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2020 - 03 - 18 Curso de Direito Penal Brasileiro - (v. II) - Parte Especial - Ed. 2018 DECRETO-LEI 2848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940 ART. 157. Capítulo II Do roubo e da extorsão Roubo Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. § 1º Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro. § 2º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até 1/2 (metade): I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; II - se há o concurso de duas ou mais pessoas; III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância; IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade. § 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de 7 (sete) a 15 (quinze) anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, sem prejuízo da multa. 1. Bem jurídico protegido e sujeitos do delito 1 O bem jurídico protegido vem a ser a propriedade individual. O roubo é um delito complexo, porque, separando-se as condutas praticadas pelo autor, identificam-se elementos constitutivos de dois crimes. Assim, aquele que mediante ameaça à pessoa subtrai coisa alheia móvel, realiza as condutas descritas nos artigos 147 (ameaça) e 155 (furto), respectivamente. Protegem-se a inviolabilidade do patrimônio (compreendendo-se aqui a propriedade, a posse e a detenção, a exemplo do furto), e também a liberdade individual e a integridade corporal. Sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, não se exigindo qualidade especial do autor (delito comum), com exceção do proprietário, que pode responder por exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, CP). Sujeitos passivos podem ser, em geral, o proprietário ou o possuidor da coisa subtraída, mas não só estes. Isso pode acontecer quando a pessoa sobre a qual recai o ato de violência não é a mesma que sofreu o desapossamento (a subtração) da coisa, como no caso do agente que subtrai, mas logo em seguida age com violência contra o acompanhante da vítima, que tentou evitar a prática do crime (roubo impróprio). Nesse caso, há dois sujeitos passivos do roubo, circunstância perceptível em face de que se trata de um delito complexo, sendo prescindível que a violência ou ameaça e o apossamento do bem tenham destinatário único. Dessa forma, também não é necessário que a pessoa que sofra a violência seja do círculo de amizade do sujeito passivo da subtração. 2. Tipicidade objetiva e subjetiva 2.1 Roubo próprio A ação incriminada é subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel (tipo autônomo/simples/anormal/incongruente). Ao contrário do furto, no roubo o agente subtrai a coisa mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência. Inicialmente, cumpre examinar os meios executivos do crime, quais sejam, a violência e a grave ameaça. A grave ameaça é a violência moral, promessa de fazer mal à vítima, intimidando-a, atemorizando-a, viciando sua vontade, devendo ser grave, de modo a evitar a reação contra o criminoso. A eficácia da ameaça depende das circunstâncias do caso concreto, uma vez que sua análise é subjetiva. A violência física (vis corporalis) consiste no emprego de força contra o corpo da vítima, antes ou durante o roubo, cerceando sua liberdade de ação e não só de vontade, bastando para caracterizá-la a lesão corporal leve ou as vias de fato. Advirta-se que a violência pode ser praticada indiretamente, através de violência à coisa, desde que a vítima seja amedrontada. A lesão corporal leve e as vias de fato são elementares do roubo na modalidade fundamental (art. 157, CP); todavia, se há lesão grave ou morte, o roubo amolda-se ao tipo do § 3.º do artigo 157, com imposição de pena mais severa. O tipo básico do artigo 157, caput, ainda elenca o elemento qualquer meio como modo de reduzir ou impossibilitar a resistência da vítima (violência imprópria). Trata-se de figura que demanda interpretação analógica para seu perfeito entendimento. Inserem-se no amplo sentido que sugere a expressão qualquer meio todos aqueles que produzem um estado físico-psíquico na vítima, aptos a reduzir ou suprimir totalmente sua capacidade de resistência, v.g., a utilização de anestésicos, narcóticos, e até mesmo a hipnose, sem prejuízo das discussões que se travam sobre esta última. Ressalve-se que é inadmissível a configuração do elemento uso de outros meios para reduzir ou eliminar a resistência, se a própria vítima ou a pessoa que esteja vigiando o bem se colocam em estado de incapacidade de resistir, hipótese em que há furto e não roubo. O tipo subjetivo está consubstanciado no dolo, acrescido do elemento subjetivo do