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CONFIABILIDADE E MANUTENÇÃO Conteudista Prof.ª Dr.ª Renne Martins Barbalho 2 Confiabilidade e manutenção A confiabilidade diz respeito ao funcionamento de um sistema, produto ou serviço conforme o especificado e durante um certo intervalo de tempo (SLACK, CHAMBERS e JOHNSTON, 2002). É um conceito com ampla aplicação em diversos campos. Na gestão da produção do sistema de produção aeronáutico, a confiabilidade tem uma estreita relação com a manutenção do sistema de produção sob o enfoque da disponibilidade de recursos necessários à função produção. Esse será o enfoque estudado nessa atividade. Nesse ponto é importante que se mencione que em atividades como centrais elétricas, hotéis, companhias aéreas, refinarias petroquímicas, plataformas petrolíferas, indústria de açúcar e álcool e de processamento em geral, as atividades de manutenção serão responsáveis por parte significativa do tempo e da atenção da gerência da produção. Disponibilidade de recursos de produção Qualquer operação depende em maior ou menor grau dos recursos de transformação, como máquinas, equipamentos e instalações em geral. Falhas nesses recursos podem resultar em consequências que vão de perdas financeiras, de imagem, de vidas humanas e mesmo relacionadas ao comprometimento de um ecossistema. O quadro 1 apresenta um grave incidente ocorrido nos últimos anos por falhas em recursos de transformação utilizados no transporte aéreo. Observe a complexidade do que houve, quantas ações impactaram na perda de confiabilidade do sistema e, enfim, no acidente ocorrido. Comente com seus colegas o que poderia ter sido realizado para evitar esse tipo de falha. É função e responsabilidade do gestor de operações buscar, decidir e tomar ações que evitem a ocorrência das falhas dos recursos de transformação, seja diminuindo sua probabilidade de ocorrência ou, no mínimo, minimizando suas consequências. Segundo CORRÊA e CORRÊA (2004), incluem-se nessas ações as atividades de prevenção das falhas, de aumento de confiabilidade e as de correção. Às atividades de prevenção das falhas e estabelecimento de capacidades de recuperação após sua ocorrência são englobadas na área de manutenção, enquanto que as atividades relativas ao 3 aumento da confiabilidade dos recursos são englobadas no termo confiabilidade. Recursos disponíveis são recursos prontos para uso. O conceito de prontidão, do inglês readness, contempla esse aspecto e tem sido fortemente utilizado pelo Governo Americano para definir fornecedores para sistemas de aeronáutica e defesa (Department of Defense, 2012). AF 447: perícia da Justiça francesa indica Airbus e Air France como os principais responsáveis do acidente Mais uma vez, os familiares de vítimas de 32 nacionalidades entraram em contato com os detalhes funestos do acidente com o Airbus 330-203 do voo 447 da Air France. O avião despencou de 11,5 quilômetros de altitude em apenas 3 minutos e 30 segundos, na madrugada do 31 de maio de 2009 duas horas depois da decolagem do Rio em direção Paris. Desta vez, no entanto, apontou-se claramente o dedo para os eventuais responsáveis do acidente. O relatório de 346 páginas mais anexos elaborado pelos peritos abre caminho para a Justiça francesa determinar se houve culpa em um processo dado como certo de acontecer e cujo fim prevê-se para início de 2015. A Airbus já indiciada junto com a Air France por homicídio culposo – quando não há intenção – foi mencionada dez vezes pelos especialistas quando abordaram as falhas de funcionamento e concepção da aeronave. Segundo eles, o “envelope cilíndrico Airbus”, o avião, teve papel determinante na tragédia. Pesou como agravante do acidente, a falta de treinamento adequado na Air France de pilotagem manual em alta altitude durante perda de leituras de velocidades devido o congelamento dos tubos Pitot, fabricados pela francesa Thales. O defeito das sondas provocou o equivalente a um acidente vascular cerebral no sistema responsável pelas informações sobre a velocidade, a altitude, o posicionamento e comportamento da aeronave. Os peritos confirmaram que os pilotos foram induzidos ao erro pelo diretor