ou o seu legítimo possuidor, e que a vítima seja capaz de entender e querer.
A subtração pode ser executada mediante apreensão direta da coisa, com o emprego de
instrumentos – até mesmo um animal adestrado10 – ou através de interposta pessoa (autoria
mediata), sendo irrelevante que seja praticada na presença ou ausência da vítima (delito de forma
livre).
O elemento normativo coisa alheia merece algumas reflexões, preambularmente ligadas à
própria noção do que seja patrimônio como objeto de proteção penal.
Discute-se se a coisa há de ter um valor economicamente apreciável ou não. Alguns
subordinam a existência de delito patrimonial à lesão de um interesse jurídico com conteúdo
econômico,11 enquanto outros, apesar de reconhecerem a predominância do caráter econômico no
elemento patrimonial, advertem que, se um bem moral é constituído por uma coisa, deve ser
considerado coisa no sentido jurídico, porque a matéria assume um significado ideal que tem
valor patrimonial para o indivíduo, desde que lhe seja útil.12
Com efeito, uma coisa pode não ter valor para o autor da ação, mas ser extremamente
significativa para a vítima, sendo-lhe útil ao atender suas necessidades (v.g., valor de afeição, como
mecha de cabelos do único amor de sua vida, carta do filho morto etc.).13
Quanto ao alcance do elemento coisa alheia móvel, frise-se que coisa é tudo o que possa ser
objeto da ação física do delito (material e corpórea), sendo passívelde deslocamento, remoção ou
apreensão, enfim podendo ser transportada de um lugar para outro.
A intangibilidade da coisa não a desnatura para efeitos penais, desde que possa ser apreendida
(v.g., os gases e os líquidos).14 O mesmo acontece com o direito de crédito, porque, embora não seja
objeto suscetível de furto, há o crime se existe a subtração do título que o representa.
Alheia,15 no tocante ao delito de furto, é um termo utilizado para indicar que não podem ser
objeto do crime as coisas sem dono (res nullius), as coisas abandonadas, quando o dono renunciou
à propriedade (res derelictae)16 e as coisas comuns. A coisa deve ser móvel, podendo, por
conseguinte, movimentar-se por si só ou por força humana.
A equiparação que a lei civil faz, ao definir determinados bens como sendo imóveis por ficção
(arts. 81 e 1.473, VI, CC),17 não vale para o Direito Penal, que considera referidos bens como sendo
móveis. Assim, para que uma coisa seja móvel, e, portanto, passível de furto, é suficiente a
possibilidade de remoção, deslocamento, apreensão, enfim, transporte de um lugar para outro.
Os imóveis, por óbvio, se mobilizados, podem ser furtados (v.g., o agente “que se apossa do
material proveniente da demolição de um edifício, do mineral extraído de uma mina… etc.”).18
Assinale-se que os direitos reais são considerados móveis pela legislação civil (art. 83, II, CC),
mas isso se mostra inaplicável ao Direito Penal, notadamente em face do conceito de coisa,
compreendida como algo material e suscetível de apreensão, o que não acontece com direitos e
ações (imateriais).
O tipo subjetivo está sedimentado no dolo, que, no caso, é a vontade livre e consciente de
subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. O elemento subjetivo do injusto está
consubstanciado no especial fim de agir, no propósito de assenhoreamento da coisa subtraída
(delito de intenção), de fazê-la definitivamente sua ou de outrem, independentemente da intenção
de lucrar, uma vez que a conduta pode ter sido realizada por mero capricho ou vingança e nem
por isso deixa de configurar o furto.
Na realidade, segundo a melhor doutrina, faz parte do tipo de injusto essa finalidade
transcendente de obter a coisa para si ou para outrem. Ainda é importante ressaltar que é exigido
pelo tipo penal o conhecimento pelo agente de que a coisa subtraída não seja sua; caso contrário,
pode incidir em erro de tipo (art. 20, caput, CP).
O furto também apresenta controvérsias no que tange ao seu momento consumativo, visto que,
para alguns, trata-se de delito de mera conduta, enquanto a maioria o classifica como um delito de
resultado, exigindo conduta e resultado. De fato, no furto ocorre o desapossamento da coisa, não
havendo como considerá-lo delito de mera conduta. Todavia, a fixação do momento consumativo
da infração tem dado lugar a discussões.
Há várias teorias procurando estabelecer o momento consumativo do crime em exame,
podendo ser destacadas três dentre elas, as quais preconizam o seguinte: a) é suficiente o
deslocamento da coisa, sendo transferida a posse para o rapinador, mesmo que ainda não tenha
removido a coisa no sentido de tirá-la da esfera de custódia da vítima; b) é necessário afastar-se da
esfera de vigilância do sujeito passivo; e c) é preciso um estado de posse tranquilo, ainda que
temporário.
É aceitável, em meio ao dissídio doutrinário, a exigência da posse tranquila da res furtiva,
invertendo-se o poder de disposição sobre coisa que antes estava sob o domínio da vítima; caso
contrário, tem-se apenas a tentativa (conatus).