injusto, representado pelo especial fim de agir que, tal como acontece no furto, vem expressado pelo fim de apossar-se injustamente da coisa (delito de intenção). Ademais, são dispensáveis para sua configuração os motivos do crime ou a intenção de lucrar, por não se exigir o locupletamento. O roubo próprio consuma-se com o efetivo apossamento da coisa, ainda que por lapso temporal exíguo, na posse tranquila do sujeito ativo, que dela pode dispor. Por ser delito de resultado, é pacífica a admissibilidade da tentativa. Convém salientar que a perda da coisa implica a consumação do crime, porque a objetividade jurídica é a inviolabilidade patrimonial e não a vantagem pretendida pelo agente, o mesmo acontecendo no caso de flagrante ficto (art. 302, IV, CPP), haja vista que o sujeito ativo chega a ter a posse tranquila do objeto do roubo. De acordo com a recente Súmula 582 do STJ, “consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida à perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada”. O delito de roubo pode ser assim classificado: comum, complexo, de resultado, doloso, comissivo e instantâneo. 2.2 Roubo impróprio No artigo 157, § 1.º, é contemplada a figura do roubo impróprio, em que a violência ou a ameaça são empregadas para assegurar a detenção da coisa ou garantir a impunidade do crime (nesta última hipótese, a detenção está garantida) (tipo derivado/simples/anormal/incongruente). A diferença essencial em relação ao roubo próprio está no momento e na finalidade do uso da vis corporalis ou da vis compulsiva. Neste, o meio executivo da violência ou grave ameaça é utilizado antes ou durante a subtração, enquanto naquele (roubo impróprio) é utilizado imediatamente após o apossamento da coisa. O tipo subjetivo está consubstanciado no dolo, acrescido do elemento subjetivo do injusto, representado pelo especial fim de agir – apossar-se injustamente da coisa (delito de intenção). A consumação do roubo impróprio ocorre com o emprego da violência ou grave ameaça à pessoa, logo após a subtração da coisa. No tocante à admissibilidade da tentativa, tem-se que o crime não comporta o conatus, porque a tentativa de usar a violência ou a grave ameaça é juridicamente irrelevante nessas circunstâncias. Consumada a subtração e, em seguida, a violência ou grave ameaça, tem-se o roubo impróprio. Caso contrário, se apenas há a subtração, desprovida da violência ou grave ameaça, caracterizado está o delito de furto. Não é admissível, pois, a tentativa. Por fim, se a subtração é apenas tentada, e existindo violência ou grave ameaça na fuga, instaura-se concurso material entre o furto tentado e aquele correspondente ao emprego da força, porque, nessa situação, falta a vontade de usara violência ou grave ameaça para obter a coisa ou assegurar a impunidade do crime. Convém anotar que “o emprego da violência ou intimidação deve ser um meio para conseguir ou assegurar o apoderamento. Portanto, se este já se consumou, e posteriormente, em razão de uma discussão entre a vítima e o ladrão que cometeu, por exemplo, um furto, este a mata tem-se furto em concurso com homicídio. Mas, enquanto o apossamento não tenha se consumado, cabe, no entanto, que o que simplesmente era um furto se transforme em roubo com violência, se está última é empregada em qualquer momento da fase executiva prévia à consumação do apossamento. Por isso, nos casos de fuga do punguista depois de haver cometido um furto, este pode converter todavia em roubo com violência se o punguista faz uso de uma arma matando a um de seus perseguidores (…)”.2 O parágrafo 1.º do artigo 157 menciona apenas a violência ou a grave ameaça como meios de execução do crime de roubo – não contém a expressão qualquer meio prevista no caput do referido artigo. Essa circunstância deu origem à discussão doutrinária entre aqueles que argumentam que a supressão do elemento não quer dizer que não sejam aqueles outros meios incriminados3 e os que entendem que sua aplicação importa analogia de lei penal incriminadora, o que é terminantemente vedado. Não deve prevalecer a admissão de outros meios, que não a violência e a grave ameaça, para caracterização do roubo impróprio. 3. Causas de aumento de pena O dispositivo do artigo 157, § 2.