de voo, o instrumento eletrônico de navegação que ajuda manter o avião no horizonte artificial, simulando a linha entre a terra e o céu em monitor no painel da cabine de pilotagem. De forma intermitente e falsa ele ordenava elevar o 4 nariz do avião para ganhar altitude enquanto o certo seria o inverso, baixar para ganhar velocidade e sair da falta de sustentação aerodinâmica. Segundo a perícia, houve também negligencia de gestão do comandante de bordo Marc Dubois, de 58 anos, ao se ausentar temporariamente da cabine para repouso regulamentar sem, no entanto, determinar claramente as funções específicas de cada copiloto no prosseguimento do voo. A análise judicial não isentou os organismos franceses de segurança de voo e a AESA, a Agência Européia de Segurança Aérea. Elas não consideram suficientemente graves os 39 incidentes devido ao congelamento de sondas Pitot notificados desde 2004 até o dia do acidente. A juíza Zimmerman convocou diretores da AESA para prestar depoimentos, mas agência européia recusou em oficio alegando “imunidade diplomática” dos altos funcionários. Ela afirmou com visível irritação estar determinada em conseguir colher os depoimentos. Embora indo na mesma direção do relatório final sobre o AF 447 elaborado pelo Escritório de Investigações e de Análises (BEA) da Aviação Civil da França, a linguagem dos peritos foi menos cautelosa. “É inaceitável”, irrompeu o perito De Valence durante sua explanação. E repetiu, “É inaceitável”, por mais três vezes ao mencionar a ausência, nos manuais de emergência e nas telas do monitores do A330, do procedimento seguido ao alarme de perda de sustentação aerodinâmica. Detalhe edificante: o alarme de estol ou de perda de sustentação soou 75 vezes dentro da cabine, mas devido ao congelamento dos tubos Pitot, a leitura errônea indicou em um dado momento que o A 330-203 estava em velocidade tão lenta – abaixo de 60 nós ou 111 km/h – que o só poderia estar no solo. Em efeito, ainda que o avião estivesse perdendo sustentação, o alarme não soou. O sistema considerou que o Airbus estivesse no chão. O choque com a superfície do Atlântico aconteceu logo depois do jantar servido a bordo. Os passageiros não sentiram o efeito da queda. Não houve pânico em nenhuma parte do avião. Talvez nos ultimos 30 segundos, possa ter havido um desconforto com a rápida mudança de pressão do interior e exterior. A morte chegou de forma imediata. 5 Quadro 1 – Problemas causados por aspectos de confiabilidade: caso do vôo AF447 (Rio-Paris) Pode-se definir a disponibilidade de um recurso como a relação entre o tempo em que este está efetivamente disponível e o tempo total previsto para a sua operação. Onde: D -> disponibilidade do recurso O tempo disponível de um recurso é o tempo entre duas falhas sucessivas. Normalmente, esse tempo é referido pelo acrônimo TMEF (Tempo médio entre falhas), mais conhecido por seu equivalente inglês MTBF (Mean Time Between Failures), o qual é comumente informado na especificação de componentes eletrônicos e sistemas utilizados no projeto de equipamentos e maquinário de produção. O tempo total disponível para uma dada operação de produção, seja ela a disponibilidade de um centro de usinagem ou de um avião, é composto por: (1) o próprio tempo disponível em que o recurso está em operação; e (2) o tempo em que o recurso está em manutenção ou esperando por ela. Essa última parcela, dada sua importância para a completa disponibilidade dos recursos de produção, é sistematicamente gerenciada nas empresas com grande enfoque em equipamentos de alto valor agregado, sendo denominado Tempo Médio para Reparo(TMPR), mais conhecido por seu acrônimo em inglês MTTR (Mean Time to Repair). Assim, a disponibilidade de um recurso pode ser expressa por: Ou Embora a simplicidade, a equação indica claramente quais táticas podem ser utilizadas para aumentar a disponibilidade dos recursos de transformação: 6 Aumentando o numerador por meio de ações que melhorem os recursos como um todo ou suas partes individualmente de maneira a incrementar o tempo médio entre falhas sucessivas. Essas ações estão dentro do escopo do aumento da confiabilidade do equipamento. Diminuindo