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AULA 1 GESTÃO DA DIVERSIDADE Profª Beatriz de Souza Santa Rita 02 CONVERSA INICIAL Olá! Seja bem-vindo(a) à primeira aula da disciplina de Gestão da Diversidade. O objetivo é apresentar o panorama histórico e os referenciais em âmbito mundial que levaram à inclusão da temática “diversidade” nas ações das empresas multinacionais. Inicialmente, estudaremos o panorama histórico internacional que favoreceu a ascensão do tema e sua inclusão na agenda das organizações privadas. Conheceremos também os principais marcos em direitos humanos e desenvolvimento sustentável relacionados ao tema “Diversidade”. Em seguida, estudaremos a diversidade no contexto brasileiro, incluindo a compreensão sobre a formação socioeconômica do Brasil e a contribuição da Constituição de 1988. Os temas que compõem esta aula são: 1. Panorama histórico 2. Diversidade sob a perspectiva de direitos humanos 3. Referenciais internacionais em diversidade e desenvolvimento sustentável 4. Diversidade cultural e economia 5. Igualdade na Constituição Federal de 1988 CONTEXTUALIZANDO A temática da diversidade entrou na agenda das organizações brasileiras recentemente, a partir da década de 1990, por exigência de empresas norte- americanas com operações no Brasil. Mais tarde, o assunto ganhou nuanças de responsabilidade social, a partir da pressão da sociedade por políticas públicas para que o universo corporativo passasse a incluir e apoiar o desenvolvimento de grupos vulneráveis em razão de questões socioeconômicas, de gênero, orientação sexual, condição física, raça/cor, dentre outras características que determinam desvantagem profissional a pessoas pertencentes a determinados coletivos, conforme veremos nas próximas aulas. Nesta primeira aula, estudaremos aspectos históricos e socioeconômicos, buscando respostas para a seguinte pergunta: Quais são os principais referenciais que tratam sobre a contribuição das organizações para a diversidade? Quais são as nuanças da diversidade no contexto brasileiro? 03 TEMA 1 – PANORAMA HISTÓRICO A atenção do mundo corporativo à diversidade cultural da força de trabalho remonta à história da ampliação dos direitos civis nos Estados Unidos a partir da década de 1960, especialmente a luta da população negra e imigrante por igualdade de tratamento, que culminou na promulgação de leis voltadas à inclusão destes grupos nos espaços de educação e de trabalho por meio da reserva de cotas. Nos Estados Unidos, o principal marco legal neste sentido foi o Affirmative Action: O Affirmative Action foi promulgado no final da década de 1960 como resposta à discriminação racial observada nas empresas e instituições de ensino. Por regulamentação federal, as empresas que tinham contratos com o governo ou que dele recebiam recursos e benefícios deviam avaliar a diversidade existente em seu corpo de funcionários e procurar balancear sua composição, em face da diversidade existente no mercado de trabalho. Esses grupos incluíam: mulheres, hispânicos, asiáticos e índios (pessoas com deficiência foram incluídas após 1991). (Agócs & Burr, 1996 citado por Fleury, 2000, p. 2) De acordo com os autores citados, o Canadá seguiu a mesma linha, promulgando o Employment Equity Act e o Federal Contractors Program, em 1986. Tais leis tinham como objetivo aumentar a representatividade das minorias por meio da reserva de cotas nas empresas, mas também pretendiam promover relações mais equilibradas e justas de trabalho. 1.1 Incorporação da diversidade na agenda das organizações brasileiras No Brasil, apesar da persistência da desigualdade social e de existirem vários grupos historicamente excluídos do exercício da cidadania (Alves, 2004), a incorporação da temática da diversidade na agenda das empresas brasileiras não ocorreu por meio de legislação ou de políticas públicas a favor da igualdade de oportunidades, como aconteceu nos Estados Unidos e no Canadá. Houve, no entanto, a influência direta de empresas norte-americanas com operações no Brasil para que as subsidiárias atendessem às exigências da matriz nesta área (Fleury, 2000; Alves, 2004). A partir da década de 1990, o tema da diversidade passou a ser adotado por algumas organizações como parte da estratégia de responsabilidade social, envolvendo a contratação de minorias ou o investimento em projetos cujos beneficiários eram grupos relacionados às operações, como comunidades residentes no entorno das fábricas em situação de vulnerabilidade, por exemplo. 04 Apenas recentemente, com a demonstração dos benefícios financeiros da diversidade para as organizações mediante a divulgação de pesquisas, este tema passou a chamar a atenção de um número maior de empresas. No entanto, as organizações brasileiras ainda têm um longo caminho a trilhar, conforme estudaremos ao longo desta disciplina. TEMA 2 – DIVERSIDADE SOB A PERSPECTIVA DE DIREITOS HUMANOS A diversidade nas organizações é tratada como estratégia para a competitividade, conforme estudaremos mais adiante. No entanto, o tema originalmente é abordado sob as perspectivas de direitos humanos e de desenvolvimento sustentável, com uma série de referenciais internacionais que fornecem subsídios para a legislação e as políticas públicas nacionais. 2.1 Tratados internacionais Os parâmetros internacionais impactam a forma como a mídia e a sociedade interpretam as ações corporativas. Por isso, é importante que você conheça os principais tratados e referências internacionais relacionados a este tema para, em seguida, compreender o conceito de “diversidade cultural” no ambiente de trabalho sob a perspectiva de direitos humanos: “Direitos Humanos é o conjunto de valores, de comportamentos, de paradigmas que deve pautar todas as relações entre os homens, independentemente de sua crença, etnia, cor, sexo, situação social, orientação sexual, posicionamento político ou quaisquer outras condições” (Virmond, 2017). Os Direitos Humanos foram formalmente estabelecidos na Declaração Universal de Direitos Humanos, na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU, em 1948, após o advento da Segunda Guerra Mundial, na qual violações e atrocidades foram cometidas contra alguns povos especificamente, com destaque para o regime nazista. “O maior objetivo de sua criação [dos Direitos Humanos] é o de promover e proteger a dignidade humana, enfrentar a exploração, a discriminação, a desigualdade e, por outro lado, garantir o direito à vida, à liberdade de opinião e de expressão, bem como o acesso aos bens necessários a uma existência digna” (Virmond, 2017). Não vivemos no Brasil a situação de guerras na forma convencional. No entanto, as múltiplas crises no país (social, política, econômica, entre outras) causam ondas indiscriminadas de violência com múltiplas consequências. É 05 notável também a incapacidade de o Estado brasileiro prover o acesso a bens indispensáveis para uma vida digna a toda a população, como: moradia, educação, saúde e segurança. À medida que as crises sociais se agravam, as pessoas passam a reagir com intolerância diante de qualquer contrariedade. Apesar de já estarmos acostumados com o cenário de violência e de desigualdade e com os privilégios reservados a alguns grupos socioeconômicos, esse contexto coloca em xeque os princípios de igualdade e de diversidade, tornando-se cada vez mais urgente que organizações de todos os setores empreendam esforços para a garantia dos direitos humanos. Ainda que as empresas não tenham responsabilidade direta, não se pode negar a capacidade do poder econômico em apoiar uma mudança do contexto social. Ademais, empresas responsáveis e inovadoras em todo o mundo cada vez mais assumem como parte dos negócios a tarefa de transformação da sociedade, conforme veremos em nossa videoaula. Diversos instrumentos multilaterais abordama temática da diversidade sob a perspectiva de direitos humanos. O Quadro 1 apresenta alguns destes referenciais. Quadro 1 – Referenciais multilaterais em direitos humanos com enfoque em diversidade Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) (1948) Elaborada por representantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todo o mundo no cenário do período pós-Segunda Guerra Mundial, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é o principal marco neste contexto e ofertou bases para a expansão do direito internacional nesta área, estabelecendo pela primeira vez a proteção aos direitos humanos. Proclamada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, a DUDH conta com 30 artigos voltados a garantir a dignidade e a igualdade de direitos entre todas as pessoas, visando garantir a justiça e a paz no mundo. Confira a DUDH na íntegra: <https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm>. Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965) Adotada pela Assembleia das Nações Unidas em 21 de dezembro de 1965 e ratificada pelo Brasil em 1968, esta convenção condena a discriminação racial e determina que os estados-membros da ONU se comprometam a adotar uma política de eliminação da discriminação racial em todas as suas formas, promovendo a igualdade de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, além do entendimento entre todas as raças. Uma síntese desta convenção pode ser visualizada aqui: <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001393/139390por.pdf>. (continua) 06 (continuação do Quadro 1) Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (1979) Esta convenção, por meio de seu art. 1º, define a discriminação contra a mulher como "toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objetivo ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo, exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo". A convenção reconhece que as mulheres, especialmente pelo fato de serem mulheres, são submetidas a abusos de ordem sexual, social e econômica que precisam ser eliminados para o pleno exercício dos direitos civis, políticos, econômicos e culturais das mulheres. Os países que ratificaram a convenção assumem a obrigação internacional de adotar políticas públicas para acelerar a igualdade entre mulheres e homens e remediar as desvantagens históricas, consequências de práticas históricas discriminatórias para as mulheres. A convenção na íntegra pode ser acessada em: <https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10233.htm>. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Adotada pela ONU em 2006 e ratificada pelo Brasil em 2008, a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência tem o objetivo de “proteger e garantir o total e igual acesso a todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência. Por meio de 40 artigos, a convenção visa promover o respeito à dignidade das pessoas com deficiência, buscando promover sua total participação em todas as esferas da vida. Para tanto, é necessária a elaboração de políticas públicas de inclusão e de combate ao preconceito, à discriminação, costumes, estereótipos, estigmas e práticas danosas. Link para acesso à íntegra desta convenção: <https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_27812.htm>. Convenção OIT 183 sobre Proteção à Maternidade (Convenção 183) Atualizou as convenções anteriores de proteção à maternidade, com orientações para que os países estabeleçam licença-maternidade de pelo menos 14 semanas de duração; proibição de demissão durante a gravidez e por período mínimo após o parto; direito a pausas para amamentação, entre outras garantias de proteção à maternidade. Apesar de muitos países terem ratificado as convenções da OIT de proteção à maternidade, a realidade é que em todo o mundo a gravidez e a maternidade determinam discriminação às mulheres em seus locais de trabalho. Um estudo da OIT (2012) identificou casos de mulheres que são assediadas e despedidas quando ficam grávidas, exigências para que as mulheres assinem garantias de que não ficarão grávidas, casos de mulheres que são obrigadas a submeterem-se a testes de gravidez e até mesmo casos de negação da concessão da licença-maternidade. A íntegra desta convenção pode ser acessada em: <http://direitoshumanos.gddc.pt/3_4/IIIPAG3_4_4_A.htm>. Convenção OIT 100 - Igualdade de Remuneração de Homens e Mulheres Trabalhadores por Trabalho de Igual Valor Determina que os países que ratificam esta convenção se comprometem a adotar práticas e implementar a igualdade salarial entre mulheres e homens pela mesma função. Em todo o mundo as mulheres ganham menos que os homens, conforme veremos nas próximas aulas. Pesquisas comprovam que os países que têm maior proximidade salarial entre os gêneros adotaram políticas públicas para tanto. Íntegra da Convenção OIT 100: <http://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235190/lang-- pt/index.htm>. Fonte: elaborado com base em ONU Brasil (2017); OIT (2017); UNICEF Brasil, 2017. É importante salientar que as convenções e os tratados multilaterais por si só não têm força de lei, mas, quando ratificados pelos países-membros das organizações internacionais, como a ONU e a OIT, devem se efetivar em leis e http://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235190/lang--pt/index.htm http://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235190/lang--pt/index.htm 07 outros dispositivos, com cobranças e possíveis sanções da comunidade internacional mediante a ausência de seu cumprimento. TEMA 3 – REFERENCIAIS INTERNACIONAIS EM DIVERSIDADE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL A valorização da diversidade também é vista como um dos pilares de desenvolvimento sustentável na perspectiva internacional. Diversos documentos e estratégias fazem menção, de diferentes formas, a este princípio. Destacamos dois referenciais importantes das Nações Unidas, considerados soft laws1: 3.1 Pacto global O Pacto Global é uma iniciativa da ONU que visa mobilizar a comunidade empresarial internacional para a adoção, em suas práticas de negócios, de valores fundamentais e internacionalmente aceitos nas áreas de direitos humanos, relações de trabalho, meio ambiente e combate à corrupção. Esses valores são refletidos em 10 princípios, e a iniciativa conta com a participação de agências das Nações Unidas, empresas, sindicatos, organizações não governamentais e demais parceiros necessários para a construção de um mercado global mais inclusivo e igualitário. Os 10 princípios do Pacto Global estão segmentados nas áreas de Direitos Humanos, Trabalho, Meio Ambiente e Combate à Corrupção. Hoje já são mais de 12 mil organizações signatárias que desenvolvem ações articuladas por cerca de 150 redes ao redor do mundo (Rede Brasil Pacto Global, 2013). 3.2 Objetivos de desenvolvimento sustentável Em 2015, a Organização das Nações Unidas lançou a Agenda para 2030, com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que consistem em 17 objetivos e 169 metas construídas a partir do legado dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), visando concluir o que estes não conseguiram alcançar. Os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável são integrados e indivisíveis e equilibram as três dimensões do desenvolvimento sustentável: econômica, social e ambiental, buscando concretizar os direitos 1 Soft laws são resoluções, planos de ação ou códigos de conduta em âmbito regional, nacional ou internacional que não têm caráter obrigatório, mas que são capazes de construir legitimidade e aceitação fora de qualquerprocesso regulatório, em contraponto às hard laws, que possuem caráter legal (White & Baraldi, 2012; Skjaerseth et al., 2006 citados por Santa Rita, 2012). http://www.pactoglobal.org.br/artigo/56/Os-10-principios 08 humanos de todos e alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres e meninas. Embora de natureza global e universalmente aplicáveis, os ODS dialogam com as políticas e ações nos âmbitos regional e local, e propõem o envolvimento de governantes, gestores locais e empresas como protagonistas na mobilização em torno dessa agenda, inspirando projetos em todo o mundo, conforme veremos em nossa videoaula. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são (ONU, 2015): Objetivo 1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares Objetivo 2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável. Objetivo 3. Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades. Objetivo 4. Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. Objetivo 5. Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. Objetivo 6. Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos. Objetivo 7. Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos. Objetivo 8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos. Objetivo 9. Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação. Objetivo 10. Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles. Objetivo 11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. Objetivo 12. Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis. Objetivo 13. Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos. Objetivo 14. Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável. Objetivo 15. Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade. Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis. Objetivo 17. Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável. (Rede ODS Universidades Brasil, 2017) É importante conhecer a Agenda 2030, pois esta iniciativa se relaciona ao tema da igualdade de oportunidades e da diversidade, em especial o disposto nos objetivos 1, 3, 4, 5, 8, 16 e 17. Cada objetivo se desmembra em metas específicas, que podem ser visualizadas na íntegra em <https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/>. https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ 09 Além do Pacto Global e da Agenda 2030, há, nas agências da ONU, muitas outras iniciativas com foco em direitos humanos, igualdade de oportunidades e inclusão de minorias. Estas ações estão voltadas a angariar a adesão e articular organizações de perfis e naturezas diversas em projetos significativos. TEMA 4 – DIVERSIDADE CULTURAL E ECONOMIA BRASILEIRA Mas, afinal, o que significa diversidade? Não há consenso teórico; no entanto, os conceitos apontam para a noção de diversidade de identidades culturais. As identidades culturais são múltiplas, resultado da história de cada país, região ou mesmo de uma família ou grupo de indivíduos com características biológicas, socioeconômicas ou culturais em comum. Quando grupos de perfis diversos convivem em determinado ambiente – como uma empresa –, há conflitos relacionais e de interesse que demandam estratégias de mediação e conciliação. Da mesma forma, o sentimento de injustiça dá margem a questionamentos quando grupos com menor poder econômico, político e de negociação – as chamadas minorias – percebem-se excluídos do processo de desenvolvimento socioeconômico. Por isso, para alcançarmos a compreensão sobre a importância da gestão da diversidade nas organizações sob todas as perspectivas, é necessário lembrarmos da história da formação econômica da sociedade brasileira. 4.1 Formação econômica da sociedade brasileira Estudamos, desde o início da nossa vida escolar, que o Brasil foi descoberto no ano de 1500, mas sabemos que, muito antes, povos indígenas pertencentes a grupos com significados culturais próprios já habitavam o país. Depois, vieram os colonizadores europeus e também foram trazidas pessoas negras escravizadas de diferentes regiões da África, em um regime que perdurou mais de 300 anos. De acordo com Fleury (2000), o projeto de colonização brasileiro e da maioria dos países latino-americanos, diferentemente dos Estados Unidos e do Canadá, fundamentou-se sobre a exploração da riqueza tropical (cana-de-açúcar, madeira, minerais e café) e do trabalho escravo (no início, os índios nativos e, mais tarde, os negros trazidos da África). Durante o século XIX, o Brasil passou por transformações significativas em termos políticos (com a Independência, instauração da Monarquia e, finalmente, a proclamação da República) e em termos econômicos (com o processo de industrialização e urbanização da Região Sudeste do país). Culturalmente, o país também sofreu mudanças, com a vinda de imigrantes europeus e asiáticos. Esses imigrantes tinham um nível 010 educacional superior ao da população local, principalmente no caso dos italianos e espanhóis, tradição de lutas políticas ligadas ao anarquismo. Ao longo da História, determinados padrões culturais foram se desenvolvendo no país como resultado da formação de uma população culturalmente diversificada e miscigenada pelos casamentos inter-raciais. Ao mesmo tempo, foi se constituindo uma sociedade na qual o trabalho manual sempre foi desvalorizado e relegado aos escravos e à população de baixa renda. Com os processos de industrialização e urbanização, uma classe média mais heterogênea surgiu no cenário brasileiro, mas a desvalorização do trabalho manual permaneceu. Assim, uma sociedade contraditória foi emergindo. (Fleury, 2000) A síntese apresentada acima, de Maria Tereza Leme Fleury, demonstra a origem das desigualdades socioeconômicas no Brasil que afetam, sobretudo, a população negra. Sabemos que a abolição da escravidão se deu em 1888, no entanto, não houve a reparação por meio de políticas públicas do prejuízo causado por séculos de escravidão, apesar de a população negra representar atualmente 53% da população brasileira. Este é um dos cenários de desigualdade que permanece até os dias de hoje e merece atenção das empresas. O texto de Fleury também aponta para a valorização do padrão europeu em detrimento da herança indígena e africana. Considera-se belo o que remonta à cultura europeia nas mais diversas áreas: padrão estético (cor e traços), arquitetura, arte, religião... Além da questão racial, há outros grupos em desvantagem socioeconômica em nossa sociedade, como as mulheres – em especial as mulheres negras –, as pessoas com deficiência, as pessoas LGBTI (sigla utilizada para lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais). Cada um desses grupos, por não seguir o padrão dominante do que é valorizado hoje na sociedade brasileira, fica à margem do desenvolvimento, mediante o argumento de que o mercado absorve as pessoas mais preparadas, prática denominada de meritocracia (veremos este e outros conceitos mais adiante). Esta contextualização da formação desigual da sociedade brasileira nos permite compreender as bases nas quais asempresas brasileiras estão inserindo a temática da diversidade em suas estratégias. Trata-se de um tema de gestão organizacional, mas envolve também escolhas corporativas relacionadas à política e à contribuição que as empresas pretendem dar ao desenvolvimento justo e sustentável do país. TEMA 5 – IGUALDADE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 A legislação brasileira, em alguns dispositivos, a iniciar pela Constituição Federal de 1988, considerada um marco na luta contra a discriminação, trata do direito à igualdade de oportunidades e do respeito à diversidade. O art. 4º dispõe 011 sobre a igualdade e o combate à discriminação, especificamente nos seguintes incisos (Brasil, 1988, p. 11): II – prevalência dos direitos humanos; VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo. O art. 5º traz o princípio Constitucional da Igualdade: Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; [...] III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; [...] VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; [...] VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; [...] XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; [...] XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá a sua função social; [...] XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei. (Brasil, 1988, p.12) O art. 7º trata sobre a igualdade trabalhista: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III – fundo de garantia do tempo de serviço; IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; V – piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; VII – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; VIII – décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; 012 X – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei; XII – salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal; XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XIX – licença-paternidade, nos termos fixados em lei; X X –proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; XXI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; XXIV – aposentadoria; XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; XXVII – proteção em face da automação, na forma da lei; XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho: a) (Revogada); b) (Revogada); XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; XXXII – proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos; XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; XXXIV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso [...]