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infi – Instituto FEBRABAN de Educação FORMAÇÃO DE CORRESPONDENTES MÓDULO II RELACIONAMENTO COM O CONSUMIDOR: PROTEÇÃO E DEFESA; ÉTICA NO ATENDIMENTO (CDC) 2 SUMÁRIO A Proteção do Consumidor no Mundo e no Brasil ........................................ 2 Proteção do Consumidor no Brasil ................................................................ 5 Código de Proteção e Defesa do Consumidor .............................................. 6 A Formação da Relação de Consumo .......................................................... 8 O Conceito de Consumidor ........................................................................... 9 O Conceito de Fornecedor ............................................................................ 13 A Política Nacional das Relações de Consumo e seus Princípios................ 19 Instrumentos da Política Nacional de Relações de Consumo ...................... 22 Direitos Básicos do Consumidor................................................................... 23 O Direito do Consumidor e suas Fontes....................................................... 28 Qualidade de Produtos e Serviços, Prevenção e Reparação de Danos....... 29 Da Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço............................. 31 Prescrição...................................................................................................... 36 Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço ............................. 36 Vício do Serviço............................................................................................. 43 Responsabilidade Objetiva............................................................................ 46 Garantia Legal. ............................................................................................... 47 Vício e Responsabilidade .............................................................................. 52 A Oferta ......................................................................................................... 52 Responsabilidade Solidária ........................................................................... 58 A Publicidade ................................................................................................. 59 Das Práticas Abusivas ................................................................................... 62 Orçamento Prévio .......................................................................................... 71 Da Cobrança de Dívidas ................................................................................ 72 Dos Bancos de Dados e Cadastros de Consumidores ................................. 74 Proteção Contratual ....................................................................................... 76 Direito de Arrependimento ............................................................................. 78 Garantia Contratual ....................................................................................... 79 Das Cláusulas Abusivas ................................................................................ 81 Concessão de Crédito ou Financiamento ..................................................... 86 Liquidação Antecipada .................................................................................. 87 Das Sanções Administrativas ........................................................................ 89 Sistema Nacional de Defesa do Consumidor ................................................ 93 Crimes Contra as Relações de Consumo ................................................ .... 95 Acessibilidade do Serviço ............................................................................. 99 Da Qualidade do Atendimento ...................................................................... 101 Do Acompanhamento de Demandas ............................................................ 103 Do Procedimento para a Resolução de Demandas ...................................... 103 Do Pedido de Cancelamento do Serviço ...................................................... 104 3 A Proteção do Consumidor no Mundo e no Brasil É possível afirmar que mesmo de forma indireta, a proteção do consumidor esteve presente nas normas, na jurisprudência e nos costumes, desde épocas bastante remotas (ainda antes de Cristo), porém a defesa do consumidor como ramo autônomo do direito começa a surgir somente a partir da segunda metade do século XX. Em diversos momentos da história mundial é possível detectar fragmentos de leis ou leis autônomas que tratam de situações onde claramente se verificam regras de proteção do consumidor. Regras que hoje podem ser encontradas no Código do Consumidor brasileiro. As referências a normas de defesa do consumidor mais antigas remetem a regras presentes no Código de Hamurabi (1700 a.c.) e no Código de Massú (Índia séc. XIII a.c.). Nessas codificações antigas podem ser encontrados prazos de garantia para o reparo de barcos (um ano); modificação de contrato por desequilíbrio contratual em razão de forças da natureza; punição para quem adulterasse gêneros alimentícios, alterasse seu peso ou entregasse mercadoria diferente da prometida ou, ainda, vendesse bem de igual natureza por preço diferente. No direito romano (período clássico 130 a.c a 230), a responsabilidade do fornecedor se restringia aos defeitos por ele conhecidos. Mas essa regra evoluiu no período de Justiniano (530 a 565) e o fornecedor passou a responder pelos vícios mesmo ignorando-os (a venda tem por objeto a coisa como ela deveria ser). Leis que tratavam da distribuição de pão e cereais abaixo do preço pelo estado diretamente à população; ações judiciais que determinavam a devolução do valor pago em dobro, quando conhecido o defeito; proteção em caso de o vendedor anunciar certas qualidade ou características do produto que não se confirmavam posteriormente. 4 Já na Europa do século XIII, havia regras impostas aos artesãos para assegurar a qualidade dos produtos fabricados. Na França de Luiz XI, havia pena de banho escaldante para quem vendesse manteiga com pedras para aumentar o peso. ou leite diluído com água. Mais adiante, Carlos IX criou tabelamento de preços (século XV). Nas Ordenações Filipinas havia previsão de pena de degredo para a África para quem praticasse usura. São todas leis que podem ser lembradas no direito romano e que remontam ao nosso direito do consumidor. Mas somente no fim do século XIX e início do século XX é que surgiu uma categoria própria de consumidores e de um ramo do direito destinado a regular as relações de consumo, conforme exemplos abaixo: Inglaterra 1891 - criação de um comitê para evitar anúncios publicitários inconvenientes; França 1905 - promulgada a lei de proteção aos consumidores (preocupação com a segurança e coibição contra mentiras de vendedores sobre natureza e utilidade de produtos, falsificações e defeitos em alimentos); Alemanha 1909: qualquer associação de consumidores possuía legitimidade para atuar em juízo em situações de competição desleal; Suécia 1910 - primeira legislação de defesa do consumidor em colaboração com outros países nórdicos; EUA 1914 - criação de Federal Trade Comission com o objetivo de aplicar a lei antitruste e proteger os interesses dos consumidores; 15 de março de 1962 - mensagem do Presidente Americano ao Congresso - o direito do consumidor adentra nos seus tempos mais modernos, começando a ganhar a notoriedade que merece; Obs: nessa época o c.c. Etíope de 1960 já tratava de proteção, em contratosde adesão. 5 Japão 1968 - Lei geral de proteção aos consumidores; México 1975 - Lei de caráter geral de proteção; EUA 1961 - Consumer protection act; EUA 1968 - Trade descriptions act; ONU - International Organization of Consumers Unions IOCU; 1977 - Convenção de Estrasburgo; 1975 - Ley Federal de Protección al Consumidor do México; 1964 - Estatuto de la Publicidad Espanhol; 1971 - Bélgica - Lei que regula diversos tipos de venda; 1966 - França - Lei repressora da usura. Proteção do Consumidor no Brasil Diferentemente dos movimentos históricos citados anteriormente que deram origem ao movimento denominado consumerismo (entre as décadas de 40 e 60), no Brasil, os marcos referem-se à edição de normas ou outros atos governamentais, conforme abaixo: Lei 1.521 de 26/12/51: Lei de Economia Popular; Lei Delegada 4 de 26/9/62 (fiscalizada pela SUNAB); Tentativa de criação do Conselho de Defesa do Consumidor (Projeto de Lei 70 do Deputado Nina Ribeiro em 1971); Constituição Federal de 1967, com a emenda nº. 1 de 1969 - congregou a defesa do consumidor; Criação do PROCON SP - 1976; Constituição Federal de 1988 - consagrou a defesa do consumidor como direito e garantia fundamental, princípio da ordem econômica e determinou expressamente a criação de uma lei de proteção ao consumidor, fato que veio a se concretizar dois anos depois. 