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ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA (CARL ROGERS) Conteudista Prof.ª Me. LAURA FERREIRA CROVADOR 2 A Contribuição de Carl Rogers para a Psicologia Clínica – A Abordagem Centrada na Pessoa Desenvolvimento do pensamento Rogeriano Carl Rogers iniciou sua carreira como psicólogo na década de 30, na cidade de Rochester em Nova York. Inicialmente Rogers, que se tornou diretor de um centro de psicoterapia infantil, conduziu seu trabalho a partir de uma abordagem eclética e pragmática, empregando uma modalidade de aconselhamento diretiva e com grande uso de instrumentos diagnósticos, marcada por construtos teóricos provenientes da psicanálise (BOAINAIM, 1999). Em seu trabalho clínico, Rogers viveu experiências que o levaram a questionar os valores que serviam de diretrizes para sua prática. Dentre as mesmas, o próprio Rogers destaca sua participação em um seminário ministrado por Otto Rank, no qual foi apresentada a ideia de uma terapia relacional (BOAINAIM, 1999). Assim, pode-se perceber que a questão da estrutura da relação entre cliente e psicoterapeuta começou a inquietar Rogers antes do mesmo iniciar o desenvolvimento de sua própria teoria. De acordo com Boianaim (1999), a segunda vivência essencial para o desenvolvimento do pensamento de Rogers foi uma série de entrevistas realizadas com a mãe de uma das crianças que estavam em tratamento na instituição. De acordo com o autor, assim como Freud desenvolveu sua teoria a partir do atendimento com algumas pacientes, as entrevistas com essa mãe também foram fundamentais para Rogers para a elaboração de sua proposta de modalidade clínica. Foi a partir dessas entrevistas que Rogers teve o insight sobre o potencial da empatia e da escuta compreensiva como elemento chave para favorecer a realização do desenvolvimento do indivíduo que está em tratamento psicoterápico. Essas duas vivências foram fundamentais para que Rogers abandonasse a sua prática anterior, que ainda era centralizada no psicodiagnóstico e em teorias explicativas da personalidade, e dar início a sua proposta para a construção de uma nova modalidade clínica que contemplasse 3 suas inquietações e percepções a respeito do ser humano e do processo terapêutico. As Fases da Teoria Rogeriana A obra de Rogers é vasta, produto de um trabalho que foi se aprofundando e ampliando durante muitos anos. O desenvolvimento do pensamento rogeriano pode ser percebido pelas diferentes denominações que este vai recebendo ao longo do tempo. De acordo com Moreira (2010a), o trabalho de Rogers tem início com sua proposta de uma Psicoterapia Não-diretiva ou Aconselhamento Não-diretivo, seguida pelo desenvolvimento da Terapia Centrada na Cliente. Nesse momento, o autor expande seu campo de atuação, incluindo Ensino Centrado no Aluno, Liderança Centrada no Grupo e posteriormente propõe o termo Abordagem Centrada na Pessoa, considerado por Rogers (1983) como o mais adequado para nomear a sua teoria. Apesar de Rogers iniciar o desenvolvimento de sua teoria a partir seu trabalho como psicólogo clínico, voltado para a construção de um novo sistema de compreensão e atuação em psicologia, a contribuição desse autor se ampliou para outras questões humanas e outras áreas do conhecimento. De acordo com Wood (1994), os primeiros 30 anos de sua obra, que podem ser agrupados na denominação Abordagem Centrada no Cliente, centraram-se na construção de uma modalidade clínica que tivesse como foco o indivíduo e facilitasse seu desenvolvimento, enquanto nos 30 anos posteriores, que podem ser agrupados sob a denominação Abordagem Centrada na Pessoa, a produção de Rogers, além de continuar enriquecendo o campo da psicoterapia, voltou-se também para fenômenos sociais tais como o aprendizado, os relacionamentos interpessoais, e a formação da cultura. Além do delineamento desses dois períodos