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1 Curso de Direito A MULHER ESTUPRADA, UMA VÍTIMA DA SOCIEDADE E DO SISTEMA PENAL Laila Driele Melo da Silva 1 Alessandra Mascarenhas Prado 2 RESUMO O presente trabalho visa discutir a violência sexual contra as mulheres sob o aspecto jurídico e cultural, compreendendo-a como uma violência social que se repete a nível institucional. Questiona-se quais são os motivos que levam essas mulheres a não se sentirem estimuladas a recorrerem às instâncias formais de controle, o que tem por consequência a cifra oculta existente nos crimes contra a dignidade e a liberdade sexual. Palavras-chave: Violência sexual. Sobrevitimização. Cultura do estupro. 1 INTRODUÇÃO Diante da existência de uma cifra oculta no que tange aos crimes que atentam contra a liberdade e a dignidade sexual das mulheres, a pretensão deste trabalho é discutir a violência sexual sob os aspectos sociais e institucional. A violência sexual contra as mulheres como consequência de uma sociedade que ainda preza por uma ideologia patriarcal, portanto, uma sociedade assimétrica que reserva à mulher um local de subalternidade e inferioridade, e o tratamento que o sistema de justiça penal dispensa a essas mulheres quando violadas sexualmente. 1 Acadêmica do curso de Direito da Unijorge. Email: lailamelo-adv@gmail.com Trabalho apresentado no Centro Universitário Jorge Amado, sob orientação da professora Alessandra Rapacci Mascarenhas Prado, para obtenção da aprovação na disciplina trabalho de curso dois. 2 Professora Orientadora do curso de Direito do Centro Universitário Jorge Amado, Mestre e Doutora em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Email: armprado@yahoo.com.br 2 Com isso, busca-se aqui compreender por quais motivos as mulheres que são vítimas de violência sexual não se sentem estimuladas a recorrerem às instâncias formais de controle, seja em busca de justiça criminal ou proteção do estado. Esse trabalho justifica-se pela necessidade de produzir estudos que abordem a perspectiva da mulher como vítima, o tratamento que a sociedade e o sistema penal reservam às mulheres que sofrem violência sexual. Apesar do desenvolvimento dos estudos da criminologia feminista, que se debruça sobre a situação da mulher frente ao sistema de justiça penal, seja como criminosa ou como vítima, ainda são inexpressivas as discussões sobre o tema nos ambientes acadêmicos, ou mesmo fora deles. Uma realidade que precisa ser transformada, porém o que é possível afirmar é que, a criminologia ainda é prisioneira do androcentrismo, seu universo é centrado no masculino. A forma de abordagem do trabalho é transdisciplinar, considerando que se utiliza da troca de conhecimentos entre a Criminologia, a Sociologia, o Direito Penal e Constitucional. Carrega também um forte viés empírico, já que foi realizada pesquisa de campo em ambientes virtuais, com mulheres vítimas de violência sexual, objetivando subsidiar a elaboração deste trabalho. No segundo capítulo serão abordados o aspecto jurídico e o aspecto cultural da violência sexual. Será dada maior ênfase ao crime de estupro, sob a perspectiva jurídica (tipificação legal) e da cultura do estupro. No terceiro capítulo, discorreremos a respeito da sobrevitimização, do tratamento que tem sido designado à vítima mulher, em especial quando violentada sexualmente. Por fim, no quarto capítulo, apresentaremos os estudos quanti- qualitativos da pesquisa realizada com as mulheres que passaram por situações de violência sexual, abordando todas as temáticas apresentadas no decorrer do trabalho. Quanto à metodologia, adotam-se os métodos de abordagem indutivo e dedutivo, pois a partir da observação dos dados obtidos com os casos práticos foi possível confirmarmos os estudos teóricos produzidos, bem como, reafirma-se discursos teóricos a partir da prática verificada. 2 A VIOLÊNCIA SEXUAL SOB O ASPECTO JURÍDICO E CULTURAL Os crimes contra a liberdade e a dignidade sexual, historicamente, são crimes que tem por principal vítima a mulher. Estima-se que 89% das vítimas de estupro são do sexo 3 feminino 3 . A violência sexual praticada contra mulheres tem sido compreendida como uma categoria de violência de gênero. A partir da década de 90, com o avanço da militância do movimento feminista, a violência de gênero passa a ser entendida como: Uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher. Demostra que os papéis impostos às mulheres e aos homens, consolidados ao longo da história e reforçados pelo patriarcado e sua ideologia, induzem relações violentas entre os sexos e indica que a prática desse tipo de violência não é fruto da natureza, mas sim do processo de socialização das pessoas [...] A violência de gênero pode ser entendida como “violência contra a mulher” 4 Para tanto é importante compreender gênero como uma categoria criada para demonstrar que em geral as diferenças entre mulheres e homens são construídas social e culturalmente partindo de papéis sociais diferenciados, que na estrutura patriarcal, criam polos de dominação e submissão 5 . Quando se fala em relações de gênero, estamos falando sobre relação de poder. A violência empregada contra as mulheres em razão do gênero feminino é definida pela Convenção de Belém do Pará (1994) 6 como “Qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”. Há por trás do crime de estupro, uma cultura machista, uma ideologia que legitima a violência contra a mulher ao passo em que a naturaliza. O estupro, assim como toda violência contra a mulher, deve ser compreendido como um instrumento de afirmação do poderio masculino ao mesmo tempo em que é exercido para a manutenção desse poder. Dessa forma, será necessário, analisar a cultura do estupro, mas antes, compreender o que é violência sexual. 3 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Nota técnica: “Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde (versão preliminar) ”. Março de 2014; Brasília. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/140327_notatecnicadiest11.pdf Acesso em 13 out. 2016. 4 MELO, Mônica de; TELES, Maria Amélia. O que é violência contra a mulher? Coleção Primeiros Passos, São Paulo: Ed. Brasiliense, nº 314. 2002. p.18 5 DA CUNHA, Barbara Madruga, Violência contra as mulheres, direito e patriarcado: perspectivas de combate à violência de gênero. Jornada de Iniciação Científica de Direito UFPR, 2014. p. 150. Disponível em: http://www.direito.ufpr.br/portal/wp-content/uploads/2014/12/Artigo-B%C3%A1rbara-Cunha-classificado-em- 7%C2%BA-lugar.pdf Acesso em 05 out. 2016. 6 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher - Convenção de Belém do Pará. Coletânea de Direito Internacional, Constituição Federal. São Paulo: RT, 2012. 4 2.1 A Violência Sexual e a Legislação Brasileira O Conselho Nacional de Justiça 7 e a Organização Mundial da Saúde 8 compreendem a violência sexual como toda prática sexual onde não há o consentimento da vítima ou qualquer ação que anule ou limite a vontade pessoal da vítima, assim como “qualquer ato sexual ou tentativa, investidas ou comentários sexuais indesejáveis, ou tráfico ou qualquer outra forma, contra a sexualidade de uma pessoa usando coerção”. Dentre os tipos de violências sexuais existem a pedofilia, o assédio sexual, exploração sexual e o estupro, este último ocupará local de destaque neste trabalho. O crime de estupro sempre foi previsto no ordenamento penal brasileiro, porém, apenas no Código Penal de 1890 (art.268) 9 foidenominado como tal, sendo tipificado como “Ato pelo qual o homem abusa com violência de uma mulher, seja virgem ou não, mas honesta “Se a vítima fosse considerada mulher pública ou prostituta a pena prevista era consideravelmente reduzida. O termo mulher honesta foi empregado por legisladores desde as Ordenações Filipinas e sobreveio a terminologia no atual Código Penal, datado do ano de 1940, nos artigos 215 e 216 até ser alterado por lei em 2005 10 . Mulher honesta era considerada aquela cuja conduta, sob o aspecto da moral sexual, era irrepreensível, e desonesta a mulher tida como “fácil”, a mulher que não respeita o padrão de comportamento e a moral sexual imposta, portanto não era digna de respeito. Para Nelson Hungria 11 , mulher honesta seria “aquela que ainda não rompeu com o minimum de decência exigida pelos bons costumes”. Ou seja, considerando toda a questão moral e forte ideologia machista da época, o Estado deveria agir interferindo na sexualidade da mulher e não no respeito à dignidade sexual. Podemos falar então em controle por parte do estado e não em proteção 12 . 7 BRASIL - CNJ. Formas de violência. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/lei-maria-da- penha/formas-de-violencia Acesso 04 out. 2016. 