Outro fato que tem originado manifestações conflitantes é a subtração por arrebatamento,
quando o sujeito ativo arrebata do pescoço, das mãos, do pulso da vítima os objetos que pretende
furtar. Em tal hipótese, apesar de alguns entendimentos isolados, caracteriza-se o furto, visto que o
agente não busca reduzir a possibilidade de resistência da vítima, somente exercendo violência
sobre a coisa.
Segundo a Súmula 567 do STJ, “sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico
ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna
impossível a configuração do crime de furto”. Não se trata, pois, de hipótese de crime impossível
(art. 17, CP), mas de verdadeira tentativa do delito em apreço.
No tocante ao § 3.º, é matéria controversa se a energia elétrica ou qualquer outra que tenha
valor econômico seria ou não coisa móvel, sendo assim objeto passível de furto; contudo, foi
considerada móvel pela maioria das legislações contemporâneas.
A energia deve ser suscetível de apossamento, podendo ser separada da substância ou matéria
a que está ligada, ou ainda, de sua fonte geradora, motivo pelo qual a energia humana não se
inclui, podendo haver outro delito (v.g., extorsão, estelionato etc.).
Advirta-se que o fato de a energia ser equiparada a coisa móvel não quer dizer que sempre é
furto sua subtração ou captação, condicionando a tipicidade ao meio de execução da ação. A
melhor interpretação doutrinária é aquela que considera furto quando o agente subtrai a energia
elétrica antes do medidor. No entanto, se ele se utiliza de qualquer instrumento para viciar o
medidor, de forma que este registre menos energia, caracteriza-se o delito de estelionato.
A norma em epígrafe também equipara a coisa móvel qualquer outra energia, além da energia
elétrica.
Assim, encontra-se sob a tutela penal a energia genética, subtraída de reprodutores, através do
líquido espermático. Caracteriza-se, portanto, o aludido crime, não só no ato de o agente extrair
artificialmente esperma do reprodutor, para posterior inseminação artificial, como também na
conduta de colocar a fêmea do seu plantel ou de outrem junto ao reprodutor visado, para que este
último a fecunde. Não se trata, evidentemente, de mero furto de uso, visto que, mesmo que o
agente restitua imediatamente o animal ao sujeito passivo, extraiu desse o líquido espermático,
que tem elevado valor econômico.
O delito, em tal caso, se consuma com a captação do esperma, na hipótese de extração artificial
para fim de inseminação; quando o agente coloca o reprodutor junto à fêmea, a consumação se
efetiva no ato da ejaculação do garanhão, independentemente de o sujeito ativo ter obtido proveito
econômico. A tentativa, em tese é admissível.
Pelo que se depreende do texto normativo, outros tipos de energia podem ser objeto de furto,
desde que sejam suscetíveis de apoderamento e tenham valor econômico. Assim, por exemplo, a
captação de água encanada19 e a subtração de sinal de televisão à cabo20 são consideradas, pelos
Tribunais Superiores, como formas de energia para incidência do artigo 155, § 3º.
Convém destacar que, no Superior Tribunal de Justiça, existe a tendência de se aplicar
analogicamente ao furto de energia a extinção de punibilidade prevista para os crimes tributários,
na hipótese de pagamento do tributo ocorrer antes do oferecimento da denúncia (Leis 9.249/1995 e
10.684/2003). Ou seja, no caso de furto de qualquer tipo de energia, se o agente entra em acordo
com a concessionária, por exemplo, a fim de pagar o valor devido pela prestação de serviços (à
vista ou mediante parcelamento), antes do oferecimento da denúncia, o mencionado tribunal
entende que pode ser extinta sua punibilidade.21
O delito de furto pode ser assim classificado: comum, de resultado, comissivo, doloso e
instantâneo.
2.2 Furto noturno
De acordo com o disposto no artigo 155, § 1.º, se o crime é praticado durante o repouso noturno,
aumenta-se a pena de um terço, levando autorizada doutrina a sustentar que se trata de caso de
furto qualificado, que o legislador preferiu catalogar como uma tertia species.22 Sem embargo do
aludido entendimento, em face da colocação topográfica da causa de aumento de pena, esta não
incide sobre as formas qualificadas de furto, mas apenas sobre o caput.
No entanto, tal circunstância deve ser sopesada na aplicação da reprimenda, nos termos do
artigo 59 do Código Penal. No caso em epígrafe, é maior a gravidade doinjusto, pelo acentuado
desvalor da ação, já que a circunstância do repouso noturno propicia maior êxito à ação delituosa,
pelo desvigiamento da res.
Há vários posicionamentos no concernente à necessidade de o locus delicti ser habitado. Assim,
principalmente em face do dissídio jurisprudencial, sustenta-se que: a) o lugar precisa ser
habitado, com pessoa repousando; b) o lugar não precisa ser habitado; c) os moradores não devem
estar acordados; e d) não se exige a presença de moradores.
Sufraga-se o entendimento de que a agravante incide ainda que o furto ocorra em local
desabitado, satisfazendo-se simplesmente com a circunstância de que seja praticado durante o
momento, segundo os costumes locais, em que as pessoas estejam repousando, porque a vigilância
do sujeito passivo é afrouxada durante sobredito período. Com efeito, essa vigilância não se refere
expressamente à casa onde repousa o indivíduo, mas necessariamente a tudo aquilo que lhe
pertença e dependa de seus cuidados, mesmo porque o fundamento da causa de aumento da pena
não é a incolumidade física.
