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06/09/2019 Depressão da gordura no leite | Produção | MilkPoint
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Depressão da gordura no leite
POR RODRIGO DE ALMEIDA
E MARCO ANTÔNIO SUNDFELD DA
GAMA
PRODUÇÃO
EM 30/09/2004
INTRODUÇÃO 
 
A gordura é o principal componente energético do leite, sendo ainda responsável por muitas das suas
propriedades físicas, características industriais e qualidades organolépticas. A gordura do leite consiste
predominantemente de triglicerídios (acima de 95%) em todos os mamíferos, mas o teor de gordura do
leite varia amplamente entre as espécies. Como extremos, poderíamos citar o leite de baleias e de
rinocerontes, os quais apresentam teores de gordura de 50% e 1%, respectivamente. 
 
Grandes variações do teor de gordura do leite são ainda observadas dentro da mesma espécie, sendo a
magnitude desta variação muito superior à observada para os demais componentes do leite (lactose,
proteína e outros nutrientes presentes em menores quantidades). Por exemplo, não é incomum veri�car,
dentro de um mesmo rebanho de vacas leiteiras, teores de gordura variando de 2,0 a 4,0%. 
 
Tanto o teor quanto a composição da gordura do leite (seu per�l de ácidos graxos) podem ser
marcadamente afetados pela dieta fornecida aos animais. Entretanto, o tipo de modi�cação produzida
varia segundo a espécie considerada. Para as espécies de estômago simples (ex.: suínos, aves, eqüinos),
o per�l de ácidos graxos da gordura do leite é muito similar ao dos ácidos graxos presentes na dieta.
Entretanto, os ruminantes diferem desta regra, já que os lipídios presentes na dieta são extensivamente
alterados pelos microrganismos do rúmen. Esta alteração é uma conseqüência da biohidrogenação dos
ácidos graxos polinsaturados presentes na dieta, um processo que tende a tornar a gordura do leite mais
saturada, mas que também resulta na formação e secreção de inúmeros ácidos graxos do tipo "trans" no
leite, alguns dos quais apresentam efeitos positivos sobre a saúde humana. Devido a estas e outras
transformações que ocorrem no rúmen, mais de 400 tipos de ácidos graxos já foram identi�cados na
gordura do leite de bovinos. Os ácidos graxos presentes em maior concentração são o ácido palmítico
(C16:0) e o ácido oléico (C18:1 cis-9), sendo que a soma dos dois representa cerca de 50% do total. Uma
outra particularidade do leite de ruminantes é a presença de quantidades signi�cativamente maiores (em
relação a outras espécies) de ácidos graxos de cadeia curta (4-8 carbonos), especialmente de butirato
(C4:0). Esta característica, juntamente com a alta concentração de ácido oléico, são fundamentais para a
manutenção da �uidez do leite. 
 
O fornecimento de certos tipos de dieta altera não somente o per�l de ácidos graxos do leite, mas
também promove uma grande redução do teor (%) e da secreção (kg/dia) de gordura do leite. Esta
situação tem sido normalmente referida na literatura como Depressão da Gordura no Leite (DGL). A DGL
não é uma constatação recente, desde 1885 já havia relatos na literatura sobre o assunto! 
 
SÍNTESE DA GORDURA DO LEITE 
 
Os ácidos graxos secretados no leite podem ter duas origens: síntese de novo nas células epiteliais
mamárias ou circulação sanguínea. Ácidos graxos de cadeia curta (4-8 carbonos) e média (10-16
carbonos) são sintetizados quase que exclusivamente pela síntese de novo na glândula mamária,
predominantemente a partir do acetato (produto da degradação de carboidratos no rúmen). Em
contrapartida, os ácidos graxos de cadeia longa, com 18 ou mais carbonos, são oriundos exclusivamente
da circulação. 
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Diferentemente dos ruminantes, os monogástricos utilizam principalmente glicose como substrato para
a síntese de novo de ácidos graxos (em fêmeas ruminantes lactantes, este nutriente é utilizado
principalmente para a síntese de lactose do leite). Por sua vez, os ácidos graxos pré-formados usados
diretamente pela glândula mamária para a síntese da gordura do leite podem ter duas origens:
lipoproteínas circulantes provenientes da absorção de lipídios da dieta no intestino ou ácidos graxos
não-esteri�cados que se originam da mobilização das reservas corporais de gordura. 
 
Em geral, a lipólise (mobilização de gordura corporal) contribui com menos de 10% do total de ácidos
graxos secretados no leite de ruminantes. Entretanto, quando as vacas estão em balanço energético
negativo, a contribuição dos ácidos graxos oriundos da mobilização aumenta em proporção direta à
intensidade da de�ciência energética. 
 
DEPRESSÃO DA GORDURA DO LEITE (DGL) 
 
Há dois grupos principais de dietas que causam a DGL. O primeiro grupo envolve dietas que fornecem
grandes quantidades de carboidratos prontamente digestíveis e reduzidas quantidades de componentes
�brosos, tais como dietas com alta proporção de grãos e baixa proporção de forragem. Dietas onde o
conteúdo de �bra é adequado, mas esta fonte de �bra é peletizada ou demasiadamente picada também
são incluídas nesta categoria, já que estes processos reduzem a capacidade da �bra de manter a
atividade normal do rúmen (�bra efetiva). 
 
