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CRIMES SEXUAIS ... Artigo

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4
CENTRO UNIVERSITÁRIO TIRADENTES
FACULDADE DE DIREITO
Graduação em Direito
JOYCE VIEIRA FERNANDES
CRIMES SEXUAIS:
ANÁLISE DO VALOR PROBATÓRIO NO DEPOIMENTO DA VÍTIMA
Trabalho de conclusão de Curso de Graduação em Direito, do Centro Universitário Tiradentes, como requisito para a obtenção do Título de Bacharel em Direito. 
			 	 Orientador: Professor Rodrigo Cavalcante Ferro
MACEIÓ
2023
RESUMO
O crime de estupro, é uma violação a liberdade e dignidade sexual, geralmente é praticado as escondidas, o que dificulta grandemente a identificação do agressor, assim como a apuração de testemunho. Sendo assim, em muitos casos, apenas a palavra da vítima será utilizada como prova, o que nem sempre é fácil, especialmente se memórias falsas tiverem sido implantadas ou se a vítima tiver deficiência intelectual, por exemplo. Dessa forma, o presente artigo visa demonstrar como a palavra da vítima é o suficiente para condenação em processos de crime de estupro e situações em que tem produzido um efeito adverso. A priori, expõe a evolução histórica do estupro, tanto na vida real como na legislação. Em seguida, trata dos crimes sexuais propriamente ditos de acordo com a legislação vigente, trazendo dados relevantes sobre o estupro no Brasil e esmiuçando acerca dos danos causados as vítimas. Por último, disserta sobre a culpabilização da vítima, quer por ela mesma quer pela sociedade em geral. Traz maiores informações sobre as várias formas de crimes sexuais e as jurisprudências mais recentes sobre o tema. Em suma ao presente artigo visa analisar o valor probatório da palavra da vítima em caso de crime de estupro, baseando em jurisprudências e fatos, além do entendimento histórico.
Palavras-chave: crimes sexuais; estupro; palavra da vítima.
 
 
ABSTRACT
The crime of rape, a violation of sexual freedom and dignity, is usually carried out in secret, which greatly hinders the identification of the aggressor, as well as the verification of testimony. Therefore, in many cases, only the victim's word will be used as evidence, which is not always easy, especially if false memories have been implanted or if the victim has an intellectual disability, for example. Thus, this article aims to demonstrate how the victim's word is enough for conviction in cases of rape and situations in which it has produced an adverse effect. A priori, it exposes the historical evolution of rape, both in real life and in legislation. Then, it deals with the sexual crimes themselves in accordance with the current legislation, bringing relevant data on rape in Brazil and detailing the damage caused to the victims. Finally, it talks about blaming the victim, either by themselves or by society in general. It brings more information about the various forms of sexual crimes and the most recent jurisprudence on the subject. In short, this article aims to analyze the probative value of the victim's word in the case of a crime of rape, based on jurisprudence and facts, in addition to historical understanding.
Keywords: sex crimes; rape; victim's words.
SUMÁRIO
	
	INTRODUÇÃO....................................................................................................….
	6
	1.
	CRIMES SEXUAIS: CONTEXTO HISTÓRICO.........................................…….
	8
	1.1
	SURGIMENTO DO ESTUPRO............................................................................….
	8
	1.2
	LEI DE TALIÃO....................................................................................................….
	9
	1.3
	RELATOS NO MUNDO .….............................................................…...............…..
	9
	1.3.1
	Grécia e Roma antigas............................................................................................….
	9
	1.3.2
	França.....................................................................................................................….
	10
	1.3.3
	Oriente Médio.....................................................................................…..............…...
	11
	1.3.4
	Brasil......................................................................................................................….
	11
	1.4
	O ESTUPRO NA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA................................…….
	12
	1.4.1
	Código Criminal Império (1830)..............................................................…..........….
	12
	1.4.2
	Código Penal Republicano (1890).........................................................................….
	13
	1.4.3
	Código Penal (1940)...............................................................................................….
	14
	1.4.4
	Constituição Federal....................….....................................................................… .. 
	14
	1.4.5
	Estatuto da Criança e do Adolescente....................................................................….
	15
	1.4.6
	Lei 12.015/2009.....................….............................................................................….
	15
	1.4.7
	Lei 13718/2018.......................................................................................................….
	17
	2.
	CRIMES SEXUAIS: A VÍTIMA.........................................................................….
	18
	2.1
	DIGNIDADE SEXUAL E DIREITO À LIBERDADE.........................................….
	18
	2.2
	CULTURA DO ESTUPRO E SUA PERMANÊNCIA DIANTE DA EVOLUÇÃO DO DIREITO.........................................................................................................….
	 19
	2.3
	TIPOS DE CRIMES SEXUAIS.............................................................................….
	20
	2.3.1
	Estupro.............................................................................................…....…...........….
	20
	2.3.2
	Violação sexual mediante fraude............................................................................….
	21
	2.3.3
	Importunação sexual...............................................................................................….
	23
	2.3.4
	Assédio sexual....................................................................................................…….
	23
	2.3.5
	Estupro de vulnerável..........................................................................................…...
	25
	2.3.6
	Corrupção de menores............................................................................................….
	26
	2.3.7
	Satisfação lasciva diante da presença de criança ou adolescente...........................….
	26
	2.3.8
	Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de menores…..
	27
	2.4
	A IDENTIFICAÇÃO DA VÍTIMA.......................................................................…..
	28
	2.4.1
	O abusador..............................................................................................................….
	28
	2.4.2
	Mulheres.................................................................................................................….
	29
	2.4.3
	Crianças................................................................................................................…...
	29
	2.4.4
	Portadores de deficiência........................................................................................….
	30
	2.5
	DANOS CAUSADOS PELA CULTURA DO ESTUPRO....................................….
	30
	2.6
	DADOS RELEVANTES SOBRE O ESTUPRO NO BRASIL……………………..
	34
	3.
	CULPABILIZAÇÃO DA VÍTIMA.....................................................................….
	38
	3.1
	DEPOIMENTO DA VÍTIMA................................................................................…..
	39
	3.2
	PROVA TESTEMUNHAL.....................................................................................….
	40
	3.3
	INEXISTÊNCIA DE PROVAS MATERIAIS.......................................................…..
	40
	3.4
	A PALAVRA DA VÍTIMA COMO PRINCIPAL PROVA.....................................….
	41
	3.5
	A PALAVRA DA VÍTIMA COMO PRINCIPALPROVA EM CASO DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL…………………………………………………….
	 43
	3.6
	OS RISCOS DA PALAVRA DA VÍTIMA.............................................................….
	44
	3.7
	DECISÕES JURISPRUDENCIAIS.......................................................................….
	46
	
	CONCLUSÃO……………………………………………………………………….
	49
	
	REFERÊNCIAS……………………………………………………………………...
	51
INTRODUÇÃO
A violência sexual foi, e ainda é, um dos maiores medos que acometem as mulheres, especialmente por causa da sociedade que as cerca, tão machista e que valoriza a dominação masculina em detrimento da figura feminina. Essa afirmação é claramente confirmada nos números cada vez maiores de condutas de assédio, sejam elas em público ou em ambiente privado.