8 CRISTALDO, Heloísa. ONU Mulheres Brasil diz que pesquisa sobre estupro reflete a sociedade. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-09/onu-mulheres-brasil-diz-que-pesquisa- sobre-estupro-reflete-estagnacao-da Acesso 04 out. 2016. 9 Câmara dos deputados. DECRETO Nº 847, DE 11 DE OUTUBRO DE 1890. Código Penal. Disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-847-11-outubro-1890-503086- publicacaooriginal-1-pe.html Acesso em 09 set. 2016. 10 BRASIL. Lei 11.106 de 28 de março de 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11106.htmAcessoo em 09 set. 2016 11 HUNGRIA, Nelson, in Comentários ao Código Penal, v.8, 5° ed., Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 139. 12 BARBOSA Marreiros Ruchester. “Mulher honesta”: conheça a origem da expressão. Disponível em: https://canalcienciascriminais.com.br/mulher-honesta-origem-da-expressao/ acesso 02 out. 2016 5 O Código Penal vigente tipificava o estupro no capítulo IV, “Dos Crimes Contra os Costumes” 13 , nesse capítulo eram agrupados os crimes que até então eram considerados “crimes contra a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor”. Quando se falava em crimes contra os costumes o sentido era de que o ofendido era o senso moral público ou o homem, seja na figura de pai, irmão ou esposo, e não a vítima mulher. A tutela era do modelo moral de uma sociedade patriarcal. O Código Penal também previa o casamento como causa extintiva de punibilidade dos crimes de estupro até o advento da Lei 11.106 de 2005 14 que, além de extinguir a expressão mulher honesta, enfim revoga os incisos VII e VIII do artigo 107 que possibilitavam a extinção da punibilidade pelo casamento. Essa previsão legal é uma clara demonstração de como o bem tutelado pelo Estado era a preservação dos costumes sociais da época e a moral pública. A mulher que fora estuprada era coagida ou obrigada pela família ao casamento com o seu agressor para a proteção da sua imagem e da família, pois se levada a público a ocorrência da violência sexual, seria ela julgada e considerada indigna, imoral, desonesta, o que traria grande vergonha para o seio familiar. Com o casamento o mal causado à honra estaria sanado. Frise-se que tal previsão legal perdurou até o ano de 2005, o que faz perceber que mesmo com a promulgação da Constituição Federal de 1988, uma Constituição comprometida com a positivação dos direitos humanos e efetivação das liberdades e garantias individuais, um dispositivo como esse que viola profundamente qualquer ideia de dignidade humana da mulher foi mantido por anos a fio. Em 2009, a Lei n° 12.015 alterou o capítulo IV do Código Penal 15 , que previa os crimes contra os costumes, passando a prever então sobre crimes contra a dignidade sexual. O enfoque deixa de ser sobre os costumes e a preservação de determinada moral social e passa ao ser humano, o bem jurídico tutelado passa a ser a liberdade sexual. É reconhecido o direito ao domínio sobre o próprio corpo, enfim em consonância com a Carta Magna de 1988 que constitucionaliza a igualdade material e leva como princípio basilar o princípio da dignidade 13 Decreto – Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940, Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal, Dos Crimes Contra os Costumes, 69. 14 Portal de e-governo, inclusão digital e sociedade do conhecimento. As reformas do Código Penal introduzidas pela Lei n° 11.106, de 28 de março de 2005. Disponível em:http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/reformas- do-c%C3%B3digo-penal-introduzidas-pela-lei-n%C2%BA-11106-de-28-de-mar%C3%A7o-de-2005-1 Acesso em 02 out. 2016. 15 MAGGIO, Viana de Paula, Rodrigues. O estupro e suas particularidades na legislação atual. Disponível em: http://vicentemaggio.jusbrasil.com.br/artigos/121942479/o-estupro-e-suas-particularidades-na-legislacao- atual Acesso em 03 out. 2016. http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/818585/lei-12015-09 6 humana, com isso é reconhecida a liberdade e a dignidade sexual como bens jurídicos a serem tutelados pelo Estado. Segundo Estefan 16 ,com a alteração do tipo penal: “O legislador, por meio da incriminação contida no art. 213 do CP, visa à salvaguarda da dignidade das pessoas, protegendo sua liberdade de autodeterminação em matéria sexual”. Dentre as inovações trazidas pela Lei n° 12.015/2009 17 o crime de estupro antes tipificado como “constranger mulher à conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça” ganha novo corpo quando absorvido a figura do atentado violento ao pudor, tornando-se um único crime. O novo texto passa a tipificar o estupro como ato de “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Com a nova redação o elemento do crime de estupro deixa de ser considerado apenas a introdução do pênis na vagina e passa a compreender também qualquer outro ato sexual que tenha como finalidade a satisfação da libido do autor. Com isso o tipo penal passa a contemplar também além da mulher, o homem como possível vítima. Outra inovação trazida pela referia lei foi a criação do delito de estupro de incapaz, reconhecendo a situação de vulnerabilidade da criança menor de 14 anos, de pessoa que por enfermidade ou deficiência mental não tenha discernimento necessário para a prática do ato e de qualquer outra pessoa que não possa oferecer resistência. Por sua vez, a Lei nº 11.340 de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, anterior à Lei n° 12.015 de 2009 que possibilitou as reformas acima mencionadas, em seu artigo 7° já trazia um rol exemplificativo de violência contra a mulher, e na alínea III, define violência sexual como: Qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. Desta feita a redação da Lei Maria da Penha complementa o Código Penal, auxiliando a evidenciar as diversas formas de violência sexual. 16 ESTEFAN, André. Direito penal. São Paulo: Saraiva,2011. 3 v. p.141 17 BRASIL. Código Penal Brasileiro, artigo 213 da lei n° 12.015/2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm Acesso em 03 out. 2016. http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/818585/lei-12015-09 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/818585/lei-12015-09 7 2.2 A Cultura Do Estupro Cultura consiste em um conjunto de ideias, costumes, crenças, moral e hábitos construídos socialmente. A cultura é apreendida pelo ser humano conforme decorre sua inserção numa determina sociedade 18 . O comportamento humano é constantemente condicionado pela cultura. Denys Cuche 19 defende que “a noção de cultura se revela então o instrumento adequado para acabar com as explicações naturalizantes dos comportamentos humanos, no homem é inteiramente interpretada pela cultura”. Se compreendemos que a sociedade é patriarcal, ou seja, é uma sociedade estruturada para a dominação masculina, onde é estabelecida uma relação de hierarquia dos homens sobre as mulheres, portanto não há igualdade entre mulheres e homens, pois ancorado em diferenças biológicas às pessoas do sexo masculino é reservado o domínio do espaço público, possuem uma posição de poder, dominação, superioridade e privilégios sob pessoas do sexo feminino, quando a estas cabe o ambiente privado, e é destinado um local de subordinação, inferioridade e passividade, é inevitável que a cultura siga a mesma lógica machista. Segundo Heleieth Saffioti 20 a violência contra a mulher é uma expressão do patriarcado, e no regime patriarcal, além da dominação masculina, as mulheres também são exploradas pelos homens, pois são objetos de satisfação sexual e também reprodutoras de força de trabalho: Neste regime, as mulheres são objeto de satisfação sexual dos homens, reprodutoras de herdeiros, de força de trabalho e de novas reprodutoras. Diferente dos homens como categoria social, a sujeição das mulheres, também como grupo, envolve prestação de serviços sexuais a seus dominadores. Por “cultura do estupro” compreende-se um conjunto de padrão de comportamento, um complexo de ideias, crenças, práticas e costumes que “coisificam” a mulher, colocando-a como objeto de desejo e como propriedade do homem, subordinando-a à vontade masculina. São reveladas crenças e ações que mesmo que de forma inconsciente, admitem que uma mulher possa ser usada e descartada, o que resulta na legitimação e naturalização da violência sexual 21 . 18 CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru, Edusc, 2012. p.45 19 Ibidem, p.10 20 SAFFIOTI, Heleieth I. B..Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo. 2004. p. 105. 21 TIBURI, Marcia. Estupro em potencial – para pensar a cultura do estupro. Disponível em: http://www.geledes.org.br/estupro-em-potencial-para-pensar-cultura-do-estupro/ Acesso em 18 out. 2016. 