2.3 Furto privilegiado
No artigo 155, § 2.º, o valor reduzido da coisa furtada propicia uma atenuação especial da
sanção, sistemática que não havia no Código anterior, tendo em vista que a graduação da pena
levava em conta o valor da coisa. O diminuto desvalor do resultado, aliado à primariedade do
agente, acarreta uma graduação do injusto para menos, possibilitando menor reprovação ao
agente.
Sem prejuízo da locução o juiz pode, se o réu preenche os requisitos exigidos pelo § 2.º, é direito
subjetivo seu o reconhecimento do privilégio, mesmo que o acusado registre antecedentes
criminais, haja vista que a lei taxativamente requer somente a situação de primariedade e o
reduzido valor da coisa subtraída.
A controvérsia tem se estabelecido em torno do conceito de pequeno valor. Em geral, a doutrina
compreendia como pequeno valor aquele cuja perda pudesse ser suportada sem muitas
dificuldades ou que não causasse dano à generalidade dos homens. Mais recentemente, tem sido
aceito o critério do valor do salário mínimo para delimitá-lo; ou seja, ultrapassando tal valor,
vedar-se-ia a aplicação da figura privilegiada. Leciona-se que, por se tratar de delito instantâneo, o
valor da res deve ser apreciado no momento consumativo e não posteriormente, após eventual
reparação do dano causado pela infração.23
Acredita-se que a melhor solução seja mitigar as circunstâncias do caso concreto, ou seja,
analisar as condições financeiras da vítima e comparar com o salário mínimo vigente ao tempo do
fato, todavia sem critérios absolutamente matemáticos.
Nesse sentido, constantemente tem sido reconhecido o princípio da insignificância24 em matéria
de furto, isso quando a ofensa é tão pequena que materialmente não se constata lesão ao bem
jurídico tutelado. Por exemplo, o Supremo Tribunal Federal entende que o princípio da
insignificância se aplica ao furto de celular quando, além da presença dos demais requisitos para
reconhecimento do princípio da insignificância25, o valor do aparelho não ultrapassa quinhentos
reais.26
O furtum privilegiatum não se confunde com o famélico, posto que este é insuscetível de
punição ante a presença de uma causa excludente de ilicitude, qual seja o estado de necessidade
(art. 23, I, CP).
Por fim, entende-se que o privilégio não se aplica ao furto qualificado, pois neste há um maior
desvalor da ação, e seria um contrassenso beneficiar o autor quando sua ação é mais grave.
Rechaça-se o argumento de que a simples ordem topográfica do dispositivo não impede o
reconhecimento do privilégio, justamente porque, conforme asseverado, trata-se de condutas mais
graves, não se devendo olvidar que a posição topográfica não estabelece o conteúdo normativo e,
sim, é este último quem determina aquela.27
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça sumulou entendimento contrário: é possível
reconhecer o furto privilegiado-qualificado, desde que a qualificadora seja de ordem objetiva
(todas são, exceto o furto praticado mediante fraude ou abuso de confiança).28
2.4 Furto qualificado
É imperioso observar que o injusto penal é graduável, de acordo com a sua maior ou menor
gravidade, devendo ser enfocado pelo desvalor da ação e do resultado.
No caso do furto praticado nas circunstâncias do artigo 155, § 4.º, é inegável a maior gravidade
do injusto, pois não só o desvalor da ação, mas também os efeitos deletérios da infração, são
acentuadamente maiores do que na hipótese do furto comum, conforme se verá a seguir. Com
exceção da qualificadora do abuso de confiança, que atua na medida da culpabilidade, todas as
demais operam sobre a magnitude do injusto e, de conseguinte, comunicam-se aos coautores (art.
30, CP).29 Proceder-se-á à análise de cada uma separadamente:
a) com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa:
O atual Código Penal separou a incriminação da violência sobre a coisa da violência contra a
pessoa. Assim, a qualificadora só se caracteriza se a violência é empregada contra a coisa; caso
contrário, o delito é de roubo (art. 157, CP).
O obstáculo é todo objeto empregado pela pessoa para proteger a coisa sobre a qual pode recair
a ação delitiva (v.g., cerca, grade, portão, fios de alarme etc.), não sendo obstáculo aquilo que existe
para o regular uso da coisa (v.g., porta no interior da casa, vidros laterais do carro, no caso de furto
do próprio veículo).
Entretanto, esse conceito restrito de obstáculo como coisa móvel corpórea, deve ser ampliado
para abarcar também os semoventes (v.g., cão de guarda), definido nos termos da lei civil como o
bem suscetível de movimento próprio (art. 82, CC). Isso porque ambos atuam como empecilho,
barreira, impedimento para a conduta delitiva do agente.30
A destruição expressa o ato de desfazer, subverter o obstáculo, enquanto o rompimento consiste
em abrir uma brecha, arrombar, deslocar, serrar, perfurar, forçar o obstáculo, visando eliminar a
resistência e tornar mais fácil a prática do crime. Inexiste disposição legal a respeito dos meios
utilizados para destruir ou romper o obstáculo; em consequência, qualquer que seja o meio
empregado (v.g., manual, mecânico etc.), incide a qualificadora (tipo derivado/misto
alternativo/anormal/incongruente).