	Desde que o estupro foi considerado crime no Brasil, o que leva ao Brasil Colônia, a legislação atua visando coibir e punir tais atos desonrosos e criminosos. Contudo, desde aquele período e até hoje, a mulher ainda é vista como sendo a culpada pelo ato, seja por causa de sua vestimenta, modo de vida, profissão, localização, etc. Apesar de a lei brasileira ter modificado a redação de vários artigos do Código Penal – CP ou da Constituição Federal - CF, grande parte do pensamento da sociedade ainda subjuga a mulher, ainda a vê como sendo a causadora ou incentivadora do estupro.
	Atualmente, as mulheres recebem um tratamento jurídico diferenciado, voltado especificamente para as suas necessidades, garantindo a elas um olhar particularizado por parte do Estado, o que significa uma grande conquista para elas. Entretanto, ainda se vê como necessário a determinação de penas mais severas, para que os seus direitos fundamentais continuem sendo garantidos. Uma das maiores modificações foi o Título VI, do CP, por meio da Lei 12.015/2009, que substituiu os dizeres anteriores por “Dos Crimes contra a dignidade e a liberdade Sexual”. Essa alteração mostra a busca por uma atuação legislar voltada a proteger os valores individuais e resguardar a dignidade, liberdade e igualdade dos indivíduos.
	Não apenas mulheres, mas crianças, pessoas com deficiência intelectual, idosos, pessoas impossibilitadas de reagir ou se defender são vítimas de estupro no Brasil e no mundo. Para todas essas, contudo, existem leis que as atendem e que garantem maior segurança e os cuidados necessários e imediatos para que sejam protegidos e seus direitos resguardados. Contudo, mesmo diante das leis cada vez mais severas, a cultura do estupro é uma realidade constante no cotidiano, especialmente das mulheres. Não apenas o estupro em si, mas todas as formas de crimes sexuais acontecem, dentro das suas casas, no transporte público, nas festas, enfim, não existe lugar em que esse tipo de crime não aconteça. E com a cultura do estupro presente de forma muito enfática, fica ainda mais difícil identificar e punir.
	O objetivo principal deste estudo é analisar o valor probatório da palavra da vítima em caso de crime sexual. Para isso, serão necessários apresentar o contexto histórico e legislativo sobre o estupro, ampliar o conhecimento sobre a cultura do estupro e as consequências que esse crime acarretam à vítima e expor as dificuldades encontradas pelas vítimas para relatar o crime para outras pessoas.
	Esta monografia se divide em três capítulos. O primeiro apresenta o contexto histórico do estupro desde os primórdios da humanidade e mostra como vários povos encaravam esse crime em suas sociedades; também explicita sobre como o crime foi tratado pelos colonizadores portugueses em terras brasileiras, em vários momentos da história do país. Relata toda a evolução da legislação, desde as Ordenações Afonsinas até a Lei 13178/2018.
	O segundo capítulo trata dos crimes sexuais propriamente ditos. Esclarece acerca da cultura do estupro e a sua permanência mesmo diante de uma legislação atuante. Identifica a vítima e traz dados relevantes sobre o estupro no Brasil e esmiúça acerca dos danos causados as vítimas, consequências que, em muitos casos, perduram por toda a vida desse indivíduo.
	O terceiro capítulo fala sobre a culpabilização da vítima, quer por ela mesma quer pela sociedade em geral. Explicita como muitas vítimas dos crimes sexuais se sentem ao ter que relatar sobre o crime para parentes e amigos, para as autoridades competentes, sejam elas médicas ou policiais e como muitas tem sido tratadas no ato dessa denúncia. Traz maiores informações sobre as várias formas de crimes sexuais e as jurisprudências mais recentes sobre o tema.
	Para a sua composição, foi feita uma revisão bibliográfica em que foram explorados artigos, livros, jurisprudências e leis voltados ao tema e que pudessem servir de base para a maior compreensão do assunto em pauta.
1.	CRIMES SEXUAIS: CONTEXTO HISTÓRICO
Crimes sexuais são os que ferem a dignidade e a liberdade sexual de outrem, utilizando-se de violência sexual, como estupro, por exemplo. Contudo, o assédio sexual, o ato obsceno e a importunação violenta ao pudor também são incluídos na descrição[footnoteRef:2]. De acordo com a legislação vigente, especificamente na Lei 13.718 de 2018, são considerados crimes a importunação sexual, a divulgação de cenas de sexo, de estupro e pornografia. [2: PAZ Mendes. Crimes Sexuais e suas punições no Brasil: saiba a diferença entre eles. 2021.] 
Os crimes sexuais figuram entre os assuntos mais horrendos e assustadores, especialmente para as mulheres, no decorrer de incontáveis anos. Além da lesão ou doença física que o ato pode causar, a dor emocional é incomparável. Raiva, depressão, constrangimento, vergonha e sentimento de culpa são alguns dos efeitos causados na vítima, de acordo com o Manual MSD[footnoteRef:3]. [3: CLIFTON, Erin G. Agressão sexual e estupro. Manual MSD. 2022.] 
1.1	SURGIMENTO DO ESTUPRO
O estupro está presente na sociedade desde há muito. Há registros bíblicos que já citam casos assim, como o citado no livro de Deuteronômio, onde se fala em homens que violentaram mulheres[footnoteRef:4] ou no livro de Juízes, que apresenta o relato de um estupro múltiplo contra a concubina de um homem, na antiga cidade de Gibeá e ela foi abusada por eles até a morte[footnoteRef:5]. [4: BIBLIA Online. Português. Almeida Revista e Atualizada. (Dt 28:30), 2023.] [5: BIBLIA Online (Jz 19:1-3), 2023.] 
No Código de Hamurábi, escrito entre os séculos XVIII e XVII a. C., deliberava que, caso uma mulher virgem fosse violada por um homem e fosse surpreendido, a mulher ficaria livre e o homem deveria ser morto. Contudo, a vítima poderia ser compensada pelo autor do crime, utilizando-se de uma retribuição pecuniária[footnoteRef:6]. [6: FREITAS, Elaine Aires. A vitimologia e a mulher enquanto vítima do crime de estupro. 2018. ] 
Ramos[footnoteRef:7] apresenta as narrativas acerca do estupro como remontadas à mitologia grega. Apresenta o caso de Medusa, uma jovem muito bonita, que foi abusada sexualmente por Poseidon, contudo, devido à sua beleza, foi julgada por outros como sendo a verdadeira culpada e ainda foi punida por isso[footnoteRef:8]. [7: RAMOS, Maria Carolina de Jesus. A história do estupro, por Georges Vigarello. 2022.] [8: BRASIL. Serviços Especializados de Atendimento à Mulher. Senado Federal. 2023.] 