6 Código de Proteção e Defesa do Consumidor A partir do reconhecimento, por parte do estado brasileiro, de que o consumidor necessita de proteção, nesta matéria é que surge o Código de Proteção e Defesa do Consumidor - Lei .8078 de 11 de setembro de 1990. Nossa lei adota o modelo de intervenção estatal, regrando relações privadas. Em todo o mundo, onde há disposição de proteger o consumidor há intervenção do estado nas relações de consumo em maior ou menor grau. A inspiração da lei brasileira veio de diversas normas estrangeiras, dentre elas a Resolução 39/248 da ONU de 1985, do código francês, das leis espanhola, portuguesa, mexicana e canadense. O nosso código foi estruturado basicamente da seguinte maneira: a) conceito dos partícipes da relação (consumidor e fornecedor); b) enumeração dos princípios da política de defesa do consumidor; c) direitos básicos do consumidor; d) as regras sobre qualidade de bens e serviços; e) proteção à saúde e segurança; f) responsabilidade por vício de produtos e serviços; g) oferta; h) publicidade; i) práticas abusivas; j) proteção contratual; k) bancos de dados de consumo, l) cláusulas abusivas, m) sanções administrativas, n) infrações penais; o) defesa do consumidor em juízo; p) Sistema Nacional de Defesa do Consumidor; e q) Convenção Coletiva de Consumo. 7 Neste material, estudaremos a maior parte dos assuntos que acabamos de enumerar e seguiremos, sempre que possível, a mesma sequência da Lei 8.078/90 para facilitar o acompanhamento e estudo dos alunos. TÍTULO I Dos Direitos do Consumidor CAPÍTULO I Disposições Gerais Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias. Já no artigo 1º, o legislador inicia recordando que os fundamentos da defesa do consumidor brasileiro estão na Constituição Federal e o faz mencionando os artigos, precisamente aqueles em que a defesa do consumidor foi inserida. O art. 5º, XXXII da Carta Constitucional trata dos direitos e garantias fundamentais; a importância disso, é que os direitos previstos no art. 5º da Constituição não podem ser modificados pelo Congresso Nacional. Dessa forma, a defesa do consumidor no Brasil atingiu o patamar constitucional e só poderia, por exemplo, deixar de existir, mediante nova Assembleia Nacional Constituinte. Já no art. 170, da Constituição Federal, estão enumerados os princípios da ordem econômica e o direito do consumidor os integra (com o mesmo status). Apenas para conhecimento, vamos mencionar alguns dos princípios da Ordem Econômica: a soberania nacional, a propriedade privada e sua função social, a livre concorrência, a defesa do meio ambiente etc. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art5xxxii http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art5xxxii http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art170v http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#adctart48 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#adctart48 8 O último artigo da Constituição Federal, mencionado no artigo 1º do Código do Consumidor, é o 48 do ato das disposições transitórias. Lá o constituinte deu o prazo de 120 dias para que o Congresso Nacional elaborasse o Código do Consumidor. Muito embora a Constituição tenha sido promulgada em 1988, e o CDC em 1990, não se tem o que lamentar em matéria da qualidade legislativa do nosso Código. Desde a elaboração de seu anteprojeto, ele foi cuidadosamente preparado por um grupo de professores da mais alta qualidade. Sua tramitação no Congresso não foi das mais fáceis, pois havia receio de grupos econômicos de que uma lei dessa natureza poderia pôr a perder a economia nacional. Entretanto, o que se verifica, passados mais de 20 anos da entrada em vigor da lei, é que o efeito foi justamente o contrário. Nosso Código do Consumidor contribuiu para elevar a qualidade dos produtos e serviços prestados no país. A Formação da Relação de Consumo A premissa fundamental do nosso estudo é a identificação da relação de consumo. Do ponto de vista prático de aplicação do CDC, diante de qualquer relação jurídica é fundamental sabermos se estamos diante de um caso onde se pode aplicar o Código do Consumidor. Caso não possamos aplicar o CDC, no caso concreto, a relação poderá estar sujeita à aplicação do Código Civil, por exemplo, e não se sujeitará às regras que estudaremos neste material. Para sabermos quando estamos diante de uma relação de consumo, é preciso perguntar, diante do caso concreto, se temos ali a figura do consumidor, do fornecedor e se esta relação tem por objeto um produto ou serviço. Como todos esses elementos estão definidos no próprio CDC, analisaremos cada um deles para, ao final, conceituarmos a relação de consumo. 9 O Conceito de Consumidor Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. O Código não possui apenas um conceito de consumidor. Ao todo são quatro conceitos. Dois destes conceitos estão mais à frente na lei; entretanto, esse é o melhor momento para estudarmos todos os conceitos de consumidor que o legislador brasileiro previu. Vamos a eles. O primeiro que veremos é o conceito padrão. O conceito básico ou standart, que está previsto no caput (cabeça) do artigo 2º, acima mencionado. Aqui, o legislador determina que consumidor pode ser tanto pessoa física quanto jurídica, desde que adquira produtos ou serviços como destinatário final. Assim, tanto a pessoa física (chamada de pessoa natural, no direito civil) quanto a jurídica podem ser consideradas consumidoras de produtos ou serviços. Entretanto, no conceito da lei, para saber se estamos diante de um consumidor, é preciso perguntar se a aquisição preenche o requisito da destinação final, ou seja: quando adquirimos um produto ou serviço para nosso uso próprio ou de nossos familiares, encerrando com este ato a cadeia produtiva, sem reinseriro bem no mercado de consumo, estaremos diante da figura do consumidor. Dessa forma, quem compra gêneros alimentícios em um supermercado, para consumo próprio ou de sua família, é considerado consumidor e goza da proteção da lei, em caso de irregularidade. Se essa mesma pessoa adquire esses mesmos produtos para revenda, deixará de ser consumidora desses produtos. 10 Importante atentar para o fato de que o legislador atrelou (neste primeiro conceito) a figura do consumidor à finalidade – destinação final – por essa razão encontramos frequentemente, na doutrina especializada que o legislador brasileiro utilizou, a teoria ‘finalista’. Assim, seguindo à risca esse conceito legal, só é considerado consumidor o destinatário final de bens de consumo. O segundo conceito de consumidor, previsto no CDC, é um conceito de consumidor por equiparação legal. Ele está no parágrafo único do próprio artigo 2º. A primeira diferença entre o conceito do artigo 2º caput e dos demais conceitos que veremos, reside no fato de que o primeiro define e conceitua o consumidor, enquanto os demais equiparam a consumidor pessoas e situações que a rigor não seriam considerados consumidores, a partir do conceito padrão. No parágrafo único do artigo 2º, por exemplo, a figura equiparada à de consumidor é a coletividade de pessoas (mesmo indetermináveis). Esse dispositivo foca não mais no consumidor individual, mas no coletivo, no grupo de pessoas que adquiriu bens de consumo. Além de tratar a coletividade como consumidora, já que os contratos de consumo são, em regra, contratos de massa, há um foco preventivo nessa regra. No rol de legitimados a defender essa coletividade de consumidores, está o próprio Ministério Público. São diversas as situações em que se pode pensar na incidência desse artigo: veículos defeituosos, medicamentos postos no mercado em desacordo com as normas, alimentos nocivos à saúde etc. Nesses casos, o Ministério Público pode propor ação ou instaurar procedimento preparatório (conhecido como inquérito civil) para investigar o caso, buscar a reparação de danos e punir os infratores, se for caso. O terceiro conceito de consumidor, no CDC, é outro feito por equiparação legal. 11 Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. A seção onde esse artigo foi redigido na lei, é a que trata da Responsabilidade pelo Fato do Produto ou Serviço, a qual estudaremos mais adiante. No CDC, o fato do produto ou serviço é o mesmo que um acidente de consumo. Ou seja, se uma pessoa, mesmo sem relação contratual com uma empresa que fornece produtos ou serviços no mercado, for vítima de um acidente de consumo, ela será considerada consumidora por equiparação. Exemplos: Panela de pressão com defeito na válvula, que explode durante o uso e fere a empregada da consumidora que adquiriu o produto (panela); Ônibus de transporte coletivo que, por defeito de fabricação, fica sem freios e atropela pessoas na rua; Acidente aéreo: avião que cai sobre residências matando e ferindo pessoas; Explosão em shopping center que fere pessoas, inclusive as que estavam apenas passeando no local, sem praticar atos de consumo. Em todos esses casos, as vítimas do acidente de consumo são, nos termos da lei, equiparadas a consumidoras e gozarão (as vítimas ou seus sucessores) da proteção legal, embora não tenham praticado atos de consumo selando uma relação contratual com o fornecedor. O último conceito de consumidor contido no Código, é o do artigo 29. Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. 