Atente-se para o fato de que não constitui obstáculo para os efeitos do tipo penal em epígrafe a
resistência inerente à coisa em si mesma, como na hipótese da subtração da árvore serrada pelo
próprio agente.31 A maneira como atua o agente contra o obstáculo é irrelevante, bem como o
momento em que ocorre a sua destruição ou rompimento, sendo secundário se foi antes ou depois
da apreensão da coisa, desde que se concretize antes da consumação do delito.32
A aludida conduta é conhecida por arrombamento, que se divide em externo e interno. O
primeiro se concretiza quando a ação violenta se direciona contra qualquer coisa ou obstáculo que
tenha por escopo impedir o acesso às partes internas de um edifício residencial, comercial ou
industrial ou de qualquer outro lugar fechado. O segundo se realiza quando a ação violenta se
direciona contra qualquer coisa ou obstáculo interno, como armários, gavetas, cofres etc.33
Não caracteriza a qualificadora a simples remoção do obstáculo, sem qualquer alteração em
sua estrutura (destruição ou rompimento). Assim, por exemplo, se uma porta é removida para que
o agente invada o local de onde pretende subtrair objetos, sem, contudo, ocorrer qualquer tipo de
dano, não se qualifica o furto pelo rompimento de obstáculo.
Percebe-se que a conduta perpetrada em tal circunstância se reveste de acentuada gravidade,
com maior magnitude do injusto, não só pelo modus operandi escolhido pelo agente, que expressa
maior temibilidade, como ainda pelo desvalor do resultado, já que as consequências do delito, no
caso, afloram com grande lesividade.
b) com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza:
Nesse inciso, são incriminados quatro meios executivos do delito de furto (tipo derivado/misto
alternativo/anormal/incongruente).Inicialmente, define-se como confiança aquela decorrente da natureza da relação que é
estabelecida entre os sujeitos ativo e passivo. Assim, valendo-se dela e violando-a, o agente subtrai
a coisa que foi deixada ao seu alcance ou ostensivamente exposta. Essa confiança pode já existir
anteriormente ou ser captada com o objetivo de furtar (não se trata daquela captada
ardilosamente, hipótese na qual há furto mediante fraude). Caso típico de tal modalidade delitiva é
o furto praticado pelo empregado doméstico, que, abusando da confiança estabelecida pelo seu
empregador e do livre acesso que tem às dependências da residência deste, subtrai, para si, bens
ali existentes.
Difere da apropriação indébita: nesta o agente exerce posse desvigiada sobre a coisa, que lhe
fora concedida licitamente, ao passo que no furto o sujeito ativo tem contato com a coisa, mas não
a sua posse, no máximo a detém transitoriamente sob a vigilância real ou simbólica do
proprietário. Naquela o dolo é superveniente e o delito aflora justamente pela conversão subjetiva
verificada, onde o agente delibera assenhorear-se da res.34
A fraude também foi contemplada como meio executivo e qualificador do crime. Define-se
como o emprego de meios ardilosos ou insidiosos para burlar a vigilância do lesado. Distingue-se o
furto mediante fraude do estelionato, uma vez que, neste, por causa da fraude, a vítima entrega a
coisa (indução), enquanto naquele a fraude garante o acesso à coisa subtraída, após o sujeito
passivo ter sua atenção desviada pelo agente.
Merece destaque, como modalidade de furto mediante fraude, a hipótese de subtração de
valores com o emprego de fraude por manipulação de dados armazenados, visto que a subtração
da coisa pode ser executada mediante sua apreensão direta, com emprego de instrumento ou
através de interposta pessoa.
Desse modo, “o sistema informático pode ser instrumento para a prática do delito de furto, uma
vez que o tipo penal não indica o meio pelo qual deva ser praticado, exigindo-se, no entanto, que o
patrimônio objeto da subtração esteja grafado em bits, única representação suscetível da ação com
a utilização do sistema informático”.35
Nesse contexto, é importante distinguir entre os delitos que podem ser cometidos mediante o
uso da informática e aqueles em que os meios informáticos podem ser considerados
principalmente objetos ou meios para a prática delitiva.36
Por essa razão, pode-se conceituar o delito de informática como “a conduta definida em lei
como crime em que o computador tiver sido utilizado como instrumento para a sua perpetração
ou consistir em seu objeto material”.37
A partir dessa afirmação, defluem duas categorias de crimes de informática: aqueles nos quais
o computador é instrumento do delito, ou seja, são os praticados através do uso do computador,
denominados crimes de informática comum, e os perpetrados contra dados ou sistemas
informáticos, chamados crimes de informática autênticos, pois o computador, nessa hipótese, é
essencial para a existência do delito, é seu objeto material.38
No que se refere à possibilidade de furto de uso, não se vislumbra sua aplicação na hipótese da
utilização de dados informáticos, visto que a consumação se dá com o mero acesso à
disponibilidade ou disposição da coisa, ainda que por um breve lapso temporal, ou seja, o agente
deve ter ficado, ainda que por um momento, em posição de dispor da coisa, de exercer o conteúdo
da faculdade de disposição, própria do dono. Isso ocorre quando se acessa direta ou remotamente
um sistema informático, sem estar autorizado a fazê-lo.