1.2	LEI DE TALIÃO
Talon[footnoteRef:9] disserta acerca da Lei de Talião: nela, onde o criminoso recebia punição equivalente ou proporcional, ao mal causado à vítima, conhecido como “olho por olho e dente por dente”. Uma das aplicações desta lei é descrita no Livro de Deuteronômio capítulo 22 e versículos 25 a 27, na Bíblia Sagrada: [9: TALON, Evinis. O mito da proporcionalidade da pena. JusBrasil, 2018. ] 
Mas se foi no campo que o homem encontrou a jovem e lhe fez violência para dormir com ela, nesse caso só ele deverá morrer, e nada fareis à jovem, que não cometeu uma falta digna de morte, porque é um caso similar ao do homem que se atira sobre o seu próximo e o mata: foi no campo que o homem a encontrou; a jovem gritou, mas não havia ninguém que a socorresse (grifo nosso).
Assim como na LeiMosaica, a Lei de Talião também é encontrada em vários códigos penais antigos, como por exemplo, no Código de Hamurábi, de Babilônia e na Lei das XII Tábuas, de Roma[footnoteRef:10]. [10: Ibidem.] 
1.3	RELATOS NO MUNDO
1.3.1	Grécia e Roma antigas
Os casos de abuso sexual eram comuns dentro das famílias gregas. Na Grécia antiga, as filhas eram abusadas pelos pais e os filhos eram entregues a homens mais velhos desde que completavam os sete anos para serem abusados por eles, condição que permanecia até que completassem os 21 anos. Era algo tão comum dentro das civilizações greco-romanas que se tornou algo tolerado pela sociedade da época, tanto que aprovavam até mesmo a existência de prostíbulos, onde os adultos se satisfaziam sexualmente com meninos escravizados. Apenas após a expansão do Cristianismo é que a prática sexual entre adultos e crianças passou a ser questionada, porém, isso só ocorreu por volta do século XVII[footnoteRef:11]. [11: FERREIRA, Débora Alice Martins. O crime de estupro em seu contexto histórico. Jus Brasil. 2019.] 
De acordo com Canela[footnoteRef:12], durante as guerras, o estupro era uma forma de atuação bem relevante. A maior parte dos eventos políticos fora precedida por violência sexual. A autora conta uma das histórias mais conhecidas da Roma antiga, sobre Lucrécia, mulher honesta e de grandes virtudes, cujo marido era membro da família real. Certo dia, um dos filhos do rei hospedou-se em sua casa e, após todos dormirem, foi ao quarto de Lucrécia buscando possuí-la. Contudo, ela resistiu. Em sua ânsia e buscando vencer a resistência de Lucrécia, o filho do rei a ameaçou. Disse-lhe que, caso não aceitasse, ele a mataria e junto ao seu corpo, colocaria o corpo nu de um escravo, demonstrando que ela traíra seu marido. [12: CANELA, Kelly Cristina. O “stuprum per vim” no Direito Romano. 2009.] 
Lucrécia cedeu à chantagem, entretanto, contou todo o ocorrido ao seu pai e marido. Sua inocência foi confirmada, porém, sua honra foi perdida. Por isso, num ato de punição, mesmo que injusta, Lucrécia transpassou seu coração com uma faca, suicidando-se. Como vingança pela sua morte, o Império Romano declinou, dando início a República. Para o povo romano, a palavra regnun passou a ser sinal de tirania, violência, causando em todos grande aversão. Em contrapartida, rejeitar o regnun era o simbolismo para virtuosidade, honradez. “A mensagem era evidente: uma mulher honrada não deveria hesitar se sacrificar para manter a própria honra, a honra da família, e enfim, de todas as mulheres”[footnoteRef:13]. [13: CANELA, 2009 p.13.] 
1.3.2	França
Machado[footnoteRef:14] expõe que, durante o Antigo Regime, ocorrido do século XVI ao século XIX, os casos de estupro na França eram alarmantes. Contudo, os processos e julgamentos eram quase inexistentes, em virtude do silêncio das vítimas. Tanto queixas como condenações eram raros naquela época. Até meados do século XIX, nos poucos julgamentos existentes, os juízes desconsideravam sinais físicos, ferimentos aparentes e objetos destruídos como provas físicas, sempre questionando se realmente não houve consentimento por parte da vítima, conforme descreve Fonseca[footnoteRef:15]. [14: MACHADO, Naiara. Uma breve história sobre o crime de estupro. JUS.COM.BR. 2016.] [15: FONSECA, Carlos Alfredo Gomes da. Masculinidades e estupros em Florianópolis 2016-2017. 2020. ] 
Muitas vezes, as mulheres eram vistas como culpadas, por causa da sua vestimenta, a maquiagem usada, o horário que estava na rua ou seu comportamento. Por esse motivo, desde o nascimento, as meninas eram ensinadas a se vestir e se comportar de um modo apropriado, para não se colocarem em situação perigosa. Quando o estupro era o de uma jovem ainda virgem, era tido como mais condenável do que o de uma mulher; se era uma jovem de pouca idade, o pensamento geral é de que ela foi forçada, gerando a responsabilidade do agressor. Caso a jovem agredida fosse uma escrava ou doméstica, o crime não era imputado como tão grave quanto se a agressão fosse contra uma jovem de família com posses. Geralmente, os únicos estupros que eram denunciados eram o de jovens, de pouca idade, enquanto o de mulheres adultas, quase não existem registros.[footnoteRef:16] [16: Ibidem.] 
1.3.3	Oriente Médio
Na antiga sociedade oriental, a mulher era considerada como objeto, uma propriedade de seu pai e depois, seu marido[footnoteRef:17]. Conforme o Portal Geledés[footnoteRef:18], o estupro era visto pela sociedade antiga como adultério e o marido, cuja esposa foi estuprada, precisaria receber de volta sua propriedade com danos, fazendo dele a vítima. [17: FERREIRA, 2019.] [18: GELEDÉS, Portal. A cultura do estupro da sua origem até a atualidade. 2016.] 
Mesmo na atualidade, os casos de estupro no Oriente Médio se mantém. Países como Iraque, Bahrein, Líbia, Kuwait, Palestina, Tunísia, Jordânia e Líbano são conhecidos como locais onde o estuprador pode se safar de seu ato criminoso por meio de casamento. As vítimas, em sua maioria, estão aprisionadas a um relacionamento em que novos abusos certamente ocorrerão, além de outros tipos de agressão, que perdurarão por toda a sua vida. Em 2012, quando a Justiça marroquina perdoou o estuprador de 25 anos, após ele se casar com a vítima, de apenas 16 anos, a jovem, que permanecia sofrendo constantes agressões, agora por parte de seu marido, se suicidou. Esse assunto gerou muita repercussão no país e, dois anos após o ocorrido, a lei que permitia ao agressor se casar com a vítima em troca de liberdade foi derrubada pelo Parlamento do Marrocos[footnoteRef:19]. [19: MARTINS, Alejandra. Os países em que estupradores conseguem escapar da Justiça casando-se com as vítimas. BBC NEWS Brasil. 2021.] 