o denominador através de ações que melhorem a capacidade e a velocidade das atividades de reparo, o que tem relação direta com a produtividade das atividades de manutenção. No quadro a seguir apresenta-se um exemplo simples de operação de uma impressora laser. Veja a racionalidade do cálculo de disponibilidade, aplique-o a um maquinário importante para sua atividade. Consideremos o exemplo da operação de uma impressora laser comum. Após um certo número de páginas impressas, o toner se esgotará. Dadas as condições de uso (características da impressão, local de instalação, condições climáticas etc.), um toner pode ter uma variação considerável na quantidade de folhas impressas. Considere que a média de folhas impressas por toner é de 5000 folhas. A velocidade de impressão em qualidade normal é de 10 folhas por minuto. Considerando que não há outra fonte de falha na operação da impressora que não a troca do toner, o tempo médio entre falhas será calculado por: Se o tempo médio de reposição de um toner (TMPR) for de 100 minutos, incluindo a colocação da compra, sua efetiva aquisição e disponibilidade na empresa e o tempo de troca propriamente dito, a disponibilidade da impressora é calculada por: Isso significa que o recurso impressora estará disponível em média, 7 83,3% do tempo disponível, podendo variar para mais ou para menos em função do uso. Em termos mais concretos, isso significa que em um dia de 8 horas de trabalho, a impressora estará indisponível por 1 hora e 20 minutos. Se estivermos falando de uma impressora de um conjunto de 5 similares que trabalham em paralelo servindo a diversas funções, pode-se considerar que a indisponibilidade das impressoras ao mesmo tempo é pouco provável, e portanto, o grau de disponibilidade calculado acima é suficiente. Entretanto, se a impressora é única e a empresa que se analisa é uma prestadora de serviços de cópia, digitalização e impressões, essa indisponibilidade pode representar considerável perda de faturamento e insatisfação de clientes que dependam do serviço. Nesse caso, algumas ações podem ser tomadas: Aumentando o numerador (MTBF) através da utilização de toners com maior capacidade de impressão. Por exemplo, um toner com o dobro da capacidade resultaria em uma disponibilidade de 90,9%, e cerca de 43 minutos em média de parada para cada 10000 folhas impressas. Nessa opção, obviamente o custo do toner é maior e deve-se analisar o impacto desse custo no serviço oferecido. Diminuição do denominador (MTTR) conseguida pela obtenção mais rápida dos toners ou mesmo pela composição de um estoque de toners na empresa de maneira a minimizar o tempo em que a impressora fica indisponível. Considerando que há um estoque mínimo de toners de maneira a reduzir o tempo de troca para cerca de 10 minutos, tem-se uma disponibilidade de 98%, ou 9 minutos de parada para cada 5000 páginas impressas. Nesse caso, o custo do estoque e a disponibilidade de capital da empresa deve ser analisada em contraposição ao ganho de disponibilidade. Quadro 2 – Racionalidade do cálculo de disponibilidade considerando uma impressora laser Discute-se a seguir detalhes dos conceitos de MTTF e MTBF, acima mencionados. Tempo médio entre falhas (MTBF) O tempo médio entre falhas é comumente obtido por ensaios sobre uma amostra de recursos ou suas partes sendo definidos a partir da quantidade falhas ocorridas em determinado período de tempo de operação – a taxa de falhas ( ). 8 Dessa forma, o MTBF é definido como o inverso da Taxa de falhas, ou seja: Considere, por exemplo, que um conjunto de 100 motores de um determinado lote tenham sido testados em condições pré-definidas durante 1000 horas e que os resultados dos testes sejam os apresentados na tabela a seguir: Quantidade de falhas Tempo em que as falhas ocorreram 1 100 1 210 1 300 1 380 1 500 1 900 2 920 2 960 Tabela 1 – Resultados de testes de durabilidade de motores Dez motores falharam durante os testes de 1000 horas, então: - quantidade de falhas = 10; A quantidade de unidades-hora em operação é dada por: - quantidade de unidades * horas em operação = 90*1000 + 100 + 210 + 300 + 380 + 500 + 900 + 1840 + 1920 = 96150 A