12 Aqui a equiparação a consumidor estende-se a diversos assuntos previstos no CDC. Vamos a eles: Como o comando expresso da lei é guindar à posição de consumidor as pessoas expostas às práticas previstas neste capítulo (V) e no seguinte (VI), este conceito alcança os consumidores expostos a: Oferta; Publicidade; Práticas abusivas; Cobrança de dívidas; Bancos de dados e cadastros de consumidores; Proteção contratual e cláusulas abusivas. Importante chamar a atenção para a grande amplitude deste artigo. O consumidor, ainda que meramente exposto a quaisquer destes assuntos acima, poderá valer-se do Código do Consumidor para se proteger, em caso de lesão ou ameaça de lesão a direito. Em outras palavras, basta que o consumidor esteja exposto a uma oferta incorreta, a uma publicidade enganosa ou abusiva, mesmo que não esteja disposto a adquirir o produto ou serviço anunciado, já será consumidor por equiparação legal. Da mesma forma, se exposto a alguma das práticas ou cláusulas abusivas, que estudaremos mais adiante, se exposto a ridículo em cobrança de dívida, lesado por cadastros de consumo, também poderá valer-se do Código do Consumidor para se proteger ou reparar danos sofridos. Assim, de forma sintética, temos no Código um conceito padrão de consumidor (chamado de standard) e mais três outros conceitos de consumidor por equiparação legal que ampliam muito o conceito do artigo 2º caput, aumentando também o leque de proteção ao consumidor brasileiro. 13 O Conceito de Fornecedor Diferente dos diversos conceitos de consumidor que temos no CDC, ao conceituar o fornecedor, o legislador criou apenas uma regra, sem recorrer a equiparações. Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Assim como no conceito de consumidor, o fornecedor também pode ser pessoa física ou jurídica. Dessa forma, mesmo que uma pessoa decida oferecer produtos ou serviços aos consumidores, sem que para isso crie uma empresa, ela também será considerada fornecedora e responderá nos termos de nossa lei de consumo, em todas as fases (da oferta ao pós-contrato). Pessoas que comercializem alimentos (p. ex. salgados) ou produtos de beleza e que não possuam registro de pessoa jurídica perante o estado, podem ser fornecedoras de produtos. O mesmo se pode dizer em relação aos camelôs que atuam na informalidade. São todos os casos de pessoas físicas que podem integrar as relações de consumo e sua cadeia de responsabilidade, a despeito de se apresentarem como pessoas físicas. Já as pessoas jurídicas (formalmente inscritas no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas), respondem na condição de fornecedoras desde que ofereçam produtos ou serviços no mercado de consumo, conceitos que veremos logo à frente. As pessoas jurídicas de direito público podem ser aquelas que, criadas pelo poder público, prestam serviços diretamente aos consumidores e também às concessionárias e permissionárias de serviços públicos. 14 Assim, não importa se o serviço público é prestado diretamente pelo estado ou repassado a um ente privado; essa circunstância não descaracteriza a condição de fornecedor da empresa. O que de fato é preponderante para entendermos quais fornecedores de serviços públicos são fornecedores, sob a ótica do CDC, é a forma de remuneração. Mais adiante, ao estudarmos o conceito de serviço, teremos maior clareza sobre quais tipos de serviços públicos são considerados objeto das relações de consumo. Já em relação às pessoas jurídicas de direito privado (criadas e geridas por particulares), o tipo de serviço ou produto fornecido e a forma de remuneração (direta ou indireta) não os desnaturam como fornecedores, do ponto de vista das relações de consumo. Sejam as pessoas jurídicas, nacionais ou não, elasserão fornecedoras se oferecerem produtos ou serviços no mercado de consumo brasileiro. Caso a pessoa jurídica esteja domiciliada fora do país, mas ofereça seus produtos no Brasil, ainda assim o consumidor terá a proteção de nossa lei de consumo. Além das pessoas jurídicas com personalidade jurídica (públicas ou privadas), o legislador brasileiro também incluiu no conceito de fornecedor os entes despersonalizados. Os casos mais comuns de entes despersonalizados que podem intervir em relações de consumo, na condição de fornecedor, são a massa falida, o espólio e o condomínio. Imagine que uma empresa (pessoa jurídica de direito privado) tenha sua falência decretada judicialmente, mas que continue a produzir os mesmos bens de consumo que já produzia anteriormente a fim de liquidar suas obrigações com seus credores (recuperação judicial). Nesta hipótese a empresa perde sua personalidade jurídica (torna-se massa falida), mas não deixa de ser fornecedora para fins de relações de consumo. Para caracterização de relação de consumo é de suma importância avaliarmos se as pessoas físicas ou jurídicas de que acabamos de falar, desenvolvem 15 determinadas atividades. Chamamos a atenção para o fato de que a atividade requer habitualidade. Assim, se uma pessoa jurídica que fabrica creme dental vende um veículo de uso da empresa a uma pessoa física, essa venda não possui habitualidade, tampouco está no objeto social da empresa o que retira essa relação jurídica da esfera das relações de consumo e a torna uma relação civil (sujeita as regras do código civil brasileiro). Os tipos de atividades listadas no artigo 3º como de fornecimento são as mais diversas: produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. O leque de atividades é o mais abrangente possível. Todas as fases do fornecimento estão contempladas na regra legal. Da produção até a ‘ponta’ do consumo, incluindo a intermediação, todas essas atividades são de fornecimento em matéria de consumo no país. Em complemento ao nosso estudo há um conceito de fornecedor fora do Código do Consumidor, que está no Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/2003). Segundo a regra do art. 3º do Estatuto, equiparam-se a fornecedores para efeito do CDC, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo. Assim, organizadores de competições desportivas e clubes detentores do mando de jogo equiparam-se a fornecedores de serviços e respondem como qualquer outro fornecedor por danos causados aos consumidores torcedores. Visto os conceitos de consumidor e de fornecedor – as partes da relação – vamos conhecer os objetos do consumo: produtos e serviços. Ambos com definição no próprio CDC. O conceito de produto: Art. 3° (...) § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. 16 Bens podem ser definidos como coisas, sejam eles materiais ou imateriais dotados de valor econômico e que possam servir de objeto a uma relação jurídica. No Código Civil, o legislador não utiliza o conceito de produto; ao contrário, optou por categorizar e definir bens em: móveis, imóveis, fungíveis, consumíveis, singulares, coletivos, públicos e reciprocamente considerados. Já no CDC, a opção do legislador foi de dizer quais bens são considerados produtos (móveis, imóveis, materiais e imateriais). Os bens móveis são aqueles que podem se mover por força própria ou alheia, sem alteração da sua substância ou destinação econômico-social. No direito civil, os bens que podem mover-se por força própria são classificados como semoventes. Nessa categoria, estão os animais. Assim, animais que possuam destinação final, ou seja, que não sejam utilizados para atividades econômicas (por exemplo, gado de corte leiteiro etc) são considerados bens de consumo, na categoria móvel. Além desses, os automóveis, os eletrodomésticos, eletroeletrônicos, alimentos, medicamentos, vestuário, materiais de construção ainda não incorporados à obra e todos os demais bens considerados móveis, no conceito do direito civil, que comentamos há pouco, poderão ser objeto das relações de consumo, na condição de produto. Na categoria dos imóveis (a partir do conceito de bem móvel), estão aqueles que não podem ser transportados, sem perda de sua substância ou destinação econômico-social. Uma casa de alvenaria é um claro exemplo disso. Entretanto, um prédio que possa ser separado do solo, sem perder sua unidade e, assim, ser removido para outro local, não perderá sua característica de imóvel. 17 O conceito de serviço: Art. 3º (...) Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de trabalho. Aqui, voltamos a chamar a atenção para a expressão “atividade”, da qual já falamos ao conceituar fornecedor. Essa é uma das chaves para a identificação de serviços sujeitos ao regime do CDC. Se o serviço não é prestado de forma habitual pelo fornecedor, ou seja, se ele presta serviço, ainda que remunerado, mas o faz sem qualquer habitualidade, não é fornecedor de serviços. Dessa forma, o amigo que por entender de mecânica, conserta o carro alheio, mas o faz por solidariedade, coleguismo e sem a habitualidade, não é fornecedor de serviços. Porém, o mecânico que exerce sua atividade habitualmente, e com remuneração, é fornecedor de serviços e deve realizar oferta adequada, fornecer orçamento discriminado previamente etc. Repare que nesse artigo o legislador conceituou, também, amplamente o fornecedor e depois passou a listar algumas atividades sobre as quais quis ser absolutamente enfático para que não pairassem dúvidas sobre a condição de fornecedor de serviços destes entes (bancária, financeira, de crédito etc). Mesmo assim, o Sistema Financeiro questionou judicialmente, através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade o fato de estar sujeito às regras do CDC como fornecedor de serviços, nas relações de consumo (ADI 2591). A Ação, ao final, foi julgada improcedente e essa controvérsia foi dirimida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). 