. (Brasil, 1988, p.18) Além destas seções, o art. 14 versa sobre a igualdade política, e o art. 150 disciplina a igualdade tributária (Barreto, 2010). Apesar de representar um grande avanço no combate à discriminação e à desigualdade, o disposto na Constituição Federal de 1988 não é suficiente para que haja a efetiva igualdade de oportunidades, de modo que grupos específicos seguem em desvantagem em sua caminhada pessoal e profissional. Pesquisas 013 nesta área sugerem que o combate à discriminação e o alcance da igualdade de oportunidades no mundo do trabalho dependem da integração de esforços da esfera pública com ações de organizações privadas, como as empresas. FINALIZANDO Nesta aula, estudamos a temática da diversidade sob as perspectivas de direitos humanos e desenvolvimento sustentável. Compreendemos que a diversidade é abordada como uma temática de direitos humanos e de desenvolvimento sustentável, e conhecemos os principais referenciais internacionais que fornecem subsídios para a legislação e para as políticas públicas nacionais. Se no cenário internacional este tema foi favorecido por avanços na legislação voltada à obrigatoriedade da inclusão de minorias nas empresas (ações afirmativas), no Brasil a diversidade chegou ao mundo empresarial inicialmente pela via da responsabilidade social. A inclusão profissional das minorias com respaldo legal se deu a partirda Lei de Inclusão de Pessoas com Deficiência, em 1991, tema da nossa próxima aula. 014 REFERÊNCIAS ALVES, M. A. A crítica da gestão da diversidade nas organizações. Rae, v. 44, n. 3, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rae/v44n3/v44n3a03.pdf>. Acesso: 15 mar. 2018. BARRETO, A. C. T. Carta de 1988 é um marco contra discriminação. 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Conheceremos também os principais marcos em direitos humanos e desenvolvimento sustentável relacionados ao tema “Diversidade”. Em seguida, estudaremos a diversidade no contexto brasileiro, incluindo a compreensão sobre a formação socioeconômica do Brasil e a contribuição da Constituição de 1988. Os temas que compõem esta aula são: 1. Panorama histórico 2. Diversidade sob a perspectiva de direitos humanos 3. Referenciais internacionais em diversidade e desenvolvimento sustentável 4. Diversidade cultural e economia 5. Igualdade na Constituição Federal de 1988 CONTEXTUALIZANDO A temática da diversidade entrou na agenda das organizações brasileiras recentemente, a partir da década de 1990, por exigência de empresas norte- americanas com operações no Brasil. Mais tarde, o assunto ganhou nuanças de responsabilidade social, a partir da pressão da sociedade por políticas públicas para que o universo corporativo passasse a incluir e apoiar o desenvolvimento de grupos vulneráveis em razão de questões socioeconômicas, de gênero, orientação sexual, condição física, raça/cor, dentre outras características que determinam desvantagem profissional a pessoas pertencentes a determinados coletivos, conforme veremos nas próximas aulas. Nesta primeira aula, estudaremos aspectos históricos e socioeconômicos, buscando respostas para a seguinte pergunta: Quais são os principais referenciais que tratam sobre a contribuição das organizações para a diversidade? Quais são as nuanças da diversidade no contexto brasileiro? 03 TEMA 1 – PANORAMA HISTÓRICO A atenção do mundo corporativo à diversidade cultural da força de trabalho remonta à história da ampliação dos direitos civis nos Estados Unidos a partir da década de 1960, especialmente a luta da população negra e imigrante por igualdade de tratamento, que culminou na promulgação de leis voltadas à inclusão destes grupos nos espaços de educação e de trabalho por meio da reserva de cotas. Nos Estados Unidos, o principal marco legal neste sentido foi o Affirmative Action: O Affirmative Action foi promulgado no final da década de 1960 como resposta à discriminação racial observada nas empresas e instituições de ensino. Por regulamentação federal, as empresas que tinham contratos com o governo ou que dele recebiam recursos e benefícios deviam avaliar a diversidade existente em seu corpo de funcionários e procurar balancear sua composição, em face da diversidade existente no mercado de trabalho. Esses grupos incluíam: mulheres, hispânicos, asiáticos e índios (pessoas com deficiência foram incluídas após 1991). (Agócs & Burr, 1996 citado por Fleury, 2000, p. 2) De acordo com os autores citados, o Canadá seguiu a mesma linha, promulgando o Employment Equity Act e o Federal Contractors Program, em 1986. Tais leis tinham como objetivo aumentar a representatividade das minorias por meio da reserva de cotas nas empresas, mas também pretendiam promover relações mais equilibradas e justas de trabalho. 1.1 Incorporação da diversidade na agenda das organizações brasileiras No Brasil, apesar da persistência da desigualdade social e de existirem vários grupos historicamente excluídos do exercício da cidadania (Alves, 2004), a incorporação da temática da diversidade na agenda das empresas brasileiras não ocorreu por meio de legislação ou de políticas públicas a favor da igualdade de oportunidades, como aconteceu nos Estados Unidos e no Canadá. Houve, no entanto, a influência direta de empresas norte-americanas com operações no Brasil para que as subsidiárias atendessem às exigências da matriz nesta área (Fleury, 2000; Alves, 2004). A partir da década de 1990, o tema da diversidade passou a ser adotado por algumas organizações como parte da estratégia de responsabilidade social, envolvendo a contratação de minorias ou o investimento em projetos cujos beneficiários eram grupos relacionados às operações, como comunidades residentes no entorno das fábricas em situação de vulnerabilidade, por exemplo. 04 Apenas recentemente, com a demonstração dos benefícios financeiros da diversidade para as organizações mediante a divulgação de pesquisas, este tema passou a chamar a atenção de um número maior de empresas. No entanto, as organizações brasileiras ainda têm um longo caminho a trilhar, conforme estudaremos ao longo desta disciplina. TEMA 2 – DIVERSIDADE SOB A PERSPECTIVA DE DIREITOS HUMANOS A diversidade nas organizações é tratada como estratégia para a competitividade, conforme estudaremos mais adiante. No entanto, o tema originalmente é abordado sob asperspectivas de direitos humanos e de desenvolvimento sustentável, com uma série de referenciais internacionais que fornecem subsídios para a legislação e as políticas públicas nacionais. 