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Fisiopatologia da Cicatrização e suas alterações metabólicas PG

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Curso: Terapia Nutricional na Cicatrização 
Versão 1.0 
 
Fisiopatologia da Cicatrização e alterações metabólicas da lesão 
Priscila c. Garla 
 
A principal função da pele é atuar como uma barreira protetora do organismo contra 
a agressão de danos físicos e patógenos 1-3. Sua estrutura é composta por duas camadas: 
epiderme e derme. Epiderme contém queratinócitos, melanócitos, células dendríticas, de 
Langerhans e outras células do sistema imunológico, sensoriais e da membrana basal 
epidérmica. Derme é composta por mastócitos, fibroblastos, antígenos e células 
imunológicas residentes e circulantes 3. A perda ou inadequação da função epitelial pode 
ocorrer em decorrência de uma ferida ou processo patológico. 
Uma ferida é definida quando ocorre um dano ou interrupção da estrutura 
anatômica normal da pele e de sua função. Pode variar de uma simples ruptura na estrutura 
epitelial ou pode constituir um dano mais profundo, estendendo-se ao tecido subcutâneo e 
outras estruturas como músculos, vasos, nervos, órgãos parenquimatosos e ossos 1. A 
etiologia pode ser acidental, intencional, como consequência de uma doença específica ou 
trauma cirúrgico. Independentemente da causa e tipo, a ferida danifica o tecido e altera a 
reposta metabólica no local da lesão. Uma ferida não cicatrizada pode ser colonizada ou 
infectada e constituir um risco elevado de morbidade e mortalidade, principalmente em 
indivíduos imunossuprimidos 4. 
Do ponto de vista histológico, o processo cicatricial pode ser definido como a 
substituição do tecido danificado por um tecido conjuntivo fibroso, que formará uma 
cicatriz com preservação da estrutura epitelial e de sua função. Para que isso ocorra, é 
necessária uma cascata dinâmica e sequencial de eventos celulares, moleculares e 
bioquímicos, que interagem coordenadamente entre si para que ocorra adequada 
reconstituição tecidual 1-3. Esses eventos envolvem diferentes processos de coagulação, 
inflamação, deposição e diferenciação de matriz extracelular, fibroplasia, epitelização, 
contração e remodelação, que são iniciadas com a lesão e prosseguem durante toda a fase 
de reparação do tecido 1-4. A fisiologia da cicatrização pode ser dividida em fases de 
 2 
hemostasia, inflamatória, proliferativa e fase de remodelação, descritas no quadro abaixo e 
ilustradas na figura 15. 
Essas fases devem ocorrer de forma ordenada em todos os tecidos do corpo, mas a 
interrupção de qualquer evento único pode afetar o resultado fisiológico e o tempo da 
cicatrização 2,3. Diversos fatores endógenos e exógenos podem interferir e impedir que o 
processo cicatricial ocorra de maneira coordenada e adequada. Dentre eles estão fatores 
ambientais inadequados, técnica cirúrgica inapropriada, hipóxia, presença de debris, 
infecção, tabagismo, uso crônico de medicamentos, estado nutricional prejudicado, 
deficiência de proteínas, vitaminas e minerais, câncer e desordens metabólicas como 
diabetes 6,7. 
 
Quadro 1: Principais fases da cicatrização5: 
PRINCIPAIS FASES DA CICATRIZAÇÃO 
Hemostasia Representa um mecanismo de defesa imediato para cessar 
sangramento no local da ferida através da liberação de substâncias 
vasoconstritoras. 
Fase inflamatória Inicia logo após a lesão, com duração de 1 a 4 dias. Participa da 
hemostasia e produz citocinas inflamatórias e células imunológicas 
para prevenir contaminação microbiana. 
Fase proliferativa Início ao redor do 4º dia pós-lesão e pode se estender por 
aproximadamente 20 dias. Atua na epitelização, angiogênese, 
formação de tecido de granulação e deposição de colágeno. 
Responsável por iniciar o fechamento da borda da ferida. 
Fase de 
remodelação 
Inicia dentro de 20 dias a 6 semanas; dependendo da gravidade da 
ferida. Nessa fase ocorre deposição de colágeno de maneira mais 
organizada e formação da cicatriz. 
 