18 Assim, todo aquele que exercer atividade de natureza bancária, mediante remuneração, é considerado fornecedor de serviços. A expressão ‘mediante remuneração’ contida nesse dispositivo merece atenção especial, principalmente, quando o serviço possui natureza pública. Pois bem, já vimos que o fornecedor pode ser pessoa jurídica de direito público ou privado; o que resta saber é quais serviços públicos estão sob a égide do CDC. Será que hospitais e escolas públicas, segurança pública e os poderes legislativo e executivo podem ser enquadrados como relação de consumo? As promessas de campanha dos candidatos a cargos eletivos se encaixam nos conceitos de publicidade previstos no CDC. Segundo a doutrina dominante, prevalece o entendimento de que o fornecedor de serviços de natureza pública será considerado fornecedor para a lei de consumo, quando sua remuneração for feita mediante taxa ou tarifa (preço público). Sob essa ótica, excluem-se do conceito de serviços a polícia militar, o legislativo, o judiciário, hospitais públicos, escolas públicas etc, pois todos esses serviços são remunerados mediante impostos. Já os serviços de água, energia elétrica, telefonia, transporte público, rodovias são remunerados, conforme o caso, por tarifas ou taxas e como tal estão sujeitos à incidência do CDC. Repare que textualmente o legislador apenas deixou de fora dos serviços nas relações de consumo, aqueles de caráter trabalhista, situações já reguladas pelaCLT (Consolidação das Leis do Trabalho). 19 A Política Nacional das Relações de Consumo e seus Princípios O Código do Consumidor inaugura uma política de relações de consumo (Art. 4º), algo até então inexistente no Brasil. Essa política traz consigo alguns objetivos como o atendimento das necessidades dos consumidores, respeito à sua dignidade, saúde, segurança, proteção de seus interesses econômicos e melhoria de sua qualidade de vida. Por fim, essa política nacional deve ser baseada em transparência e harmonia. Em nível federal, o órgão encarregado de zelar pela execução dessa política nacional é a SENACON (Secretaria Nacional do Consumidor), criada em maio de 2012. Além de objetivos muito bem definidos, a política de relações de consumo brasileira é orientada por princípios. O primeiro deles é o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I). Essa é uma presunção legal, ou seja, a partir da constatação da formação de uma relação de consumo, o consumidor ali presente será sempre considerado vulnerável. Trata-se de uma premissa. É a partir desse reconhecimento, de que o consumidor é a parte mais fraca da relação de consumo, que o legislador estabeleceu em todo o código uma série de direitos e de mecanismos de proteção ao consumidor na intenção de reequilibrar uma relação que nasce desequilibrada. De um lado, o fornecedor que controla os meios de produção, redige os contratos, escolhe os componentes que utilizará em seus produtos, define sua estratégia de marketing e, de outro, o consumidor que, como regra, ignora todos os fatores que levaram o fornecedor a colocar seus produtos no mercado e eleger determinados consumidores como seu público-alvo. Nas relações massificadas, o processo decisório do consumidor (quando há, fica limitado a um sim, ou a um não. 20 Ele decide apenas se contratará ou não aquele serviço ou produto. Não lhe é dado interferir, seja customizando os bens de consumo, seja alterando regras contratuais. Desse modo, nada mais razoável e compreensível que o estado legisle de forma a intervir no domínio econômico, criando limites aos fornecedores e direitos aos consumidores. O segundo princípio da Política Nacional de Relações de Consumo (PNRC) é a ação governamental de proteção (Art. 4º, II, a, b e c). Essa ação pode se dar por iniciativa governamental direta, incentivando a criação e o desenvolvimento de associações de consumidores, pela presença do próprio estado no mercado e, também, assegurando padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho de produtos e serviços. A harmonização de interesses entre consumidor e fornecedor é o terceiro princípio (art. 4º, III). A harmonização, a princípio difícil de imaginar, considerando que por vezes os interesses de consumidores e fornecedores são antagônicos, nada mais é do que a busca do equilíbrio entre proteção da parte mais fraca e o desenvolvimento econômico e tecnológico nacional. A boa-fé de ambas as partes é essencial para a busca da harmonização. O sentido de boa fé, mais comumente empregado aqui, é em seu sentido objetivo e não subjetivo (intenção apenas), que consiste em uma lealdade entre as partes, em ações lado a lado que favorecem a execução do contrato e que facilitam, em última análise, a vida em sociedade. Outro pilar da PNRC é a educação dos partícipes das relações de consumo (art. 4º, IV). A educação de consumidores e fornecedores é fundamental para a redução de litígios e respeito mútuo. Conhecedores de seus deveres e direitos, consumidores não exigem mais do que a lei lhes faculta e fornecedores não desrespeitam as garantias asseguradas aos consumidores. 21 A educação é a porta aberta para que se evitem abusos nos dois sentidos das relações consumeristas. A melhoria do mercado é a consequência que o próprio legislador espera por meio de ações educativas. Em regra, as atividades educativas são efetivadas pelos órgãos de defesa do consumidor com palestras e cursos, seja para consumidores, seja para fornecedores. Mas considerando que a proteção do consumidor é assunto de interesse social (de toda a sociedade), empresas, entidades de classe e de defesa do consumidor podem e devem promover a educação financeira e para o consumo. Outro princípio das relações consumeristas é o controle de qualidade e segurança incentivado pelo estado (Art. 4º, V). Além disso, de meios alternativos (aos tradicionais) de solução de conflitos de consumo. Este inciso possui dois comandos. A primeira regra vem no sentido de evitar lesões a direitos e acidentes de consumo; já a solução alternativa de conflitos de consumo surge na fase da reparação de direito violado. Prevenção e reparação estão contempladas nesse dispositivo principiológico. Sem falar na assunção de que o estado não tem dado conta do dever de solucionar adequadamente conflitos sociais e como os conflitos de consumo se dão em massa (aos milhares) fica ainda mais evidenciada a incapacidade estatal de dar vazão à solução desses conflitos, gerando o que se chama de demandas reprimidas. De certo modo, as redes sociais vêm dando resposta a esse comando, mesmo sem o incentivo estatal determinado na lei. Do ponto de vista legislativo, a lei de arbitragem pode ser lembrada como regra que atende a esse comando do CDC; entretanto, a utilização da arbitragem em relações consumeristas ainda é praticamente inexistente. O inciso VI, do art. 4º, reforça um dos papéis inerentes ao próprio estado: o de reprimir condutas ilícitas constatadas no mercado de consumo. Sejam elas relações entre consumidores e fornecedores, sejam relações anticoncorrenciais (entre fornecedores) que causem prejuízos aos consumidores. 22 Os serviços públicos prestados aos consumidores estão na mira do legislador, em diversos momentos do CDC. Eles não foram esquecidos nem mesmo na formação das relações de consumo e como decorrência deverão buscar patamares de mercado elevados, oferecendo serviços com qualidade e preços módicos. Não raro os serviços públicos são prestados em regime de monopólio e, como tal, ao suprimir a liberdade de escolha dos consumidores, devem garantir o binômio satisfação x preço adequado. Tal equilíbrio deriva da busca constante pela melhoria e racionalização, conforme o princípio previsto no artigo 4, inc. VII. O último princípio previsto no CDC é um tanto visionário (art. 4º, inc. VIII). Ele determina que sejam realizados estudos sobre as modificações do mercado de consumo. Seja pela velocidade das mudanças de mercado tanto em nível mundial, o que determina mudanças no mercado interno, quanto no próprio mercado nacional; seja falta de tradição ou investimento nesse tipo de atividade, não temos atividades conhecidas de estudos de modificações de mercado senão aquelas realizadas pelos próprios fornecedores com vistas a atualizar seus produtos às novas exigências dos consumidores e manter-se atualizados, do ponto de vista concorrencial. Instrumentos da Política Nacional de Relações de Consumo Após fixar objetivos e princípios da PNRC, o legislador nomeou seus executores. Os órgãos mencionados no artigo 5º foram inadequadamente denominados de ‘instrumentos’. São eles: a) assistência judiciária aos consumidores carentes; b) instituição de promotorias de justiça especializadas em defesa do consumidor; c) delegacias de polícia especializadas nos consumidores, vítimas de crimes contra as relações de consumo; d) criação de juizados especiais e varas especializadas na solução de conflitos de consumo, e 23 e) estímulo à criação e desenvolvimento de entidades associativas de defesa do consumidor. Esses órgãos de estado aqui nomeados receberam por lei especial a incumbência de proteger o consumidor ou, no casodo judiciário, dirimir conflito. Restou ao estado a criação de promotorias, delegacias e varas especializadas em relações de consumo. Situação ainda distante da realidade, pois não são poucos os estados da federação que contam com a especialização necessária, o que por vezes inviabiliza o seu acesso a denunciar, por exemplo, crimes contra relações de consumo em delegacias ‘comuns’, onde há desconhecimento dos delitos e, o consumidor, caso tenha paciência, será atendido, depois de horas, pois necessitará esperar o atendimento de crimes contra a vida ou patrimônio. Direitos Básicos do Consumidor Ao lado dos princípios, os direitos básicos compõem a essência dos direitos consumeristas, a fundação de onde partiram as regras específicas. Em 15 de março de 1962, John Fritzgerald Kennedy enviou mensagem ao Congresso enumerando direitos dos consumidores. Direito à segurança, direito à informação e regulamentação da propaganda, direito à opção e direito de ser ouvido. Esses mesmos direitos básicos foram adotados mais tarde pela ONU como diretrizes das Nações Unidas e a data é comemorada até os dias de hoje, como o dia mundial do consumidor. Conforme veremos, nosso CDC incorporou os direitos mencionados por Kennedy e foi além. O primeiro direito básico (art. 6º, I) visa proteger a vida, a saúde e a segurança dos consumidores contra riscos decorrentes de produtos e serviços perigosos ou nocivos. 