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1/7 © Ao aluno é permitido fazer uma cópia do material didático disponibilizado para uso próprio. De acordo com a Lei no. 9.610 de 19/02/1998, que trata de direitos autorais, todo aluno fica proibido de propagar, distribuir e vender o material de qualquer forma, sob pena de responder civil e criminalmente por violação da propriedade material e intelectual. Curso: Terapia Nutricional na Cicatrização Versão 1.0 Fisiopatologia da Cicatrização e alterações metabólicas da lesão Priscila c. Garla A principal função da pele é atuar como uma barreira protetora do organismo contra a agressão de danos físicos e patógenos 1-3. Sua estrutura é composta por duas camadas: epiderme e derme. Epiderme contém queratinócitos, melanócitos, células dendríticas, de Langerhans e outras células do sistema imunológico, sensoriais e da membrana basal epidérmica. Derme é composta por mastócitos, fibroblastos, antígenos e células imunológicas residentes e circulantes 3. A perda ou inadequação da função epitelial pode ocorrer em decorrência de uma ferida ou processo patológico. Uma ferida é definida quando ocorre um dano ou interrupção da estrutura anatômica normal da pele e de sua função. Pode variar de uma simples ruptura na estrutura epitelial ou pode constituir um dano mais profundo, estendendo-se ao tecido subcutâneo e outras estruturas como músculos, vasos, nervos, órgãos parenquimatosos e ossos 1. A etiologia pode ser acidental, intencional, como consequência de uma doença específica ou trauma cirúrgico. Independentemente da causa e tipo, a ferida danifica o tecido e altera a reposta metabólica no local da lesão. Uma ferida não cicatrizada pode ser colonizada ou infectada e constituir um risco elevado de morbidade e mortalidade, principalmente em indivíduos imunossuprimidos 4. Do ponto de vista histológico, o processo cicatricial pode ser definido como a substituição do tecido danificado por um tecido conjuntivo fibroso, que formará uma cicatriz com preservação da estrutura epitelial e de sua função. Para que isso ocorra, é necessária uma cascata dinâmica e sequencial de eventos celulares, moleculares e bioquímicos, que interagem coordenadamente entre si para que ocorra adequada reconstituição tecidual 1-3. Esses eventos envolvem diferentes processos de coagulação, inflamação, deposição e diferenciação de matriz extracelular, fibroplasia, epitelização, contração e remodelação, que são iniciadas com a lesão e prosseguem durante toda a fase de reparação do tecido 1-4. A fisiologia da cicatrização pode ser dividida em fases de 2 hemostasia, inflamatória, proliferativa e fase de remodelação, descritas no quadro abaixo e ilustradas na figura 15. Essas fases devem ocorrer de forma ordenada em todos os tecidos do corpo, mas a interrupção de qualquer evento único pode afetar o resultado fisiológico e o tempo da cicatrização 2,3. Diversos fatores endógenos e exógenos podem interferir e impedir que o processo cicatricial ocorra de maneira coordenada e adequada. Dentre eles estão fatores ambientais inadequados, técnica cirúrgica inapropriada, hipóxia, presença de debris, infecção, tabagismo, uso crônico de medicamentos, estado nutricional prejudicado, deficiência de proteínas, vitaminas e minerais, câncer e desordens metabólicas como diabetes 6,7. Quadro 1: Principais fases da cicatrização5: PRINCIPAIS FASES DA CICATRIZAÇÃO Hemostasia Representa um mecanismo de defesa imediato para cessar sangramento no local da ferida através da liberação de substâncias vasoconstritoras. Fase inflamatória Inicia logo após a lesão, com duração de 1 a 4 dias. Participa da hemostasia e produz citocinas inflamatórias e células imunológicas para prevenir contaminação microbiana. Fase proliferativa Início ao redor do 4º dia pós-lesão e pode se estender por aproximadamente 20 dias. Atua na epitelização, angiogênese, formação de tecido de granulação e deposição de colágeno. Responsável por iniciar o fechamento da borda da ferida. Fase de remodelação Inicia dentro de 20 dias a 6 semanas; dependendo da gravidade da ferida. Nessa