1.3.5	Brasil
Conforme Cuacoski[footnoteRef:20], a cada 8 minutos, é registrado um estupro em solo brasileiro. As mulheres são as maiores vítimas, totalizando 85% do percentual; crianças ou pessoas vulneráveis totalizam 70% do total e, 84% dos agressores são pessoas do círculo de amizade e/ou familiar da vítima. [20: CUACOSKI, Stéffany. Cultura do estupro: 85% das vítimas no Brasil são mulheres e 70% dos casos envolvem crianças ou vulneráveis. Humanista. 2021. ] 
Mas o crime de estupro no Brasil é datado desde o seu descobrimento em 1500. Enquanto colônia de Portugal, o Brasil era repleto de casos de estupro dos senhores de escravos contra mulheres negras ou indígenas. O estupro era coletivo, constante. Gerava filhos e a cultura se mantinha. Não havia o que se pudesse fazer para mudar a realidade, tendo em vista que os maiores perpetradores eram os seus senhores e nada se podia fazer contra eles, além de aceitar dessa apropriação de seus corpos[footnoteRef:21]. [21: NUNES, Danilo. Miscigenação: Herança do Estupro Colonial. Brasil de Fato. 2021.] 
No período do cangaço, mulheres, das mais novas às mais idosas, eram arrancadas de seus lares e violentadas de modo covarde e estúpido, até onde pudessem suportar, seja por um ou mais homens[footnoteRef:22]. Em seu livro “Maria Bonita: Sexo, violência e mulheres no cangaço”, Negreiros[footnoteRef:23] conta o relato de uma menina com apenas 12 anos, que ainda brincava de bonecas, que foi estuprada de maneira brutal por um dos capangas de Lampião; de acordo com o relato da vítima, o seu agressor se comportava de modo animalesco com ela, o que lhe causou muita dor física e graves ferimentos. [22: ACIOLI, Márcia. Ser menina é (e sempre foi) muito perigoso no Brasil. Inesc. 2020.] [23: NEGREIROS, Adriana. Maria Bonita: Sexo, violência e mulheres no cangaço. 2018.] 
1.4	O ESTUPRO NA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA
De acordo com Dória[footnoteRef:24], desde o seu descobrimento em 1500, já existia no Brasil legislação que determinava o estupro como crime. O código legal que durou até o ano de 1513, denominado Ordenações Afonsinas, instruía como a vítima deveria agir para que a queixa fosse registrada. Quando ocorria o crime de estupro, a vítima deveria sair gritando pelas ruas, exatamente após o ato violento, informando do estuproe gritando o nome do agressor. Era praxe que ela agisse desta forma, independentemente de como estava seu estado físico ou emocional. [24: DÓRIA, Pedro. Um estupro no Brasil Colônia. 2016.] 
Em seguida, vieram as Ordenações Manuelinas; em 1605, passaram a vigorar as Ordenações Filipinas. Nesta última, caso houvesse o estupro, a vítima deveria bradar publicamente e de imediato o que lhe ocorrera, para que o flagrante fosse confirmado. Além disso, perante a Lei, o estupro só era aceito se fosse contra uma virgem; caso não fosse, não havia honra a se perder, portanto, o estupro se descaracterizaria[footnoteRef:25]. [25: Ibidem.] 
Com o passar do tempo, vários códigos foram sancionados, porém, demorou muito tempo para que as vítimas pudessem ser realmente consideradas, perante a Lei, como vítimas. 
1.4.1	Código Criminal Império (1830)
O Código Criminal do Império foi promulgado em 16 de setembro de 1830. Em seu texto, o estupro generalizara uma grande quantidade de crimes sexuais. Nele, foram apresentados vários instrumentos de proteção do abuso para as meninas, contudo, para o abuso contra meninos não havia nada específico[footnoteRef:26]. [26: FERREIRA, Emerson Benedito. A criança e o adolescente nos Códigos Criminal Imperial e Penal Republicano do século dezenove. Portal Jurídico Investidura. 2021. ] 
Os crimes sexuais foram abordados no teor da legislação, contudo, a posição social da família exercia total influência. Caso a vítima fosse pertencente a uma das famílias da sociedade, por ser vista como uma mulher honrada, a punição contra o agressor seria incisiva, entretanto, o mesmo não aconteceria caso a mulher fosse classificada como prostituta[footnoteRef:27]. [27: AMARAL, Fabíola Scheffel do; PEREIRA, Jhonatan. A violência contra as mulheres e seus reflexos na legislação brasileira. 2019. ] 
1.4.2	Código Penal Republicano (1890)
O Código Penal Republicano apresentou definições sobre a violência ou abuso carnal relacionado a mulher; no seu teor, as circunstâncias e outros elementos do crime foram descritos, bem como houve maior esclarecimento sobre o tipo de violência. Contudo, as penas para os criminosos eram pequenas, brandas[footnoteRef:28]. Vale ressaltar que, mesmo sendo um crime, nessa época, o que era prejudicada, de acordo com a Lei, não era a vítima, mas a honra das famílias de bem[footnoteRef:29]. Em seus artigos 268 e 269, o Código apresenta o seu conceito de estupro e as penas provenientes: [28: FERREIRA, 2019.] [29: DÓRIA, 2016.] 
Art. 268. Estuprar mulher virgem ou não, mas honesta: Pena – de prisão cellular por um a seis annos. 
§ 1º Si a estuprada for mulher publica ou prostituta: Pena – de prisão cellular por seis mezes a dous annos. 
§ 2º Si o crime for praticado com o concurso de duas ou mais pessoas, a pena será augmentada da quarta parte.
Art. 269. Chama-se estupro o acto pelo qual o homem abusa com violencia de uma mulher, seja virgem ou não[footnoteRef:30]. [30: BRASIL. Decreto 847 de 11 de outubro de 1890. Promulga o Código Penal. ] 
No texto, entende-se que, a honestidade da vítima era levada em conta para que a pena fosse maior; caso a vítima fosse uma prostituta, a penalidade para o agressor era diminuída. Nota-se também que, em caso de ser o marido o perpetrador, não haveria nenhuma punição para o mesmo, em virtude da cópula carnal fazer parte dos deveres conjugais[footnoteRef:31]. Dessa forma, era de se esperar que a mulher se demonstrasse, diante da sociedade, como alguém honrada, para que pudesse receber a proteção contra crimes, em especial, os de caráter sexual. Contudo, ao homem já cabia a presunção de ser honesto, sem que o mesmo precisasse comprovar tal honestidade[footnoteRef:32] (AZEREDO; SERAFIM, 2012). [31: LIMA, Daniel. Estupro e gênero: evolução histórica e perspectivas futuras do tipo penal no Brasil. Canal Ciências Criminais. 2022.] [32: AZEREDO, Jéferson Luis de; SERAFIM Jhonatan Goulart. Relações de gêneros:(des) construindo conceitos a partir dos códigos penais de 1890 e 1940. Revista Técnico Científica. 2012.] 