Desse modo, o conteúdo do injusto penal é dado pelo desvalor do resultado, que se configura
pela substituição – total ou parcial – que o autor faz do legítimo titular no exercício do conteúdo da
relação de domínio sobre a coisa, e, particularmente, do direito de disposição sobre ela.39
Importante destacar que nessas espécies de conduta em que o computador é utilizado como
instrumento delitivo, há um incremento da potencialidade lesiva ao bem jurídico tutelado
(patrimônio), em razão do “alcance e rapidez proporcionados pelo espaço cibernético, ao mesmo
tempo em que a investigação é bastante difícil, diante do tipo de evidência a ser buscada, pois
envolve o uso de avançada tecnologia”.40
Ocorre a escalada quando o agente se utiliza de maior esforço ou energia para ingressar no
locus delicti, usando de via anormal para penetrar no local do fato, v.g. janelas ou muros altos,
túneis etc. Assim, é necessário que haja uma dificuldade para entrar pela via incomum,
reclamando do sujeito ativo um esforço maior, valendo-se de meios artificiais ou de suas próprias
habilidades.
É comum o equívoco no sentido de que, em razão do vocábulo escalada utilizado pelo
legislador, identifique-se a exigência de certo esforço ou atividade corporal do autor de passar por
cima de um obstáculo. Entretanto, também satisfazem as exigências da escalada quando para
penetrar em um lugar se vencem os obstáculos que estão ao nível ou abaixo do solo, como quando
é feito por via subterrânea. Entende-se que, para caracterizar a escalada, é preciso que as
precauções empregadas pelo proprietário e inutilizadas pela perversidade do criminoso tenham
em si mesmas certo grau de eficácia presumida.41 Leciona-se que não se aplica a qualificadora em
análise se o agente, por exemplo, utiliza escada deixada no local, pois aqui desaparece a
dificuldade de transposição do obstáculo.42
A última qualificadora do inciso II é a destreza, que consiste na subtração pública com tamanha
habilidade e dissimulação, que a vítima não percebe a ação delitiva. Assim, se o ladrão age
abertamente, embora com invulgar ligeireza, não ocorre a agravante (pois não fica totalmente
frustrada a possibilidade de defesa do lesado). Exige-se, portanto, habilidade incomum, sem a qual
não sofre potencialmente maior risco o patrimônio.
A qualificadora da destreza não incide quando o ladrão é surpreendido pela vítima, desde que
isso ocorra por inabilidade sua, por atuar de modo desastrado. Contudo, persiste a qualificadora se
a descoberta é casual, sem nenhum vínculo com a ação praticada pelo agente, como acontece
quando o punguista é preso logo em seguida tão somente porque dele se suspeitara43, ou quando a
sua conduta é percebida por terceiro e não pela vítima.
A conduta perpetrada nas hipóteses de fraude, escalada e destreza revela maior temibilidade
do agente e, in casu, o patrimônio alheio sofre um risco acentuado, em face da perspicácia daquele
(a qualificadora opera sobre a magnitude do injusto). Na hipótese do abuso de confiança, o
patrimônio da vítima fica à mercê do agente, o que facilita a perpetração do ato delituoso,
justificando, destarte, maior reprovação da conduta (a qualificadora atua aqui na medida da
culpabilidade).
c) com emprego de chave falsa:
Qualifica-se também o delito de furto quando o agente se utiliza de instrumento falso, com ou
sem a forma de chave, para fazer funcionar o mecanismo de uma fechadura ou dispositivo
análogo, possibilitando ou facilitando a execução do furto (tipo
derivado/simples/anormal/incongruente).44
Não se configura a qualificadora quando o agente se utiliza da chave verdadeira, subtraída de
seu proprietário ou encontrada por outrem, hipótese que eventualmente pode caracterizar o furto
mediante fraude. De fato, a chave falsa é a qualidade do instrumento estranho utilizado pelo
agente, que não pode ser confundido com a chave verdadeira pertencente à vítima, tratando-se de
equiparação não contemplada pela norma incriminadora.
Evidentemente, o emprego de chave falsa expressa grande temibilidade do agente, que
suplanta com tal modus operandi a rotineira segurança do patrimônio alheio, permitindo maior
êxito à ação delituosa. A qualificadora opera, de conseguinte, sobre a magnitude do injusto (é
maior o desvalor da ação).
d) mediante concurso de duas ou mais pessoas:
É qualificadora que se regula pelo instituto da coautoria. Assim, o furto deve ser praticado por
pelo menos duas pessoas, exigindo-seque ambas tenham conhecimento do ilícito que praticam; é,
porém, irrelevante a questão da responsabilidade ou punibilidade, e, nesse particular, configura-se
a qualificadora mesmo que um dos agentes seja menor.