8 Um dos sustentáculos da cultura do estupro é a desumanização da mulher, tornando-a mero objeto destinado à satisfação do prazer masculino. A mulher como objeto e não como individuo não goza do direito ao exercício de sua liberdade sexual, pois a sexualidade da mulher deve estar de alguma forma a serviço do homem. Nesse contexto o estupro é uma afirmação do domínio masculino, do poder do homem sobre o corpo, a vontade e a vida da mulher através da violência e não uma manifestação de paixão sexual. Vera Andrade, no livro Pelas Mãos da Criminologia 22 , cita a pesquisa de Kolody, Masters e Johnson, que conclui que: Ou força ou a ira dominam, e que o estupro, em vez de ser principalmente uma expressão de desejo sexual, constitui, de fato, o uso da sexualidade para expressar questões de poder e ira. O estupro, então, é um ato pseudossexual, um padrão de comportamento sexual que se ocupa muito mais com o status, agressão, controle e domínio, do que com prazer sexual ou a satisfação sexual. Ele é comportamento sexual a serviço de necessidades não sexuais. Portanto, o estupro seria uma expressão de poder e domínio, poder este que decorre de uma sociedade estruturada para o poder masculino. A cultura do estupro é a cultura da culpabilização da vítima do estupro. Ao mesmo tempo em que a mulher é responsabilizada pelo estupro sofrido, o homem autor do estupro passa a ocupar o status de vítima. Vítima de uma patologia ou vítima da mulher “sedutora, vulgar, que estava querendo” ou de uma “dissimulada, farsante, mentirosa, rancorosa”, quando não de ambas as hipóteses. A mulher é quem deve evitar o estupro, pois o homem é tratado como se fosse um ser irracional e incapaz de conter seus extintos e a mulher como a provocadora da situação. Em 2014, uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) 23 apontou que um percentual de 65,1% da população brasileira acredita que mulheres que mostram o corpo ‘merecem ser atacadas”. Posteriormente o dado foi retificado para 26%, o que ainda é extremamente preocupante. Em pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha entre os dias 1º e 5 de agosto de 2016com 3.625 pessoas de 217 cidades espalhadas por todo o Brasil a respeito da opinião dos brasileiros sobre a violência contra as mulheres, foi apontado que 42% dos homens entrevistados concordam com a frase “A mulher que usa roupas provocativas não pode 22 ANDRADE, Vera Regina Pereira d. Pelas Mãos da Criminologia - Controle penal para além da ilusão. Pag.153 23 SOARES, Will, ACAYABA Cíntia. Uns terços dos brasileiros pensam que a culpa do estupro é das mulheres. Disponível em: http://g1.globo.com/globo-news/noticia/2016/09/um-terco-dos-brasileiros-pensam- que-culpa-do-estupro-e-das-mulheres.html Acesso em 13 out. 2016. 9 reclamar se for estuprada” e 32% das mulheres também concordam com a afirmativa. Já 37% dos brasileiros concordam que “mulheres que se dão ao respeito não são estupradas” 24 . O resultado dessas pesquisas corrobora com a conclusão da existência de uma cultura do estupro. A responsabilidade pela prática do estupro é retirada do autor do delito e recaída sobre a vítima. A culpa pelo estupro é considerada da mulher que bebeu demais e não se cuidou; da mulher que aceitou a carona; da mulher que vestiu-se de forma sensual; da mulher que se mostrou interessada e depois desistiu; da mulher que tem um histórico de vida sexual ativa; da mulher que estava em um lugar “inapropriado e/ou em horário inapropriado”, pois “lugar de mulher é dentro de casa cuidando do marido e dos filhos”; da mulher que foi na contramão do que a cultura machista compreende como “mulher de respeito”. A mulher que rompe com os papeis de gênero, rigidamente fixados, recebe como punição social o estupro. A cultura do estupro se estabelece com a aceitação do estupro como punição, mesmo que de forma não consciente, difunde-se a ideia de que existem mulheres “estupráveis” 25 . Existe um estereotipo de estupro e de estuprador que precisa ser desconstruído. O estuprador está no imaginário popular como um tarado, um “anormal” um monstro, um louco 26 . É atribuído a ele um caráter psicopatológico, um doente que normalmente ataca às escondidas na noite, na rua deserta. A compreensão do estuprador como um monstro o desumaniza, porém de forma condescendente, pois retira dele a responsabilidade pelos seus atos, a consciência do certo e do errado na medida em que apenas o ser humano racional é capaz de distinguir os conceitos morais e éticos. Com isso o estuprador é colocado no cômodo local de vítima e sua responsabilidade pelo ato criminoso é relativizada pela sociedade 27 . Porém, conforme demonstram as pesquisas que serão aqui apresentadas, salvas as exceções, o estuprador é um homem normal que de doente nada tem. É um pai de família, devoto a Deus, trabalhador, homem tido como honestoe respeitável. Não raras vezes 24 SOARES, Will, ACAYABA Cíntia. Uns terços dos brasileiros pensam que a culpa do estupro é das mulheres. Disponível em: http://g1.globo.com/globo-news/noticia/2016/09/um-terco-dos-brasileiros-pensam- que-culpa-do-estupro-e-das-mulheres.htmlAcessado em 20/10/2016. 25 KOLLONTAI, Verinha. A cultura do estupro da sua origem até a atualidade. Disponível em: https://feminismosemdemagogia.wordpress.com/2016/06/23/a-cultura-do-estupro-da-sua-origem-ate-a- atualidade/acessado em 13 out. 2016. 26 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da prisão. Trad. Raquel ramalhete. 30 ed. Petrópolis: Vozes, 2005. Pg. 85 27 FERREIRA, Oneildo. Combate a cultura do estupro vai além de punições penais. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-jun-07/oneildo-ferreira-combate-cultura-estupro-alem-punicao Acesso em 05 out. 2016. 10 admirado em seu ciclo social e comunidade religiosa. Muitas vezes sequer consideram a hipótese de que o que fizeram é um estupro, pois agiram apenas em conformidade com a lógica machista de que o corpo da mulher lhes pertence. São encorajados e acobertados pela banalização do estupro. Apenas a partir de 1979, iniciou-se a discussão sobre a possibilidade do estupro marital, ou seja, o esposo figurar no polo ativo do crime de estupro e ser responsabilizado por isso. Doutrinadores mais antigos, a exemplo Nelson Hungria, conhecido como um dos maiores penalistas brasileiros, defendiam que não seria possível que o marido estuprasse a própria esposa, pois a conjunção carnal consistia em dever matrimonial e o marido teria a possibilidade de exigi-lo, atuando no exercício regular de direito. Questiona-se sobre se o marido pode ser, ou não, considerado réu de estupro, quando, mediante violência, constrange a esposa à prestação sexual. A solução justa é no sentido negativo. O estupro pressupõe cópula ilícita (fora do casamento). A cópula intra matrimonium é recíproco dever dos cônjuges. O marido violentador salvo excesso inescusável ficará isento até mesmo da pena correspondente à violência física em si mesma, pois é lícita a violência necessária para o exercício regular de um direito. 28 O mesmo entendimento defende Noronha 29 : As relações sexuais são pertinentes à vida conjugal, constituindo direito e dever recíproco dos que casaram. O marido tem direito à posse sexual da mulher, ao qual ela não se pode opor. Casando-se, dormindo sob o mesmo teto, aceitando a vida em comum, a mulher não se pode furtar ao congresso sexual, cujo fim mais nobre é o da perpetuação da espécie. A violência por parte do marido não constituirá, em princípio, crime de estupro, desde que a razão da esposa para não aceder à união sexual seja mero capricho ou fútil motivo, podendo, todavia, ele responder pelo excesso cometido. [...] mulher que se opõe às relações sexuais com o marido atacado de moléstia venérea, se for obrigada por meio de violências ou ameaças, será vítima de estupro. Sua resistência legítima torna a cópula ilícita. Defendiam a inexistência da aplicação do tipo penal de estupro dentro da relação conjugal baseando-se em legítimo direito do marido sobre o corpo e a vontade da sua esposa e, portanto, com ela poderia ser feito o que quisesse sem que houvesse qualquer punição. É a defesa da legitimação da violência sexual contra a mulher. Importante salientar que, no que diz respeito ao âmbito jurídico, essa corrente doutrinária é minoritária e já superada. O estupro é idealizado pelo senso comum como um ato sexual praticado em sua essência por homens desconhecidos, seguido de violência física, em lugares ermos, no beco, 28 HUNGRIA, Nelson; Lacerda, Romão Cortes de. Comentários ao código penal. V.8. 2°ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1954. 