fase ocorre deposição de colágeno de maneira mais organizada e formação da cicatriz. Hemostasia Tem início imediato após a lesão e ocorre em três etapas principais: vasoconstrição, hemostasia primária e secundária. Na primeira etapa, os vasos se contraem rapidamente 3 para reduzir o sangramento da microvasculatura rompida. Essa resposta é possível pela produção de substâncias vasoconstritoras como endotelinas, catecolaminas, epinefrina, noradrenalina e prostaglandinas 2. A homeostasia primária e secundária é coordenada principalmente pela ação de plaquetas que atuam na formação de coágulos no local da lesão. Adicionalmente, as plaquetas estimulam a liberação de quimiocinas, fatores de crescimento como o fator derivado de plaquetas (PDGF), que são importantes mediadores celulares para as fases sequenciais da cicatrização e que estimulam a migração de células imunológicas para o local. Todos os eventos celulares que ocorrem na fase de hemostasia têm como principal objetivo formar coágulo e uma matriz extracelular (MEC) provisória para interromper sangramento, diminuir perda de fluidos e formar uma barreira protetora contra penetração de agentes externos ao local 1-3. Essa fase pode durar poucos minutos até 1 hora. Fase Inflamatória Minutos após o trauma, tem início os mecanismos da fase inflamatória através do recrutamento de células imunológicas para o local da lesão. Nessa fase, se evidenciam os sinais físicos da resposta inflamatória (eritema, calor, edema e dor) 8-12. Os neutrófilos constituem as primeiras células a chegarem ao local, sendo seu pico em torno de 24 a 48 horas após a ocorrência do trauma. Caracteriza-se como a linha de defesa inicial contra o risco de infecções por atuar na destruição de microrganismos patógenos e debridamento do tecido desvitalizado. Para a realização dessas tarefas, os neutrófilos liberam uma grande quantidade de substâncias antimicrobianas e estimulam a produção de citocinas, quimiocinas e enzimas, como interleucina 1, 6 e 8 (IL-1, IL-6, IL-8), fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) e metaloproteinases (MMPs) 9. Macrófagos chegam posteriormente ao local, após 48 a 96 horas do insulto, e são responsáveis por fagocitar células mortas, danificadas e corpos estranhos. Paralelamente, os macrófagos intensificam a liberação do fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), IL-1 e IL-6 e de fatores de crescimento que são responsáveis por estimular a proliferação de queratinócitos, fibroblastos e enzimas proteases que são necessários para a transição da fase inflamatória para a etapa proliferativa. Com o tempo, os neutrófilos são eliminados da ferida por apoptose ou são fagocitados pelos macrófagos. Em contrapartida, os macrófagos permanecem dentro de um ferimento até o processo de cicatrização ser finalizado 6-8. 4 Fase Proliferativa Inicia-se ao redor do 4º dia após a lesão e estende-se próximo ao término da segunda semana. Nessa fase ocorre a reparação do tecido conjuntivo e epitelial; sendo constituída por três etapas fundamentais de epitelização, angiogênese e fibroplasia (quadro 2) 2-4. A epitelização é a primeira etapa da fase proliferativa. As células da epiderme próximas ao local da lesão começam a proliferar, migrar e se diferenciar das células epiteliais. Caso a membrana basal esteja intacta, os queratinócitos migram em direção a área danificada e as camadas normais da epiderme são restauradas em três dias. Caso essa membrana esteja danificada, as células epiteliais da borda da ferida começam a proliferar na tentativa de restabelecer uma barreira protetora 8-10. Esse processo é coordenado pela ação de fatores de crescimento (EGF, TGF, KGF) e enzimas metaloproteinases que intensificam a ativação de fibroblastos 2-4. Estes, são responsáveispela síntese, deposição e remodelamento da MEC e pela produção de proteínas estruturais necessárias para a reconstrução do tecido. Uma grande quantidade de colágeno do tipo III é produzida nessa fase, porém sua deposição na MEC ocorre de forma não organizada. Sequencialmente, ocorre formação de novos vasos sanguíneos (angiogênese) estimulados pela ação do TNF-α e fatores de crescimento (VEGF, FGF, PDGF, TGF-ß). Essa etapa é fundamental para a formação cicatricial (fibroplasia). Os vasos recém-formados promovem oferta adequada de oxigênio e nutrientes para formação do tecido de granulação, etapa final da fase proliferativa 2-4. O tecido de granulação é formado pela proliferação de células endoteliais vasculares e fibroblastos. Nessa fase, se destaca a ação de miofibroblastos (células com características intermediárias aos fibroblastos e células musculares lisas. Miofibroblastos são ricos em miosina e actina, proteínas musculares responsáveis por aproximar as margens da ferida forçando as fibras de colágeno a se sobreporem e se entrelaçarem. Essa atividade contrátil é responsável pelo início do fechamento da ferida 8-12. Quadro 2: Epitelização, Angiogênese e Fibroplasia 8-12: 5 Etapas principais da Fase Proliferativa Epitelização Responsável por reconstituir a integridade da epiderme após a lesão. Ocorre migração e diferenciação dos queratinócitos, que são estimuladas pelos fatores de crescimento e enzimas da matriz extracelular. Angiogênese Processo de crescimento de novos vasos sanguíneos adjacentes a borda da ferida por ação de fatores de crescimento e pelo TNF-α. Esses novos vasos participam da formação do tecido de granulação; fornecem nutrientes e oxigênio necessários para o tecido em crescimento. Fibroplasia Formação de tecido conjuntivo (cicatriz). Ocorre síntese de colágeno e miofibroblastos para a contração muscular e fechamento da borda da ferida. Por volta de 5 a 7 dias, o tecido de granulação preenche a área danificada e a neovascularização atinge seu ponto máximo. Legenda: fator de crescimento transformador alfa (TGF-α); fator de crescimento epidermal (EGF); fator de crescimento dos queratinócitos (KGF); fator de crescimento derivado do endotélio vascular (VEGF); fator de necrose tumoral (TNF-α); matriz extracelular (MEC); interleucina-1 (IL-1); interleucina-6 (IL-6). Fase de Remodelação Também chamada de maturação, representa a última e mais longa fase do processo cicatricial, podendo ter duração de meses ou até 2 anos. A característica principal dessa fase é a remodelação do tecido cicatricial formado na fase anterior 1-4. Gradualmente, ocorre uma redução do número de células inflamatórias e o término dos processos de angiogênese e fibroplasia. Associado a densidade celular e vascularização diminuídas, há promoção da maturação de fibras colágenas. O colágeno produzido inicialmente (colágeno tipo III) é mais fino do que o colágeno presente na pele normal. No remodelamento, o colágeno tipo III é reabsorvido e substituído por colágeno de tipo mais espesso (colágeno tipo I), o que promove aumento da força tênsil da ferida e diminuição do tamanho da cicatriz. A elasticidade da ferida aumenta em torno de 50% após cinco semanas; e poderá atingir até 70% da elasticidade após meses ou anos 1-4. Idade, estado nutricional, tipo e gravidade da lesão podem interferir nessa resposta 8-12. 6 Todos eventos ocorridos durante a fase de remodelamento são organizados pela participação conjunta de diferentes tipos celulares e mediadores bioquímicos; com destaque aos fibroblastos e metaloproteínas, responsáveis pela secreção de enzimas colagenases que quebram as ligações peptídicas do colágeno da matriz antiga, organizada pelo colágeno tipo III. A reorganização de colágeno na nova matriz é finalizada quando ocorrer um equilíbrio entre a síntese da nova matriz e a lise da matriz antiga, resultando no remodelamento final do tecido conjuntivo 10-12. Figura 1: Fisiologia da cicatrização 5: Para a compreensão detalhada de todos eventos celulares que participam da fisiologia da cicatrização, sugerimos a leitura do artigo Cañedo-Dorantes L, Cañedo-Ayala M. Skin Acute Wound Healing: A Comprehensive Review. Int J Inflam. 