2.1 Tratados internacionais Os parâmetros internacionais impactam a forma como a mídia e a sociedade interpretam as ações corporativas. Por isso, é importante que você conheça os principais tratados e referências internacionais relacionados a este tema para, em seguida, compreender o conceito de “diversidade cultural” no ambiente de trabalho sob a perspectiva de direitos humanos: “Direitos Humanos é o conjunto de valores, de comportamentos, de paradigmas que deve pautar todas as relações entre os homens, independentemente de sua crença, etnia, cor, sexo, situação social, orientação sexual, posicionamento político ou quaisquer outras condições” (Virmond, 2017). Os Direitos Humanos foram formalmente estabelecidos na Declaração Universal de Direitos Humanos, na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU, em 1948, após o advento da Segunda Guerra Mundial, na qual violações e atrocidades foram cometidas contra alguns povos especificamente, com destaque para o regime nazista. “O maior objetivo de sua criação [dos Direitos Humanos] é o de promover e proteger a dignidade humana, enfrentar a exploração, a discriminação, a desigualdade e, por outro lado, garantir o direito à vida, à liberdade de opinião e de expressão, bem como o acesso aos bens necessários a uma existência digna” (Virmond, 2017). Não vivemos no Brasil a situação de guerras na forma convencional. No entanto, as múltiplas crises no país (social, política, econômica, entre outras) causam ondas indiscriminadas de violência com múltiplas consequências. É 05 notável também a incapacidade de o Estado brasileiro prover o acesso a bens indispensáveis para uma vida digna a toda a população, como: moradia, educação, saúde e segurança. À medida que as crises sociais se agravam, as pessoas passam a reagir com intolerância diante de qualquer contrariedade. Apesar de já estarmos acostumados com o cenário de violência e de desigualdade e com os privilégios reservados a alguns grupos socioeconômicos, esse contexto coloca em xeque os princípios de igualdade e de diversidade, tornando-se cada vez mais urgente que organizações de todos os setores empreendam esforços para a garantia dos direitos humanos. Ainda que as empresas não tenham responsabilidade direta, não se pode negar a capacidade do poder econômico em apoiar uma mudança do contexto social. Ademais, empresas responsáveis e inovadoras em todo o mundo cada vez mais assumem como parte dos negócios a tarefa de transformação da sociedade, conforme veremos em nossa videoaula. Diversos instrumentos multilaterais abordam a temática da diversidade sob a perspectiva de direitos humanos. O Quadro 1 apresenta alguns destes referenciais. Quadro 1 – Referenciais multilaterais em direitos humanos com enfoque em diversidade Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) (1948) Elaborada por representantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todo o mundo no cenário do período pós-Segunda Guerra Mundial, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é o principal marco neste contexto e ofertou bases para a expansão do direito internacional nesta área, estabelecendo pela primeira vez a proteção aos direitos humanos. Proclamada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, a DUDH conta com 30 artigos voltados a garantir a dignidade e a igualdade de direitos entre todas as pessoas, visando garantir a justiça e a paz no mundo. Confira a DUDH na íntegra: <https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm>. Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965) Adotada pela Assembleia das Nações Unidas em 21 de dezembro de 1965 e ratificada pelo Brasil em 1968, esta convenção condena a discriminação racial e determina que os estados-membros da ONU se comprometam a adotar uma política de eliminação da discriminação racial em todas as suas formas, promovendo a igualdade de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, além do entendimento entre todas as raças. Uma síntese desta convenção pode ser visualizada aqui: <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001393/139390por.pdf>. (continua) 06 (continuação do Quadro 1) Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (1979) Esta convenção, por meio de seu art. 1º, define a discriminação contra a mulher como "toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objetivo ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo, exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo". A convenção reconhece que as mulheres, especialmente pelo fato de serem mulheres, são submetidas a abusos de ordem sexual, social e econômica que precisam ser eliminados para o pleno exercício dos direitos civis, políticos, econômicos e culturais das mulheres. Os países que ratificaram a convenção assumem a obrigação internacional de adotar políticas públicas para acelerar a igualdade entre mulheres e homens e remediar as desvantagens históricas, consequências de práticas históricas discriminatórias para as mulheres. A convenção na íntegra pode ser acessada em: <https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10233.htm>. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Adotada pela ONU em 2006 e ratificada pelo Brasil em 2008, a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência tem o objetivo de “proteger e garantir o total e igual acesso a todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência. Por meio de 40 artigos, a convenção visa promover o respeito à dignidade das pessoas com deficiência, buscando promover sua total participação em todas as esferas da vida. Para tanto, é necessária a elaboração de políticas públicas de inclusão e de combate ao preconceito, à discriminação, costumes, estereótipos, estigmas e práticas danosas. Link para acesso à íntegra desta convenção: <https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_27812.htm>. Convenção OIT 183 sobre Proteção à Maternidade (Convenção 183) Atualizou as convenções anteriores de proteção à maternidade, com orientações para que os países estabeleçam licença-maternidade de pelo menos 14 semanas de duração; proibição de demissão durante a gravidez e por período mínimo após o parto; direito a pausas para amamentação, entre outras garantias de proteção à maternidade. Apesar de muitos países terem ratificado as convenções da OIT de proteção à maternidade, a realidade é que em todo o mundo a gravidez e a maternidade determinam discriminação às mulheres em seus locais de trabalho. Um estudo da OIT (2012) identificou casos de mulheres que são assediadas e despedidas quando ficam grávidas, exigências para que as mulheres assinem garantias de que não ficarão grávidas, casos de mulheres que são obrigadas a submeterem-se a testes de gravidez e até mesmo casos de negação da concessão da licença-maternidade. A íntegra desta convenção pode ser acessada em: <http://direitoshumanos.gddc.pt/3_4/IIIPAG3_4_4_A.htm>. Convenção OIT 100 - Igualdade de Remuneração de Homens e Mulheres Trabalhadores por Trabalho de Igual Valor Determina que os países que ratificam esta convenção se comprometem a adotar práticas e implementar a igualdade salarial entre mulheres e homens pela mesma função. Em todo o mundo as mulheres ganham menos que os homens, conforme veremos nas próximas aulas. Pesquisas comprovam que os países que têm maior proximidade salarial entre os gêneros adotaram políticas públicaspara tanto. Íntegra da Convenção OIT 100: <http://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235190/lang-- pt/index.htm>. Fonte: elaborado com base em ONU Brasil (2017); OIT (2017); UNICEF Brasil, 2017. É importante salientar que as convenções e os tratados multilaterais por si só não têm força de lei, mas, quando ratificados pelos países-membros das organizações internacionais, como a ONU e a OIT, devem se efetivar em leis e http://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235190/lang--pt/index.htm http://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235190/lang--pt/index.htm 07 outros dispositivos, com cobranças e possíveis sanções da comunidade internacional mediante a ausência de seu cumprimento. TEMA 3 – REFERENCIAIS INTERNACIONAIS EM DIVERSIDADE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL A valorização da diversidade também é vista como um dos pilares de desenvolvimento sustentável na perspectiva internacional. Diversos documentos e estratégias fazem menção, de diferentes formas, a este princípio. Destacamos dois referenciais importantes das Nações Unidas, considerados soft laws1: 3.1 Pacto global O Pacto Global é uma iniciativa da ONU que visa mobilizar a comunidade empresarial internacional para a adoção, em suas práticas de negócios, de valores fundamentais e internacionalmente aceitos nas áreas de direitos humanos, relações de trabalho, meio ambiente e combate à corrupção. Esses valores são refletidos em 10 princípios, e a iniciativa conta com a participação de agências das Nações Unidas, empresas, sindicatos, organizações não governamentais e demais parceiros necessários para a construção de um mercado global mais inclusivo e igualitário. Os 10 princípios do Pacto Global estão segmentados nas áreas de Direitos Humanos, Trabalho, Meio Ambiente e Combate à Corrupção. Hoje já são mais de 12 mil organizações signatárias que desenvolvem ações articuladas por cerca de 150 redes ao redor do mundo (Rede Brasil Pacto Global, 2013). 