Discorda-se do critério objetivo que se tem adotado para aplicá-la, pois, se um dos sujeitos não
sabia que praticava furto, supondo pertencer a coisa ao seu companheiro, inadmissível reconhecer
a hipótese de concurso de agentes para fins penais, porque a expressão mediante concurso
pressupõe exatamente a coautoria, que não se configura na hipótese enfocada.
Nada impede que o ajuste entre os autores ocorra enquanto está sendo praticado o delito, desde
que se concretize antes da consumação, porque, após, pode um deles realizar ação consistente
num favorecimento pessoal ou real, ou até mesmo receptação.
O concurso de agentes reflete-se na magnitude do injusto, já que a ação delituosa praticada em
tal circunstância se reveste de maior êxito, não só pela divisão de tarefas entre os rapinadores
como também pelo mútuo incentivo à concreção do delito.
No crime de roubo (art. 157), o concurso de pessoas não é uma qualificadora, mas uma causa
especial de aumento de pena. Se o furto é qualificado por outra circunstância, v.g, o rompimento
de obstáculo, mas também é praticado em concurso de agentes, a majorante do crime de roubo
não se aplica analogicamente ao delito de furto, tendo em vista que é vedada analogia in malam
partem.45
De acordo com o artigo 155, § 5.º, a pena é de reclusão de três a oito anos se a subtração é de
veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. Trata-se de
outra modalidade de furto qualificado, inspirada na necessidade de combater a crescente
criminalidade que gravita em torno dos veículos automotores. Qualifica-se o crime, em tal caso,
não só no caso de transporte para o exterior, mas também se é transportado para outro Estado da
Federação. Apesar de o objetivo ser a punição mais severa, o legislador deixou de cominar a pena
de multa, conclusão que se extrai mediante interpretação do texto legal, ao afirmar taxativamente
que a pena “é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos”.
O objeto material da ação delituosa é veículo automotor, entendendo-se este como o que se
movimenta a partir de acessório mecânico (motor em sentido amplo) acoplado especialmente para
tal fim (automóvel, motocicleta, avião, lancha etc.). Na dicção legal é “todo veículo a motor de
propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário
de pessoas e coisas, ou para tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e
coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre
trilhos (ônibus elétrico)” (Anexo I, Lei 9.503/1997 – Código de Trânsito Brasileiro).
Ademais, só se aplica o § 5.º se o veículo transpõe os limites do Estado ou do território nacional.
A ação delituosa reprimida pela norma em exame está intimamente ligada à atuação de
associações criminosas especializadas na subtração e receptação de veículos automotores
destinados a outros Estados da Federação ou ao exterior, o que revela maior desvalor da ação e do
resultado, não só pelo êxito na subtração, propiciada pelo modus operandi, mas também pela
manifesta impossibilidade de se recuperar a res, acentuando, destarte, a gravidade do injusto.
O legislador, na reforma pontual realizada nos delitos patrimoniais, perdeu a oportunidade de
tipificar o furtum usus, comportamento que se repete com certa frequência. Dessa forma, o furto
de uso, que se caracteriza pela subtração da coisa infungível apenas para usufruí-la
momentaneamente, é fato atípico, subordinando-se a que seja infungível a coisa. Há necessidade
de que o agente efetue a devolução da res, justamente pela ausência do animus sibi habendi; logo,
se a coisa é abandonada ou devolvida involuntariamente (agente encontrado pela vítima ou pela
polícia, mas que objetivava continuar usando a coisa subtraída), a hipótese é de furto
propriamente dito.
A Lei 13.330/2016 insere figura qualificada ao crime de furto (§ 6.º) consistente na subtração de
“semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da
subtração”, à qual atribui a pena de dois a cinco anos de reclusão (tipo
derivado/simples/anormal/incongruente).
Trata-se do chamado delito de abigeato, que é a indevida subtração de animais domesticáveis
para produção (gado, cavalo – animal destinado à produção, como processo de natureza
econômica).
Por semovente (do latim semovens– o que se move por si), entende-se o bem de natureza
móvel46, capaz de ser movido de um local para outro por força própria47, que integra o patrimônio
individual. Animal domesticável para designar é aquele passível de ser submetido à convivência
ou trato humano. Na hipótese em exame, o semovente é domesticável justamente para atender às
finalidades de produção.
Não é necessário que o animal seja subtraído com vida, visto que a redação legal admite a
subtração do semovente abatido (morto) inteiro ou fracionado em partes no local da subtração.
Na Exposição de Motivos do Projeto da citada Lei, justifica-se o incremento das penas porque
“além do produtor, e talvez de forma mais danosa, o abigeato atinge toda a sociedade. Trata-se de
uma prática criminosa que é a raiz de outras tantas violações à segurança e à saúde, públicas. O
comércio de alimentos oriundos de animais furtados é, pois, uma atividade econômica clandestina
que tem impactos negativos tanto do ponto de vista da sonegação de impostos, como em relação à
saúde da população”48.
Além da forma qualificada do crime de furto, o legislador também tipificou de forma autônoma
(art. 180-A, CP) a receptação de semovente domesticável de produção, também com penas mais
amplas. Curiosamente, não se faz nenhum incremento de pena relacionada ao crime de roubo de
semoventes domesticáveis de produção, consistente na subtração mediante emprego de violência
ou grave ameaça. Tal prática, a exemplo do delito de furto e da receptação, também é uma
preocupante realidade nas estradas brasileiras, em que os veículos de transporte de cargas vivas
são roubados para que a carne seja posteriormente comercializada de forma clandestina.