29 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 3 v. p. 70 11 no matagal, na rua. Mas dificilmente é pensado como algo próximo e latente. Porém, com base nas recentes pesquisas que a seguir serão expostas, é possível afirmar que os estupros ocorrem com maior frequência dentro do lar, majoritariamente por pessoas que com a vítima possuía relação de parentesco ou mantinha algum tipo de relacionamento. A ideia distorcida que se têm sobre o estupro faz com que um número extremamente elevado de mulheres sejam violentadas sexualmente sem que percebam que estão vivenciando uma situação de violência sexual. O estupro é muito mais comum e corriqueiro do que supõe o imaginário popular. Segundo o 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2015), em 2014, foram registrados 47.643casos de estupro no Brasil. O que representa um estupro a cada 11 minutos. Por sua vez, 70% vitimizaram crianças e adolescentes 30 . Conforme a Nota Técnica Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde (Ipea, 2014) 31 , a partir de informações coletadas em2011 pelo Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan), a estimativa é de que no mínimo 527 mil pessoas são estupradas por ano no Brasil. Porém, desses casos, apenas um percentual de 10% seria levado ao conhecimento das autoridades policiais. Ou seja, 90% dos casos não são sequer investigados. Os registros do Sinan ainda demonstram que 89% das vítimas são do sexo feminino e que 70% dos estupros são cometidos por pessoas próximas, parentes, companheiros, amigos ou conhecidos da vítima. O que vai de encontro com a lógica machista que prega a ideia de que a mulher que está dentro de casa cuidando do lar está protegida, como também contraria o estereótipo de estuprador como um maníaco sexual. A cultura do estupro se mantém porque não costuma ser percebida por quem está inserido nela. A negação da existência da cultura do estupro dá sustentação a ela, pois é defendido um discurso que entende o estupro como uma violência individual, não como violência estrutural, e como tal, tem origem nas desigualdades sociais existentes entre homens e mulheres, não na violência em geral. Portanto, são processos culturais e históricos passíveis 30 Agência Patrícia Galvão. Dossie Violência Sexual. Disponível em: http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/violencias/violencia-sexual/ Acessado em: 05 out 2016. 31 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Nota técnica: “Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde (versão preliminar) ”. Março de 2014; Brasília. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/140327_notatecnicadiest11.pdf Acesso em 13 out. 2016. 12 de reversão 32 . Como toda cultura, não é imutável, então pode ser transformada desde que assim compreendida. 3 A SOBREVITIMIZAÇÃO DA MULHER VIOLADA SEXUALMENTE A pergunta que impulsiona todo o conteúdo a ser abordado nesse capítulo é: como o sistema penal brasileiro trata a mulher vítima de violência sexual? No modelo atual de civilização, é muito recente o olhar sobre a vítima. O interesse pelo estudo da vítima e a preocupação com a mesma no processo penal surgem com o movimento vitimológico que, conforme Sica, 33 considera a necessidade de incluir a vítima na justiça penal, tendo em vista que a sua exclusão pelo estado tem como consequência tratá-la apenas como um mero objeto do processo penal, desumanizando-a e não a respeitando como um sujeito de direito. Nesse contexto, muito se estuda e discute sobre o autor do fato delituoso e sobre o crime, em específico o crime de violência sexual, e raros são os debates sobre as vítimas. No que tange os estudos sobre o tratamento da mulher pelo sistema penal no local de vítima, este só foi aprofundado a partir do desenvolvimento da criminologia feminista e aconseguinte vitimologia crítica 34 . Apesar dos avanços, na prática ainda são falhos e ineficazes os estudos e as medidas tomadas pelo Estado em relação à preocupação com a preservação da dignidade humana das vítimas. É importante salientar aqui a definição de vítima. Para a ONU, na Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder, Anexo A, vítima é toda pessoa que: Individual ou coletivamente, tenha sofrido danos, inclusive lesões físicas ou mentais, sofrimento emocional, perda financeira ou diminuição substancial de seus direitos fundamentais, como consequências de ações ou omissões que violem a legislação penal vigente, nos Estados - Membros, incluída a que prescreve o abuso de poder. Portanto, vítima é todo o indivíduo que sofra violação dos seus direitos fundamentais. Molina considera que: O abandono da vítima do delito é um fato incontestável que se manifesta em todos os âmbitos: no Direito Penal (material e processual), na política Criminal, na Política Social, nas próprias ciências criminológicas. Desde o 32 STREY, Marlene Neves; WERBA, Graziela Cucchiarelli. Longe dos olhos, longe do coração: ainda a invisibilidade da violência contra a mulher. In: GROSSI, Patrícia . 2012(Org.). 33 SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal. 2007. pp. 138-190 34 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas Mãos da Criminologia - O controle penal para além da (des) ilusão 1° Ed. Rio de Janeiro. Revan, 2012. p. 127 13 campo da Sociologia e da Psicologia social diversos autores têm denunciado esse abandono (...) 35 Ocorre que, no que tange aos crimes de violência sexual em que são vítimas as mulheres, pior do que serem esquecidas, as vítimas sofrem um doloroso processo de sobrevitimização, o que dificulta substancialmente para elas o acesso à justiça. 3.1 Vitimização primária, secundária e terciária Conforme compreende Oliveira 36 , a vitimização primaria é a prática do delito, o cometimento do crime em si, é a ação criminosa que recai sobre a vítima causando danos diversos, como físicos, psicológicos e patrimoniais, variando caso a caso, conforme a natureza da infração e suas consequências. E por vitimização secundária, ou sobrevitimização, compreende-se a violência causada pelas instancias formais de controle no momento em que a vítima recorre a estas. É uma violência institucional. Vale analisar alguns possíveis motivos pelos quais a vitimização secundária é mais preocupante que a primária. O primeiro deles diz respeito ao desvio de finalidade: afinal, as instâncias formais de controle social destinam-se a evitar a vitimização. Assim, a vitimização secundária pode trazer uma sensação de desamparo e frustração maior que a vitimização primária (do delinquente a vítima não esperava ajuda ou empatia). 37 A vitimização secundária desencadeia-se a partir da ocorrência de um delito, quando a vítima opta por levar o caso às instâncias formais de controle social. A vítima recorre ao poder público em busca de proteção e reparação de violação a direitos, porém encontra total despreparo no que reflete em um tratamento negligente, invasivo e degradante, o que pode causar às vítimas sentimento de abandono, de impotência frente ao poder público e descrença na atuação da polícia para obtenção de justiça, o que pode ter como consequência a abstenção da procura pelas instâncias formais por parte das vítimas por se sentirem desestimuladas. Trindade 38 adverte que: Mesmo depois de ocorrer o evento vitimizador (vitimização primária), a vítima precisa continuar a se relacionar com outras pessoas, colegas, vizinhos, profissionais da área dos serviços sanitários, tais como enfermeiros, médicos, psicólogos e assistentes sociais, e profissionais da área dos serviços judiciais e administrativos, funcionários de instâncias burocráticas, policiais, advogados, promotores de justiça e juízes, podendo ainda se defrontar com o próprio agente agressor ou violador, em 35 GOMES, Luis Flávio; MOLINA, Antônio García Pablo de. Criminologia. 3ª Ed. Trad. Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 36 OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt. A vítima e o direito penal: uma abordagem do movimento vitimológico e seu impacto no direito penal. São Paulo: Editora Revistados Tribunais, 1999. Pg. 111. 37 Ibidem. p 113. 38 TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para Operadores do Direito. 2ª Ed..Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. Pg. 158 14 procedimentos de reconhecimento, depoimentos ou audiências. Essas situações, se não forem bem conduzidas, podem levar ao processo de vitimização secundária, no qual a vítima, por assim dizer, ao relatar o acontecimento traumático, revive-o com alguma intensidade, reexperenciando sentimentos de medo, raiva, ansiedade, vergonha e estigma. Devido a essa possibilidade, as agências de cuidados sanitários e judiciais devem estar adequadamente aparelhadas, tanto do ponto de vista material, quanto do ponto de vista humano, para evitar a revitimização-hetero- secundária, ou pelo menos, para minimizá-la. São diversos os fatores que resultam no processo de sobrevitimização. As motivações perpassam o despreparo e a ineficiência do serviço público e recaem na estrutura da sociedade onde o sistema penal foi construído. Uma sociedade estruturada pela desigualdade econômica, de gênero e de raça. Como sustenta Vera Regina Pereira de Andrade 39 , o sistema penal reproduz materialmente e ideologicamente as desigualdades e assimetrias sociais. Portanto é necessário compreender o sistema penal como um subsistema dentro de um sistema de controle e seleção de amplitude geral. Nesse sentido, o sistema penal não seria responsável por realizar o processo de vitimizar e estigmatizar de forma a diferir ou se opor aos processos gerais de etiquetamento que já ocupam lugar nos pilares do controle social informal, assim entendida a família, a igreja, a escola, o mercado de trabalho e etc. Com isso, a comunidade em que vive a vítima, a família, os amigos, o trabalho e todo o meio social que a vítima é parte, está no âmbito dos controles sociais informais e podem exercer, normalmente logo após a vitimização primária, uma nova violência chamada vitimização terciária que ocorre quando qualquer desses grupos sociais tem um comportamento hostil, culpabilizador e estigmatizante em relação à vítima. Deslegitima-se a condição de vítima do indivíduo colocando-a no local de algoz. 3.2 O tratamento dirigido à mulher no Sistema Penal como vítima de violência sexual O movimento feminista, um movimento social extremamente progressista, foi o responsável pelos avanços que nos aproximaram de uma sociedade um pouco menos desigual no que diz respeito às relações de gênero, inclusive repercutindo na ciência criminológica a partir da década de 1970, com o surgimento da chamada criminologia feminista, que estuda o sistema de justiça criminal sob a perspectiva de uma interpretação macrossociológica no 39 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas Mãos da Criminologia - O controle penal para além da (des) ilusão 1° Ed. Rio de Janeiro. Revan, 2012. p. 136 15 marco das categorias patriarcado e gênero, iniciou-se o questionamento sobre qual tratamento o sistema penal imprime à mulher, a mulher como vítima 40 . As mulheres estão acentuadamente mais suscetíveis às instâncias informais de controle considerando a ideologia patriarcal que objetiva delimitar o espaço de subalternidade reservado às mulheres. Para Baratta 41 , no que diz respeito à mulher, o aparato penal é um sistema de controle integrativo, então residual, ao sistema de controle informal. Portanto há por parte do sistemapenal um reforço do controle patriarcal. Vera Andrade 42 sustenta que: O sistema penal é ineficaz para a proteção das mulheres contra a violência porque, entre outros argumentos, não previne novas violências, não escuta os distintos interesses das vítimas, não contribui para a compreensão da própria violência sexual e da gestão do conflito, e muito menos para a transformação das relações de gênero. Pois o sistema penal não apenas seria incapaz de oferecer proteção para as mulheres vítimas de violência, em especial a violência sexual, como eleva a violência no momento em que a duplica. Depreende-se então que a mulher passa a ser vítima de uma violência institucional, que, conforme Vera Andrade 43 “vai expressar e reproduzir a estrutura e o simbolismo de gênero, expressando e contribuindo para a reprodução do patriarcado”. A vítima de violência sexual vê então sua dignidade humana sendo violada novamente na medida em que ao recorrer às instâncias formais de controle, ao invés de encontrar um ambiente acolhedor, se depara com desconfiança e descrença. Um ambiente hostil e inábil, onde “a vítima é transformada rapidamente em ré, procedimento este que consegue, muitas vezes, absolver o verdadeiro réu.” 44 A vítima é quem é submetida a julgamento, e baseado na reputação sexual da mulher é definido quem merece ocupar o papel de vítima ou culpada. Apesar de não mais positivada a expressão, o estereótipo de “mulher honesta” ainda é latente no sistema penal, resultando num processo de etiquetamento de vítima ou culpada, pois, baseado nesse conceito machista, a mulher “desonesta” seria tranquilamente capaz de forjar seu próprio estupro, seja por vingança ou por ambição. Não raramente as mulheres são culpabilizadas e humilhadas durante o processo de investigação criminal. A tese de que a mulher pode ter ocasionado a violência ainda é 40 Ibidem. p. 127 41 BARATTA, Alessandro. O paradigma de gênero: Da questão criminal à questão humana. In: CAMPOS, Carmen HEIN de (Org.). Criminologia e Feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999, p. 37. 42 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas Mãos da Criminologia - O controle penal para além da (des) ilusão 1° Ed. Rio de Janeiro. Revan, 2012.p. 130 43 Ibidem p. 144 44 Saffioti, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado e violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. p.46 16 amplamente levantada. É a vida pregressa da vítima que é analisada para concluir se ela se enquadra ou não no conceito de “mulher honesta”, conforme a moral sexual imposta pelo patriarcado, e a partir daí saber se ela pode ser considerada vítima de estupro, se ela merece a tutela estatal, para isso a vítima e a violência são constantemente desqualificadas. O que, Segundo Vera de Andrade 45 “ao longo do controle social formal acionado pelo sistema penal, implica, nesta perspectiva, vivenciar toda uma cultura de discriminação, humilhação e estereotipia”. Assim, “O tratamento que o sistema penal confere à mulher é o mesmo tratamento que o público-senso comum lhe confere” 46 . Portanto, o sistema penal como reprodutor de desigualdades de classe, de raça e de gênero, no que tange ao tratamento direcionado à mulher, tem o papel de manter o status quo, ou seja, de refletir toda a violência de gênero, a exemplo da humilhação e discriminação, tão presentes nas relações sociais em geral. Dessa forma se manifesta a cultura do estupro institucionalizada. 4 A PESQUISA DE CAMPO – OUVINDO AS VÍTIMAS Para embasar a construção do artigo, foi realizada uma pesquisa de campo em ambientes virtuais exclusivamente femininos, entre o dia 25 de setembro de 2016 e 16 de outubro do mesmo ano, tendo sido utilizado um formulário online elaborado através da plataforma Google, conforme anexo. A metodologia aplicada será a quanti-qualitativa. A pesquisa foi subsidiada pela colaboração de mulheres vítimas de violência sexual que através das redes sociais, a exemplo de grupos no facebook e whatsapp, restritos a mulheres, se disponibilizaram a preencher o formulário de pesquisa composto por onze perguntas, cinco objetivas e seis discursivas, que tinham por objetivo coletar dados para que, com base na amostra obtida, pudessem explicar por quais motivos as mulheres que são estupradas diariamente não se sentem estimuladas a recorrerem às instâncias formais de controle, dando início a uma investigação criminal contra seus abusadores. 45 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas Mãos da Criminologia - O controle penal para além da (des) ilusão 1° Ed. Rio de Janeiro. Revan, 2012. p. 132 46 Ibidem. p. 157. 17 4.1 Os dados e as respostas obtidas com a pesquisa Com a pesquisa foram obtidos 86 formulários preenchidos por mulheres vítimas de violência sexual, dentre os quais apenas 14 relataram terem comunicado o fato à polícia, equivalendo a 16,28%. Ou seja, 72 mulheres entrevistadas decidiram por não noticiar o crime às autoridades competentes, o que significa 83,72% das entrevistadas. Esse resultado se coaduna com os dados do Ipea, 2014, já exposto no capítulo 1.2 desse artigo, que alerta para o fato de que numa estimativa de 527 mil pessoas estupradas por ano no Brasil, apenas um percentual de 10% seria levado até às instâncias formais de controle 47 . Alertando então para a existência de uma preocupante cifra oculta no que tange a violência sexual praticada contra as mulheres. Diante da existência dessa cifra oculta, com o objetivo de conhecer os motivos que desestimulam as mulheres vítimas de violações sexuais a recorrerem às instâncias formais de controle, representadas pelo Ministério Público e Delegacias, uma das primeiras e mais importantes questões formuladas na pesquisa foi: “Você reportou os fatos às autoridades policiais? Se não, justifique os motivos”. Como já exposto, 83,72% das entrevistadas não procurou pela tutela do Estado. A seguir serão delineados os motivos para tanto. De acordo com a amostra obtida pela pesquisa, a falta de conhecimento sobre os limites que o outro tem ao corpo delas figura o motivo mais comuns. 