taxa de falhas ( ) é, então: Por sua parte, o MTBF é: 9 Isso significa que, considerando as condições de aplicação do motor ensaiado, deve-se esperar que a cada 9615 horas de operação haja uma falha. Por exemplo, se o motor for operar em um carro que seja utilizado 09 horas por dia durante 05 dias por semana, espera-se uma falha a cada 4 anos de operação por carro utilizado. Ou seja, um motor robusto para um carro utilizado para uma função de transporte diário e contínuo de passageiros ou cargas. Uma vez que tanto o MTBF quanto o seu inverso, a taxa de falhas (λ) são grandezas estatísticas obtidas normalmente através de ensaios em condições estabelecidas previamente. Isso significa que seus valores estão sujeitos a dispersões. Significa ainda que se as condições de um determinado uso forem diferentes daquelas utilizadas em ensaio, haverá mudança em ambas. Tal característica, para diversos tipos de componentes, é denominada derating. Componentes eletrônicos, por exemplo, seguem um derating que varia com a temperatura de uso, corrente a qual está sujeito etc. (ver ECSS-Q-30-11A). De uma maneira geral, o uso de componentes em condições mais severas que as preestabelecidas em catálogo aumentarão a taxa de falha dos componentes enquanto condições mais brandas a reduzirá. Tempo médio para o Reparo (MTTR) O tempo médio para o reparo é o tempo consumido na reparação de uma falha ou numa manutenção preventiva. Em caso de reparação de falha, o MTTR impactará no tempo previsto para a operação reduzindo a disponibilidade do recurso. Em caso de manutenção preventiva, caso ela for realizada em período não-previsto para a operação do recurso, ou seja, um fim- de-semana, um período noturno ou de férias coletivas, o MTTR não comprometerá a disponibilidade e, portanto, não será utilizado no cálculo da disponibilidade. Já se for consumido parcela de tempo destinado à operação, tal parcela deve ser incluída no cálculo da disponibilidade. A composição do MTTR nem sempre é óbvia, conforme pode ser visto na figura abaixo. 10 Figura 1 – Distribuição do tempo médio para reposição (MTTR). Fonte: CORRÊA e CORRÊA (2004). Observa-se que as atividades de manutenção propriamente ditas são as duas finais da sequência apresentada na figura. Pode ocorrer, entretanto, que se não houver uma sistemática adequada de planejamento das atividades de manutenção, as três atividades iniciais consumam mais tempo que a manutenção propriamente dita, o que incorrerá em custo desnecessário para a empresa. A priorização do maquinário a ser submetido à manutenção é algo crítico, por exemplo, que pode fazer com que equipamento estratégico seja preterido frente a outro menos relevante, mas que por algum motivo esteja sendo priorizado. Outros aspectos que intervém no tempo efetivamente incorrido na manutenção quando comparado com o tempo total dessa atividade são, segundo CORRÊA e CORRÊA (2004): Falta de organização na guarda de manuais de operaçãoe manutenção dos recursos; Inexistência de registros históricos de intervenções anteriores; Falta de política de estoques de reposição de itens de manutenção; Falta de política de compras com fornecedores pré-definidos; e Inadequado cuidado logístico para a obtenção de componentes de reposição. De uma maneira, o planejamento do processo de manutenção é um aspecto fundamental e altamente influente no cálculo do MTTR, assim como ilustrado no Quadro 2. Considere um recurso crítico na sua operação. Quais os principais fatores intervenientes nas etapas do processo de manutenção desse item? MTTR Operação normal Operação normalAguardando manutenção Análise e diagnóstico Obtenção de componentes de reposição Manutenção física Testes e liberação 11 Falha do sistema Uma vez que a disponibilidade de um recurso varia inversamente com as falhas ocorridas com o recurso e seu uso, é importante discutir um pouco o conceito de falha em sistemas de produção. Primeiramente, considere um restaurante à beira-mar em uma cidade litorânea. Os clientes provavelmente quererão consumir uma cerveja. Uma falha na instalação que serve aos freezers será origem de séria insatisfação dos clientes e a empresa deverá perder receita com