24 Como se nota, ao utilizar a expressão proteger (e não reparar) o legislador deixa clara a sua intenção de atuar no momento pré-contratual, ou seja, prevenir os riscos a que o consumidor fica exposto ao utilizar produtos ou serviços, potencialmente nocivos ou perigosos. Outra constatação é que o legislador não ignora que a sociedade de consumo é também uma sociedade de riscos; assim, tolerou produtos perigosos e nocivos. Em segundo lugar, no rol dos direitos básicos previstos no CDC (art. 6º, II), está a divulgação sobre consumo adequado, além da liberdade de escolha e a igualdade nas contratações. A primeira regra remete ao consumo adequado. Há aí uma previsão de adequação entre a necessidade do consumidor e a destinação do bem de consumo. Por certo o direito atinge tanto o consumidor de alimentos quanto o de crédito. No primeiro caso, as informações de rotulagem devem informar sobre o consumo adequado; no segundo caso, prospectos, informações no site da instituição financeira, contrato e o vendedor do crédito devem apresentar ao consumidor as características do produto vendido para que, sabedor de suas necessidades, o consumido possa decidir se aquele produto de crédito é o mais adequado às suas necessidades. A liberdade de escolha pode ser assegurada tanto das informações que são fornecidas ao consumidor para que ele possa fazer comparações entre os diferentes produtos ou serviços, quanto da atuação estatal que privilegie a concorrência livre. Não são raros os serviços que consumimos no Brasil, em regime de monopólio absoluto, e onde claramente inexiste liberdade de escolha para o consumidor. Exemplo disso é o fornecimento de serviços como de água e energia elétrica. A igualdade nas contratações, se pensada entre consumidor e fornecedor, deve ser bastante relativizada (igualdade formal), considerando obviamente os papéis 25 de cada um deles na relação. Alguns instrumentos de busca de igualdade contratual estão no próprio CDC (vide art. 51). Sob outra ótica, a igualdade (isonomia) de tratamento entre os próprios consumidores também pode ser um aspecto a ser considerado neste dispositivo. Neste caso, estamos tratando de evitar que haja discriminação em seu aspecto negativo. No inciso III, o direito de informação é a tônica do dispositivo. Apesar de espalhado em diversos outros incisos (a exemplo do inciso II) é aqui que o direito básico de informação ganha o centro das atenções legislativas. Todas as principais características dos produtos e serviços devem ser informadas aos consumidores (quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes, preço, além de riscos). Vale destacar que as informações exigidas pela lei (conteúdo), também ganharam regras sobre sua forma (adequada). A informação adequada não é aquela trazida em rodapés, com fontes de letras minúsculas ou incompreensíveis. A informação, base do consumo consciente e refletido, deve ser dada de maneira que realmente atinja o consumidor: sem enganos ou truques. Uma recente mudança neste inciso do CDC incorporou a ele uma regra constitucional que desde 1988 vinha sendo ignorada. O consumidor já tinha, por força do art. 150, da Carta Constitucional, direito a saber qual o valor dos tributos embutidos nos bens de consumo. Em 2012, o legislador emendou esse inciso III do art. 6º e reforçou o comando constitucional. No inciso IV, do art. 6º, o consumidor ganhou proteção contra duas formas de publicidade que passaram a ser consideradas ilícitas (enganosa e abusiva), além dos métodos comerciais desleais, práticas e cláusulas abusivas. 26 Todas essas disposições ganharam regras específicas no CDC. A publicidade ilegal nos arts. 36 e 37 e as práticas e cláusulas abusivas (arts. 39 e 51). Todas essas práticas foram consideradas perniciosas pelo legislador por desequilibrar a relação consumerista em qualquer de suas fases. Seja no momento pré-contratual (publicidade e algumas práticas abusivas), quanto na fase contratual (cláusulas abusivas). Ainda em relação aos contratos de consumo, outro direito básico está previsto no inciso V do art. 6º. Porém, esse dispositivo além de focar em cláusulas que são engendradas de forma a desequilibrar o contrato como é a característica principal das cláusulas abusivas, também foi desenhada aqui a proteção contra fatos supervenientes que tornem o contrato excessivamente oneroso ao consumidor. O caso real mais comumente citado, como exemplo deste inciso, é o das cláusulas contratuais em contrato de leasing vinculadas à variação cambial. Com a alta do dólar, em 1999, os contratos tornaram-se excessivamente onerosos aos consumidores, situação por que milhares de contratos foram revistos, com base neste inciso, com fundamento na onerosidade excessiva. A prevenção e a reparação de danos também ganharam status de direito básico no CDC, sejam eles patrimoniais, morais, individuais ou mesmo coletivos (inc. VI). A prevenção no CDC se apresenta, por exemplo, pelas regras que obrigam os fornecedores a garantir informações aos consumidores e dispositivos que determinam o cuidado com a qualidade dos bens de consumo. Já a reparação ganha destaque com sanções civis isoladas (art. 39 parágrafo único) e substancialmente nos artigos 81 e seguintes com a proteção do consumidor em juízo. De nada adiantaria prever uma série de direitos aos consumidores sem, no entanto, garantir-lhes acesso aos órgãos estatais responsáveis por sua tutela. Se a efetivação da proteção legal é executada por determinados órgãos, nada 27 mais adequado do que estabelecer o acesso dos consumidores a eles. Seja tanto no poder judiciário (varas especializadas e juizados especiais), quanto nos órgãos incumbidos da proteção do consumidor, em nível administrativo, os conhecidos Procons estaduais e municipais. O inciso possui um destinatário claro. O consumidor necessitado, ou seja, aquele em situação de hipervulnerabilidade econômica, sem condições de contratar advogado para defender seus direitos. Além do acesso aos órgãos o legislador também estabeleceu como mecanismo de proteção ao consumidor a facilitação da defesa de seus direitos (art. 6º, VIII). Objetivamente essa facilitação veio por meio de um mecanismo de capital importância no processo civil. A inversão, aplicada somente pelo juiz de direito, pode ocorrerquando as alegações do consumidor forem verossímeis (com aparência de verdadeiras), apesar de destituídas de prova, ou quando o consumidor for pouco suficiente (hipossuficiente) o que o coloca em desvantagem frente ao fornecedor. O mecanismo de inversão do ônus da prova não é algo novo no direito brasileiro; ele já existe nas regras de processo civil e pode ser determinado pelo juiz sempre que a produção de determinada prova for onerosa demais para quem tenha que produzi-la (prova diabólica, prova negativa). A regra em direito é que a prova deve ser produzida por quem alega, mas como nem sempre isso é possível, existe a exceção de inversão do dever de provar, oportunamente aproveitada no CDC. A importância dessa regra processual é indiscutível em se tratando de relações de consumo. Em muitos casos, o consumidor não possui a seu dispor meios de prova para demonstrar o que alega. Como um consumidor vai provar, por exemplo, que não realizou determinada compra com seu cartão de crédito ou chamadas telefônicas que constam da sua fatura de serviços. 28 Determinados tipos de provas estão sob domínio e controle do fornecedor. Gravação de chamadas telefônicas, controle de consumo em cartões de crédito e telefonia são todos exemplos em que, caso o consumidor necessite demonstrar que não realizou determinada transação, não terá como fazê-lo por meio de provas, pois elas estão com o fornecedor. Assim, em se tratando de relações de consumo, caso o juiz se convença de que o consumidor está dizendo a verdade, ou quando for ele pouco suficiente do ponto de vista técnico ou econômico, deverá devolver ao fornecedor o ônus de provar que a alegação do consumidor é falsa; se não for capaz de fazê-lo, as alegações do consumidor passam a valer como prova. O último direito básico previsto no CDC (inc. X) é a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. Sabidamente pouco eficientes e sem concorrência alguma, diversos serviços públicos prestados no país ficam muito aquém das regras de prestabilidade e eficiência. A busca do legislador foi elevar os serviços públicos ao patamar de qualidade exigido dos fornecedores privados. O Direito do Consumidor e suas Fontes O código de defesa do consumidor, apesar de principal diploma legal em matéria de relações de consumo, não é o único. O art. 7º determina que tratados, convenções internacionais, legislação ordinária interna, regulamentos, além de regras decorrentes dos princípios gerais do direito, analogia e costumes, todos são fontes