2019. Considerações finais O processo de cicatrização é complexo e dinâmico e envolve hemostasia, inflamação, proliferação celular e remodelamento, com objetivo de restaurar a continuidade anatômica e funcional. Ele depende do fornecimento adequado de oxigênio, energia, síntese de proteínas e diversas reações enzimáticas que envolvem vitaminas e minerais. Torna-se de importância integrar a terapia nutricional junto aos demais cuidados da ferida para facilitar o processo de cicatrização. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Ca%C3%B1edo-Dorantes%20L%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=31275545 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Ca%C3%B1edo-Ayala%20M%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=31275545 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31275545 7 Referências Bibliográficas 1- Wang PH, Huang BS, Horng HC, Yeh CC, Chen YJ. Wound healing. J Chin Med Assoc. 2018; 81(2):94-101. 2- Melanie Rodrigues, Nina Kosaric, Clark A. Bonham, and Geoffrey C. Gurtner. Wound Healing: a Cellular Perspective. Physiol Rev, 2019; 99: 665–706. 3- Cañedo-Dorantes L, Cañedo-Ayala M. Skin Acute Wound Healing: A Comprehensive Review. Int J Inflam. 2019, 2. 4- Singer A, Clark AF. Cutaneous Wound Healing. N Engl J Med 1999; 341:738-746. 5- Branski R.C., Rosen C.A., Verdolini K. & Hebda P.A. Biochemical markers associated with acute vocal fold wound healing: a rabbit model. Journal of Voice, 2005; 19(2):283-289. 6- Quain AM et al. Nutrition in Wound Care Management: A Comprehensive Overview. Wounds, 2015. 7- Barman PK, Urao N, Koh TJ. Diabetes induces myeloid bias in bone marrow progenitors associated with enhanced wound macrophage accumulation and impaired healing. J Pathol, 2019. 8- Velnar T, Bailey T, Smrkolj V. The wound healing process: an overview of the cellular and molecular mechanisms. J Int Med Res. 2009; 37(5):1528-42. 9- Medeiros, AC Dantas-Filho AM. Healing of surgical wounds. J Surg Cl Res, 2016; 7 (2): 87-102. 10- Broughton G 2nd, Janis JE, Attinger CE. The basic science of wound healing. Plast Reconstr Surg, 2006; 117:12–34. 11- Araújo, R.V.De S.; Silva, F.O.; Melo-Júnior, M.R.; Porto, A.L.F. Metaloproteinases: aspectos fisiopatológicos sistêmicos e sua importância na cicatrização. R. Ci. md. biol., Salvador, v.10, n.1, p. 82-88, 2011. 12- Antonio Carlos Ligocki Campos; Alessandra Borges-Branco; Anne Karoline Groth. Cicatrização de feridas. ABCD, arq. bras. cir. dig., 2007; 20. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Wang%20PH%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=29169897 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Huang%20BS%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=29169897 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Horng%20HC%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=29169897 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Yeh%20CC%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=29169897 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Chen%20YJ%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=29169897 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29169897 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29169897 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Ca%C3%B1edo-Dorantes%20L%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=31275545 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Ca%C3%B1edo-Ayala%20M%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=31275545 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31275545 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27447105 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31342513 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31342513 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31342513 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Velnar%20T%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=19930861 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Bailey%20T%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=19930861https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Smrkolj%20V%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=19930861 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19930861
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