3.2 Objetivos de desenvolvimento sustentável Em 2015, a Organização das Nações Unidas lançou a Agenda para 2030, com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que consistem em 17 objetivos e 169 metas construídas a partir do legado dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), visando concluir o que estes não conseguiram alcançar. Os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável são integrados e indivisíveis e equilibram as três dimensões do desenvolvimento sustentável: econômica, social e ambiental, buscando concretizar os direitos 1 Soft laws são resoluções, planos de ação ou códigos de conduta em âmbito regional, nacional ou internacional que não têm caráter obrigatório, mas que são capazes de construir legitimidade e aceitação fora de qualquer processo regulatório, em contraponto às hard laws, que possuem caráter legal (White & Baraldi, 2012; Skjaerseth et al., 2006 citados por Santa Rita, 2012). http://www.pactoglobal.org.br/artigo/56/Os-10-principios 08 humanos de todos e alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres e meninas. Embora de natureza global e universalmente aplicáveis, os ODS dialogam com as políticas e ações nos âmbitos regional e local, e propõem o envolvimento de governantes, gestores locais e empresas como protagonistas na mobilização em torno dessa agenda, inspirando projetos em todo o mundo, conforme veremos em nossa videoaula. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são (ONU, 2015): Objetivo 1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares Objetivo 2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável. Objetivo 3. Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades. Objetivo 4. Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. Objetivo 5. Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. Objetivo 6. Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos. Objetivo 7. Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos. Objetivo 8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos. Objetivo 9. Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação. Objetivo 10. Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles. Objetivo 11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. Objetivo 12. Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis. Objetivo 13. Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos. Objetivo 14. Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável. Objetivo 15. Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade. Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis. Objetivo 17. Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável. (Rede ODS Universidades Brasil, 2017) É importante conhecer a Agenda 2030, pois esta iniciativa se relaciona ao tema da igualdade de oportunidades e da diversidade, em especial o disposto nos objetivos 1, 3, 4, 5, 8, 16 e 17. Cada objetivo se desmembra em metas específicas, que podem ser visualizadas na íntegra em <https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/>. https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ 09 Além do Pacto Global e da Agenda 2030, há, nas agências da ONU, muitas outras iniciativas com foco em direitos humanos, igualdade de oportunidades e inclusão de minorias. Estas ações estão voltadas a angariar a adesão e articular organizações de perfis e naturezas diversas em projetos significativos. TEMA 4 – DIVERSIDADE CULTURAL E ECONOMIA BRASILEIRA Mas, afinal, o que significa diversidade? Não há consenso teórico; no entanto, os conceitos apontam para a noção de diversidade de identidades culturais. As identidades culturais são múltiplas, resultado da história de cada país, região ou mesmo de uma família ou grupo de indivíduos com características biológicas, socioeconômicas ou culturais em comum. Quando grupos de perfis diversos convivem em determinado ambiente – como uma empresa –, há conflitos relacionais e de interesse que demandam estratégias de mediação e conciliação. Da mesma forma, o sentimento de injustiça dá margem a questionamentos quando grupos com menor poder econômico, político e de negociação – as chamadas minorias – percebem-se excluídos do processo de desenvolvimento socioeconômico. Por isso, para alcançarmos a compreensão sobre a importância da gestão da diversidade nas organizações sob todas as perspectivas, é necessário lembrarmos da história da formação econômica da sociedade brasileira. 4.1 Formação econômica da sociedade brasileira Estudamos, desde o início da nossa vida escolar, que o Brasil foi descoberto no ano de 1500, mas sabemos que, muito antes, povos indígenas pertencentes a grupos com significados culturais próprios já habitavam o país. Depois, vieram os colonizadores europeus e também foram trazidas pessoas negras escravizadas de diferentes regiões da África, em um regime que perdurou mais de 300 anos. De acordo com Fleury (2000), o projeto de colonização brasileiro e da maioria dos países latino-americanos, diferentemente dos Estados Unidos e do Canadá, fundamentou-se sobrea exploração da riqueza tropical (cana-de-açúcar, madeira, minerais e café) e do trabalho escravo (no início, os índios nativos e, mais tarde, os negros trazidos da África). Durante o século XIX, o Brasil passou por transformações significativas em termos políticos (com a Independência, instauração da Monarquia e, finalmente, a proclamação da República) e em termos econômicos (com o processo de industrialização e urbanização da Região Sudeste do país). Culturalmente, o país também sofreu mudanças, com a vinda de imigrantes europeus e asiáticos. Esses imigrantes tinham um nível 010 educacional superior ao da população local, principalmente no caso dos italianos e espanhóis, tradição de lutas políticas ligadas ao anarquismo. Ao longo da História, determinados padrões culturais foram se desenvolvendo no país como resultado da formação de uma população culturalmente diversificada e miscigenada pelos casamentos inter-raciais. Ao mesmo tempo, foi se constituindo uma sociedade na qual o trabalho manual sempre foi desvalorizado e relegado aos escravos e à população de baixa renda. Com os processos de industrialização e urbanização, uma classe média mais heterogênea surgiu no cenário brasileiro, mas a desvalorização do trabalho manual permaneceu. Assim, uma sociedade contraditória foi emergindo. (Fleury, 2000) A síntese apresentada acima, de Maria Tereza Leme Fleury, demonstra a origem das desigualdades socioeconômicas no Brasil que afetam, sobretudo, a população negra. Sabemos que a abolição da escravidão se deu em 1888, no entanto, não houve a reparação por meio de políticas públicas do prejuízo causado por séculos de escravidão, apesar de a população negra representar atualmente 53% da população brasileira. Este é um dos cenários de desigualdade que permanece até os dias de hoje e merece atenção das empresas. O texto de Fleury também aponta para a valorização do padrão europeu em detrimento da herança indígena e africana. Considera-se belo o que remonta à cultura europeia nas mais diversas áreas: padrão estético (cor e traços), arquitetura, arte, religião... Além da questão racial, há outros grupos em desvantagem socioeconômica em nossa sociedade, como as mulheres – em especial as mulheres negras –, as pessoas com deficiência, as pessoas LGBTI (sigla utilizada para lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais). Cada um desses grupos, por não seguir o padrão dominante do que é valorizado hoje na sociedade brasileira, fica à margem do desenvolvimento, mediante o argumento de que o mercado absorve as pessoas mais preparadas, prática denominada de meritocracia (veremos este e outros conceitos mais adiante). Esta contextualização da formação desigual da sociedade brasileira nos permite compreender as bases nas quais as empresas brasileiras estão inserindo a temática da