por Wood, outros estudiosos e colegas de Rogers dividiram seu trabalho em fases, que podem ser um pouco divergentes, já que o próprio autor nunca se preocupou em dividir seu trabalho. Atualmente, a divisão mais aceita cita três fases em seu trabalho a respeito da psicoterapia: a Fase Não-diretiva, a Fase Reflexiva e a Fase 4 Experencial, além de uma Fase Coletiva, que diz respeito à Abordagem Centrada na Pessoa (MOREIRA, 2010a). A primeira fase de seu trabalho foi a Fase Não-Diretiva, que se estendeu de 1940 a 1950, enquanto Rogers trabalhava na Universidade de Ohio, e tem como obra principal o livro Psicoterapia e Consulta Psicológica, que marca o início da proposta rogeriana, publicado no Brasil apenas em 1973. (MOREIRA, 2010a) Rogers desenvolveu a modalidade clínica de uma Psicoterapia Não- Diretiva, que se mostrou inovadora por romper com a lógica dos modelos psicanalítico e behavorista, no que se refere à visão de homem e de saúde mental e a técnica proposta. Essa abordagem tinha como característica essencial a valorização do indivíduo como um todo, e não apenas seus sintomas ou problemas, e o trabalho clínico centrado no momento presente, em oposição a outras modalidades que centravam seu interesse no passado do cliente (MOREIRA, 2010a). O conceito de tendência atualizante (ROGERS, 1973) é um dos principais conceitos que identificam o trabalho rogeriano, e foi desenvolvido nesse período de sua teoria. A partir de seu atendimento clínico a crianças, Rogers definiu esse conceito como uma tendência intrínseca a natureza humana, de se desenvolver em uma direção positiva. Esse conceito passa a ser o fundamento de seu referencial teórico, e permanece presente e de grande importância para o trabalho do psicólogo durante todas as fases de sua obra. Devido a sua crença na capacidade do indivíduo de promover suas transformações de maneira positiva, no sentido de um maior crescimento pessoal, Rogers abandona o termo paciente para se referir à pessoa em tratamento psicoterapêutico. Em seu trabalho, Rogers se refere à esta pessoa como cliente, pois considerava que o termo paciente estava impregnado com uma conotação passiva, de impotência em relação a si mesmo, que era oposta à maneira como o ser humano era concebido na teoria rogeriana (BOAINAIM, 1999). Moreira (2010a) aponta que é fundamental para o trabalho com a Psicoterapia Não-Diretiva a premissa segundo a qual o homem possui, em sua 5 essência, um impulso para o crescimento e para a saúde. No pensamento rogeriano, é a relação terapêutica, mais do que qualquer outro elemento presente em uma teoria ou técnica, que é considerada como uma experiência capaz de proporcionar a realização dessa tendência de crescimento do indivíduo. Uma vez que a relação terapêutica é o elemento central da psicoterapia rogeriana, mais do que qualquer teorização acerca da personalidade humana, as atitudes do terapeuta devem ser observadas com grande atenção. Rogers aponta que o psicoterapeuta, também chamado de conselheiro, deve se afastar do papel de especialista e buscar desenvolver uma relação mais pessoal com o cliente, que deve orientar a conversa ao longo da sessão (WOOD, 1994). É possível perceber que nessa etapa, o papel do terapeuta é significativamente diminuído se colocado em comparação com as modalidades clínicas psicanalíticas. Cabia ao psicoterapeuta rogeriano, nessa fase, intervir de maneira mínima, para não prejudicar a condução da sessão pelo cliente e assumir uma postura de neutralidade e permissividade (HOLANDA, 1998). Essa característica do trabalho de Rogers, de propor uma transformação no papel do psicoterapeuta, limitando sua ação à construção de um ambiente favorável para o crescimento do cliente foi alvo de muitas críticas. De acordo com Holanda (1998), era fundamental para Rogers a descontrução da relação de autoridade entre psicoterapeuta e cliente. Todavia, sua