do direito do consumidor. A legislação ordinária interna é, sem sombra de dúvidas, dentre as fontes de direito do consumidor, a mais recorrente. Há no país um sem número de leis estaduais e municipais sobre os mais diversos assuntos em matéria de relações de consumo. De filas em bancos e supermercados, passando por regras de 29 segurança bancária, meia entrada e proibições de perturbar o consumidor com ofertas publicitárias, as regras de defesa do consumidor criadas pelo legislador municipal e estadual são por vezes repetições do próprio texto do CDC e muitas vezes contraditórias entre si. De todo modo, críticas à parte, segundo o art. 7º elas valem como fonte do direito consumerista. Qualidade de Produtos e Serviços, Prevenção e Reparação de Danos Em matéria de qualidade de bens colocados no mercado de consumo, vamos analisar em primeiro lugar os artigos 8º, 9ºe 10º. Eles tratam especificamente da proteção à saúde e segurança do consumidor A temática do artigo 8º é a periculosidade latente e inerente. A regra legal prevê que os bens de consumo não devem acarretar riscos à saúde e segurança do consumidor, salvo os considerados normais e previsíveis, sempre acompanhadas das informações a esse respeito. Com isso, podemos tirar basicamente duas conclusões: a) o legislador não proibiu os produtos e serviços que colocam a segurança ou a saúde do consumidor em risco, desde que a periculosidade ou nocividade seja inerente à característica do bem de consumo. É sabido que facas cortam; que isqueiro queima e pode explodir, tal qual botijões de gás; que o transporte aéreo está sujeito à lei da gravidade e que possuem reações adversas etc. O risco é inerente a esses produtos e serviços, mas nem por isso eles devem ser retirados do mercado. O que o legislador proíbe ao estabelecer que os bens de consumo não ofereçam riscos aos consumidores, salvo os normais e previsíveis é a periculosidade adquirida e não a latente ou inerente, que é indissociável do produto ou serviço. 30 A periculosidade adquirida, como o próprio nome diz, é aquela que não é considerada previsível e surge durante o processo produtivo, seja na fase de projeto, produção, ou após a introdução do produto ou serviço no mercado. Os casos mais conhecidos de periculosidade adquirida no mundo envolvem a indústria automobilística. Não raro, após introduzir um veículo no mercado o montador descobre algum tipo de defeito que coloca a segurança do consumidor em risco. Esse tipo de periculosidade é justamente aquela que nosso legislador procurou regular neste artigo e no artigo 10º onde está prevista a conduta a ser adotada quando da descoberta de periculosidade, após a colocação do produto no mercado. No artigo 9º, o legislador reforça o dever de informação que envolva riscos, entretanto o foco agora é sobre os produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos. No artigo 8º, estávamos tratando de bens de consumo que apresentam alguma nocividade ou periculosidade; aqui tudo leva a crer que a referência legislativa se dirige aos bens de alta nocividade ou periculosidade como os venenos em geral (inseticidas), agrotóxicos etc. No artigo seguinte, constam os deveres dos fornecedores caso só tenham ciência da nocividade ou periculosidade, após a colocação do bem de consumo no mercado. A lei trata do tema sob o rótulo de ‘chamamento’. Mundialmente e mesmo no Brasil, o assunto também é conhecido por recall. A regra prevê, em primeiro lugar, que o fornecedor está proibido de introduzir bens de consumo no mercado que sabe, ou deveria saber, apresentar alto grau de periculosidade ou nocividade. Já sabemos que estamos tratando da periculosidade adquirida, pois vimos anteriormente que a periculosidade inerente é permitida, desde que acompanhada de informações adequadas ao consumidor. Porém, como não se pode ignorar que falhas podem ocorrer na produção em massa, o legislador sabiamente previu como o fornecedor deve agir nesses casos em que desconhecia a periculosidade (adquirida) do produto ou serviço. 31 A periculosidade deve ser comunicada tanto aos consumidores quanto às autoridades para que todos (especialmente consumidores) fiquem cientes dos riscos a que estão submetidos e, conforme o caso, inclusive suspendam imediatamente o uso de produto ou serviço. Com isso, busca-se evitar o dano iminente. A comunicação publicitária a respeito da periculosidade deve ser ampla (rádio e televisão, no mínimo) e obviamente devem ser custeados pelo fornecedor responsável pela introdução do bem de consumo no mercado. Além disso, caso o Poder Público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) tenha ciência da periculosidade, também possui o dever de alertar os consumidores. Esse dever é usualmente cumprido pelos órgãos de defesa do consumidor, por meio de divulgação em suas páginas eletrônicas de bens de consumo sobre os quais incidiram campanhas de chamamento espontâneas, ou seja, descoberta e noticiada pelos fornecedores. Da Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço Ainda dentro da Seção que estabelece regras sobre a qualidade de produtos e serviços, veremos agora como a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço foi disciplinada no CDC (arts. 12 a 17). Inicialmente,o Código de Defesa do Consumidor trouxe uma disciplina que é sua marca registrada (art. 12). Trata-se da regra de responsabilidade objetiva. Ao estabelecer esta marca, o legislador claramente estabeleceu um parâmetro claro e transparente, um sistema de responsabilização que se estende por toda a lei e que também é instrumento de facilitação de defesa do consumidor. Responsabilidade objetiva significa que os fornecedores, em matéria de consumo, respondem independentemente da apuração de culpa de sua parte (elemento subjetivo da responsabilidade). 32 Assim, em caso de acidente de consumo, cabe ao consumidor demonstrar o dano e o nexo de causalidade do dano com o produto ou serviço, ou seja, que o dano se originou a partir do ato de consumir. Não é dado ao fornecedor defender-se, alegando que desconhecia a possibilidade do dano ou o defeito. A responsabilidade recairá sobre ele, mesmo sem qualquer culpa de sua parte. Sejam os defeitos decorrentes do processo produtivo, acondicionamento ou informações insuficientes sobre utilização e riscos, a regra incide fatal e infalivelmente. Cabe aqui um parêntese para explicar, a partir do conceito legal o que é considerado defeito do produto. Defeito no dizer da lei está presente sempre que o produto não oferecer a segurança que dele legitimamente se espera. Ainda, segundo a lei, essa segurança legitimamente esperada deve ser analisada segundo critério: a) apresentação - uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam, na época em que foi colocado em circulação. Pois bem, a partir desse critério, é possível, caso a caso, dizer se determinado produto é ou não defeituoso. Imagine a seguinte situação: a partir de alguns acidentes noticiados, constata-se que um determinado veículo já introduzido no mercado de consumo, diante de impactos provocados por irregularidades no asfalto, libera as bolsas de air bag do motorista e dos passageiros. A partir do conceito legal que acabamos de citar, não é preciso muito esforço para concluir que o produto hipoteticamente criado no exemplo é defeituoso. 33 Imagine um veículo em movimento nas esburacas ruas de qualquer capital brasileira, acionando os dispositivos de air bag. Qualquer motorista perderia o controle do carro nessa hipótese, vindo a colidir. O dispositivo de segurança (no caso o air bag) não oferece a segurança que dele se espera que é a de disparar apenas em situações de colisão do veículo. Mas além de conceituar o defeito, o legislador também criou situações onde o produto não será considerado defeituoso (Art. 12 §§ 2º e 3º). A primeira hipótese que não gera a situação de defeito está ligada ao avanço tecnológico. Assim, se um produto de melhor qualidade é lançado no mercado o anterior não será considerado defeituoso. Avanço tecnológico e criação de dispositivos de segurança não geram defeitos para os produtos anteriores a eles, apenas obsolescência, mas não defeito. Além disso, a regra de responsabilidade não incide sobre o fornecedor se ele demonstrar: a) que não colocou o produto no mercado; b) que mesmo tendo colocado o produto no mercado o defeito inexiste, e c) culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. É possível que um determinado produto chegue às mãos dos consumidores sem que este fato tenha se dado, por ato do fabricante. Exemplo disso é uma carga de produtos roubada enquanto era levada para um laboratório de análise química. O roubo, além de imprevisível, não podia ser evitado pelo fornecedor. Caso esse produto seja indevidamente distribuído aos consumidores pelos ladrões ou por receptadores e causem danos à saúde dos consumidores o fabricante não será responsabilizado. No segundo caso, o produto foi introduzido no mercado pelo fornecedor, causou danos a consumidores, porém não possuía defeito algum. No conceito do art. 12., ou seja, o produto oferecia a segurança esperada. 