1.4.3	Código Penal (1940)
O Código Penal (CP) de 1940, sob o capítulo com tema: “dos crimes contra os costumes”, continua ressaltando a ideia centenária de que, a mulher poderia ser configurada como honesta ou desonesta, podendo até mesmo ser visualizada como merecedora de ser estuprada ou como tendo contribuído para isso, a depender de como fosse definida pela sociedade[footnoteRef:33]. [33: AMARAL; PEREIRA, 2019. ] 
Sobre estupro, o Código Penal, em seu artigo 213, reza: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça: Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. Se a vítima tivesse idade entre 14 e 18 anos, o artigo 217 deliberava que, caso ela fosse virgem e o agressor abusasse de sua inexperiência ou confiança, também seria punido, contudo, sua pena seria de 2 a 4 anos de reclusão apenas[footnoteRef:34].. De acordo com o artigo 224, a violência era presumida se, a vítima fosse de idade inferior a 14 anos, fosse alienada ou débil mental e sua condição fosse conhecida pelo agressor ou não pudesse, de qualquer forma, se defender ou resistir (BRASIL, 1940). Contudo, o agressor poderia facilmente sair ileso de punição caso os fatos não fossem confirmados de modo concreto[footnoteRef:35]. [34: BRASIL. Lei 3689 de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. ] [35: WOICIECKOSKI, Daniela. Crime de estupro no Brasil: evolução legislativa. Conteúdo Jurídico. 2020.] 
1.4.4	Constituição Federal
No âmbito da Constituição Federal – CF[footnoteRef:36], ter liberdade e segurança, não ser forçado a fazer algo contra a vontade e ter sua intimidade e honra preservados, são direitos básicos garantidos aos cidadãos brasileiros, conforme reza o artigo 5°. [36: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. ] 
TÍTULO II — Dos Direitos e Garantias Fundamentais 
CAPÍTULO I — Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos 
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 
I — homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; 
II — ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; 
(...)
X — são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Além disso, em seu artigo 225 § 8º lê-se: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”[footnoteRef:37]. Entende-se, portanto que a violência, independentemente em qual formato seja existente, é algo que não deve ocorrer, especialmente dentro das famílias. [37: Ibidem.] 
1.4.5	Estatuto da Criança e do Adolescente
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA[footnoteRef:38] delibera no Art. 2º que, “Considera-se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”. Em seus artigos 17 e 18, é garantido que a criança e adolescente tem o direito ao respeito, o que significa que sua integridade física, psíquica e moral invioláveis e que sua dignidade estará salvaguardada de maus-tratos, constrangimentos, violência, terror e vexame. [38: BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. 1990. ] 
O ECA também garante políticas de ação com “serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão”[footnoteRef:39]. Nos artigos 240 a 244-B, são citados vários crimes sexuais contra a criança e adolescentes. Entre eles, podem ser citados a produção, reprodução, direção, registro em filmes, fotografias e outros, de cenas de sexo explícito ou pornografia, em que crianças ou adolescentes estejamenvolvidos. Se as cenas, após reproduzidas, forem comercializadas, os produtores e vendedores, bem como aqueles que obtém o material fornecido serão punidos com pena de até oito anos, além de multa, podendo ainda ser acrescido um terço à pena se houver grau de parentesco envolvido, entre outros. [39: Ibidem (Cap.87, III). ] 
1.4.6	Lei 12.015/2009
A Lei 12.015/2009 alterou os dizeres do Código Penal de 1940, trazendo mudanças relacionadas ao crime de estupro. Não foi apenas com respeito às penas dos agressores, que foi aumentada, mas foram acrescento o crime de estupro de vulnerável e as consequências dos crimes como lesão e morte também passaram a figurar na nova redação. Em seu artigo 213, o CP declara:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. 
§ 1 Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2 Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (grifo nosso)[footnoteRef:40]. [40: BRASIL. Lei 12.015 de 7 de agosto de 2009. Altera o Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei n 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e o art. 1 da Lei n 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5 da Constituição Federal e revoga a Lei n 2.252, de 1 de julho de 1954, que trata de corrupção de menores.] 
Com respeito ao estupro de vulnerável, o artigo 217 tem acréscimos significativos. Reza:
“Estupro de vulnerável
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1 Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência (grifo do autor).
§ 3Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4 Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos[footnoteRef:41]. [41: Ibidem.] 
Em casos onde a vítima estivesse alcoolizada, dopada ou inconsciente, por vontade própria ou não, se houvesse ato sexual, se caracterizaria como estupro, tendo em vista que ela não estava em condições de expressar sua vontade. Digno de nota é que, mesmo o marido, em seus alegados deveres conjugais, poderia obrigar a sua esposa a realizar o ato sexual, sem seu devido consentimento[footnoteRef:42] [42: WOICIECKOSKI, 2020.] 
Santos[footnoteRef:43] ressalta que, a partir de 2009, o crime de estupro ou seus correlacionados são todos crimes contra a dignidade sexual. Dessa forma, independente do comportamento sexual da pessoa, ela tem a tutela de sua dignidade sexual, como sendo parte intrínseca de sua dignidade. Assim sendo, os crimes contra a englobar, de acordo com os capítulos I e II da Lei: Crimes contra a liberdade sexual, o que envolve o estupro (art. 213), crime de violação mediante fraude (art. 215) e assédio sexual (art. 216-A); crimes sexuais contra vulneráveis, incluindo o estupro de vulnerável (art. 217-A), corrupção de menores (art. 218); satisfação da lascívia mediante a presença de criança ou adolescente (art. 218-A), favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (art. 218-B). [43: SANTOS, Franklyn Milton Pereira. Estupro de vulnerável e a ineficácia da pena. 2021.] 
1.4.7	Lei 13718/2018
A Lei n° 13.718/2018[footnoteRef:44] traz atualizações importantes para o Código Penal de 1940, definindo de maneira ainda mais abrangente os crimes de importunação sexual e sobre a propagação de cenas de estupro; delibera acerca da ação penal que incorre aos crimes sexuais contra a pessoa vulnerável bem como os crimes contra a liberdade sexual. A lei também estabelece o motivo para o aumento da pena para crimes de estupro, seja ele corretivo ou coletivo, etc. [44: BRASIL. Lei 13.718 de 24 de setembro de 2018. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro, tornar pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelecer causas de aumento de pena para esses crimes e definir como causas de aumento de pena o estupro coletivo e o estupro corretivo; e revoga dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais). ] 
Conhecida como lei de importunação sexual, a Lei n° 13.718/2018 foi sancionada em virtude da repercussão nacional em torno dos inúmeros casos de importunação sexual ocorrida dentro do transporte público e de que a Lei de Contravenções definia penas amenas para o agente. Contudo, com a Lei n° 13.718/2018[footnoteRef:45] em vigor, o Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, conhecido como Lei de Contravenções foi revogado. Conforme o artigo 61 da antiga Lei, “Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor”, geraria apenas uma multa para o agressor, por ser visto apenas como um crime contra os bons costumes da sociedade. Atualmente, com a nova lei em vigor, lê-se: “Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave”[footnoteRef:46], conforme bem explanado por Santos[footnoteRef:47]. [45: BRASIL, 1941.] [46: Ibidem.] [47: SANTOS, 2021.] 