proposta de uma psicoterapia não-diretivarecebeu inúmeras críticas, que contribuíram para uma má imagem a respeito do termo até mesmo nos dias atuais (MOREIRA, 2007). Após a Fase Não-Diretiva, teve início a chamada Fase Reflexiva, que se estendeu de 1950 a 1957, quando o conceito de não-diretividade foi substituído pela ideia do processo terapêutico centrado no cliente. Essa substituição dos conceitos indicava um papel mais ativo do terapeuta em comparação à fase anterior e salientava o cliente como o principal foco de atenção nessa abordagem (CURY, 1987). Uma das principais características dessa fase é delineada pela postura de Rogers de rejeição a teorias rígidas a respeito do humano e da psicoterapia, e tem como principal obra o livro Psicoterapia Centrada no Cliente, publicada em 6 1951 (WOOD, 1983). Nessa etapa de seu trabalho Rogers propõe o conceito de atitudes facilitadores, que dizem respeito aos atributos que o psicoterapeuta deve apresentar para promover o crescimento do cliente. Tais características são : a aceitação positiva incondicional, que se refere a uma atitude de total respeito do psicoterapeuta pela singularidade de seu cliente, a empatia, que diz respeito ao objetivo do psicoterapeuta de construir a compreensão de seu cliente a partir de elementos da perspectiva do mesmo e a congruência, ou autenticidade, que está relacionada à possibilidade do terapeuta se colocar com transparência no processo terapêutico, a medida que vive uma correspondência entre aquilo que vive enquanto pessoa e aquilo que transmite ao cliente (MOREIRA, 2010a). Nesse sentido, é possível refletir que nesse momento de sua teoria, Rogers prioriza a relação entre psicoterapeuta e cliente como o fundamento do processo terapêutico, em oposição outras modalidades clínicas que tem como referência de trabalho uma teoria a respeito do humano, que forneça explicações para o comportamento, as emoções e os sintomas do cliente. Assim, pode-se considerar a proposta rogeriana como inovadora, pois a mesma transforma a lógica que orientava a maneira de se conceber o processo terapêutico. Aliadas ao conceito de atitudes facilitadoras, Rogers destacou algumas condições consideradas por ele necessárias e suficientes para proporcionar uma mudança construtiva na personalidade no cliente em processo terapêutico. Rogers (1994) afirma, primeiramente, que é necessário que psicoterapeuta e cliente se encontrem em contato psicológico, no qual é esperado que o cliente esteja vivenciando um momento de ansiedade, vulnerabilidade e incongruência, enquanto o psicoterapeuta deve ser congruente e autêntico, como já citado anteriormente. A partir dessas condições básicas do encontro , Rogers orienta a atuação do psicoterapeuta no processo terapêutico, no sentido de realizar as atitudes facilitadoras citadas acima. Rogers (1994) indica que, durante o trabalho clínico, o psicoterapeuta deve estar aberto para aceitar incondicionalmente o seu cliente, e que através 7 da compreensão empática construa o seu entendimento da experiência do cliente e comunique o mesmo para ele. Assim, o autor constrói uma modalidade terapêutica que prescinde da interpretação como recurso de intervenção, e de uma teoria explicativa da personalidade para orientar a atuação do psicoterapeuta. A confiança na tendência ao crescimento e desenvolvimento do indivíduo é de tal forma valorizada por Rogers que nesse período de sua obra o autor abandona o interesse do diagnóstico psicológico (MOREIRA, 2010a). Dessa forma, é possível refletir que a proposta de Rogers rompe com o modelo hegemônico, seja ele da psicanálise ou do behavorismo, desenvolve seu trabalho a partir dos diagnósticos psicopatológicos e orienta as intervenções do terapeuta a partir da teoria psicológica que fundamentam sua compreensão do indivíduo. A terceira fase do trabalho de Rogers, denominada Fase Experencial, se estendeu