º, contém circunstâncias com inegáveis reflexos na magnitude do injusto, por revelarem acentuado desvalor da ação e do resultado. Passa-se à análise individualizada de cada causa de aumento de pena4: a) se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma: O emprego de arma, como é sabido, imputa maior temor à vítima, que tem sua capacidade de resistência sensivelmente reduzida, notadamente em face do maior risco a que fica exposta. O sentido do vocábulo arma, contido no inciso I, deve ser compreendido não só sob o aspecto técnico (arma própria), em que quer significar o instrumento destinado ao ataque ou defesa, mas também em sentido vulgar (armas impróprias), ou seja, qualquer outro instrumento que se torne vulnerante, bastando que seja utilizado de modo diverso daquele para o qual fora produzido, como, por exemplo, uma faca, um machado, uma foice, uma tesoura etc. O emprego de arma propicia ao agente maior êxito na ação delituosa, acentuando a gravidade do injusto. É suficiente para a caracterização da agravante que o sujeito ativo porte a arma ostensivamente, de modo que ameace a vítima, vale dizer, não é imprescindível que venha a fazer uso do instrumento para praticar a violência ou grave ameaça, sob pena de esvaziamento da ratio legis. O agente que não tem porte de arma e pratica o roubo responde em concurso com o delito previsto no artigo 14 ou 16, da Lei 10.826/2003 (porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, respectivamente). Na hipótese de associação criminosa armada para a prática de roubo, há concurso material entre os delitos do artigo 288, artigo 157 (caput ou § 1.º) e artigos 14 e/ou 16 da Lei 10.826/2003. Não se aplica a causa de aumento de pena do roubo nem a do delito de associação criminosa, em razão da existência de previsão legal autônoma sobre porte de arma de fogo. A utilização da arma de brinquedo vinha provocando acirrados debates, com tendência da doutrina a considerar o seu emprego como conduta de roubo simples (art. 157, caput, CP). A jurisprudência havia sumulado a questão, dispondo o STJ que, “no crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena” (Súmula 174). Com o advento da Lei 10.826/2003, a utilização de arma de brinquedo ou simulacro de arma capaz de atemorizar outrem não constitui mais delito autônomo, em virtude da revogação expressa da Lei 9.437/1997 (art. 36, Lei 10.826/2003). A Lei 10.826/2003 simplesmente veda a fabricação, a venda, a comercialização e a importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que com estas se possam confundir (art. 26), mas não estabelece nenhuma punição para tal conduta, em evidente falta de técnica legislativa. Frise-se, a propósito, que com essa técnica fica a cargo novamente da doutrina e do julgador determinar a aplicação ou não da causa de aumento de pena no caso de arma de brinquedo. De qualquer forma, convém salientar que a arma de brinquedo é inidônea para determinar o aumento da pena, visto que a ratio essendi da qualificadora está sedimentada na potencialidade lesiva e no perigo que a arma real causa, e não no maior temor infligido à vítima.5 Assim, a utilização de arma de brinquedo na prática de roubo configura o delito insculpido no artigo 157, caput (roubo simples). Na mesma linha, não pode caracterizar a agravante se a arma de fogo é inapta para produzir disparos; ou seja, se o meio utilizado é absolutamente inidôneo ao fim a que se destina, não há que se falar em arma, nos termos do inciso I. Atualmente, o entendimento jurisprudencial consolidado é no sentido de que a arma não precisa ser periciada para que se reconheça a causa de aumento de pena.6 b) se há o concurso de duas ou mais pessoas: A pluralidade de agentes (duas ou mais pessoas) também é causa de aumento da pena, sendo necessário que todos participem da execução do delito, direta ou indiretamente, ou seja, não é imprescindível que todos estejam presentes no local do crime ou sejam imputáveis. Como o dispositivo não explicita de que forma deva agir cada agente, conclui-se que se aplicam, in casu, as regras gerais sobre o concurso de pessoas (art. 29, CP), ou seja, basta que qualquer um dos autores tenha praticado a violência ou grave ameaça para que a conduta caracterize o roubo majorado. A maior magnitude do injusto provocada pela pluralidade de agentes já foi analisada no crime de furto. Cumpre destacar que na hipótese da existência de associação criminosa, em que seus membros estejam associados com o intuito específico de praticar delitos de roubo, tem-se a aplicação dos artigos 288 e 157, caput ou § 1.