 
Hemostasia 
Tem início imediato após a lesão e ocorre em três etapas principais: vasoconstrição, 
hemostasia primária e secundária. Na primeira etapa, os vasos se contraem rapidamente 
 3 
para reduzir o sangramento da microvasculatura rompida. Essa resposta é possível pela 
produção de substâncias vasoconstritoras como endotelinas, catecolaminas, epinefrina, 
noradrenalina e prostaglandinas 2. A homeostasia primária e secundária é coordenada 
principalmente pela ação de plaquetas que atuam na formação de coágulos no local da 
lesão. Adicionalmente, as plaquetas estimulam a liberação de quimiocinas, fatores de 
crescimento como o fator derivado de plaquetas (PDGF), que são importantes mediadores 
celulares para as fases sequenciais da cicatrização e que estimulam a migração de células 
imunológicas para o local. 
Todos os eventos celulares que ocorrem na fase de hemostasia têm como principal 
objetivo formar coágulo e uma matriz extracelular (MEC) provisória para interromper 
sangramento, diminuir perda de fluidos e formar uma barreira protetora contra penetração 
de agentes externos ao local 1-3. Essa fase pode durar poucos minutos até 1 hora. 
 
Fase Inflamatória 
Minutos após o trauma, tem início os mecanismos da fase inflamatória através do 
recrutamento de células imunológicas para o local da lesão. Nessa fase, se evidenciam os 
sinais físicos da resposta inflamatória (eritema, calor, edema e dor) 8-12. 
Os neutrófilos constituem as primeiras células a chegarem ao local, sendo seu pico 
em torno de 24 a 48 horas após a ocorrência do trauma. Caracteriza-se como a linha de 
defesa inicial contra o risco de infecções por atuar na destruição de microrganismos 
patógenos e debridamento do tecido desvitalizado. Para a realização dessas tarefas, os 
neutrófilos liberam uma grande quantidade de substâncias antimicrobianas e estimulam a 
produção de citocinas, quimiocinas e enzimas, como interleucina 1, 6 e 8 (IL-1, IL-6, IL-8), 
fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) e metaloproteinases (MMPs) 9. 
Macrófagos chegam posteriormente ao local, após 48 a 96 horas do insulto, e são 
responsáveis por fagocitar células mortas, danificadas e corpos estranhos. Paralelamente, os 
macrófagos intensificam a liberação do fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), IL-1 e IL-6 e 
de fatores de crescimento que são responsáveis por estimular a proliferação de 
queratinócitos, fibroblastos e enzimas proteases que são necessários para a transição da 
fase inflamatória para a etapa proliferativa. Com o tempo, os neutrófilos são eliminados da 
ferida por apoptose ou são fagocitados pelos macrófagos. Em contrapartida, os macrófagos 
permanecem dentro de um ferimento até o processo de cicatrização ser finalizado 6-8. 
 4 
 
 
Fase Proliferativa 
Inicia-se ao redor do 4º dia após a lesão e estende-se próximo ao término da 
segunda semana. Nessa fase ocorre a reparação do tecido conjuntivo e epitelial; sendo 
constituída por três etapas fundamentais de epitelização, angiogênese e fibroplasia (quadro 
2) 2-4. 
A epitelização é a primeira etapa da fase proliferativa. As células da epiderme 
próximas ao local da lesão começam a proliferar, migrar e se diferenciar das células 
epiteliais. Caso a membrana basal esteja intacta, os queratinócitos migram em direção a 
área danificada e as camadas normais da epiderme são restauradas em três dias. Caso essa 
membrana esteja danificada, as células epiteliais da borda da ferida começam a proliferar 
na tentativa de restabelecer uma barreira protetora 8-10. Esse processo é coordenado pela 
ação de fatores de crescimento (EGF, TGF, KGF) e enzimas metaloproteinases que 
intensificam a ativação de fibroblastos 2-4. Estes, são responsáveispela síntese, deposição e 
remodelamento da MEC e pela produção de proteínas estruturais necessárias para a 
reconstrução do tecido. Uma grande quantidade de colágeno do tipo III é produzida nessa 
fase, porém sua deposição na MEC ocorre de forma não organizada. 
Sequencialmente, ocorre formação de novos vasos sanguíneos (angiogênese) 
estimulados pela ação do TNF-α e fatores de crescimento (VEGF, FGF, PDGF, TGF-ß). Essa 
etapa é fundamental para a formação cicatricial (fibroplasia). Os vasos recém-formados 
promovem oferta adequada de oxigênio e nutrientes para formação do tecido de 
granulação, etapa final da fase proliferativa 2-4. 
O tecido de granulação é formado pela proliferação de células endoteliais vasculares 
e fibroblastos. Nessa fase, se destaca a ação de miofibroblastos (células com características 
intermediárias aos fibroblastos e células musculares lisas. Miofibroblastos são ricos em 
miosina e actina, proteínas musculares responsáveis por aproximar as margens da ferida 
forçando as fibras de colágeno a se sobreporem e se entrelaçarem. Essa atividade contrátil é 
responsável pelo início do fechamento da ferida 8-12. 
 