2.	 CRIMES SEXUAIS: A VÍTIMA
2.1	DIGNIDADE SEXUAL E DIREITO À LIBERDADE
	Bittencourt[footnoteRef:48] traz à tona a redação da Lei 12.015/2019 que exprime de modo claro acerca da dignidade sexual. Em seu texto, o homem e a mulher tem direito a exercer sua liberdade sexual, o que inclui escolher os seus parceiros bem como recusar até mesmo o seu cônjuge, se assim lhe aprouver. Além disso, a liberdade individual garante que podem ter privacidade, intimidade e a inviolabilidade carnal sejam respeitadas por todos, abrangendo até mesmo ao cônjuge, sendo que, o desrespeito à essa liberdade é considerada como crime de estupro. O autor também expressa que, ter liberdade sexual garante à mulher poder se dispor licenciosamente de suas necessidades sexuais, sob sua vontade consciente e podendo escolher onde e com quem poderá satisfazê-las. Indubitavelmente, essa liberdade é garantida tanto ao homem quanto à mulher, tendo garantida e protegida a liberdade sexual individual. [48: BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: crimes contra a dignidade sexual até crimes contra a fé pública – arts. 213 a 311-A. ] 
	Consoante Zorzetto[footnoteRef:49], violência sexual envolve [49: ZORZETTO, Ricardo. Danos ocultos do estupro. Revista Pesquisa Fapesp. 2022 p. 24] 
Atos sexuais, ou tentativas de realizar um ato sexual, comentários ou investidas sexuais não consentidos. Abrange toda ação praticada em contexto de relação de poder, quando o abusador obriga outra pessoa à prática sexual ou sexualizada contra a sua vontade, por meio de força física, de influência psicológica ou de uso de armas e drogas. Inclui todas as formas de estupro: individual, coletivo, corretivo, de adultos ou de vulneráveis. Também abrange importunação sexual, assédio sexual, prostituição forçada, exploração sexual, pornografia de vingança e envio de fotos e conteúdos não solicitados de cunho sexual por meio de redes sociais. 
	Que a dignidade do ser humano é prioridade é claramente visto na própria Constituição, onde está no terceiro lugar entre os direitos fundamentais do cidadão. 
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-seem Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político[footnoteRef:50]. [50: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. ] 
2.2	CULTURA DO ESTUPRO E SUA PERMANÊNCIA DIANTE DA EVOLUÇÃO DO DIREITO
	Conforme bem expressado no capítulo I, desde os primórdios da história, a cultura do estupro está presente e, em quase todos os casos, apesar de haver um crime, a vítima era vista ou se sentia como se fosse a real culpada, seja por ser mulher, seja por ser prostituta: os homens as viam como se fossem passíveis de serem violentadas e que eles poderiam fazer o que quisessem, pelo simples fato de eles poderem demonstrar sua masculinidade. Os homens, autodenominados heterossexuais sempre se viram com a necessidade de mostrar suas conquistas e, com isso, desde sempre, trouxeram “morte através da violência contra a mulher, contra a comunidade LGBTS e contra todas as minorias”[footnoteRef:51].		 [51: FONSECA, 2019, p. 43.] 
	De acordo com o expresso por Brilhante et al.[footnoteRef:52]: [52: BRILHANTE, Aline Veras Morais, et al. Cultura do estupro e violência ostentação: uma análise a partir da artefactualidade do funk. Interface (Botucatu). 2019 p.7.] 
Na construção social desta masculinidade estereotipada, o “macho” busca o domínio sobre aqueles cujas performatividades são construídas como mais fracas e que, portanto, deveriam estar subordinadas à sua vontade – ou seja, mulheres, crianças e homens cujas masculinidades escapem à matriz de intelegibilidade.
	
	Dessa feita, conforme expressado bem por Fonseca[footnoteRef:53], a figura feminina sempre foi pautada pela disciplina, aceitação de não ter prazer, de ser controlada e julgada, enquanto o homem, pela figura de ser o proprietário do corpo da mulher. O modelo aceito desde cedo corresponde à hegemonia masculina, cujo papel é de demonstrar a sua virilidade e à mulher caberia apenas o papel de submissão e passividade[footnoteRef:54]. [53: Ibidem.] [54: Ibidem.] 
	No texto do Código Penal de 1940, o estupro já estava presente e figurado como crime de constrangimento de mulher à conjunção carnal sob violência ou ameaça. A conjunção carnal sempre se referia apenas à copulação vagínica, excluindo o coito anal ou oral, pelo fato de que a boca e o ânus não serem considerados órgãos genitais[footnoteRef:55] Além disso, apenas as mulheres denominadas pela sociedade como honestas, ou seja, aquelas que tinham um marido ao qual obedecia e lhe era fiel, que cuidavam de seu lar, eram as que mereciam ser protegidas pela Lei, enquanto as desonestas (prostitutas, por exemplo), eram vistas como merecedoras de serem abusadas[footnoteRef:56]. [55: BITTENCOURT, 2022. ] [56: AMARAL; PEREIRA, 2018. ] 
	Conforme Amaral e Pereira[footnoteRef:57], o marido tinha o direito de exigir que sua esposa tivesse relações sexuais com ele, sem que fosse configurado crime de estupro, por se tratar de sua esposa e tinha direitos sobre ele e fazer parte de uma das obrigações do casamento. Com a Lei 11.106/2005, no artigo 231 o termo mulher honesta foi substituído por pessoa, ficando o texto adequado, embora que de modo superficial, à atual realidade social[footnoteRef:58]. [57: Op. cit.] [58: BRASIL. Lei 11.106 de 28 de março de 2005. Altera os arts. 148, 215, 216, 226, 227, 231 e acrescenta o art. 231-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal e dá outras providências.] 
	Atualmente, os crimes sexuais estão divididos em duas formas: conjunção carnal e ato libidinoso. De acordo com Fonseca[footnoteRef:59], a conjunção carnal refere-se à cópula vagínica, onde ocorre o relacionamento sexual entre homem e mulher, quer haja penetração e ejaculação, quer não. Ato libidinoso relaciona-se ao prazer sexual obtido de outras formas, excetuando a conjunção carnal, como por exemplo, por meio de masturbação, sexo oral e anal, toques íntimos e introdução de dedos ou objetos na vagina, etc. [59: Ibidem.] 
	A cultura do estupro, seja de homens ou mulheres, tem sido usado como uma ferramenta de terror e até mesmo para proporcionar uma limpeza étnica, explica Abdulali[footnoteRef:60]. Conforme a autora, com esse objetivo em mente, líderes políticos em todo o planeta tem incentivado, implícita ou explicitamente, a violência sexual. Em 38 países, o estupro marital não é crime; sendo assim, a maioria dos estupradores é o marido da vítima. Na Índia, um dos países onde isso ocorre, os legisladores preferem não tomar partido a respeito do estupro marital, pois, segundo eles, se for determinado que o sexo forçado dentro do casamento é crime, as instituições familiares ficarão desestabilizadas. [60: ABDULALI, Sohaila. Do que estamos falando quando falamos de estupro. ] 
2.3	TIPOS DE CRIMES SEXUAIS
2.3.1	Estupro
	Massaro et al.[footnoteRef:61] apresenta um estudo realizado com 4.283 pessoas sendo 1.918 homens e 2.365 mulheres. A pesquisa aponta que o estupro prevaleceu entre 1,7% dos homens e 3,5% das mulheres maiores que 14 anos. Entre os de idade entre 26 e 59 anos chegou a 3,3%. O número de vítimas de estupro solteiras foi o dobro do número de vítimas casadas. De acordo com a 12.015 de 12 de agosto de 2009: [61: MASSARO, Luciana Teixeira dos Santos; et al. Estupros no Brasil e relações com o consumo de álcool: estimativas baseadas em autorrelato sigiloso. Cad. Saúde Pública. 2019.] 