º, ambos do Código Penal, em concurso material (art. 69, CP). c) se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância: A majoração aqui concede maior proteção àqueles que têm por ofício o transporte de valores, excluindo-se o proprietário. Dessa forma, o dispositivo veio a lume principalmente em face dos constantes assaltos, o que tem sido mais frequente nos dias atuais com as ações ousadas contra carro-forte. O transporte de valores compreende aqueles representados por dinheiro, como qualquer outro bem valioso que se costuma transportar (v.g., pedras preciosas, ouro em pó ou em barra, selos, estampilhas, título ao portador etc.), sendo indispensável que o sujeito ativo tenha conhecimento de que a vítima está a serviço de transporte de valores, devendo o dolo abranger o conhecimento dessa circunstância.7 A gravidade do injusto no referido crime expressa-se não só pela maior temibilidade demonstrada pelo agente como também pelo acentuado desvalor do resultado, em face dos graves efeitos deletérios causados pela infração, com reflexos, inclusive, na economia nacional. d) se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior: O legislador penal, ao instituir essa norma incriminadora, motivou-se no alto índice de furto e roubo de veículos, especialmente para levá-los a países fronteiriços. O delito qualifica-se não só no caso de transporte para o exterior, mas também se é levado para outro Estado da Federação. Sobre as observações acerca da agravante, vide comentários ao artigo 155, § 5.º, do Código Penal. A magnitude do injusto em tal caso é a mesma já analisada no crime de furto. e) se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade: Trata-se de outra agravante do roubo o fato de o sujeito ativo restringir a liberdadeda vítima, mantendo-a em seu poder. Aumentou-se a pena justamente porque o desvalor da ação é acentuadamente maior. Inicialmente, a partir da redação do dispositivo, extrai-se o entendimento de que a vítima mencionada deve ser a do roubo, porque, se é diferente, há concurso material entre os delitos de roubo e sequestro. Destaque-se ainda que, ante a ausência de previsão, é indiferente que a restrição da liberdade do sujeito passivo ocorra na fase de execução ou após a consumação do roubo. De igual modo, ocorre o crime de extorsão mediante sequestro (art. 159) se os autores do roubo privam de liberdade a vítima com desígnio autônomo, porque não terá sido somente um meio para executar o crime de roubo. Assim, se o sequestro é praticado depois da subtração, sem nenhum vínculo com o delito de roubo, responde o agente pelo artigo 159, em concurso material com o roubo e não somente por este. A regra nova deve ser aplicada retroativamente, porquanto se trata de norma penal mais favorável, que retira a autonomia do delito de sequestro se praticado nas condições descritas no inciso V. A maior gravidade do injusto, no caso, é demonstrada não só pela circunstância da restrição da liberdade do ofendido, o que acentua o desvalor do resultado, como também pela maior temibilidade demonstrada pelo agente. 4. Formas qualificadas O artigo 157, § 3.º, refere-se, na primeira parte, ao roubo agravado pelo advento do resultado lesão corporal grave, sendo tipicamente um delito preterdoloso; todavia, não se imputa sobredito resultado se o agente não agiu, ao menos, culposamente (tipo derivado/simples/anormal/incongruente). Assim, é indiferente que o resultado seja voluntário ou involuntário, significando que a exasperação da pena ocorre se o resultado adveio de conduta dolosa (dolo direto ou eventual) ou culposa, deixando-se ao julgador o ajuste das circunstâncias no momento da fixação da pena (art. 59 do CP). A figura se aplica ao roubo próprio e ao impróprio. Além disso, a violência pode ser exercida contra a vítima da subtração ou terceira pessoa, como acontece no roubo previsto no artigo 157, § 1.º, do Código Penal. Esse parágrafo, na segunda parte, cuida do denominado latrocínio (ou roubo qualificado pelo resultado morte). O Direito romano não tinha uma concepção jurídica do latrocínio: podia manifestar-se sob várias formas, o que fez com que o Direito italiano deixasse de tratar o latrocínio como crime autônomo e nunca o tivesse definido como tipo penal independente. Apesar de atingir bem jurídico de relevo (a vida), considera-se crime contra o patrimônio, uma vez que a ofensa àquela é um meio para a violação do direito patrimonial da vítima. De fato, tem- se um crime complexo agravado pelo resultado, embora nem todos concordem com a localização do delito, havendo quem o prefira entre os dolosos contra a vida, por ser um homicídio com fito de lucro.8 A doutrina afirma ser indiferente que o resultado seja voluntário ou involuntário (preterdoloso). Isso significa que a exasperação da pena ocorre se o resultado adveio em face de conduta dolosa (dolo direto ou eventual) ou culposa, deixando-se ao julgador o ajuste das circunstâncias no momento da fixação da pena (art. 59, CP). O ponto mais nebuloso no estudo do latrocínio é a matéria atinente à tentativa, dando azo ao surgimento de