3. Pena e ação penal
Cominam-se ao furto simples penas de reclusão, de um a quatro anos, e multa (art. 155, caput,
CP). Admite a suspensão condicional do processo em face da pena mínima abstratamente prevista
(igual ou inferior a um ano – art. 89, Lei 9.099/1995), ressalvada a hipótese de violência doméstica
(violência patrimonial) contra a mulher (art. 41, Lei 11.340/2006).
A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno (art. 155, §
1.º, CP). Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a
pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de
multa (art. 155, § 2.º, CP).
A pena abstratamente cominada ao furto qualificado é o dobro da pena do furto simples,
entendendo o legislador ser maior nesse caso o desvalor da ação, desde que o agente empregue os
meios ou modo de execução do crime previsto no § 4.º do artigo 155 do Código Penal.
Por fim, à figura delitiva prevista no § 5.º comina-se pena de reclusão de três a oito anos se a
subtração é de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o
exterior.
A ação penal é pública incondicionada.
QUADRO SINÓTICO
FURTO
Bem jurídico A propriedade, a posse e a detenção.
Sujeitos
Ativo – qualquer pessoa, exceto o proprietário da coisa subtraída.
Passivo – o proprietário, possuidor ou o detentor.
Tipo
A ação incriminada é subtrair (tirar, diminuir) coisa alheia móvel.
Equiparam-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que
objetivo tenha valor econômico. O furto de uso é conduta atípica.
Tipo
subjetivo
O dolo e o elemento subjetivo do injusto (especial fim de agir
consistente no apossamento da coisa subtraída, para si oupara
outrem). Não é necessário o ânimo de lucro.
Consumação
e tentativa
Consumação – com a manutenção da posse tranquila da coisa
furtada.
Tentativa – é admissível (delito de resultado).
Furto
noturno
Se o crime é praticado durante o repouso noturno, majora-se a
pena de um terço (art. 155, § 1.º, CP).
Furto
privilegiado
Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o
juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de
1 a 2/3 (um a dois terços), ou aplicar somente a pena de multa (art. 155,
§ 2.º, CP).
Furto
qualificado
A pena é de reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, se o crime é
cometido: I – com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração
da coisa; II – com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou
destreza; III – com emprego de chave falsa; IV – mediante concurso de
duas ou mais pessoas (art. 155, § 4.º, CP).
A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos se a subtração é de
veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou
para o exterior: aqui, a pena é exasperada somente quando o veículo
ingressa em outro Estado ou no exterior (art. 155, § 5.º, CP), e de
reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a subtração for de semovente
domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes no
local da subtração (art. 155, § 6º).
Pena e ação
penal
Comina-se ao furto simples pena de reclusão, de um a quatro anos,
e multa (art. 155, caput, CP). Admite-se a suspensão condicional do
processo (art. 89, Lei 9.099/1995), salvo no âmbito de violência
doméstica contra mulher (art. 41, Lei 11.340/2006). A pena aumenta-se
de um terço se o crime é praticado durante o repouso noturno (art.
155, § 1.º, CP). Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa
furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção,
diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa
(art. 155, § 2.º, CP). Ao furto qualificado são cominadas pena de
reclusão, de dois a oito anos, e multa (art. 155, § 4.º, CP). Se a subtração
é de veículo automotor que venha a ser transportado para outro
Estado ou para o exterior, a pena cominada é de reclusão de três a oito
anos (art. 155, § 5.º, CP).
A ação penal é pública incondicionada.
NOTAS DE RODAPÉ
1. Cf. FIANDACA, G. M., E. Diritto Penale. P. S., II, 2, p. 23.
2. Cf. VICENTE MARTÍNEZ, R. de. El delito de robo con fuerza en las cosas, p. 28-29.
3. Cf. GARCÍa ARÁN, M. El delito de hurto, p. 16 e ss.; VICENTE MARTÍNEZ, R. de. Op. cit., p. 29-30.
4. GARCIA ARÁN, M. Op. cit., p. 19-20.
5. Cf. BATISTA, W. M. O furto e o roubo no direito e no processo penal, p. 23.
6. Cf. NORONHA, E. M. Código Penal brasileiro comentado, 5, 1.ª parte, p. 55.
7. Cf. FRAGOSO, H. C. Lições de Direito Penal. P. E., I, p. 314-315; HUNGRIA, N. Comentários ao Código Penal,
VII, p. 17 e ss.
8. Ibidem, p. 17.
9. Vide PRADO, L. R. (Org.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da
imputação penal subjetiva, p. 9 e ss.
10. Cf. HUNGRIA, N. Op. cit., p. 17.
11. Cf. FRAGOSO, H. C. Op. cit., p. 307.
12. Cf. Manzini, V. Op. cit., p. 31; BALESTRA, C. F. Tratado de Derecho Penal. P. E., V, p. 403-404.
13. Cf. BATISTA, W. M. Op. cit., p. 6.
14. O ar, a luz, a água dos mares e dos rios e o calor do sol – res communes omnium – não são suscetíveis de
consumo ou de utilização na sua totalidade, mas podem ser aproveitados, parcialmente, como força e
energia e, em tais casos, são passíveis de furto (HUNGRIA, N. Op. cit., p. 20; RODRÍGUEZ DEVESA, J. M.