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2o Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. (NR)[footnoteRef:62] [62: BRASIL, 2009.] 
	
	A partir da Lei 12.015/2009, o crime de estupro passou a figurar entre os crimes comuns e isso ocorre, independentemente se a vítima é homem ou mulher. Dentro do casamento, até mesmo a mulher pode responder criminalmente caso obrigue seu marido a cometer quaisquer atos sexuais que estejam contra sua vontade. Mesmo o chamado débito conjugal pode ser utilizado como motivo para o estupro ou a relação sexual contra a vontade de um dos cônjuges[footnoteRef:63]. [63: BITTENCOURT, 2022.] 
	Diferentemente do que se pregava nos códigos penais de outrora, quando o ato de estupro é praticado contra uma prostituta, também configura-se crime contra a liberdade sexual. Mesmo no exercício de sua profissão, uma prostituta tem o direito de aceitar ou recusar qualquer cliente ou mesmo impor limites, recusar-se a atender determinados caprichos ou desejos, sendo-lhe assegurada sua dignidade sexual, conforme bem expresso por Bittencourt[footnoteRef:64]. [64: Ibidem.] 
	Zorzetto[footnoteRef:65] apresenta ainda outra forma de estupro: o estupro corretivo. “Diz respeito a casos em que o crime de estupro pretende interferir no comportamento sexual ou social da vítima”. [65: ZORZETTO, 2022 p. 24.] 
2.3.2	Violação sexual mediante fraude
	Violação sexual refere-se à “penetração de natureza sexual, não consentida, no corpo da vítima por órgão sexual, membro ou objeto utilizado pelo violador, com o uso de força ou mediante ameaça de coerção”[footnoteRef:66]. [66: ZORZETTO, 2022 p. 24] 
	Em conformidade com a Lei 12.015 de 12 de agosto de 2009:
Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. (NR)[footnoteRef:67] [67: BRASIL, 2009.] 
	
	Antes da reforma do CP em 2009, existiam dois conceitos acerca desse crime. O primeiro se tratava da posse sexual mediantefraude onde o sujeito ativo era o homem e o passivo, a mulher e consistia unicamente da conjunção carnal propriamente dita e o segundo, o atentado ao pudor mediante fraude, que consistia em praticar atos libidinosos, podendo ter o homem e/ou a mulher como sujeito ativo e/ou passivo. Contudo, após a promulgação da Lei Lei 12.015/2009, os dois textos se unificaram, tornando-se apenas violência sexual mediante fraude[footnoteRef:68]. [68: BITTENCOURT, 2022.] 
	Conforme Bittencourt[footnoteRef:69], o sujeito ativo utiliza-se da fraude, ou seja, de artifícios, que torne difícil para a vítima (o passivo), se manifeste de livre vontade contra o abuso sexual. Para que seja configurado esse modelo de crime, independentemente da vítima ser homem ou mulher, é indispensável que ela tenha sido fraudada, ludibriada pelo agressor. Uma das formas pode ocorrer durante uma consulta ginecológica, por exemplo, onde o médico ginecologista, buscando atender à sua lascívia, utiliza-se de toques desnecessários, durante o atendimento de sua paciente. Ou mesmo, se o agressor, portando arma de fogo, obrigar a vítima a se despir sob os seus olhares, demonstrando prazer sexual pelo ato, [69: Ibidem.] 
	Bittencourt[footnoteRef:70] explica que, se a conjunção carnal for consumada mediante fraude será considerada crime mesmo que o agressor introduza o órgão sexual parcialmente ou mesmo que não ejacule. É considerado crime por ter sido iniciado. A tentativa, mesmo que o agressor não consiga concluir o que intenciona também é admitida., não importa se a mulher é virgem, prostituta, se é maior ou menor de idade, o ato continuará sendo considerado como crime e como um dos mais graves referentes a violação sexual. Se a vítima for alguém menor de 14 anos, o crime será tratado como estupro de vulnerável. [70: Ibidem.] 
017
2.3.3	Importunação sexual
	A importunação sexual passou a figurar entre os crimes sexuais a partir da Lei 13.718/2018, lei esta que amplia os dizeres do artigo 215 do Código Penal. O artigo 215-A reza: “Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave”[footnoteRef:71]. [71: BRASIL, 2018.] 
	Micheli[footnoteRef:72] explica que, o crime de importunação sexual é consumado quando um ato libidinoso é praticado, executado ou realizado na presença de outra pessoa, visando a satisfação lasciva pessoal ou de uma terceira pessoa. Inclui também ao caso de que, sem a percepção ou assentimento da vítima, o agressor a beije de modo forçado ou acaricie seus genitais, assim ofendendo a liberdade e dignidade sexual. 	 [72: MICHELI, Lisa Rocha. Justiça restaurativa: um mecanismo viável de enfrentamento ao crime de importunação sexual. 2018.] 
Aqui, importante fazer uma reflexão sobre tipo penal, que em que pese se desenhe como crime de natureza comum, é tipo penal que indubitavelmente tem como alvo mais frequente a figura feminina, não se excluindo, entretanto a possibilidade de que um homem possa vir a ser vítima também de importunação sexual. No mesmo sentido, não obstante a maior incidência estatística de violadores homens, esta não se constitui uma regra, visto que o tipo penal permite que o fato típico seja também praticado por uma mulher. Finalmente, não é demais pontuar, a importunação sexual poderá ter natureza heterossexual, bem como homossexual, visto que todos são dotados de liberdade e dignidade sexual (grifo nosso)[footnoteRef:73]. [73: MICHELI, 2018 p. 14.] 
	É um ato que tem ocorrido bastante em transportes públicos, o que tem chamado a atenção da mídia, contudo, não engloba apenas atos praticados em locais públicos. Pode ser até mesmo realizada em local privado, contudo, o que incrimina é a falta de consentimento da vítima quanto ao ato, conforme Micheli[footnoteRef:74]bem expressa. Bittencourt[footnoteRef:75] corrobora a assertiva explicando que, a vítima se sente impotente, tendo em vista a agressão sexual ser algo inusitado e inesperado. [74: Ibidem.] [75: Bittencourt, 2022.] 
2.3.4	Assédio sexual
	De acordo com a Lei 10.224/2001, em seu artigo 216-A, assédio sexual envolve
Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)
(...)
