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1 Universidade de Passo Fundo Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária Disciplina: Patologia Veterinária Geral Professora: Adriana Costa da Motta ALTERAÇÕES CELULARES IRREVERSÍVEIS: NECROSES 1. CONCEITO: é o conjunto de alterações morfológicas que ocorrem após a morte da célula, em conseqüência de uma lesão celular irreversível. ⇒⇒⇒⇒ Necrobiose: período de agressão, doença e morte celular. 2. MECANISMOS DE OCORRÊNCIA DA NECROSE 2.1 COAGULAÇÃO DAS PROTEÍNAS: a célula morta não mantém suas proteínas. ↓ Ph →→→→ Precipitação e desnaturação das proteínas →→→→ coagulação proteínas. 2.2 LISE ENZIMÁTICA: é a destruição da célula morta por enzimas como as hidrolases ácidas, Rnases, Dnases. Pode ocorrer na forma de autólise (enzimas da própria célula a degradam) ou heterólise (por enzimas proteolíticas de fora da célula, oriundas de células inflamatórias, como neutrófilos e macrófagos, bactérias; quando post mortem decorrem de bactérias saprófitas). 3. CARACTERÍSTICAS MORFOLÓGICAS DA NECROSE 3.1 MACROSCOPIA: perda da consistência e resistência do tecido; palidez (relativa) do tecido. Se as células necróticas forem localizadas numa área bem vascularizada, estas se tornam mais escurecidas; zona de demarcação 2 (halo de delimitação) área que se forma em torno da área de necrose. É uma área constituída de células de defesa (células inflamatórias), há aumento do fluxo sangüíneo local. 3.2 MICROSCOPIA: 3.2.1 Citoplasma: apresenta comumente aumento da eosinofilia (acidofilia) pela perda das proteínas ou há lise (fragmentação) do citoplasma, dando a este uma aparência pálida e vacuolizada. A célula perde seu contorno e há redução na coloração diferencial do núcleo e citoplasma e perda completa de células. 3.2.2 Núcleo: a) Picnose: é a primeira alteração nuclear. É a condensação total do núcleo. O núcleo torna-se pequeno e encolhido. Aparece na microscopia como um aglomerado escuro. A cromatina se condensa numa massa escura, arredondada, homogênea e menor que o núcleo normal. b) Cariorrexia (cariorréxis): é a fragmentação do núcleo em numerosos pedaços. Ocorre principalmente pelo mecanismo de lise enzimática. Tende a significar um insulto mais grave. Após a picnose, o núcleo pode sofrer cariorrexia. c) Cariólise: é a dissolução da cromatina nuclear, deixando uma imagem fantasma do núcleo, como um espaço vazio, arredondado. Desenvolve-se após a concentração da cromatina e não precisa passar por ou estar relacionada à picnose ou cariorrexia. Após a picnose, a cromatina passa por uma dissolução progressiva (cariólise). Na anóxia intensa freqüentemente observa-se cariólise. d) Ausência completa do núcleo: pode ser encontrada alguma célula com núcleo ausente. 3 Estas alterações nucleares podem estar presentes em células individuais na mesma lesão ou um dos tipos pode predominar. OBS: todas as alterações nucleares e citoplasmáticas presentes na necrose podem ocorrer na autólise. Portanto, para reconhecer-se a necrose é normalmente necessário ter tecido vivo presente na lesão para comparar com a área necrótica. A autólise traz como conseqüência a perda de detalhes celulares e tintoriais, o que pode causar confusão para o diagnóstico diferencial dos processos degenerativos. A ausência de reação inflamatória e a ocorrência de hemólise intravascular diferencia da necrose. 4 TIPOS DE NECROSE 4.1 NECROSE DE COAGULAÇÃO (COAGULATIVA): característica dos episódios de infarto. É comum no rim e no coração. É usualmente causada por uma anóxia aguda, como nas obstruções do fluxo sangüíneo ou intoxicações muito agudas. O mecanismo se dá pela coagulação das proteínas celulares. 4.1.1 Macroscopia: há área de demarcação de cor mais clara delimitando a área de necrose no tecido ou órgão. Mantém a arquitetura do tecido. 4.1.2 Microscopia: mantém a estrutura do tecido. 4.2 NECROSE DE LIQUEFAÇÃO (LIQUEFATIVA): predomina o mecanismo de lise enzimática. Ex: abscesso (coleção de pus envolvida por cápsula fibrosa; neste ocorre principalmente heterólise), malácia (significa amolecimento, mas trata-se de um termo que designa a necrose do tecido nervoso. Ex: leucoencefalomalácia, polioencefalomalácia). OBS: microabscesso – idem ao abscesso, porém sem cápsula fibrosa, ocorre por exemplo, na listeriose. 