20,83% das mulheres responderam que não compreendiam à época do crime que se tratava de estupro, ou não entenderam a gravidade do ocorrido. Depreende-se desse dado o alto número de estupros ocorridos dentro de um relacionamento amoroso, isso porque muitas mulheres ainda acreditam que se trata de um direito alheio sobre o corpo delas, que a elas cabe o dever de satisfazer o prazer do outro, mesmo sem haver vontade recíproca, e que nada tem a ser feito porque é algo natural, exigível e cabe a elas aceitarem passivamente. A naturalização da violência sexual faz com que as mulheres se submetam à situação de violência, pois não a reconhecem. Seguem alguns dos relatos nesse segmento: Na época eu não sabia que se tratava de violência sexual, e acabei cedendo mesmo sem vontade, me senti péssima depois por ter permitido / não ter reagido. (Formulário 29) Não, pois foi com meu namorado à época e achava que tinha a obrigação de fazer sexo mesmo não querendo. (Formulário 62) 47 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Nota técnica: “Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde (versão preliminar)”. Março de 2014; Brasília. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/140327_notatecnicadiest11.pdf Acesso em: 13 out. 2016. 18 Começou como uma relação consensual e depois tornou-se estupro (anal). Na época não pensei que fosse de fato estupro. (Formulário 53) Não, pois como meu namorado tinha me violentado e eu era muito nova, acreditava que era uma atitude normal. Quando descobri que tinha sofrido um tipo de abuso, era tarde demais. (Formulário 57) Sofria todotipo de violência do meu ex-companheiro, não denunciei a princípio porque não sabia que existia estupro marital e depois por vergonha e medo. (Formulário 56) A falta de informação, a ideia ultrapassada e deturpada da figura do estupro como unicamente um ato sexual exigido de forma violenta, sob manifesta resistência da vítima e prioritariamente praticado por estranhos, corrobora com o alto número de mulheres que desconhecem serem vítimas de violência sexual. Relembrando aqui o quanto é recente a discussão da possibilidade de que o companheiro da vítima figurasse o polo ativo do crime de estupro. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos crimes de violência sexual o depoimento da vítima tem grande valor probatório, pois não se verificam facilmente testemunhas e ou vestígios 48 . Porém, dentro da cultura patriarcal existe uma concepção de que a mulher mente sobre o estupro, por vezes mesmo diante de provas incontestáveis a veracidade do fato alegado é colocada em questão baseado na “falta de moral” da vítima 49 . Então a preocupação com a ausência de provas é mais um dos motivos alegados pelas entrevistadas. As mulheres sabem que suas palavras possuem menos valor do que as de um homem, principalmente se este não está dentro do estereótipo de estuprador, ou seja, é um “pai de família”, homem respeitado e admirado pelo ciclo social. A falta de informação, o desconhecimento de que para ser estupro já não há mais necessidade de cópula vaginal também foram motivos apresentados para não terem recorrido ao sistema de justiça criminal. 6,94% das mulheres apontaram que dentre os motivos estava a inexistência de provas e 2,77% responderam que por ausência de informação, sem especificar. Meu estupro não foi PIV (pênis in vagina), ou seja, não tinham provas e não foi estrupo "de verdade”. (Formulário 89) Não. Faltavam provas que não fosse a minha palavra contra a dele. (Formulário 02) 48 CONJUR. STJ reúne decisões sobre uso de depoimentos de vítimas de estupro como provas. Disponível em http://www.conjur.com.br/2016-jan-26/stj-reune-decisoes-valor-depoimentos-vitimas-estupro Acesso em: 13 nov. 2016. 49 IPEA. Estudo analisa casos notificados de estupro. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&id=21849 Acesso em: 13 nov. 2016. 19 [...] como foi abuso e não teve marcas seria a minha palavra contra a dele. (Formulário 51) Declaradamente 33.72% das vítimas entrevistadas eram crianças ou adolescentes à época do o corrido. De acordo com os registros do IPEA, crianças e adolescentes correspondem a 70% das vítimas de violência sexual. 50 Nas situações em que as vítimas eram crianças, 11,11%das entrevistadas disseram que não contaram a ninguém o fato, 9,72% disseram que por serem crianças sequer compreendiam o ocorrido, em 1,39% dos casos a “genitora não permitiu” que se buscasse por auxílio policial, 1,39% dos casos a mãe pediu que não expusesse a ela própria, 2,77% responderam que os pais optaram por evitar a exposição que a instauração do inquérito poderia causar. Eu era uma criança. Não contei pra ninguém até hoje. Só tive conta que foi abuso anos atrás após muito tempo do ocorrido. (Formulário 60) Não, eu era criança e meus pais resolveram não denunciar, mas tem toda uma história envolvida nisso. (Formulário 35) Era menor, tinha dez anos e meus pais preferiram não me expor. Como foi abuso e não teve marcas seria a minha palavra contra a dele. (Formulário 51) Não procurei as autoridades porque eu era uma criança e não sabia que aquilo era estupro, achei q aquilo estava acontecendo porque eu tinha feito algo errado. Na segunda vez não procurei porque tive medo. (Formulário 87) O medo em suas diferentes acepções também é uma das justificativas muito apresentadas. Das entrevistadas, 5,55% responderam temer a exposição a que poderiam ser submetidas com a publicização do fato,6,94% alegaram medo de serem culpabilizadas pela família e pela sociedade e 2,77% responderam que não tiveram coragem de confidenciar a ninguém o ocorrido. Em decorrência da cultura do estupro as vítimas de violência sexual sofrem um grande estigma, são consideradas causadoras do próprio mal que as vitimou. São as culpadas pela violência porque de alguma forma devem ter colaborado com sua ocorrência. Os esforços são para ensinarem as mulheres a não serem estupradas, já que a violência ocorre como castigo por uma conduta moral desviante, pois só é conferido à mulher o direito ao respeito se ela se encaixar na moldura de comportamentos e atitudes que a sociedade patriarcal tradicionalmente lhe atribui 51 . 50 IPEA. Estudo analisa casos notificados de estupro. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&id=21849 Acesso em: 13 nov. 2016. 51 PIMENTEL Silvia, SCHRITZMEYER Ana Lúcia. P, PANDJIARJIAN Valéria. Estupro: crime ou “cortesia”? Abordagem Sociojurídica de gênero. SAFE. Porto Alegre 1998. p. 23-24 20 O medo gerado pelas ameaças do abusador foi um dos responsáveis pelo silêncio de 6,94% das entrevistadas. Não. Eu saberia que não teria nenhum apoio e por mais que eu tivesse ele não seria o suficiente e talvez iria me martirizar muito mais. Visto que a pessoa que cometeu isso pertence a uma classe totalmente diferente da minha e ele me ameaçou e me perseguiu diversas vezes. Numa das ameaças ele me acusou de ter furtado um relógio dele para que eu ficasse intimada e como se não bastasse me disse que teria filmado tudo e iria publicar. (Formulário 11) Não. Tinha 12 anos. Na época eu não sabia o que estava acontecendo direito. Tinha medo. Eu sofri uma tentativa de estupro. Ele não conseguiu terminar de tirar minha roupa, porque no momento minha mãe estava voltando da cozinha para o quarto. A pessoa me ameaçou de morte se eu contasse pra alguém. E eu guardei isso até ano passado... quando a hastag #meuamigosecreto foi lançada. (Formulário 93) As respostas obtidas na pesquisa sugerem que na maior parte das violações sexuais as vítimas possuíam algum tipo de parentesco com os abusadores, inclusive o resultado corrobora com o levantamento do IPEA (2014), pois de acordo com a pesquisa oficial, 70% dos casos de estupros em geral são praticados por pessoas conhecidas, seja um familiar, amigos ou companheiros afetivos 52 . 5,55% entrevistadas disseram que se mantiveram em silêncio porque o abusador era uma pessoa da família, 4,17% disseram que por ser da família ninguém acreditaria que a violência realmente havia ocorrido, por isso silenciaram. Duas vezes. A primeira eu tinha aproximadamente 5 anos, um velho que morava na rua me levou numa casa abandonada e fez carícias na minha genitália... foi intimidador e em troca me ofereceu 25 centavos para me calar... O que me calou foi o medo dos meus pais e da sociedade não acreditar em mim. O segundo caso eu tinha aproximados 9 anos, foi um tio desequilibrado que fez o mesmo ato... porém não me ofereceu nada em troca, ou algo que me fizesse calar, mas o fato de ser alguém da família já era de fato um motivo ainda maior para não acreditarem em mim. (Formulário 36) Não. Ele era um familiar e eu era nova, não sabia como contar aquilo pra minha mãe, ela trabalhava fora o dia todo tentando manter uma vida estável pra mim e meu irmão, já que era, e é, mãe solteira, abandona por um cara escroto. Eu sei que se tivesse contado ela ficaria sem chão e eu jamais iria querer isso. Mas é muito doloroso saber disso e não falar nada. Mesmo hoje, que já se passaram vários anos, eu não tive coragem de contar pra ela, e nem acredito que vá ter. Não quero que ela se culpe por ter de me deixar sob os cuidados de familiares, porque ela não tem culpa alguma. (Formulário 92)52 IPEA. Estudo analisa casos notificados de estupro. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&id=21849Acesso em: 13 nov. 2016. 21 Não. Marido da minha mãe adotiva. Ela nem acreditaria em mim ou se acreditasse não me permitiria entregar ele. (Formulário 20) Não, por falta de estrutura emocional e psicológica para as piadinhas e culpabilização que viria após isso. (Formulário 14) Não. Quando aconteceu, era menor de idade e se eu contasse pra minha família, ela me culparia. (Formulário 07) A ideia de ser a mulher, independentemente da idade, a culpada pelo estupro e, portanto, a responsável por evitar que o abuso aconteça está tão enraizado culturalmente, que as próprias mulheres violentadas se sentem culpadas por terem sido vitimadas e inclusive algumas sentem-se responsabilizadas por qualquer estrago que a apuração do crime pudesse causar à vida do autor do estupro. Das entrevistadas, 4,17% responderam que se sentiram culpadas e acreditaram que provocaram a situação, 1,39% não levou os agressores à polícia porque não quis prejudicá-los, como se fosse ela quem os prejudicaria e não o contrário. Não, pois me senti culpada pelo que aconteceu. Na época, tinha 13 anos, e achei que tinha provocado aquilo de alguma forma, hoje sei que não. Fiquei com muito medo de contar para minha mãe porque sabia que ela não ia acreditar (foi um membro da família). (Formulário 34) Não tinha provas, não achei que "era tão grave assim “e não queria prejudicar os agressores, por mais contraditório que isso seja. (Formulário 75) Não. Na época achei erroneamente que eu havia me comportado de forma a provocar ou autorizar os atos de violência. (Formulário 38) A falta de apoio é um motivo presente, se a sociedade culpabiliza a vítima, logo não a apoia, assim, se não existir estímulo dentro de casa, entre as pessoas do convívio que é para quem a vítima costuma recorrer a priori, dificilmente a mulher já fragilizada conseguirá forças para iniciar e/ou levar a diante a persecução penal que por natureza já é extremamente desgastante. 4,17% das entrevistadas responderam que, dentre os motivos estava a falta de apoio,2,77% deram como resposta a falta de estrutura emocional para suportar a culpabilização que iriam sofrer, 6,94% por vergonha e 1,39% além de vergonha, o repúdio a si mesmo. Por fim, a descrença no sistema penal como meio eficaz e legítimo de proteção às mulheres, a falta de perspectiva na justiça, a desconfiança com relação a atuação da polícia investigativa, o medo de serem sobrevitimizadas. Entre as entrevistadas 8,33% reportaram que por acreditarem que “não daria em nada”, que os policiais não dariam a devida importância ao caso, que seriam desencorajadas, preferiram não recorrer à delegacia. E 1,39% não se sentem seguras em levar o caso à polícia. 22 A questão fundamental ao que parece, é o fato do sistema penal, por sua própria construção generalizada, ser incapaz de proteger e contemplar os agravos e violências contra as mulheres, observadas sempre pela lente moral que esquadrinha seus corpos e condutas segundo o paradigma da “verdadeira mulher”, acabando por vitimizá-las duplamente. 53 Conforme levantamento da pesquisa Datafolha, já exposta em outro momento, a população brasileira tem questionado a atuação das polícias no tratamento dado às mulheres quando violadas sexualmente. Na pesquisa oficial, 51% dos brasileiros afirmaram não acreditar que a Polícia Militar (PM) tenha preparo para atender mulheres vítimas de violência sexual e 42% pensam igual quanto à Polícia Civil. 54 Seguem os relatos obtidos: Não. Acreditei que eu seria desencorajada por não ter provas. Não queria estar frente a frente com o agressor. Não achei que acreditariam em mim, que me levariam a sério e achei que seria culpabilizada. Obs. Sou assistente social e já acompanhei mulheres na delegacia da mulher que passaram por isso. (Formulário 32) Não. Eu sabia que não levaria a nada, em nenhuma das vezes em que aconteceu. Sabia que não teria nenhum apoio, que seria culpabilizada, que toda uma universidade ia ficar contra mim por eu estar tentando fazer algo (abrir um B.O., no caso) que muito provavelmente nem se concluiria porque eu seria desencorajada pelas autoridades o tempo todo, teria meu relato visto como motivo de escárnio. Eu não conheço, pra dizer a verdade, nenhuma mulher que já tenha sido abusada, que tentou fazer uma denúncia disso para a polícia. Nós sabemos que isso só aumenta o trauma. Não me sinto nem um pouco arrependida de não ter feito isso. (Formulário 50) Não acreditei que a polícia fosse se interessar ou mesmo resolver o caso, e fiquei com medo de me expor, de ser julgada e/ou ofendida, humilhada ou agredida ainda mais. Sou mulher e tenho medo da polícia, afinal eles sempre questionam a nossa verdade com perguntas como "mas você provocou?", insinuando que a culpa é nossa, e no meu caso, ainda estava bêbada, então era certo que iam dizer que a culpa era minha. (Formulário 67) Não. Não reportei às autoridades policiais. Há quase um ano fui estuprada na casa do agressor. Ele é amigo dos meus amigos e amigas, portanto, dividimos o mesmo ambiente, inclusive o escolar. Depois da violência, fui correndo pra casa e nem cogitei denunciar. O desgaste físico, emocional, já havia sido grande demais. Estive numa delegacia anteriormente pra fazer b.o. de documento perdido e senti a hostilidade (fui sozinha), não quis experimentar ir a uma delegacia como vítima de estupro. As notícias, relatos, de pessoas que são maltratadas em DEAM's são muitas, os atendimentos não são acolhedores e afastam as mulheres. (Formulário 91) 53 BRITO, Eleonora, de Costa, Zicaria, Justiça e relações de gênero. Textos de História. V.12, n° 1/2, 2014. Pg. 168. Encontrado em: http://periodicos.unb.br/index.php/textos/article/view/6029/4988 54 SOARES Will, ACAYABA Cíntia. Uns terços dos brasileiros pensam que a culpa do estupro é das mulheres. Disponível em: http://g1.globo.com/globo-news/noticia/2016/09/um-terco-dos-brasileiros-pensam- que-culpa-do-estupro-e-das-mulheres.html Acesso em 13nov. 2016. 23 Enquanto que um expressivo percentual de entrevistadas não recorreu às instâncias formais de controle temendo a sobrevitimização, dentre as mulheres que buscaram pela tutela do Estado, 79,2% acreditam que os profissionais que as atenderam não estavam habilitados para lidar com vítimas de violência sexual; 81,8% se sentiram constrangidas e humilhadas durante a investigação criminal e 75% das entrevistadas se sentiram desestimuladas pelos agentes policiais (peritos, policiais e delegados) a darem prosseguimento à investigação. Seguem os trechos de relatos das experiências de atendimentos nas delegacias: [...] DP comum, questionaram minha idade, roupas e me fizeram descrever a situação. Foi constrangedor. (Formulário 48) Os policiais (todos homens) ficaram a todo momento questionando e não fizeram o BO porque o agressor era o meu namorado da época. (Formulário 47) Bem desagradável, a forma como fui tratada por uma das peritas me deixou constrangida, já que estava bêbada em uma festa quando o fato ocorreu, e ela "debochou" disso. A perícia física foi realizada por um homem, o que foi bem desconfortável também. (Formulário 77) Como a DEAM informou que minha denúncia não estava dentro de suas competências recorri a outra delegacia, um ambiente extremamente masculino onde tive que expor experiências íntimas e repeti-las diversas vezes a diversas pessoas que nunca tinha visto e ainda tive a veracidade dos fatos contestada muitas vezes com perguntas do tipo, "mas você não deu motivos?" (Formulário 21) Péssima. Só me lembro de eu ficando sozinha na sala com o delegado e ele apalpando meus seios para "verificar” se não estou machucada. (Formulário90) A mesma mulher entrevistada que deu esse último relato, quando questionada anteriormente se havia procurado pela polícia quando vítima de violência sexual, respondeu que: “Uma vez... as outras não pq eu tinha medo de contar, e depois pq eu tinha medo de que me tratassem mal de novo”. (Formulário 90) Ou seja, a experiência ruim a afastou da busca pelo sistema de justiça. Para Oliveira 55 “Há que se considerar também que a vitimização secundária causa