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2020 - 03 - 18 Curso de Direito Penal Brasileiro - (v. II) - Parte Especial - Ed. 2018 DECRETO-LEI 2848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940 ART. 160. Extorsão indireta Art. 160. Exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. 1. Bem jurídico protegido e sujeitos do delito O bem jurídico protegido vem a ser o patrimônio e a liberdade individual. A extorsão é crime contra o patrimônio e, se a vantagem que o sujeito ativo exige não é injusta, a tutela penal continua direcionada para a relação econômica existente entre as partes, ou seja, protege-se o interesse jurídico na normalidade das relações entre credor e devedor, amparando-se o economicamente fraco em face do mais forte.20 O delito também atinge outro bem jurídico, sendo assim pluriofensivo, porque há ofensa à liberdade da pessoa, expressa pela obrigação de fazer ou deixar de fazer alguma coisa, ocasionando risco em potencial para a sua liberdade ou a de outrem. Sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, inexigindo-se qualidade especial (delito comum). Ao contrário do que se supõe, não se trata de delito especial próprio, uma vez que a lei protege toda e qualquer pessoa contra a extorsão de quem tem um crédito, pois ser credor não significa invariavelmente ser pessoa dedicada à prática usurária. Sujeito passivo da infração também pode ser qualquer pessoa, mas, em face do que dispõe o tipo penal, em geral é o devedor. Todavia, ao verificar-se a conduta descrita, conclui-se que, a exemplo das outras formas de extorsão, pode haver pluralidade de vítimas, como no caso da exigência de um documento idôneo a dar causa a procedimento criminal contra terceiro e não contra o devedor (art. 160, in fine, CP). 2. Tipicidade objetiva e subjetiva A ação tipificada é exigir ou receber documento que possa dar causa a instauração de procedimento criminal, contra a vítima ou contra terceiro (tipo autônomo/misto alternativo/anormal/incongruente). Exigir significa impor, obrigar, ordenar, in casu, que o sujeito passivo entregue um documento da garantia ilícita, mesmo que seja legítimo o crédito do sujeito ativo. O objeto material do crime é o documento suficiente para dar causa a procedimento criminal, o que, aqui, deve ser compreendido em sentido restrito, uma vez que em sentido amplo, segundo os ditames do processo penal, poderia ser até mesmo uma arma, o produto do crime etc. Assim, o documento constante no tipo deve ser enfocado na acepção de documento instrumental, podendo ser qualquer escrito, público ou particular, fixado por uma pessoa, através de meio apto a transmitir o seu pensamento, vontade etc., admitindo-se que tenha forma manuscrita, datilografada, digitada, gravada ou impressa.21 Cite-se, como exemplo, a confissão de um crime reduzida a termo pela vítima. Frise-se que a garantia de dívida a que alude o tipo não significa aquela com observância das formalidades legais, mas tão somente a utilizável como corpo de delito contra o devedor ou terceiro, constituindo-se numa ameaça.22 O tipo subjetivo é representado pelo dolo, vontade livre e consciente de exigir ou receber o documento. Por outro lado, agrega-se um elemento subjetivo do injusto, consubstanciado no elemento como garantia de dívida. O fim do agente é propriamente conseguir um documento que garanta o crédito que possui junto ao sujeito passivo. Não se discute a natureza da dívida contraída pela vítima, bastando, para tipificar a conduta, que se exija ou receba documento para garanti-la. A consumação na modalidade “exigir” ocorre com a realização do verbo núcleo do tipo (delito de mera atividade e instantâneo), enquanto “receber” é delito de resultado, consumando-se com a entrega do documento para o sujeito ativo. Na primeira modalidade (exigir), a tentativa é de difícil ocorrência; já na segunda (receber) é admissível, porque, por exemplo, no momento da entrega do documento pela vítima, alguém pode impedir o recebimento, deixando-se de consumar o crime por circunstâncias alheias à vontade do sujeito ativo. O delito de extorsão indireta pode ser assim classificado: comum, complexo, doloso, de mera atividade (na modalidade exigir) ou de resultado (na modalidade receber), comissivo e instantâneo. 3. Pena e ação penal A pena abstratamente cominada (reclusão, de um a três anos e multa) é bem inferior àquela prevista para a extorsão, em quaisquer de suas formas, isso porque aqui o desvalor da ação é menor, ante a falta do constrangimento mediante violência ou grave ameaça. Ademais, na extorsão comum o agente obriga a vítima a entregar-lhe vantagem indevida, enquanto na extorsão indireta o documento exigido destina-se a garantir dívida, que pode ser legítima. Admite-se a suspensão condicional do processo (art. 89, Lei 9.099/1995), ressalvada a hipótese de violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 41, Lei 11.340/2006). A ação penal é pública incondicionada. QUADRO SINÓTICO EXTORSÃO INDIRETA Bem jurídico A inviolabilidade patrimonial e a liberdade individual. Sujeitos Ativo – qualquer pessoa (delito comum). Passivo – qualquer pessoa, geralmente o devedor. Terceira pessoa pode ser sujeito passivo; por exemplo, quando o documento exigido seja potencialmente idôneo a instaurar procedimento criminal contra si. Tipo Exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situaçãode alguém, documento que pode dar causa a procedimento criminal © desta edição [2018] objetivo contra a vítima ou contra terceiro. Tipo subjetivo O dolo e o elemento subjetivo do injusto – especial fim de agir, consistente no escopo de obter uma garantia de dívida. Consumação e tentativa Consumação – na modalidade “exigir” é delito de mera atividade, consumando-se antecipadamente com a ação de exigir, enquanto “receber” é delito de resultado, consumando-se com a entrega do documento para o sujeito ativo. Tentativa – na primeira modalidade (exigir) a tentativa é de difícil ocorrência; já na segunda (receber) é admissível. Pena e ação penal Cominam-se penas de reclusão, de um a três anos, e multa. Admite- se a suspensão condicional do processo (art. 89, Lei 9.099/1995), ressalvada a hipótese de violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 41, Lei 11.340/2006). A ação penal é pública incondicionada. NOTAS DE RODAPÉ 20. HUNGRIA, N. Comentários ao Código Penal, VII, p. 79. 21. NORONHA, E. M. Código Penal brasileiro comentado: crimes contra o patrimônio, V, p. 268. 22. Cf. HUNGRIA, N. Op. cit., p. 82.
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