34 No último caso, a culpa pelo acidente de consumo é exclusiva do consumidor. A despeito da segurança do produto e informações de periculosidade (caso fossem necessárias) ele utilizou o produto de modo a causar a própria lesão. É o popular ‘mau uso’, a terceira causa de exclusão e responsabilidade do fornecedor. Vale ressaltar que para afastar a responsabilidade do fornecedor, a culpa deve ser toda do consumidor, se ele agiu mal por falha de informação, por exemplo, a responsabilidade será do fornecedor. Em se tratando de responsabilidade do comerciante (art. 13), é fundamental que ele adote providências e cuidados ao expor produtos à venda, pois do contrário sua responsabilidade será na mesma medida dos demais fornecedores. O primeiro cuidado a ser observado é que qualquer produto exposto à venda deve possuir identificação dos fornecedores anteriores (importador, produtor, construtor ou fabricante); do contrário havendo acidente de consumo o comerciante será responsabilizado. Um exemplo disso é a comercialização de escova de dente com uma única identificação de origem “RPC” (República Popular da China), Caso durante a utilização esse produto solte suas cerdas e elas venham a ser engolidas pelo consumidor, a responsabilidade será do comerciante, pois ele expôs à venda produtos sem a identificação do fabricante ou importador. Sua negligência atraiu para ele a responsabilidade. Do mesmo modo se o produto estiver exposto à venda com a identificação do fabricante, produtor, construtor ou importador, mas a informação não for clara impedindo a identificação de origem, o comerciante responde por eventual acidente de consumo. A conservação inadequada é a terceira causa de responsabilização do comerciante por acidentes de consumo. Comerciantes que costumam desligar os refrigerados à noite para economizar energia elétrica ou os que mantêm 35 produtos que deveriam ser mantidos refrigerados, fora de refrigeração, podem ser lembrados como exemplos dessa situação legal. Tal qual a regra de responsabilidade (objetiva) por danos causados por produtos, o art. 14 traz regra semelhante para danos causados em decorrência de prestação de serviços defeituosa. Em relação aos serviços, o legislador apenas adaptou os critérios para aferição dos defeitos (art. 14 §1º I a III) e suprimiu a regra de responsabilidade (e irresponsabilidade) do comerciante, considerando que, diferentemente dos produtos, os sérvios não possuem cadeia de produção, importação e distribuição, até que o serviço seja prestado ao consumidor. A última regra do artigo 14, no seu §4º acabou criando exceção à regra da responsabilidade objetiva dos fornecedores. Todas as vezes em que estivermos diante de um contrato celebrado com um profissional liberal (médico, arquiteto, advogado, engenheiro, dentista etc), e a prestação de serviço seja defeituosa, causando um acidente de consumo, a responsabilidade do profissional deverá ser caracterizada mediante apuração e sua culpa em qualquer das modalidades conhecidas (negligência, imprudência ou imperícia). O dispositivo legal é bastante criticado e, obviamente, dificulta em muito a produção da prova por parte do consumidor que normalmente não é técnico no assunto. Vale dizer que a contratação de quaisquer desses profissionais, por intermédio de uma empresa (por exemplo de um médico por meio do plano de saúde) desnatura a relação de consumidor com profissional liberal. A hipótese aqui é de contratação diretamente com o profissional liberal. Outra consideração relevante é que a apuração de culpa do profissional está prevista no capítulo que trata da responsabilidade pelo fato (defeito). 36 Logo, se o profissional liberal prestar serviço com vício de qualidade, responde objetivamente como todos os demais fornecedores. O último artigo deste capítulo é o que equipara a consumidor todas as vítimas de um acidente de consumo (art.17), dispositivo já comentado no conceito de relação de consumo. Diante de um acidente de consumo, pouco importa se as vítimas eram ou não consumidoras (em sentido estrito) do produto ou serviço; a proteção legal se estende a elas. Prescrição O único prazo de prescrição previsto no CDC é o relativo ao fato do produto ou serviço (art. 27). Entendendo-se aqui de forma simplista que o prazo prescricional é o prazo para o consumidor pleitear em juízo a reparação do dano. Vejamos qual é este prazo e quando começa a fluir. Em se tratando da ocorrência de um acidente de consumo, o consumidor, vítima do acidente, ou seus herdeiros, terão 5 (cinco) anos para reclamar a reparação dos danos em juízo. Esse prazo começa a correr a partir do momento em que o consumidor tem conhecimento do dano (o que em geral ocorre, logo após o acidente) e de sua autoria. Nem sempre o autor do dano é identificado rapidamente pelo consumidor, por isso mesmo a contagem de prazo se inicia daí. Trata-se de outro instrumento de facilitação de defesa para o consumidor. Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço Vício do produto Para encerrar o tema do capítulo que disciplina a qualidade de produtos e serviços, passaremos a analisar as regras consumeristas que tratam dos vícios em produtos e serviços (arts. 18 a 26). 37 A primeira consideração a fazer é destacar que o ‘fato’ do produto (Seção anterior) difere do vício do serviço por um traço muito simples e ao mesmo tempo marcante. Produtos defeituosos acarretam risco à saúde ou segurança do consumidor, já os viciados não. Estes apresentam falhas de qualidade ou quantidade que, em regra são incapazes de ferir a incolumidade física do consumidor. Os danos advindos dos vícios são, em regra, apenas patrimoniais. O artigo que inaugura esta Seção (art. 18) estabelece que, em se tratando de vícios, todos os fornecedores da cadeia de consumo respondem solidariamente por sua reparação, ou seja, caso o consumidor adquira um eletroeletrônico em uma loja e este apresente um vício de qualidade (por exemplo, o aparelho não liga) cabe ao consumidor responsabilizar, à sua escolha, qualquer dos fornecedores que integram a cadeia produtiva até o consumo. Caso o produto apresente vício de qualidade, o consumidor aciona um dos responsáveis e aguarda – no máximo – 30 dias para que o produto seja reparado. O direito de tentar reparar bens de consumo é o único direito que os fornecedores possuem no CDC. Apesar da indignação que isso causa em alguns consumidores, mesmo que o produto seja novo e de valor elevado, o fornecedor pode tentar consertá-lo em até 30 dias (art. 18 §1º). Entretanto, caso o fornecedor não consiga sanar o vício no prazo máximo de 30 dias, ou restitua o produto antes do prazo e o vício reapareça, ao consumidor é dada a tríplice opção. Ele pode escolher entre: a) substituição do produto por outro da mesma espécie e em perfeitas condições; b) exigir a devolução da quantia paga; c) optar pelo abatimento proporcional do preço (art. 18 §1º, I, II e III). 38 Vale frisar que a opção de troca, rescisão contratual ou abatimento é sempre do consumidor. Não cabe ao fornecedor impor sua vontade (em geral, pela troca). O prazo máximo de 30 dias para reparo de produtos viciados admite flexibilização (art. 18 §2º). Ele pode variar de um mínimo de 7 dias até um máximo de 180 dias. Entretanto, caso haja uma cláusula de prazo em contrato de adesão esta deverá ser redigida em separado e só terá valor com manifestação expressa do consumidor. Assim, cláusula que amplie o prazo de reparo para além dos 30 dias só terá validade se obedecer à forma prevista em lei. Se houver redução de prazo, nosso entendimento é de que a cláusula valha independentemente de ser redigida em separado, já que amplia o direito do consumidor. No §3º, do artigo 18, encontra-se a exceção ao que dissemos em relação ao §1º. Se a regra é de que em caso de vício o fornecedor tem o direito de tentar sanar o vício em até 30 dias, aqui esse direito inexiste e a tríplice opção do consumidor passa a ser exigível imediatamente. A primeira situação é a de comprometimento da qualidade ou características do produto em razão da extensão do vício. Podem acontecer situações em que o vício é de tal monta que demande a substituição de diversas peças. Se esse reparo comprometer características ou a própria qualidade do produto, o consumidor não precisa aguardar o reparo. Outra situação de exercício imediato do direito de escolha das opções de troca, rescisão contratual ou abatimento do preço é a diminuição de valor. Se após o reparo, houver diminuição de valor do bem o consumidor pode rejeitar a manutenção. Exemplo dessa hipótese é a de um veículo novo que antes mesmo de sair da concessionária sofre uma colisão e necessita ser repintado. Nessa hipótese, o retoque de pintura acaba sendo perceptível e o veículo não terá o mesmo valor de um outro nas mesmas condições, que não sofreu uma colisão. 