O segundo grupo de dietas que induzem a DGL são suplementos dietéticos contendo óleos
polinsaturados, tais como óleos de origem vegetal e de origem marinha. Óleo de peixe e outros óleos de
origem marinha são, em geral, caracterizados pela presença de quantidades signi�cativas dois ácidos
graxos polinsaturados: o eicosapentaenóico (C20:5) e o docosahexaenóico (C22:6). Ao contrário dos
óleos vegetais, os óleos de origem marinha irão induzir DGL mesmo quando as dietas contêm níveis
adequados de �bra. 
 
Várias teorias têm sido propostas para explicar a DGL induzida pela dieta, e alterações nos processos
microbianos do rúmen são a base de todas estas teorias. Muitas das teorias propostas para explicar a
DGL têm sido rejeitadas, mas três teorias baseadas em alterações de processos microbianos no rúmen
continuam a ter suporte na literatura especializada. 
 
1 TEORIA - TEORIA DA ESCASSEZ DE ACETATO RUMINAL 
 
Esta primeira teoria advoga que alterações na fermentação ruminal resultam numa inadequada produção
ruminal de acetato e butirato para dar suporte à síntese de novo da gordura do leite. 
 
De fato, há grandes variações percentuais de ácidos graxos voláteis do rúmen quando fornecemos
dietas de baixa �bra. A concentração molar de acetato diminui, a de propionato aumenta e, por
conseqüência, a relação acetato:propionato cai drasticamente (Tabela 1). Entretanto, embora a
proporção molar de acetato seja reduzida, a produção de acetato (moles/dia) não é afetada. Portanto, a
redução da relação acetato:propionato é uma conseqüência da maior produção de propionato, como
também pode ser veri�cado na Tabela 1. 
 
Tabela 1 - Produção de ácidos graxos voláteis no rúmen e depressão da gordura do leite em dietas
controle e de baixa �bra (alta proporção de grãos e/ou baixa proporção de forragem) 
 
a
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A possibilidade de que a disponibilidade de acetato poderia estar limitando a síntese de gordura do leite
foi também examinada por experimentos onde acetato exógeno foi administrado a vacas recebendo
dietas de baixa �bra. As respostas ao fornecimento de acetato foram modestas ou inexistentes em tais
estudos. Em resumo, já que a produção de acetato não é reduzida em dietas com baixa �bra, esta teoria
foi abolida, já que ela não poderia explicar a DGL. 
 
2 TEORIA - TEORIA INSULINA-GLUCOGÊNICA 
 
Esta teoria propõe que o aumento na produção ruminal de propionato e o aumento nas taxas hepáticas
de gliconeogênese causam um aumento na insulinacirculante, o que poderia resultar numa escassez de
precursores para a síntese de gordura do leite. De fato, a insulina tem um importante papel na regulação
do metabolismo do tecido adiposo, incluindo um efeito estimulatório sobre a lipogênese e inibitório
sobre a lipólise. Desta forma, poderia haver um menor aporte de acetato (maior lipogênese no tecido
adiposo) ou de ácidos graxos de cadeia longa (menor mobilização de lipídios) para a glândula mamária,
o que supostamente limitaria a secreção de gordura do leite. Em outras palavras, haveria uma
competição por substratos entre o tecido adiposo e a glândula mamária. 
 
Para testar a validade desta teoria, experimentos com infusão de insulina foram realizados. Como a
simples infusão de insulina resulta em hipoglicemia, e isto complica a interpretação dos resultados,
protocolos de manutenção ("clamp" em inglês) da glicemia com infusão de insulina (400% acima dos
níveis basais) permitiram uma avaliação mais apropriada do papel da insulina sobre a DGL. 
 
Experimentos iniciais, conduzidos com vacas em estágio avançado de lactação, não demonstraram
efeito da insulina sobre a secreção de gordura do leite. Entretanto, experimentos posteriores indicaram
que o status energético do animal pode ser determinante para a ocorrência da DGL por ação da insulina
(Tabela 2). 
 
Tabela 2 - Efeitos da "�xação" euglicêmica-hiperinsulinêmica na síntese da gordura do leite: 
 
 
No início da lactação, quando o consumo voluntário de alimentos é inadequado para sustentar as altas
produções de leite, vacas de alto potencial genético encontram-se em pronunciado balanço energético
negativo. Nesta situação, a mobilização das reservas de gordura representa uma fonte de ácidos graxos
signi�cativa para a síntese da gordura do leite, e a infusão de insulina reduz signi�cativamente as taxas
de lipólise, o que é indicado pela redução da concentração de AG não-esteri�cados no sangue dos
animais. Nesta situação, uma redução de 35% na produção de gordura do leite foi observada. 
 