diversidade em suas estratégias. Trata-se de um tema de gestão organizacional, mas envolve também escolhas corporativas relacionadas à política e à contribuição que as empresas pretendem dar ao desenvolvimento justo e sustentável do país. TEMA 5 – IGUALDADE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 A legislação brasileira, em alguns dispositivos, a iniciar pela Constituição Federal de 1988, considerada um marco na luta contra a discriminação, trata do direito à igualdade de oportunidades e do respeito à diversidade. O art. 4º dispõe 011 sobre a igualdade e o combate à discriminação, especificamente nos seguintes incisos (Brasil, 1988, p. 11): II – prevalência dos direitos humanos; VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo. O art. 5º traz o princípio Constitucional da Igualdade: Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; [...] III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; [...] VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; [...] VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; [...] XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; [...] XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá a sua função social; [...] XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei. (Brasil, 1988, p.12) O art. 7º trata sobre a igualdade trabalhista: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III – fundo de garantia do tempo de serviço; IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; V – piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; VII – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; VIII – décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; 012 X – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei; XII – salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal; XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XIX – licença-paternidade, nos termos fixados em lei; X X –proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; XXI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na formada lei; XXIV – aposentadoria; XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; XXVII – proteção em face da automação, na forma da lei; XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho: a) (Revogada); b) (Revogada); XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; XXXII – proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos; XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; XXXIV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso [...]. (Brasil, 1988, p.18) Além destas seções, o art. 14 versa sobre a igualdade política, e o art. 150 disciplina a igualdade tributária (Barreto, 2010). Apesar de representar um grande avanço no combate à discriminação e à desigualdade, o disposto na Constituição Federal de 1988 não é suficiente para que haja a efetiva igualdade de oportunidades, de modo que grupos específicos seguem em desvantagem em sua caminhada pessoal e profissional. Pesquisas 013 nesta área sugerem que o combate à discriminação e o alcance da igualdade de oportunidades no mundo do trabalho dependem da integração de esforços da esfera pública com ações de organizações privadas, como as empresas. FINALIZANDO Nesta aula, estudamos a temática da diversidade sob as perspectivas de direitos humanos e desenvolvimento sustentável. Compreendemos que a diversidade é abordada como uma temática de direitos humanos e de desenvolvimento sustentável, e conhecemos os principais referenciais internacionais que fornecem subsídios para a legislação e para as políticas públicas nacionais. Se no cenário internacional este tema foi favorecido por avanços na legislação voltada à obrigatoriedade da inclusão de minorias nas empresas (ações afirmativas), no Brasil a diversidade chegou ao mundo empresarial inicialmente pela via da responsabilidade social. A inclusão profissional das minorias com respaldo legal se deu a partir da Lei de Inclusão de Pessoas com Deficiência, em 1991, tema da nossa próxima aula. 014 REFERÊNCIAS ALVES, M. A. A crítica da gestão da diversidade nas organizações. Rae, v. 44, n. 3, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rae/v44n3/v44n3a03.pdf>. Acesso: 15 mar. 2018. BARRETO, A. C. T. Carta de 1988 é um marco contra discriminação. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2010-nov-05/constituicao-1988- marco-discriminacao-familia-contemporanea>. Acesso: 15 mar. 2018. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91 _2016.pdf>. Acesso: 15 mar. 2018. FARIA, H. O.; MELO, M. Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher e convenção para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/direitos/tratado9.ht>. Acesso: 15 mar. 2018. FLEURY, M. T. L. Gerenciando a diversidade cultural: experiências de empresas brasileiras. Rae, v. 40, n. 3, jul./set. 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rae/v40n3/v40n3a03.pdf>. Acesso: 15 mar. 2018. ONU – Organização das Nações Unidas Brasil. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/declaracao>. Acesso: 15 mar. 2018. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenções ratificadas pelo Brasil. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/convencoes/lang-- pt/index.htm>. Acesso: 15 mar. 2018. _____. Proteção à maternidade não é somente uma questão pessoal. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/content/protecao-maternidade-nao-e- somente-uma-questao-pessoal>. Acesso: 15 mar. 2018. REDE BRASIL PACTO GLOBAL. Pacto Global. Disponível em: <http://www.pactoglobal.org.br/artigo/70/O-que-eh>. Acesso: 15 mar. 2018. REDE ODS UNIVERSIDADES BRASIL. Educar para sustentar a vida. Disponível em: 015 <http://www.redeodsuniversidades.ueg.br/conteudo/12208_o_que_sao_os_ods> . Acesso: 15 mar. 2018. SANTA RITA, B. de S. Educação, cultura organizacional e sustentabilidade: identificação de práticas corporativas. Dissertação (Mestrado em Práticas em Desenvolvimento Sustentável). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2013, p. 30. UNICEF BRASIL. Legislação, normativas, documentos e declarações. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm>. Acesso: 15 mar. 2018. VIRMOND, V. Escola de educação especial em direitos humanos. Governo do Paraná. Secretaria da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos. 2017. Disponível em: <http://www.esedh.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=113>. Acesso: 15 mar. 2018. AULA 2 GESTÃO DA DIVERSIDADE Profª Beatriz de Souza Santa Rita 02 CONVERSA INICIAL Seja bem-vindo(a) à segunda aula da disciplina de Gestão da Diversidade. Na aula anterior você aprendeu como o tema diversidade chegou à agenda das organizações. Vimos também que a noção de igualdade presente na Constituição Federal de 1988 é um horizonte a ser perseguido, no entanto, na prática, há desigualdades diversas que colocam alguns grupos em desvantagem socioeconômica. A partir desta aula estudaremos os principais grupos que estão à mercê do desenvolvimento socioeconômico e, por isso, tornaram-se público prioritário em políticas públicas de inclusão no mundo do trabalho. Para isso, veremos inicialmente o cenário da falta de diversidade nas organizações brasileiras. Em seguida, estudaremos um panorama geral sobre pessoas com deficiência: dados globais e nacionais, legislação e barreiras que devem ser superadas para a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho brasileiro. CONTEXTUALIZANDO Os cenários de desigualdade presentes na sociedade se reproduzem e se retroalimentam no interior das empresas. Isso porque as empresas não estão isoladas do que acontece no mundo. São organismos vivos, tomadores de decisões e que se relacionam com as demais esferas da vida e da coletividade. Em função de características sociais, históricas e até mesmo da condição física, alguns grupos encontram-se em desvantagem no mercado de trabalho, seja por falta de representatividade e/ou por condições salariais desiguais. Nesta aula estudaremos este panorama de desigualdade com enfoque na situação das pessoas com deficiência, buscando compreender: Quais são os avanços e as principais barreiras para uma inclusão efetiva? TEMA 1 – POR QUE A SOCIEDADE DEMANDA POR DIVERSIDADE NAS ORGANIZAÇÕES? Neste tema, veremos alguns dados sobre a representatividade de determinados grupos no mundo do trabalho. 