ela. Entretanto, se a instalação falhar no chuveiro do banheiro de serviços, a insatisfação haverá por parte dos funcionários, mas provavelmente não trará prejuízo. Se houver falha na instalação que alimenta o caixa, as máquinas de cartão de crédito etc., haverá dificuldades em atender os clientes e ainda, se houver falha nos disjuntores que controlam as lâmpadas, o restaurante poderá ficar inapto a atender o público noturno. O que se quer apontar aqui é que há diferentes níveis de criticidade para as falhas em função de seu impacto para a produção ou o cliente. O impacto é comumente medido através do conceito de severidade sendo aspecto primordial para a técnica de análise de modos e efeitos de falha (FMEA – Failure Mode and Effect Analysis), a qual será estudada mais adiante nesse curso. Voltando ao restaurante, pode-se imaginar que o salão seja iluminado por 20 lâmpadas. A falha em uma delas, provavelmente, não impedirá o salão de receber clientes sem prejuízo de sua função que é acomodar as pessoas durante as horas de lazer e eventualmente ser palco de dança. Entretanto, se a metade das lâmpadas estiver inoperante em determinado momento, deverá haver um grande constrangimento. Ou seja, o critério de falha da operação restaurante não é a falha de uma lâmpada, mas a perda da função de seu salão, o que implicaria em falharem diversas lâmpadas ao mesmo tempo. Diferentemente, para um fabricante de lâmpadas, a falha de uma delas é critério de falha, assim como no caso do motor. Mas veja, para o motor que vai equipar um carro, uma falha detectada pelo fabricante será uma falha detectada pelo motorista. Enfim, o critério de falha depende da operação e deve ser definido com cuidado. 12 Outro conceito importante é o de modo de falha. Como um restaurante pode falhar na sua operação de servir clientes e acomodá-los em momentos de lazer? A função básica do restaurante é servir alimento, portanto, não haver um determinado prato que está no cardápio é um importante modo de falha. Mas se o restaurante tem música ao vivo, o ruído no sistema de som é um modo de falha importante. Se ele tem uma pista de dança, a falha no sistema de iluminação da pista pode ser crítica. Se ele não recebe cheque, apenas cartão e dinheiro, a falha na linha telefônica utilizada nas máquinas de cartão é um modo de falha crítico. Ou seja, para cada função desempenhada pela operação, deve haver pelo menos um modo de falha, representado pela negação da função. Por exemplo, ter o prato no cardápio e ele não estar disponível. Entretanto, o prato pode estar disponível, mas ser servido frio, ser servido com demora exagerada, não contemplar exatamente os ingredientes previstos etc. Cada um desses eventos seria um modo de falha diferente. Esse aspecto também será retomado quando for discutida a técnica de FMEA em atividade posterior nesse curso. Enfim, para a maioria das partes de uma operação, as falhas são uma função do tempo. Assim como os motores do nosso exemplo (ver Tabela 1), em diferentes etapas da vida útil de qualquer coisa, a probabilidade que ela falhe é diferente. Um motor é um bom exemplo de um produto que pode falhar quando foi ligado pela primeira vez já que deve suportar uma alta corrente em pequeno intervalo de tempo e dependendo de sua tecnologia, pode ser composto de materiais e componentes frágeis. Passando pelo teste inicial, a probabilidade de falha vai aumentando à medida que o motor é usado. Quanto mais usado, maior a probabilidade de falhar e assim por diante. A maioria das partes físicas de uma operação se comporta de maneira semelhante. A curva da banheira (bathtub, em inglês), assim denominada por sua semelhança com o perfil longitudinal de uma banheira antiga, mostra o comportamento da taxa de falhas ao longo do tempo de operação de um recurso sujeito a uma grande quantidade de fatores determinantes de falha. Distinguem-se três regiões na curva, conforme ilustrado na figura abaixo. 