de 1957 a 1970 e teve como principal obra de referência o livro Tornar-se Pessoa, publicado no Brasil em 1976 (MOREIRA, 2010a). De acordo com Cury (1988), tal nomeação é devida a influência que o trabalho de Rogers viveu a partir do conceito de experenciação proposto por Eugene Gendlin. Nessa fase, Rogers atribuiu uma importância fundamental a experiência vivida pelo cliente e pelo psicoterapeuta, inclusive aquela que se dá no trabalho clínico (CURY, 1988). Dessa forma, é possível observar que nessa fase do pensamento Rogeriano há um deslocamento do foco da psicoterapia, do cliente para a relação intersubjetiva entre psicoterapeuta e cliente. Entretanto, Moreira (2007) ressalta que essa ênfase se alterna entre cliente e experiência durante a prática clínica de Rogers. É importante observar que, no decorrer das diferentes fases de seu trabalho, Rogers introduz algumas mudanças, porém dificilmente algum elemento de sua estrutura de pensamento a respeito do humano ou do processo terapêutico é abandonado ou radicalmente transformado. Nesse momento, a experiência do psicoterapeuta passa a ser considerada uma parte importante de sua relação com o cliente, daí a importância da autenticidade do mesmo para o bom andamento do processo 8 terapêutico. A valorização da confiança do terapeuta em seus sentimentos é um forte indício do deslocamento do foco da terapia, do cliente para a relação intersubjetiva. Assim, a terapia deve se desenrolar de forma a promover um encontro entre os mundos subjetivos do terapeuta e do cliente, com o propósito de construir novos significados na vida do cliente a partir desse espaço experenciado pela dupla (MOREIRA, 2010a). O propósito da psicoterapia, nessa etapa, é proporcionar ao cliente uma crescente congruência de si mesmo e do seu desenvolvimento em suas relações interpessoais através de sua experiência. Para a realização desse propósito recomenda-se que o psicoterapeuta use seus sentimentos como orientação para suas intervenções, construindo com o cliente um diálogo marcado por intimidade e inter-subjetividade (CURY, 1988; MOREIRA, 2007). Nessa fase o trabalho de Rogers é influenciado por diversos colaboradores, como Gendlin, que desenvolveu uma ramificação da abordagem centrada na pessoa fundamentada pela teoria experencial. Todavia, o próprio Rogers não constrói uma teoria psicológica como fluxo experencial (MOREIRA, 2010a). De acordo com Cury (1987), o trabalho de Rogers na etapa experencial pode ser identificado pela importância da relação intersubjetiva na qual se apoia o processo terapêutico e na valorização da autenticidade do psicoterapeuta. A autenticidade deve ser entendida, segundo Rogers (1976), como a condição do psicoterapeuta de estabelecer uma relação com seu cliente baseado naquilo que ele realmente é, expressando seus sentimentos e atitudes de maneira livre e verdadeira, assumindo uma postura “sem máscara e sem fachada” (pg.63). O autor defendia que essa atitude do psicoterapeuta era fundamental para a transformação do cliente. Algumas pesquisas (MOREIRA, 2001; 2007) propõem uma aproximação entre a Fenomenologia e o trabalho de Rogers nessa etapa. Todavia, essa aproximação não é feita pelo próprio Rogers, em seu pensamento ou em sua proposta, mas apenas por estudos posteriores que compararam sessões de Rogers de diferentes fases de seu pensamento e apontaram nos mesmos uma 9 direção fenomenológica na etapa experencial, que acabava se perdendo nas etapas posteriores de sua teoria. É válido ressaltar que Rogers não desenvolveu nenhuma parte de seu trabalho a partir do estudo e da apropriação dos princípios filosóficos e epistemológicos da Fenomenologia, e continuou na construção de sua teoria e prática baseadas na Abordagem Centrada na Pessoa, que foi apontada por Moreira (2007) como um empecilho para a consolidação de uma psicoterapia fenomenológica. A última fase, chamada de