Em contrapartida, vacas no meio da lactação estão em balanço energético positivo, como pode ser
evidenciado pela baixa concentração de AG não-esteri�cados no sangue. Neste caso, os ácidos graxos
a
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oriundos da mobilização de reservas não representam uma fonte importante de precursores lipídicos
para a glândula mamária (4-8% do total), de forma que a produção de gordura foi diminuída tão somente
em 6%. Esta redução é acompanhada por uma menor secreção de ácidos graxos de cadeia longa no
leite, tanto no início como no meio da lactação (Tabela 2). 
 
Portanto, esta segunda teoria não explica a DGL na segunda metade da lactação, quando a mobilização
das reservas de gordura é mínima. Além disso, mesmo no início da lactação, o teor de gordura do leite
dos animais com DGL foi bastante superior (3,31% de gordura na Tabela 2) aos teores observados no
leite de vacas com típica DGL (2,0-2,5%). Por esses motivos, esta segunda teoria não parece ser a razão
principal da DGL induzida por certos tipos de dieta. 
 
3 TEORIA - TEORIA DA BIOHIDROGENAÇÃO 
 
Esta terceira teoria, também conhecida como "Teoria dos Ácidos Graxos Trans", ganhou força na última
década. Ao contrário das duas anteriores, esta teoria postula que a DGL não é causada pela escassez de
precursores lipogênicos para a glândula mamária. Ela a�rma que a síntese mamária da gordura do leite é
inibida diretamente por tipos especí�cos de ácidos graxos, produzidos a partir da biohidrogenação dos
lipídios da dieta sob certas condições ruminais. 
 
 
Figura 1 - Representação da biohidrogenação ruminal do ácido linoléico e formação do CLA trans-10 cis-
12 no rúmen. Adaptado de Griinari & Bauman (1999). 
 
Como podemos observar na Figura 1 acima, a queda no pH ruminal (proporcionado pelo fornecimento de
dietas de baixa �bra ou de baixa efetividade física) altera as rotas de biohidrogenação ruminal,
produzindo um ácido graxo especí�co (CLA trans-10 cis-12), cuja concentração aumenta
signi�cativamente no leite de vacas com DGL (Figura 2). Estudos posteriores, onde este isômero de CLA
foi sintetizado industrialmente e infundido no abomaso de vacas em lactação, comprovaram sua grande
capacidade de reduzir a secreção de gordura do leite. 
 
 
Figura 2 - Concentração de isômeros de ácido linoléico conjugado na gordura do leite de vacas com DGL
induzida pela dieta. Adaptado de Piperova et al. (2000). 
 
Ao contrário do efeito da insulina, a DGL neste caso é resultante, principalmente, de uma ampla redução
da secreção de ácidos graxos de cadeias curta e média, provenientes da síntese de novo de ácidos
graxos. De grande relevância, estudo recente demonstrou que a formação do CLA trans-10 cis-12 no
a
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rúmen só ocorre quando duas condições estão presentes: baixo pH ruminal (ex.: dietas de baixa �bra) e
presença de lipídios polinsaturados na dieta (ex.: dietas suplementadas com grãos de oleaginosas
inteiros, óleo de milho, etc). A ausência de qualquer uma das condições não resultará em DGL. 
 
Entretanto, como já mencionado no início deste artigo, a inclusão de subprodutos de origem marinha
(ex.: farinha ou óleo de peixe) na dieta resultará em DGL mesmo se o teor de �bra da dieta for adequado
e mesmo quando não há formação do CLA trans-10 cis-12. Este é um caso particular de DGL, cujas
bases �siológicas começam a ser melhor compreendidas em pesquisas recentes. De qualquer forma, a
inibição neste caso também parece ser causada pela formação de tipos especí�cos de ácidos graxos
"trans" no rúmen (Gama, 2004). 
 
A teoria da biohidrogenação (ou dos ácidos graxos "trans") é a mais aceita atualmente para explicar a
DGL. 
 
CONCLUSÕES 
 
Os mecanismos responsáveis pela DGL têm atraído a atenção de pesquisadores, técnicos e produtores
há muito tempo. A gordura é o componente do leite mais estudado e há muitas décadas seus teores têm
sido mensurados pela indústria e por programas de controle leiteiro. Ainda hoje, a grande maioria das
cooperativas e laticínios brasileiros remunera seus produtores de acordo com os teores de gordura do
leite. Por isso, é importante entender os mecanismos que levam à DGL para evitar prejuízos aos
produtores e à indústria como um todo. 
 
E como se não bastassem os argumentos acima, nos últimos anos alguns pesquisadores têm advogado
a favor da produção de um leite com teores de gordura intencionalmente reduzidos, que potencialmente
poderá favorecer vacas leiteiras no início da lactação, atenuando o balanço energético negativo nesta
fase. Vacas produzindo este leite "naturalmente light", com menor período de balanço energético
negativo e um balanço negativo menos severo, potencialmente irão melhorar seu desempenho
reprodutivo, aumentar a secreção de outros componentes do leite (ex.: proteína) ou ainda reduzir a
incidência de distúrbios metabólicos. 
 
Mas adiaremos esta discussão para um futuro artigo... 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
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RODRIGO DE ALMEIDA
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