13 Figura 2 – Curvas de banheira. Duas peças representadas: curva A – falhas previsíveis; curva B – padrão de falhas mais aleatório (Fonte: SLACK, CHAMBERS e JOHNSTON, 2002). A região denominada de “mortalidade infantil” é relativamente curta no tempo sendo caracterizada por altas taxas de falha que surgem nos primeiros períodos de utilização e decrescem com as sucessivas ações de manutenção. Essas falhas têm, normalmente, relação com erros de projeto, falhas de interface entre equipes de disciplinas diferentes no projeto, ou erros de fabricação e operação do produto em campo. Fabricantes na área de eletroeletrônico, comumente realizam testes de vida acelerada, denominados de burn-in, como forma de promover a mortalidade infantil e com isso impedir que as falhas desse estágio ocorram na mão do cliente. A região denominada “vida normal” apresenta taxas de falha menores e aproximadamente constantes, desde que respeitadas condições de uso e manutenção recomendadas. As ações de manutenção preventiva devem focalizar essa região. A região denominada “desgaste pelo uso” apresenta taxas de falha altas e crescentes que independem das ações de manutenção, sendo consequências do envelhecimento do recurso. A redução da taxa de falhas nesse estágio depende da substituição ou reforma. A vida útil de um recurso de transformação é, comumente, caracterizada pelo estágio de “vida normal” da Figura 2 onde a taxa de falhas pode, com alguma aproximação, ser considerada constante no tempo. A B x y Tempo Ta xa d e fa lh as Mortalidade infantil Vida normal Desgaste pelo uso 14 Confiabilidade Digamos que um restaurante adquiriu um automóvel utilitário para realizar viagens diárias entre Araraquara e São Paulo para a compra de insumos frescos na CEAGESP, um investimento de milhares de reais. Obviamente que o proprietário da firma deseja não só que seu utilitário dure, mas que produza durante o maior tempo possível e dentro do padrão de qualidade definido em catálogo – potência do motor, capacidade de carga etc. A confiabilidade é o conceito que demonstra o quanto se deve esperar da operação perfeita desse carro ao longo do tempo. Ela tem uma intrínseca relação com o conceito de taxa de falhas, estudado anteriormente. Sabe-se que o motor é o componente mais caro na manutenção de um carro, e portanto, sua confiabilidade vai determinar o custo de manutenção do automóvel adquirido. Digamos que o motor utilizado foi aquele que passou pelos ensaios ilustrados na Tabela 1. Portanto, sua taxa de falhas é conhecida: A probabilidade de um motor falhar após 100 horas deoperação é: Já a probabilidade desse motor permanecer em funcionamento durante esse primeiro período de 100 horas, ou seja, sua confiabilidade para 100 horas (R100) – utiliza-se o R como padrão para o termo confiabilidade em função do termo em inglês, reliability – será o complementar da probabilidade de falhas Pf100, ou seja: Para um motor permanecer em funcionamento por 200 horas, será necessária sua operação sem falhas por dois períodos sucessivos de 100 horas, o que permite escrever sua confiabilidade, de maneira aproximada, como: 15 De maneira similar, para 1000 horas, teremos 10 períodos de 100 horas sem falha, portanto, aproximadamente: A figura a seguir mostra uma tabela onde é calculada a confiabilidade do motor estar em operação ao longo de 2000 horas, em intervalos de 100 horas, utilizando o cálculo de confiabilidade como probabilidade complementar à probabilidade de o motor falhar em cada um desses intervalos. Faça uma tabela em EXCEL de maneira a chegar nesses dados. Período Tempo Confiabilidade Período Tempo Confiabilidade 1 100 0,9896 11 1100 0,8856 2 200 0,9792 12 1200 0,8752 3 300 0,9688 13 1300 0,8648 4 400 0,9584 14 1400 0,8544 5 500 0,9480 15 1500 0,8440 6 600 0,9376 16 1600 0,8336 7 700 0,9272 17 1700 0,8232 8 800 0,9168 18 1800 0,8128 9 900 0,9064 19 1900 0,8024 10 1.000 0,8960 20 2000 0,7920 Tabela 2 – Confiabilidade dos motores para 20 faixas de períodos de 100 horas cada, iniciando de 100 horas de operação. Faça os cálculos utilizando a regra de potenciação explicada acima e verifique que há uma diferença no valor com relação ao calculado diretamente através da probabilidade complementar à falha. O erro é decorrente do arredondamento matemático utilizado. Verifique isto. O gráfico a seguir é a representação da confiabilidade apresentada na Tabela 2. 