diversas posições. Assim, entende-se, de primeiro, que se o homicídio e subtração são consumados, há latrocínio consumado e, se tanto o homicídio como a subtração são “tentados” tem-se o latrocínio tentado. Nessas situações o entendimento é pacífico. Por outro lado, se há homicídio consumado e subtração tentada, há diversas correntes, a saber: a) o latrocínio é consumado, sendo tal entendimento acolhido pelo Supremo Tribunal Federal, exarado na Súmula 610, com o seguinte teor: “Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima” (grifado); b) há tentativa de latrocínio, porque o crime complexo decorre da combinação de delitos que formam um novo, ou seja, mesmo que consumado o crime-meio, e não consumado o crime-fim, não há consumação; c) há homicídio qualificado consumado em concurso formal com tentativa de furto; d) há homicídio qualificado consumado em concurso material com tentativa de roubo; e) só há homicídio qualificado. O primeiro entendimento cristalizou-se nos nossos pretórios. Se o homicídio é tentado e a subtração consumada, são apresentadas duas soluções: a) há tentativa de latrocínio, segundo posicionamento de alguns,9 inclusive do STF, como, por exemplo, no caso do agente que logra roubar o carro da vítima depois de atirar nela para matar, não atingindo a meta optata; b) há tentativa de homicídio qualificado (pela finalidade).10 Agasalha-se o primeiro entendimento, novamente levando-se em consideração a superveniência do resultado morte, que nesse caso não ocorreu. A qualificadora, no caso, é plenamente justificável, já que é maior a gravidade do injusto. Se o latrocínio atinge patrimônio único, mas há vítimas diferentes (ex. o roubo a uma residência, em que não só o proprietário dos bens, mas também os funcionários ou outras pessoas são atingidas), há também crime único de latrocínio, conforme entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal.11 Convém salientar que a Lei 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos) erigiu o delito de latrocínio a crime hediondo (art. 1.º, II). Nesse caso é insuscetível de anistia, graça, indulto e fiança (art. 2.º, I e II, Lei 8.072/1990, com a nova redação dada pela Lei 11.464/2007, e art. 5.º, XLIII, CF). A pena deve ser cumprida inicialmente em regime fechado (art. 2.º, § 1.º, Lei 8.072/1990, alterado pela Lei 11.464/2007). O dispositivo legal citado, que estabelece o início do cumprimento de pena para crime hediondo em regime fechado, foi incidentalmente declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal por ferir o princípio da individualização da pena, porque o regime inicial de cumprimento de pena deve ser analisado caso a caso.12 No entanto, convém apontar que, para o latrocínio, mesmo quando pena definitiva seja fixada no mínimo legal (vinte anos), o regime inicial de execução da pena privativa de liberdade vem a ser necessariamente o fechado. A prisão temporária (art. 1.º, III, c, Lei 7.960/1989) tem o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade (art. 2.º, § 4.º, Lei 8.072/1990). Por fim, é oportuno assinalar que a pena do delito de latrocínio, consumado ou tentado, é acrescida de metade, respeitado o limite superior de trinta anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no artigo 224 do Código Penal (art. 9.º, Lei 8.072/1990), isto é, se a vítima não é maior de quatorze anos; é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; ou, se não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência. Esse texto deve ser lido conforme o disposto na Lei 12.015/2009, que, além de revogar o mencionado art. 224, institui ex novo os denominados crimes sexuais contra vulnerável (vítima menor de 14 anos ou que por enfermidade ou deficiência mental não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência – art. 217-A, CP). 5. Pena e ação penal Cominam-se ao roubo penas de reclusão, de quatro a dez anos, e multa (art. 157, caput, CP). Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro (art. 157, § 1.º, CP). A pena é aumentada de um terço até metade: se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; se há concurso de duas ou mais pessoas; se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância; se a subtração é de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; ou se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindosua liberdade (art. 157, § 2.º, CP). “Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de 7 (sete) a 15 (quinze) anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, sem prejuízo da multa” (art. 157, § 3.