4 4.2.1 Macroscopia: material viscoso, amarelado e esbranquiçado. Presença de tecido liquefativo quase fluido dentro do tecido ou órgão necrótico, por vezes com formações císticas neste local. Caracteriza-se por uma massa semi-sólida ou líquida que se formou há algum tempo está sofrendo autodigestão. 4.2.2 Microscopia: extensas áreas constituídas basicamente de restos celulares. 4.3 NECROSE CASEOSA: Mecanismo: coagulação de proteínas e lise enzimática. Ex: tuberculose, que cursa com granulomas, os quais podem ocorrer por exemplo em algumas micoses e em reação a corpo estranho . Portanto, não são exclusivos da tuberculose. OBS: há, também, os piogranulomas, que ocorrem por exemplo na actinobacilose e nas migrações parasitárias, que são freqüentes no fígado de ovinos e de eqüinos. 4.3.1 Macroscopia: perda da arquitetura do tecido. Material semelhante a “queijo”ou requeijão. Há porções mais grumosas e outras mais liquefeitas. Geralmente o tecido é amarelado ou acinzentado. 4.3.2 Microscopia: mistura a necrose de coagulação com a necrose de liquefação. Visualiza-se um material homogêneo, amorfo, róseo na coloração de HE. Pode haver calcificação (calcificação distrófica). OBS: O termo caseoso significa aspecto de queijo ou requeijão. A implicação é de que um agente etiológico causou severa destruição local. A necrose provoca uma reação no tecido vivo circunjacente pela liberação de substâncias do tecido degenerado e necrótico. Os neutrófilos cercam a área de necrose e ajudam na lise e liquefação do tecido necrótico para favorecer a sua remoção. 5 4.4 NECROSE DA GORDURA (NECROSE ENZIMÁTICA): é infreqüente, ocorre quando são liberadas lipases sobre o tecido adiposo, como nas pancreatites e nos traumatismos pancreáticos. Ocorre na cavidade abdominal. Quando o pâncreas sofre uma lesão, as lipases vão atuar no mesentério (constituído de tecido conjuntivo frouxo e de gordura) ao redor do pâncreas. As lipases pancreáticas agem sobre as células das serosas (peritônio). Na superfície de corte, aparecem nódulos endurecidos e de consistência granulosa. Ex: necrose da gordura ao redor das alças intestinais de um bovino pode levar à obstrução intestinal, a lesão é bastante rija. A liberação de gordura para o tecido conjuntivo induz inflamação e fibrose marcantes, o que contribui para a consistência firme da lesão. 4.4.1 Macroscopia: nódulos esbranquiçados, na superfície de corte presença de nódulos endurecidos e de consistência granulosa, pode ter o aspecto de pó de giz pela calcificação. Junto com a gordura misturam-se normalmente os sais de cálcio e formam-se os sabões de cálcio, dando o aspecto de pó de giz pela calcificação. Por ter aspecto nodular confunde-se macroscopicamente com o mesotelioma (tumor maligno do mesotélio, que faz parte das serosas) e com o carcinoma metastático (metástase de tumor maligno de origem epitelial); confunde-se com estes quando não tem o aspecto de pó de giz. 4.4.2 Microscopia: mantém a arquitetura do tecido. O pó de giz apresenta-se como depósitos amorfos basofílicos. 4.5 APOPTOSE: é a necrose individual da célula. É uma “morte silenciosa”, pois não gera resposta inflamatória. Tem uma seqüência de eventos. A célula morre, seu núcleo se condensa e se fragmenta dentro da célula. A célula fica muito eosinofílica. Com o tempo a célula vai se autodestruindo, liberando fragmentos (corpos apoptóticos) que os macrófagos fagocitam. A apoptose éum tipo ativo de morte celular geneticamente direcionado, requerendo síntese 6 protéica. A apoptose, quando balanceada com a proliferação celular, contribui com a homeostasia na regulação do tamanho dos tecidos. Esse tipo de morte celular conservado na evolução permite a eliminação de células indesejáveis sem prejuízo para o organismo. Danos irreparáveis do DNA (por mutações ou infecções virais) aparentemente iniciam o processo de apoptose. A P53 (proteína P53) presente no núcleo das células é considerada “guardião do genoma”, uma vez que “dispara”, induz a apoptose