39 A terceira e última hipótese está ligada à essencialidade dos bens de consumo. Se o produto for considerado essencial, não há que se falar em reparo. A questão aqui é definir quais são os bens de consumo essenciais, pois o CDC não os definiu. Assim, teremos que buscar este conceito fora do nosso diploma consumerista. Dessa forma, ‘porta aberta’ do ponto de vista legislativo para essa interpretação é o art. 7º do CDC, pois lá há expressa previsão de que os direitos previstos no CDC não excluem outros previstos em legislação ordinária. Na lei de crimes contra a economia popular (lei 1521 de 1951 e ainda em vigor), encontramos alguns bens de consumo considerados de primeira necessidade e que podem nos dar algum subsídio para descobrirmos quais produtos são considerados essenciais. No parágrafo único, do artigo 2º, da lei que mencionamos, consta uma lista exemplificativa de produtos tidos como indispensáveis à sobrevivência em condições higiênicas e ao exercício normal de suas atividades, tais como aqueles destinados à alimentação, vestuário, iluminação, os terapêuticos ou sanitários, o combustível, a habitação e os materiais de construção. Evidentemente, tais gêneros não compõem uma lista exaustiva e mudam conforme a sociedade evolui. Para que tenhamos uma ideia disso, está em discussão judicial uma interpretação do Ministério da Justiça, por intermédio de sua Secretaria de Defesa do Consumidor relativa à essencialidade do aparelho de telefonia celular. Com essa interpretação, a defesa do consumidor exige que as empresas fabricantes de desses aparelhos providenciem a troca imediata do produto viciado, haja vista que o consumidor não pode dispor de seu telefone por até 30 dias. E por falar em avanço tecnológico e obsolescência de produtos, o §4º do art. 18 do CDC reconhece essa possibilidade e determina que, na impossibilidade de substituição por outro produto de mesmas características, é possível que a troca 40 se dê por outro de maior ou menor valor. No primeiro caso, o consumidor complementa a diferença de valo; já no segundo caso ele recebe uma restituição. Em qualquer caso, se o consumidor não concordar em receber outro produto nas condições que acabamos de relatar, poderá optar por rescindir o contrato ou pelo abatimento proporcional do preço. Uma categoria de vícios especialmente tratada pelo legislador foi a dos impróprios. Ao categorizá-los, o legislador deixou claro que quis colocar luzes sobre eles dadas as consequências negativas que sua exposição à venda pode causar aos consumidores. O primeiro tipo de produto impróprio é o de validade vencida. A doutrina consumerista chama esse vício de impropriedade do tipo aparente. Aparente, pois a validade vencida é um vício de fácil detecção a olho nu independentemente de qualquer perícia ou análise doproduto. Interessante advertir que esse vício independe da constatação de que o produto está de fato impróprio. A constatação é objetiva. Se o prazo está vencido, o legislador pressupõe sua impropriedade ao uso e consumo. Além dos vencidos ou deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação são todos impróprios. Repare que em diversos desses casos acima a apuração da impropriedade não pode ser feita apenas visualmente como na validade vencida. Ela deverá ser feita mediante análise ou prova pericial. Em outros casos, a apuração visual basta (falsificação grosseira, deterioração etc). Além dessa grande lista de produtos considerados impróprios (e viciados), o inciso III do art. 18, §6º estabelece que a inadequação ao fim a que se destina o produto também o torna impróprio ao uso e ao consumo. 41 Se determinadas características ou qualidades são anunciadas em relação a determinado produto e ele não as atende, estaremos diante de inadequação ao fim. Que fique claro que não estamos falando de alguns produtos viciados dentro de todo um lote do mesmo produto, mas, sim, de produtos que, concebidos para determinada função não a realizam. Imagine, por exemplo, uma nova linha de refrigeradores que não atingem a temperatura para conservação dos alimentos. Um medicamento que não produza efeitos esperados (placebo), ou uma geladeira que não gele não é adequada ao fim a que se destina e, portanto, é imprópria, por força desta regra do CDC. Outro de tipo de vício previsto no CDC é o de quantidade (art. 19). A regra da solidariedade se mantém entre os fornecedores, neste caso, e a apuração do vício se dará em relação à rotulagem ou mesmo da mensagem publicitária. A regra legal aplica-se a qualquer produto onde seja possível aplicar o critério de medição por quantidade, sejam eles sólidos ou líquidos. Tanto quantidade em unidades, quanto em peso ou volume estão sujeitos à apuração por essa regra legal. É preciso cuidado para a ressalva legal (respeitadas as variações decorrentes de sua natureza), pois é possível que do envase até a prateleira possa haver perda de peso ou volume; logo, é preciso interpretar a regra com parcimônia. O que não se pode admitir é, por exemplo (situação real) a venda de frango congelado onde foi constatado grande volume de água (congelada) no interior da embalagem e o peso anunciado na rotulagem era o peso total (do frango somado ao do gelo). Nessa situação, o consumidor adquire água ao preço de carne de frango. A rotulagem não corresponde ao peso real do alimento e há vício de quantidade. 42 Na hipótese de vício de quantidade, o legislador também fixou como consequência civil (reparação do dano perante o consumidor) a tríplice opção. Nesse caso não há prazo para sanar o vício (30 dias) e as opções são: a) Abatimento do preço. O consumidor opta por adquirir aquele produto com quantidade inferior à anunciada e paga proporcionalmente ao que está levando; b) Complementação do peso ou medida. Em algumas situações essa alternativa é viável (quando o produto não é hermeticamente fechado, por exemplo). Se o consumidor achar por bem, exige a complementação do peso e paga o preço anunciado; c) Substituição por outro produto sem o vício de quantidade. Caso o consumidor esteja diante da situação em que apenas algumas unidades do produto foram atingidas pela quantidade insuficiente e haja outras unidades com o peso, volume ou unidade corretos, ele pode, a seu critério, exigir a substituição. A ressalva a ser feita aqui é que se o consumidor optar pela substituição e ela for impossível, seja qual for o motivo, ele pode optar por outro produto de maior valor pagando a diferença, ou de menor valor pagando menos por ele ou recebendo a devida restituição (art. 19 §1º). Por fim, caso a pesagem ou medição seja realizada no próprio ponto de venda e a balança ou o instrumento de medição não estejam devidamente aferidos, a responsabilidade será, obviamente, do fornecedor imediato (art. 19, §2º). As regras e o controle de aferição de instrumentos de pesagem e medição são realizados pelo INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) e por seus órgãos estaduais delegados, conhecidos por IPEM (Instituto de Pesos e Medidas). 43 Vício do Serviço A partir do artigo 20, do CDC, o legislador criou regras relativas aos vícios decorrentes da prestação de serviços. A primeira grande diferença evidenciada no artigo 20 (serviço) em relação ao artigo 18 (produto) é que a palavra solidariedade desapareceu. E isso se deve em razão de características muito peculiares dos serviços; em regra, não há cadeia de fornecimento de serviços, mas apenas o prestador direto. De qualquer modo, isso não significa que os prestadores de serviços estejam livres da incidência da solidariedade. O artigo 7º contém regra geral aplicável também a serviços, caso haja mais de um responsável pela causação do dano. Os vícios dos serviços foram divididos pelo legislador em: de qualidade, impropriedade, de diminuição de valor e disparidade com oferta ou mensagem publicitária. A exemplo do que já vimos em relação ao vício do produto, o consumidor também pode exercer tríplice opção, em caso de serviços viciados: a) reexecução do serviço - por evidente, se o serviço foi mal executado ele deverá ser refeito às custas do próprio prestador de serviços, sem qualquer ônus ao consumidor. Mesmo que o fornecedor confie essa reexecução a um terceiro, o que é permitido pela regra do §1º, essa subcontratação corre às expensas do prestador de serviços original; b) restituição da quantia paga – além de imediata, a lei prevê que a devolução seja feita com atualização monetária (equilíbrio); e c) abatimento do preço - caso o consumidor se contente com o serviço viciado e não faça uso das alternativas anteriores, poderá exigir diminuição do preço. A diminuição deverá ser proporcional à execução imperfeita (viciada) do serviço. 44 Da mesma forma que vimos em relação aos produtos, os serviços inadequados aos seus fins também são considerados impróprios. Além desses, os que não atendam às normas de prestabilidade. Apenas para ilustrar, se o serviço de alisamento de cabelo não o deixa liso, não atende ao que dele se espera. Se sobre o serviço incidam também regras específicas em sua prestação (como é o caso dos serviços bancários e financeiros) e sua prestação não está de acordo com essas regras o serviço será considerado impróprio desde logo. Caso o serviço tenha por objeto a reparação de produtos, a lei presume o dever de utilização de peças de reposição originais, adequadas e novas. Não é dada ao fornecedor de serviços a decisão de empregar componentes de reposição não originais ou recondicionados. Por certo, o consumidor pode fazer essa opção e autorizar o prestador de serviços, mas a decisão será sempre do consumidor. No mercado de peças de reposição automotivo, o consumidor acaba optando pela utilização de peças de reposição não originais, mas que mantenham as especificações do fabricante, normalmente motivados pelos preços das peças. Os serviços públicos ganharam um artigo especial em matéria de vícios (art. 22). Além da regra geral e principiológica que vimos (art. 4º, VII) que determina a racionalização e melhoria dos serviços públicos, o artigo 22 trata de sua responsabilização, em caso de vício do serviço. Não há dúvidas de que, sempre que nos reportarmos aos prestadores de serviços públicos no CDC, estaremos diante daqueles que, conforme vimos, são considerados fornecedores nas relações de consumo. Para os serviços públicos são aqueles remunerados, mediante preço
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