16 Figura 3 – Gráfico de confiabilidade dos motores A teoria estatística, a qual não será abordada nesse curso, demonstra que o decaimento da confiabilidade com o tempo obedece uma curva exponencial. A função que representa esse decaimento é dada por: , onde é a taxa de falhas calculada conforme já mencionado. Utilize agora essa equação para chegar a uma tabela de valores de confiabilidade similar à Tabela 2 e construa um gráfico similar ao que consta na Figura 3, observe as diferenças. É importante entender que na prática, utiliza- se diretamente a equação exponencial para realizar análise de confiabilidade de itens em geral. É importante ainda observar que quanto maior a taxa de falhas, maior será o decaimento exponencial da confiabilidade. O gráfico a seguir ilustra essa situação. Nele consta um gráfico utilizando a taxa de falhas calculada para o motor, e nos demais consta a confiabilidade considerando taxas de falha 2, 5 e 10 vezes maior que o calculado anteriormente. Ou seja, a confiabilidade de deteriora rapidamente com o aumento da taxa de falhas. 0,7000 0,7500 0,8000 0,8500 0,9000 0,9500 1,0000 1 0 0 2 0 0 3 0 0 4 0 0 5 0 0 6 0 0 7 0 0 8 0 0 9 0 0 1 0 0 0 1 1 0 0 1 2 0 0 1 3 0 0 1 4 0 0 1 5 0 0 1 6 0 0 1 7 0 0 1 8 0 0 1 9 0 0 2 0 0 0 Confiabilidade x Tempo 17 Figura 4 – Impacto das taxas de falha na confiabilidade de um produto. Exemplo do motor de carro utilitário. Ocorre que para o bom funcionamento do carro, não basta que o motor tenha alta confiabilidade, uma vez que um carro é composto por milhares de componentes, peças, dispositivos eletrônicos, cabos, conectores e softwares que precisam operar corretamente para que ele funcione perfeitamente. Do ponto de vista da confiabilidade, isso significa que a confiabilidade do sistema depende da confiabilidade de cada um de seus itens. Mas, como isso é representado? Se os componentes de um sistema forem todos interdependentes, uma falha de um componente individual podendo causar a falha de todo o sistema, como por exemplo, o motor gira o sistema de transmissão que impulsiona as rodas do carro; a mais direta formulação da confiabilidade se dá quando a confiabilidade de cada um dos n componentes R1, R2,... , Rn contribui em série para a confiabilidade do sistema, Rs, conforme o esquema abaixo. Figura 5 – Confiabilidade da associação de recursos em série Nesse sentido, a confiabilidade do sistema composto pelos n recursos é dada por: Rn = R1 x R1 x... x Rn 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 ʎ ʎ*2 ʎ*5 ʎ*10 18 Essa situação de recursos alocados em série é muito comum em sistemas de produção mecânica. Normalmente uma peça para ser usinada passa por várias máquinas para que possa ser considerada pronta para uso. Se houver 5 máquinas em um determinado roteiro de fabricação e cada uma tiver uma confiabilidade de 0,92, a confiabilidade do sistema na produção da peça será: Rtotal = (0,92)5 = 65,9 % É importante observa que um aspecto diretamente relacionado à utilização de recursos em série é o fato de que, quanto mais recursos em série forem utilizados, menor será a confiabilidade do sistema como um todo. Um conceito importante para mitigar o efeito da quantidade de itens sobre a confiabilidade de um sistema de produção é o de redundância. Redundância é a utilização de um recurso que funcione como backup do recurso principal, podendo ser colocado em funcionamento na eventualidade de falha do recurso principal. Intuitivamente é fácil perceber que a redundância permite aumentar a confiabilidade do sistema. Matematicamente isso é representado a seguir. Se dois elementos, A e B, são redundantes, a confiabilidade de sua associação é dada por: RAeB = RA + RB x (1- RA), onde (1-RA) representa a probabilidade de A falhar (complemento de sua confiabilidade, conforme já estudado). Por exemplo, se uma das máquinas acima discutidas tiver um backup, a confiabilidade do conjunto ficará em: Rtotal = (0,92)4 x [(0,92 + 0,92x(1-0,92)] = 71,9 % De uma maneira geral, o conceito de confiabilidade é um forte aliado do gerente de produção para tratar os aspectos de planejamento de sua estrutura de produção, assim como da manutenção dessa estrutura, aspecto esse