Fase Coletiva ou Inter-humana,é uma proposta de Moreira (1990; 2001; 2007), para ser incluída às três fases anteriores, descritas por Hart & Tomlinson (1970), Wood (1983) e Cury (1987). Tal fase refere-se aos últimos 15 anos de trabalho de Rogers, e tem como referência a obra publicada no Brasil em 1983 com o título Um jeito de ser. Durante esse período, Rogers encerrou as atividades de psicoterapia individual em seu consultório e demonstrou crescente interesse pela temática grupal e social, o que o levou a transformar o nome de sua abordagem, de Psicoterapia Centrada no Cliente para Abordagem Centrada na Pessoa (WOOD, 1994; 2008). No que se refere à nomenclatura dessa fase, Holanda (1998) salienta o termo inter-humana, pois acredita que esse descreve melhor o período da obra de Rogers, visto que o termo coletivo prioriza a dimensão social da existência humana, mas desvaloriza a dimensão individual, considerada por ele como a mais importante. Trata-se de uma fase na qual Rogers vivencia uma transformação em seus valores e ideais, podendo ser considerada uma fase mística ou holística (HOLANDA, 1998). Nesse período, Rogers (1983) passa a trabalhar em articulação com conceitos de outras áreas do conhecimento, como por exemplo a biologia, a física e a química. O autor articula tais conceitos e os integra em sua teoria a respeito da tendência natural ao crescimento do ser humano. Rogers (1983) afirma ainda que a tendência ao crescimento faz parte do universo no qual a espécie humana está inserida, e pode ser observada desde os cristais e os microorganismos até em formas de vida complexa e nos seres humanos. 10 De acordo com Rogers (1983), a documentação da evolução biológica da espécie humana, partindo do organismo unicelular para um organismo complexo é uma evidência da tendência atualizante do homem. Assim, o autor faz uma analogia entre a a evolução biológica e uma evolução psicológica do indivíduo, de um modo de ser com conhecimento e sentimento abaixo do nível da consciência para um modo de ser capaz de conhecer a si mesmo e ao mundo, até chegar a uma consciência transcendental a respeito da harmonia e unidade do sistema cósmico no qual os seres humanos estão incluídos. Após a morte de Carl Rogers, em 1987, a Abordagem centrada na pessoa foi praticada e desenvolvida ao redor do mundo, em diversas vertentes (MOREIRA, 2007). Dessas vertentes é possível destacar algumas linhas básicas, tais como a linha clássica, que tem sido praticada e ampliada no Center for Studies of the Person no qual Rogers trabalhou na fase final de sua teoria, a linha experencial, fundada e desenvolvida por Gendlin(1988; 1990), a linha experencial-processual de Rice (Greenberg, Rice & Elliot, 1993, a linha comportamental-operacional, com ênfase no desenvolvimento de habilidades, de Tausch (1990), e Meadows (Meadows & Stillwell, 1998), a linha transcendental, que abarca o tema da espiritualidade, religiosidade e condidera aspectos trans-pessoais, de Curran (1952), Saint-Arnaud (1967) Thorne (1993) e Boainain Jr. (1999), entre outras. Moreira (2010a) salienta que cada vertente nova é desenvolvida a partir de alguma fase específica da teoria rogeriana, e que algumas podem inclusive utilizar arcabouços teóricos de outros autores, inclusive com referenciais epistemológicos distintos para fundamentar essas novas vertentes. O desenvolvimento de novas vertentes pode ser um indício da fecundidade do pensamento rogeriano, ou pode apontar para uma descaracterização da psicoterapia proposta por Rogers, de acordo com a estrutura proposta por cada uma delas. Diante do exposto, é válido ressaltar que a presença de que características como a postura não-diretiva ou a busca de compreensão do cliente a partir dele mesmo não são suficientes para classificar uma abordagem como rogeriana. É importante que se reflita até que ponto pode-se classificar 11 como rogeriana