Derecho Penal español. P. E., p. 394-395; GONZÁLEZ RUS, J. J. Op. cit., p. 567).
15. Esse é um conceito negativo no sentido de que ou a coisa não é própria ou não se tem legitimidade para
retirá-la de sua esfera de disposição ou domínio (GARCÍA ARÁN, M. Op. cit., p. 104).
16. Cf. CARRARA, F. Op. cit., p. 31; ANTOLISEI, F. Manuale di Diritto Penale. P. S., I, p. 274; VICENTE
MARTÍNEZ, R. de. Op. cit., p. 39; BALESTRA, C. F. Tratado de Derecho Penal. P. E., V, p. 407-410.
17. Cf. FRAGOSO, H. C. Op. cit., p. 317.
18. ANTOLISEI, F. Op. cit., p. 299.
19. STF – RHC 135.800/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 10.08.2016, Dje 15.08.2016.
20. STJ – RHC 30.847/RJ.
21. STJ – RHC 59.324/MS, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, j. 13.10.2015, Dje 21.10.2015.
22. Cf. HUNGRIA, N. Op. cit., p. 29.
23. Cf. PEDROSO, F. de A. Furto privilegiado. RT, 711, 1994, p. 293.
24. A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-
se a tipicidade em caso de danos de pouca importância (cf. PRADO, L. R. Op. cit., p. 154-155).
25. “Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, a aplicação do princípio da insignificância, de modo a
tornar a ação atípica, exige a satisfação de certos requisitos, de forma concomitante: a conduta
minimamente ofensiva, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade
do comportamento e a lesão jurídica inexpressiva” (STF – HC 138.697/MG).
26. STF – HC 138.697/MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, j. 16.05.2017, Dje 30.05.2017.
27. Cf. BATISTA, W. M. Op. cit., p. 76.
28. Súmula 511 – “É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do CP nos casos de
crime de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e
a qualificadora for de ordem objetiva”.
29. Cf. FRAGOSO, H. C. Op. cit., p. 325.
30. Como bem se lembra, “ao restringir o conceito de obstáculo, a doutrina e a jurisprudência olvidam que
a resistência pode ter outra natureza, ou seja, um semovente” (DOTTI, R. A. O conceito de obstáculo no
furto qualificado. Bol. IBCCrim, 155, 2005, p. 7).
31. O exemplo é de ANTOLISEI, F. Op. cit., p. 311. Ademais, “a violência contemplada pela lei deve ser
logicamente um quid pluris daquela que é necessária para mobilizar coisas imóveis (…) e, portanto,
tornar possível o furto” (ibidem).
32. Cf. FRAGOSO, H. C. Op. cit., p. 326. Contra, sem razão, NORONHA, E. M. Op. cit., p. 122.
33. Cf. SIQUEIRA, G. Op. cit., p. 458.
34. Cf. PEDROSO, F. de A. Apropriação indébita, estelionato e furto qualificado pelo emprego de fraude:
distinção típica entre as espécies. RT, 697, 1993, p. 261.
35. SILVA, R. de C. L. da. Direito Penal e sistema informático, p. 97.
36. MONTANO GÓMEZ, P. J. Delitos informáticos y los tipos que exigen la “cosa ajena mueble”. In:
PENTEADO, J. de C. (Coord.). Justiça penal – 7: críticas e sugestões, p. 335.
37. ROQUE, S. M. Crimes de informática e investigação policial. In: PENTEADO, J. de C. (coord.). Justiça
penal – 7: críticas e sugestões, p. 317.
38. Ibidem, p. 317.
39. Cf. MONTANO GÓMEZ, P. J. Op. cit., p. 345-346.
40. BOITEUX, L. Crimes informáticos: reflexões sobre política criminal inseridas no contexto internacional
atual. Bol. RBCCrim, 47, 2004, p. 156.
41. Cf. CARRARA, F. Op. cit., p. 207.
42. Cf. BATISTA, W. M. Op. cit., p. 141.
43. Cf. HUNGRIA, N. Op. cit., p. 45.
44. São exemplos de chave falsa aquela que imita a verdadeira e a gazua, instrumento utilizado pelos
rapinadores para a abertura de qualquer tipo de fechadura. Cumpre salientar que o conceito de chave
falsa é determinado mais pelo destino do que pelas características físicas, porque chave falsa é a que não
é destinada a abrir certas fechaduras. Por isso é falsa a duplicação da chave verdadeira que o ladrão fez
por sua conta ou guardou (BALESTRA, C. F. Op. cit., p. 432).
45. Súmula 442 (STJ) – “É inadmissível aplicar, no furto qualificado, pelo concurso de agentes, a majorante
© desta edição [2018]
do roubo”.
46. Vide art. 82, Código Civil.
47. TARTUCE, F. Manual de Direito Civil, p. 151
48. PL 6999/2013.

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