a ser tratado a seguir. Manutenção propriamente dita Embora todos os conceitos tratados até o momento tenham relação direta com o aspecto da manutenção, nesse tópico serão introduzidas as principais 19 formas de manutenção encontradas nas empresas que se estruturam para manter alta disponibilidade em seus recursos. As abordagens básicas de manutenção são: corretiva, preventiva e preditiva e serão discutidas abaixo. Manutenção corretiva Nessa abordagem a instalação opera até que quebre sendo a manutenção realizada após a falha ter ocorrido. Dificilmente uma rede hoteleira trocará o compressor de seus frigobares antes que esses falhem. De uma maneira geral, essa abordagem é usada quando: O modo de falha não justifica o custo da prevenção: exemplo, não se troca um toner de impressora antes que ele apresente falha, embora se deva tê-lo para troca imediata; um aparelho telefônico não é trocado porque a vida útil de catálogo está no final etc.; A falha não é previsível: nesse caso não há vantagem no uso de uma preventiva, pois as probabilidades de falha permaneceriam iguais antes e depois dela. É o caso de quebras por acidente, queima de fusíveis, queima de centrais PABX em função de tempestades etc. Como não há previsão possível, as ações devem ser focadas na redução dos efeitos e custos das falhas de maneira a reduzir o MTTR, conforme já estudado. O gestor deve observar: Procedimentos / comunicação: os envolvidos não devem ter dúvida sobre quem resolve a situação e o procedimento de manutenção deve ser eficiente. Organização: não se deve perder tempo procurando ferramentas, manuais, dispositivosde teste, números de telefone, contatos do fabricante etc. Padronização: especialmente para itens cujo projeto e especificação está sob o controle da empresa, deve-se buscar padroniza-los facilitando treinamento e tempo de correção. Manutenção preventiva As ações objetivam eliminar ou reduzir a ocorrência das falhas. Deve ser adotado quando as falhas têm consequências severas sobre os critérios de desempenho da operação e quando as falhas obedecem a uma lógica temporal 20 ou em função do uso do recurso, não sendo aleatórias. A manutenção preventiva será estudada mais a fundo em uma atividade futura do curso, sendo sumarizado abaixo algumas áreas de atenção do gestor: Planejamento: devem-se analisar os catálogos dos equipamentos a serem submetidos à manutenção preventiva de maneira a verificar se o que é sugerido pelo fabricante é adequado à empresa. Os procedimentos de manutenção devem ser claros, suas atribuições bem definidas, seu controle baseado em índices de desempenho e registros históricos. Programação: as atividades de manutenção preventiva devem se ajustar ao fluxo de produção da Companhia. Os tempos de obtenção de peças, ferramentas etc., não devem estar incluídos no tempo de máquina parada. Manutenção preditiva Em diversas situações nas operações, as falhas são precedidas de mudanças no comportamento da instalação, seja por vibração, seja por ruído, por aumento de temperatura, pressão etc. Nesses casos, a empresa realiza o monitoramento desses parâmetros de maneira a apenas parar a operação quando efetivamente necessário. Essa abordagem é utilizada quando a manutenção é muito dispendiosa, pelo custo dela ou da parada da produção e quando há possibilidade concreta de monitoramento dos parâmetros que têm relação com as falhas. Dentro do contexto das abordagens acima mencionadas, ganha espaço atualmente as filosofias que preconizam a participação dos funcionários de produção nas atividades que tradicionalmente eram alocadas a pessoal específico. Dois conceitos importantes são o de manutenção produtiva total (TPM – Total Productive Maintenance) e o de manutenção autônoma, os quais serão estudados nas próximas atividades desse curso. 21 Bibliografia CORRÊA, H. L.; CORRÊA, C. A. Administração de produção e operações: manufatura e serviços. São Paulo, Editora Atlas, 2004. SLACK, N.; CHAMBERS, S.; JONHSTON, R. Administração da produção. São Paulo, Editora Atlas, 2002. ECSS-Q-30-11A Space Product Assurance – Derating, 24/04/2006 DEPARTMENT OF DEFENSE. Defense Acquisition Guidebook. https://dag.dau.mil.