grave perda de credibilidade nas instâncias formais de controle social e a vítima não encontra resposta para a pergunta: “em quem confiar””? Nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM) a situação não se mostra muito distinta, apesar de terem sido criadas atendendo às reivindicações da luta do movimento de mulheres para que fossem compreendidas as especificidades da violência de 55 OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt. A vítima e o direito penal: uma abordagem do movimento vitimológico e seu impacto no direito penal. São Paulo: Editora Revistados Tribunais.1999. p. 113 24 gênero, continua havendo um reforço dos padrões de desigualdades existentes, em específico a desigualdade de gênero. [...] você se sente humilhada o tempo todo por estar ali naquele ambiente. Se sente suja, pedindo esmola. A delegada me perguntou várias vezes o que aconteceu. Me pediu pra repetir umas 10 vezes. Eu acabava de contar e ela voltava em determinado ponto e pedia pra eu contar de novo a partir dali. Eu entendo que é pra não ter erros e tals. Mas é humilhante demais. (Formulário 55) Inicialmente já foi a pior possível. A primeira pergunta que me fizeram foi sobre minhas roupas e as fotos que posto nas redes sociais. Me senti extremamente envergonhada e intimidada. No fim me encaminharam pra outra delegacia alegando que como eu não sabia quem era o autor das ameaças eles não poderiam fazer nada.(Formulário 21) Péssima! Os agressores ficam na mesma sala que as agredidas, as assistentes sociais e delegadas dão um péssimo atendimento e além de tudo, eles ainda questionam o tempo todo a agressão e as vezes acaba dando razão ao abusador. (Formulário 46) O atendimento DEAM foi bem acolhedor, porém o corpo de delito foi horrível, houve culpabilização e exposição da vítima. (Formulário 71) Dentre as vítimas que chegaram até o poder público, apenas 28,57% delas deram continuidade, levando o caso até o judiciário brasileiro. É possível observar que dentre as mulheres que prosseguiram até o judiciário, 75% delas estavam satisfeitas com a forma como foram recepcionadas nas delegacias e tratadas durante a investigação criminal. Logo se conclui que o tratamento revitimizador tem influência direta na continuidade ou não da persecução penal. Muitas foram as justificativas apresentadas para explicar porque a incomparável maior parcela das vítimas de violência sexual se mantém oculta, à margem do sistema de justiça penal. No entanto, todos os motivos expostos pelas entrevistadas se caracterizam como consequências de uma sociedade patriarcal que carrega uma cultura do estupro que, como tal, consiste na naturalização e invisibilização da violência sexual, como na culpabilização das vítimas. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante da divulgação de um caso de estupro, em geral, tendem a surgir questionamentos destinados à conduta e à moral sexual da vítima, enquanto que o estuprador 25 é ignorado e sua ação criminosa é relativizada e amenizada. Costumeiramente surgem indagações do tipo: “Mas qual roupa você usava?”; “O que você estava fazendo nesse lugar a essa hora?”; “Por que você foi ficar bêbada?”; “O que você estava fazendo com esses homens nesse local?”; “Se não queria transar, por que demonstrou interesse?”. Todos esses questionamentos, tão presentes na realidade das vítimas de violência sexual, sugerem que a ocorrência do crime se daria por mera consequência de um comportamento inapropriado da mulher, isso pela ótica da moral sexual de uma cultura extremamente patriarcalista, o que faz perceber que, de acordo com essa lógica social, existem mulheres consideradas “estupráveis”. Nesse sentido o estupro seria admitido como um castigo pelo desvio do comportamento que se espera de uma “mulher honesta”, pois em tese, só estas seriam merecedoras do devido respeito, mas o fato é que nem essas são. A violência sexual contra a mulher é fruto de uma sociedade patriarcal, um sistema que atua de forma a controlar a sexualidade feminina se utilizando de mecanismos que garantem ao homem o domínio sobre a vida e o corpo da mulher. Como tal, os valores patriarcais são repassados nas relações sociais e nas diversas instituições, incluindo o sistema de justiça penal, este que atua como um instrumento de exclusão e estereotipação de sujeitos incluídos em determinadas minorias sociais, em específico as mulheres. O sistema informal de controle representado pela família, igreja, escola, relações de trabalho, a comunidade em que vivem os sujeitos, entre outros, e o controle formal personificado pelo Estado, se retroalimentam e legitimam a violência contra a mulher. O sistema penal está inserido em uma sociedade que hierarquiza as relações entre mulheres e homens, reservando um local de subjugação e inferioridade às mulheres, portanto essa ideologia patriarcal é refletida diretamente no sistema de justiça penal, que atua como meio de controle formal de poder expressando e reproduzindo o simbolismo de gênero e toda uma estrutura de opressão contra as mulheres. Desta feita, além da mulher sofrer a vitimização primária, que é a vivência do crime em si, no caso a violência sexual, ela se torna vítima de uma cultura que não a respeita como tal, que a responsabiliza pela violação que ela mesma sofreu quando aponta que ela pode ter culpa por ter sido estuprada. Diante dessa perspectiva, a passagem dessa mulher pelo sistema penal implica em vivenciar toda uma cultura de humilhação, discriminação e estereotipia. Ou seja, o fato da mulher que foi estuprada recorrer ao sistema de justiça penal pode significar a duplicação da violência, o que é chamado de vitimização secundária. A partir da pesquisa realizada com as mulheres que foram violentadas sexualmente, é possível concluir que os principais motivos responsáveis por fazê-las se sentirem 26 desestimuladas a buscarem pelo sistema de justiça penal são: O desconhecimento da existência de um crime, pois nesse caso as vítimas acreditavam se tratar de legítimo direito do autor do delito sobre seus corpos; a falta de provas robustas que pudessem sustentar suas alegações, pois sabiam que seriam desacreditadas e que a palavra dos homens possuem muito maior peso; o medo de sofrerem julgamentos e serem culpabilizadas pela família e/ou pela sociedade; a falta de apoio; o medo pelas ameaças; o sentimento de culpa ou a responsabilização pelas consequências que um processo criminal poderia causar à vida do autor do crime; a vergonha; o fato do autor da violência ser um familiar e saberem que não encontrariam auxílio da família; em muitos casos a violência ocorreu na infância e as vítimas, na época apenas meninas, em algumas situações não entendiam o que estava acontecendo e em outras silenciaram por vergonha, por medo da reação da família, dentre outras justificativas; a crença de que o sistema penal irá dispensar às vítimas o mesmo tratamento que a sociedade tem dado, é um dos importantes motivos. Um acentuado número de vítimas demonstrou total descrença no sistema penal como instituição capaz de oferecer-lhes proteção. Já as vítimas de violências sexuais que decidiram por levar a ocorrência do crime ao poder público, em geral, demonstraram enorme insatisfação com o tratamento recebido, narrando inúmeras situações de humilhação, culpabilização e descaso. Dentre as mulheres que recorreramao sistema penal, um percentual muito reduzido deu continuidade, e mesmo assim, entre as poucas que deram continuidade, ingressando no judiciário, a absoluta maioria foi de mulheres que consideraram satisfatório o tratamento dirigido a elas. Logo se percebe a importância da destinação de um atendimento digno e humano às vítimas. Considerando os diversos motivos demonstrados pelas vítimas para o desinteresse em levar os casos de estupros ao poder público, concluiu-se que as mulheres não se sentem estimuladas a buscar pela tutela do sistema de justiça penal porque são vítimas de controles sociais, informal e formal, que sustentam e reproduzem uma cultura que relativiza, naturaliza, invisibiliza a violência sexual e culpabiliza as mulheres pela violação sofrida, diante disso surge a certeza de que se recorrerem ao sistema de justiça penal se tornarão vítimas de uma nova violência, dessa vez institucionalizada. REFERÊNCIA 27 Agência Patrícia Galvão. Dossie Violência Sexual. Disponível em: http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/violencias/violencia-sexual/ Acesso em 05 de outubro de 2016. BARATTA, Alessandro. O paradigma de gênero: Da questão criminal à questão humana. In: CAMPOS, Carmen HEIN de (Org.). Criminologia e Feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999. 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