quando há esses danos. A apoptose ocorre espontaneamente em neoplasias malignas não tratadas e participa em alguns tipos de regressão tumoral induzida terapeuticamente. Além da prevenção da oncogênese, a ocorrência de apoptose nos neoplasmas pode ser considerada como fator prognóstico, uma vez que isto contrabalança o índice mitótico aumentado comum nessas lesões. Situações em que ocorre apoptose: mecanismo natural de eliminação de células velhas; acredita-se que seja responsável pela morte programada de células durante a embriogênese; nas involuções dependentes de hormônios (ex: útero na gestação, glândula mamária na gestação); em intoxicações (ex: intoxicação por alcalóides pirrolizidínicos) e, também, em tumores, inclusive malignos. 4.6 NECROSES SUPERFICIAIS: consistem de necroses associadas à diferentes agentes etiológicos, a processos inflamatórios. 4.4.1 Erosão: envolve o epitélio (mucosa) ou epiderme (pele). 4.4.2 Escara: erosões extensas. Ex: escaras de decúbito. 4.4.3 Úlcera: quando a necrose envolve a derme (pele) ou submucosa. OBS: a necrose dos tecidos é uma das lesões mais comuns e importantes observadas na doença. Ela pode ser parte de outros processos, como o câncer (neoplasia maligna) e a inflamação, mas, freqüentemente, é uma lesão primária. A necrose é a principal lesão num infarto. Algumas bactérias como o 7 Fusobacterium necrophorum, caracteristicamente produzem necrose, como ocorre nos abscessos hepáticos. GANGRENA 1. CONCEITO: é a superposição do crescimento de bactérias saprofíticas na necrose, ou seja, quando bactérias saprófitas crescem nos tecidos necróticos. Os requisitos para haver gangrena são: necrose e putrefação. A gangrena pode ocorrer, por exemplo, na pele, pulmão, intestinos, glândulas mamárias, enfim em tecidos em que as bactérias saprofíticas têm fácil acesso. 2. TIPOS: 2.1 GANGRENA SECA: é a necrose de coagulação sobre a qual atuam diferentes bactérias saprófitas. Há predisposição pelas extremidades. Ocorre na pele onde há pouco líquido no tecido necrótico. Ex: cauda, orelhas e membros. Ex: ergotismo (micotoxicose causada pelo Claviceps purpurea; cursa com vasoconstrição), gesso apertado, ataduras apertadas. A causa é comumente isquêmica. Há uma linha de demarcação, delimitando a área normal e o tecido gangrenado, que está escuro ou preto. A gangrena seca diferencia-se da úmida pela disponibilidade de líquidos para o rápido crescimento das bactérias. 2.2 GANGRENA ÚMIDA: é a necrose liquefativa e/ou coagulativa sobre a qual atuam bactérias saprófitas. Comumente possui cor preta, contém bolhas de gás, pode haver hemorragia e edema na lesão e ao redor da lesão. Ex: gangrena pulmonar (associada com pneumonia aguda por aspiração), gangrena Intestinal (associada a torções, deslocamentos ou obstruções que resultam em bloqueio da irrigação sangüínea; a pressão exercida pelos líquidos e gases conduzem à ruptura; é comum na cólicas dos eqüinos), mastite gangrenosa 8 (inicia por mastite aguda bacteriana, na qual ocorre necrose, favorecendo o acesso das bactérias saprófitas; a área gangrenada pode desprender-se). OBS: gangrena gasosa (edema maligno; causada por vários clostrídios, que existem esporulados no solo e passam à forma vegetativa, nas feridas penetrantes e profundas, em que há um ambiente alcalino com baixa tensão de oxigênio; estas bactérias produzem miosite e celulite serohemorrágica, podendo o fluido ser gelatinoso e transparente dependendo do clostrídio envolvido; a morte se deve a toxemia e septicemia). BIBLIOGRAFIA CHEVILLE, N.F.. Introdução à Patologia Geral. São Paulo, Manole, 1994, 522p. KUMAR, V.; ABBAS, A.K.; FAUSTO, N.F. Robbins e Cotran Patologia: Bases Patológicas das Doenças. 7 ed. Elsevier: Rio de Janeiro, 2005. 1592 p. McGAVIN M.D. & ZACHARY J.F. Pathology basis of veterinary disease. 4th ed., Mosby Elsevier. St. Louis, 2007. 1476 p. RUBIN, E. Rubin, Patologia: bases clinicopatológicas da medicina. 4a ed. Guanabara Koogan: Rio de Janeiro, 2006, 1623p. THOMSON, R.G. Patologia Geral Veterinária. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1983, 412p.
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