º, CP). A ação penal é pública incondicionada. QUADRO SINÓTICO ROUBO Bem jurídico A inviolabilidade do patrimônio (a propriedade, a posse e adetenção), a liberdade individual e a integridade corporal. Sujeitos Ativo – qualquer pessoa, exceto o proprietário (delito comum). Passivo – qualquer pessoa, incluindo o possuidor ou o terceiro que sofra a violência. Tipo objetivo A ação incriminada no artigo 157, caput, é subtrair coisa alheia móvel, para si ou para outrem, mediante violência ou grave ameaça a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência (roubo próprio). Tipo subjetivo O dolo, representado pela vontade livre e consciente de realizar a ação típica, e o elemento subjetivo do injusto (especial fim de agir – o apossamento injusto da coisa em benefício próprio ou alheio). Consumação e tentativa Consumação – com a posse tranquila da coisa subtraída mediante violência ou grave ameaça. Tentativa – é admissível. ROUBO IMPRÓPRIO Tipo objetivo O artigo 157, § 1.º, incrimina a conduta de quem, após a subtração, usa de violência ou grave ameaça para assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa subtraída (roubo impróprio). Tipo subjetivo O dolo, representado pela vontade livre e consciente de realizar a ação típica, e o elemento subjetivo do injusto (especial fim de agir – o apossamento injusto da coisa em benefício próprio ou alheio). Consumação e tentativa Consumação – com o emprego da violência ou grave ameaça à pessoa, logo depois de subtraída a coisa. Tentativa – há divergência doutrinária. Uma corrente entende ser inadmissível a tentativa, enquanto outra admite o conatus, se a pessoa é flagrada no momento em que está fazendo uso de violência ou grave ameaça. Causas de aumento de pena Aumenta-se a pena de um terço até metade: se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; se há concurso de duas ou mais pessoas; se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância; se a subtração é de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; ou se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade (art. 157, § 2.º, CP). FORMAS QUALIFICADAS Tipo objetivo A ação incriminada é subtrair coisa alheia móvel, mediante o emprego de violência de que resulte lesão corporal grave ou morte. Tipo subjetivo O dolo, representado pela vontade livre e consciente de realizar a ação típica, e o elemento subjetivo do injusto (especial fim de agir – o apossamento injusto da coisa em benefício próprio ou alheio). Consumação e tentativa Consumação – se o homicídio e a subtração são consumados, há latrocínio consumado. Há latrocínio consumado quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima (Súmula 610, STF). Tentativa – se o homicídio e a subtração são tentados, ou se o homicídio é tentado e a subtração consumada, há latrocínio tentado. Pena e ação penal A pena prevista no artigo 157, caput e § 1.º, do Código Penal é de reclusão, de quatro a dez anos, e multa. Nessas hipóteses, aumenta-se a pena de um terço até metade: se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; se há concurso de duas ou mais pessoas; se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância; se a subtração é de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; ou se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade (art. 157, § 2.º, CP). Cominamse penas de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa, se da violência resulta lesão corporal de natureza grave. Se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa (art. 157, § 3.º, CP). A ação penal é pública incondicionada. © desta edição [2018] NOTAS DE RODAPÉ 1. VIDE PRADO, L. R. Curso de Direito Penal brasileiro. P. E., 2, 11. ed., p. 449 e ss. 2. MUÑOZ CONDE, F. Derecho Penal. P. E., p. 383-384. 3. Cf. HUNGRIA, N. Comentários ao Código Penal, VII, p. 56-57. 4. Súmula 443 (STJ): “O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes”. 5. Cf. PEDROSO, F. de A. Roubo: sua consumação, locupletamento e a trombada. Emprego de arma de fantasia ou brinquedo e qualificadora do art. 157, § 2.º, n. I. RT, 700, p. 300. 6. STJ– HC 331.338/RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Tuma, j. 13.10.2015, Dje 19.10.2015. 7. Cf. HUNGRIA, N. Op. cit., p. 59. 8. CARRARA, F. Op. cit., § 1186. Vide também JORIO, I. D. Latrocínio, p. 371 e ss. 9. Assim, COSTA JR., P. J. da. Op. cit., p. 480; MIRABETE, J. F. Op. cit., p. 243; NORONHA, E. M. Direito Penal, II, p. 255. 10. HUNGRIA, N. Op. cit., p. 63. 11. STF-RHC 133.575/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, j. 21.02.2017, Dje 16.05.2017. 12. STF-HC 111.840/ES, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 27.06.2012, Dje 17.12.2013.
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