03 É importante saber que, exceto para pessoas com deficiência e para aprendizes, ainda não há legislação no Brasil que preveja um percentual mínimo de contratação para mulheres, pessoas negras, idosas e outros grupos minoritários. No entanto, em uma empresa socialmente responsável e comprometida com a diversidade, a orientação é que a representação de cadagrupo corresponda à sua presença na sociedade. Por exemplo: se a população brasileira, em termos numéricos, é composta igualmente por mulheres e homens, o quadro de empregados das empresas deveria ser formado por 50% de mulheres e 50% de homens1. Infelizmente, por motivos diversos de ordem social, histórica e cultural, esses números não “batem”, e medidas precisam ser tomadas para a redução das desigualdades. Além disso, o cenário ideal é que esta representatividade se aplique a todas as áreas da empresa e em todos os níveis hierárquicos. Isso porque ainda é muito comum que colaboradores que representam grupos minoritários estejam presentes nas empresas em maior número em nível operacional, praticamente não ocupando cargos de liderança, em um processo de afunilamento hierárquico. O estudo “Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas” realizado pelo Instituto Ethos (2017) demonstra que, apesar de haver avanços recentes, a sub-representatividade de mulheres, negros2, pessoas com deficiência e pessoas idosas ainda é predominante nas maiores empresas brasileiras, conforme veremos a seguir. TEMA 2 – PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: UMA QUESTÃO GLOBAL Em todo o mundo, um bilhão de pessoas vivem com pelo menos um tipo de deficiência, o equivalente a uma em cada sete pessoas (ONU, 2017). Saiba mais De acordo com o art. 1º da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), pessoas com deficiência incluem as “que têm 1 De acordo com estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE divulgada em 2017, 51,4% da população brasileira corresponde a mulheres. 2 De acordo com o IBGE, a população negra é composta por pessoas das cores preta ou parda, mediante autodeclaração. https://issuu.com/institutoethos/docs/perfil_social_tacial_genero_500empr https://issuu.com/institutoethos/docs/perfil_social_tacial_genero_500empr 04 impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”. É importante ressaltar que, no Brasil, o termo correto é “pessoas com deficiência”, de acordo com regulamentação estabelecida em 2011 pelo Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. As terminologias “pessoa portadora de deficiência”, “pessoa com necessidades especiais” entre outras, não são mais utilizadas, pois em alguns casos desrespeitam a dignidade humana. Da mesma forma, é incorreto referir-se a uma pessoa sem deficiência como “pessoa normal”. Esta forma de expressão tem como pano de fundo a noção ultrapassada de que as pessoas com deficiência são anormais ou doentes. Vejamos alguns dados globais que nos permitem compreender que a inserção adequada de pessoas com deficiência é um tema multidimensional, que demanda tanto políticas públicas intersetoriais e complementares como a participação de todos os setores da sociedade: Quadro 1 – Dados globais sobre a inserção adequada de pessoas com deficiência 80% das pessoas que vivem com alguma deficiência residem nos países em desenvolvimento. No total, 150 milhões de crianças (com menos de 18 anos de idade) têm alguma deficiência. Ter alguma deficiência aumenta o custo de vida em cerca de um terço da renda, em média. Completar a escola primária também é um desafio maior para as crianças com deficiência: Enquanto 60% dessas crianças completam essa etapa dos estudos nos países desenvolvidos, apenas 45% dos meninos e 32% das meninas com deficiência completam o ensino primário nos países em desenvolvimento. 50% das pessoas com deficiência não conseguem pagar por serviços de saúde. Cerca de 30% dos meninos ou meninas de rua têm algum tipo de deficiência, e nos países em desenvolvimento 90% das crianças com deficiência não frequentam a escola. Entre as pessoas mais pobres do mundo, 20% têm algum tipo de deficiência. Fonte: elaborado com base em ONU, 2017. Ainda de acordo com a ONU, pessoas com deficiência são mais propensas a ser vítimas de violência física e sexual, e têm menor probabilidade 05 de obter ajuda da polícia, proteção jurídica, cuidados preventivos e inserção no mercado de trabalho. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho – OIT (2017), a definição apresentada é bastante geral e segue a perspectiva social, diferente da “incapacidade”, que é uma condição pessoal. Com este conceito, deseja-se que a sociedade compreenda que “deficiência” é o resultado da interação entre pessoas com incapacidades distintas e as barreiras atitudinais e ambientais, incluindo preconceitos sociais e informações, edifícios e serviços inacessíveis (ONU, 2017). São estas barreiras, somadas à condição de cada uma das pessoas com deficiência, que dificultam sua plena e efetiva participação na sociedade em uma base de igualdade de condições com os outros. 2.1 Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD) O Brasil ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) em 2008. Assim, o documento obteve equivalência de emenda constitucional, valorizando a atuação conjunta entre sociedade civil e governo. Um grande avanço proposto pela Convenção foi a alteração do modelo médico para o modelo social, o qual esclarece que o fator limitador para as pessoas com deficiência é o meio em que a pessoa está inserida e as diferentes barreiras impostas, e não apenas a deficiência em si. Nesse sentido, a Convenção recomenda a utilização da Classificação Internacional de Funcionalidades, sistema de classificação da Organização Mundial de Saúde criado para avaliar e medir a saúde e a incapacidade tanto no nível individual como no nível da população. A CIF é uma classificação com múltiplas finalidades, para ser utilizada de forma transversal em diferentes áreas disciplinares e setores (saúde, educação, segurança social, emprego, economia, política social, desenvolvimento de políticas e de legislação em geral e alterações ambientais), e é complementar à Classificação Estatística Internacional das Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID). No entanto, a opção pela CIF para tratar das diferentes deficiências deixa claro que estas não indicam, necessariamente, a presença de uma doença ou que o indivíduo deva ser considerado doente, e que a falta de acesso a bens e serviços deve ser solucionada de forma coletiva e com políticas públicas 06 estruturantes para a equiparação de oportunidades (ONU, 2017; Instituto Nacional para Reabilitação, 2010). TEMA 3 – PANORAMA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL De acordo com a Cartilha do Censo 2010 sobre a deficiência no Brasil (Brasil, 2012a), 45.606.048 de brasileiros – o equivalente a aproximadamente 24% da população total – têm algum tipo de deficiência (visual, auditiva, motora, intelectual). A deficiência visual é a que apresenta maior ocorrência, afetando 18,6% da população brasileira. Em segundo lugar está a deficiência motora, ocorrendo em 7% da população, seguida da deficiência auditiva, em 5,1% e da deficiência intelectual, em 1,4%. Do total de pessoas com deficiência, 4,3 milhões, o equivalente a 2,5% da população brasileira, possuem limitações severas. As deficiências podem ter origem genética, surgindo no período de gestação, em decorrência do parto, ou nos primeiros dias de vida do bebê. Podem ainda ser consequência de doenças transmissíveis ou crônicas, perturbações psiquiátricas, desnutrição, abusos de drogas, traumas e lesões (Brasil, 2012b). O fator socioeconômico – determinante no acesso à informação e no atendimento com qualidade em saúde – influencia diretamente a incidência das deficiências. Há também as deficiências causadas por acidentes. A imprudência
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