uma modalidade terapêutica que se afaste da visão de homem, marcada por valores humanistas e de processo terapêutico que orientava a visão do autor. Em diferentes estudos, Moreira produz comparações entre a Abordagem Centrada na Pessoa e as Psicoterapias de orientação Fenomenológico- Existenciais (2007) e entre a modalidade terapêutica proposta por Rogers e a Gestalt-terapia (2010b). Tais estudos concluem que essas abordagens tem características que possibilitam uma aproximação entre as mesmas, porém nem sempre tal aproximação pode ser vista como similaridade entre as propostas, uma vez que as mesmas conservam divergências importantes, que podem ser encaradas como incompatibilidades. O trabalho de Rogers foi inovador, e ao agrupar todas as várias modalidades terapêuticas que proponham uma visão de homem diferente da psicanálise e do behavorismo e denominá-las como rogerianas ou neo- rogerianas pode ser um ato de desvalorização da originalidade do próprio Rogers. De acordo com Moreira (2010a), apesar das modificações encontradas em cada fase de sua teoria, Rogers se manteve congruente com a visão de homem que fundamentou o início da elaboração de sua proposta ao longo de todo seu trabalho. Considerações Finais A partir do breve histórico da obra de Rogers apresentado acima, é possível perceber que este autor desenvolveu uma modalidade clínica própria, construindo tanto o referencial teórico como as orientação práticas. Ao contrário de diversas modalidades, que partem de uma teoria explicativa a respeito do ser humano para então propor uma prática clínica, Rogers partiu de observações de sua prática clínica e a partir daí elaborou sua teoria. Com grande identificação com valores e ideias humanistas, a teoria de Rogers implicou em orientações significativamente inovadoras para a prática dos psicoterapeutas. Em sua abordagem, Rogers valorizou a relação entre psicoterapeuta e cliente mais do que qualquer técnica como fator fundamental para o sucesso processo terapêutico. 12 O olhar para a perspectiva desenvolvida por Rogers em diferentes fases sugere a necessidade de um aprofundamento na obra do autor, de maneira a possibilitar a identificação de cada fase e as contribuições provenientes de cada uma delas. Muitos autores contemporâneos utilizaram fases específicas do trabalho de Rogers como referência para o desenvolvimento de novas modalidades clínicas, produzindo alterações importantes na estrutura proposta rogeriana, tanto no que se refere à fundamentação teórica e quanto aos aspectos do trabalho do psicoterapeuta. Diante do desenvolvimento de tantas vertentes é possível considerar que Rogers não apenas construiu uma escola psicoterapêutica com arcabouço teórico e prática próprios, mas também influenciou as possibilidades de conceber as relações terapêuticas em diferentes abordagens. O grande número de comparações entre a teoria de Rogers e outras teorias pertencentes à Terceira Força em Psicologia aponta para a importância de valioso promover uma reflexão a respeito dos elementos necessários para caracterizar uma abordagem como rogeriana, para que na comparação entre abordagens não se perca a particularidade das contribuições desse autor para o olhar para o humano. O trabalho desenvolvido por Rogers originou um grande impacto, não apenas por se constituir como nova proposta de escola psicológica, mas também por colaborar para diversas outras áreas do saber nas quais a pessoa é o foco do estudo e do trabalho. O estudo sistematizado de sua proposta é fundamental para desfazer preconceitos e mal-entendidos que sua proposta possa ter suscitado entre os profissionais da saúde mental, principalmente os psicoterapeutas. 13 Referências Bibliográficas BOAINAIM Jr. E. Tornar-se transpessoal: transcendência e espiritualidade na obra de Carl Rogers. São Paulo: Summus, 1998. 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