Quadro 2: Epitelização, Angiogênese e Fibroplasia 8-12: 
 5 
Etapas principais da Fase Proliferativa 
Epitelização Responsável por reconstituir a integridade da epiderme após a lesão. 
Ocorre migração e diferenciação dos queratinócitos, que são 
estimuladas pelos fatores de crescimento e enzimas da matriz 
extracelular. 
Angiogênese Processo de crescimento de novos vasos sanguíneos adjacentes a borda 
da ferida por ação de fatores de crescimento e pelo TNF-α. Esses novos 
vasos participam da formação do tecido de granulação; fornecem 
nutrientes e oxigênio necessários para o tecido em crescimento. 
Fibroplasia Formação de tecido conjuntivo (cicatriz). Ocorre síntese de colágeno e 
miofibroblastos para a contração muscular e fechamento da borda da 
ferida. Por volta de 5 a 7 dias, o tecido de granulação preenche a área 
danificada e a neovascularização atinge seu ponto máximo. 
Legenda: fator de crescimento transformador alfa (TGF-α); fator de crescimento epidermal (EGF); fator de 
crescimento dos queratinócitos (KGF); fator de crescimento derivado do endotélio vascular (VEGF); fator de 
necrose tumoral (TNF-α); matriz extracelular (MEC); interleucina-1 (IL-1); interleucina-6 (IL-6). 
 
 
Fase de Remodelação 
Também chamada de maturação, representa a última e mais longa fase do processo 
cicatricial, podendo ter duração de meses ou até 2 anos. A característica principal dessa fase 
é a remodelação do tecido cicatricial formado na fase anterior 1-4. Gradualmente, ocorre 
uma redução do número de células inflamatórias e o término dos processos de angiogênese 
e fibroplasia. 
Associado a densidade celular e vascularização diminuídas, há promoção da 
maturação de fibras colágenas. O colágeno produzido inicialmente (colágeno tipo III) é mais 
fino do que o colágeno presente na pele normal. No remodelamento, o colágeno tipo III é 
reabsorvido e substituído por colágeno de tipo mais espesso (colágeno tipo I), o que 
promove aumento da força tênsil da ferida e diminuição do tamanho da cicatriz. A 
elasticidade da ferida aumenta em torno de 50% após cinco semanas; e poderá atingir até 
70% da elasticidade após meses ou anos 1-4. Idade, estado nutricional, tipo e gravidade da 
lesão podem interferir nessa resposta 8-12. 
 6 
Todos eventos ocorridos durante a fase de remodelamento são organizados pela 
participação conjunta de diferentes tipos celulares e mediadores bioquímicos; com 
destaque aos fibroblastos e metaloproteínas, responsáveis pela secreção de enzimas 
colagenases que quebram as ligações peptídicas do colágeno da matriz antiga, organizada 
pelo colágeno tipo III. A reorganização de colágeno na nova matriz é finalizada quando 
ocorrer um equilíbrio entre a síntese da nova matriz e a lise da matriz antiga, resultando no 
remodelamento final do tecido conjuntivo 10-12. 
 
Figura 1: Fisiologia da cicatrização 5: 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para a compreensão detalhada de todos eventos celulares que participam da fisiologia 
da cicatrização, sugerimos a leitura do artigo Cañedo-Dorantes L, Cañedo-Ayala M. Skin 
Acute Wound Healing: A Comprehensive Review. Int J Inflam. 2019. 
 
Considerações finais 
O processo de cicatrização é complexo e dinâmico e envolve hemostasia, inflamação, 
proliferação celular e remodelamento, com objetivo de restaurar a continuidade anatômica 
e funcional. Ele depende do fornecimento adequado de oxigênio, energia, síntese de 
proteínas e diversas reações enzimáticas que envolvem vitaminas e minerais. Torna-se de 
importância integrar a terapia nutricional junto aos demais cuidados da ferida para facilitar 
o processo de cicatrização. 
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Ca%C3%B1edo-Dorantes%20L%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=31275545
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Ca%C3%B1edo-Ayala%20M%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=31275545
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31275545
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