§ 2°A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
	Tovani[footnoteRef:76] explica que o assédio sexual é assim caracterizado quando existe um assediador, como sujeito ativo e o assediado, o passivo. A conduta precisa ser de natureza sexual e o assediado rejeita a conduta do assediador. Vale ressaltar que a conduta precisa ser algo superior a um galanteio ou mesmo elogios. Na verdade, [76: TOVANI, Carolina Barbosa. Assédio sexual no ambiente de trabalho. 2019. ] 
a caracterização do assédio sexual pode ocorrer por meio de comentários sexuais, tais como piadas, insinuações, propostas de atividades sexuais de qualquer espécie, tais como, convites íntimos, passeios a lugares ermos, elogios ostensivos (detalha o corpo da mulher), ou com aproximações inoportunas (roçada, beliscões ousados), exibição de fotos, filmes sugerindo atividades sexuais, carícias, ou até mesmo, o que é mais grave, com ameaças, desde que tenham a intenção de conseguir vantagem sexual. Observe-se, portanto, que não é necessário o contato físico[footnoteRef:77]. [77: TOVANI, 2019 p. 4.] 
	Quando ocorre no local de trabalho, o assediador geralmente é alguém que mantêm uma relação de superioridade sobre o assediado. Importante considerar que ambos os sujeitos podem ser homem ou mulher, podendo inclusive, ocorrer entre pessoas do mesmo sexo, por clientes e até por prestadores de serviço. Contudo, as mulheres são as que mais sofrem com esse tipo de assédio; a vergonha, o medo, a descrença de haver punição para os agressores e a desinformação são alguns dos motivos que as fazem recuar de denunciar o assédio sofrido[footnoteRef:78]. [78: Ibidem.] 
	Tovani[footnoteRef:79] aponta duas formas de assédio: assédio utilizando-se de chantagem e o assédio sexual por intimidação. Quando o autor instiga o assediado e, valendo-se de seu poder, nega-lhe a oportunidade de ser transferido, promovido ou de receber qualquer outro benefício, caso não ceda às investidas, é configurado o assédio por chantagem. Se o autor do assédio cria um ambiente de trabalho que torne o convívio profissional do assediado insuportável, até mesmo trazendo comentários sobre assuntos particulares da vítima, trata-se de assédio por intimidação. Assim, “conclui-se que para que o assédio sexual se caracterize é necessário que haja pedidos de favores sexuais, de maneira direta ou indireta, com ofertas de vantagens caso haja aceitação ou ameaças no caso de recusa”[footnoteRef:80]. [79: Ibidem.] [80: TOVANI, 2019 p. 6.] 
2.3.5	Estupro de vulnerável
	Santos[footnoteRef:81] explicita acerca do estupro de vulnerável, citando o artigo 217-A da Lei 12.015 de 12 de agosto de 2009, que é clara em definir o crime como “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”, ou seja, a conjunção carnal ou qualquer ato de cunho sexual contra uma pessoa de idade igual ou inferior a 14 anos. O crime também é imputado caso seja cometido contra um sujeito, menor ou maior de idade, que esteja incapacitado de resistir ou se defender, seja por doença ou por deficiência mental, de um agressor sexual[footnoteRef:82]. [81: Santos, 2021.] [82: BITTENCOURT, 2022.] 
	Sobre o estupro de vulnerável, Zorzetto[footnoteRef:83] explica: [83: ZORZETTO, 2022 p. 24.] 
Qualquer ato entre um ou mais adultos e uma criança, adolescente ou indivíduo com deficiência mental que tenha por objetivo estimular sexualmente a pessoaabusada, ou utilizá-la para a obtenção de estimulação sexual de qualquer ordem. Considera-se que, por serem dependentes ou imaturos, tais indivíduos não conseguem compreender as atividades sexuais e, portanto, são incapazes de consentir com sua prática. 
	Muitos dos abusos sexuais cometidos ocorreram e ocorrem dentro das famílias da vítima. Esse tipo de abuso, consoante Bittencourt[footnoteRef:84], trazem consequências perenes para as crianças e adolescentes abusados. Além da dignidade sexual corrompida, esses menores sofrem por terem abusado de sua vulnerabilidade, sua integridade física e psicológica, foram contra a dignidade da pessoa humana. [84: BITTENCOURT, op cit.] 
	Bittencourt[footnoteRef:85] explica que, o sujeito ativo pode ser homem ou mulher, indistintamente; o passivo é um menor de 14 anos ou alguém que, por deficiência mental ou enfermidade, não possa oferecer resistência ou discernir o que está lhe acontecendo. Pode ocorrer numa relação sexual hétero ou homossexual. Quando o perpetrador é alguém da própria família, como pai, mãe, madrasta, irmão, enteado, curador, tutor, empregador, ou seja, se a vítima está sob os cuidados dessa pessoa, a pena contra o autor é aumentada. [85: Ibidem.] 
	Sobre o abusador, Santos[footnoteRef:86] expressa que: [86: SANTOS, 2021 p. 16.] 
Os abusadores normalmente são pessoas encantadoras dotadas de uma personalidade atraente, que acaba por envolver a vítima fazendo com que essa tenha confiança nele. Normalmente, os abusadores são pessoas que se expressão muito bem, o que acaba por atrair a vítima. 
Neste diapasão, entendesse que mesmo as pessoas que não fazem uso de substâncias ilícitas também podem cometer o crime de estupro de vulnerável, vez que como já fora mencionado em algum momento neste trabalho, os abusadores de crianças não tem o perfil estritamente definido por psicólogos e psiquiatras. No entanto, alguns estudiosos das ciências jurídicas entendem que os abusadores, são pessoas inteligentes capazes de persuadir e envolver a vítima, estudos revelam que os abusadores normalmente, planejam as suas ações por dias, semanas, meses; é sabido pelos estudiosos, que poucos são os autores do crime em tela, que o praticam sem ter o iter criminis, bem elaborado. Pois como se sabe todo o crime perpassa pelo fórum íntimo do agente, onde nasce a ideia criminosa na mente do autor, que posteriormente resultara na prática do ilícito. 
	Para que o ato seja caracterizado crime de estupro de vulnerável, independe de haver ou não consentimento por parte da vítima. Caso tenha havido conjunção carnal ou a prática de ato libidinoso contra alguém menor de 14 anos ou com deficiência física ou doença, mesmo que se afirme existir sentimentos amorosos, a vítima já tenha tido experiência sexual anterior ou tenha sido consensual, o crime continuará existindo e passível de punição[footnoteRef:87]. [87: BITTENCOURT, 2022.] 
2.3.6	Corrupção de menores
	Em consonância com a Lei 12.015/2009, artigo 218, corrupção de menores envolve “Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem”[footnoteRef:88]. Esse texto de lei corrobora o dito no Estatuto da Criança e do Adolescente[footnoteRef:89], onde se lê: [88: BRASIL, 2009.] [89: BRASIL,1990.] 
Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009).
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 1o Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem pratica as condutas ali tipificadas se utilizando de quaisquer meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da internet. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 2o As penas previstas no caput deste artigo são aumentadas de um terço no caso de a infração cometida ou induzida estar incluída no rol do art. 1 o da Lei n o 8.072, de 25 de julho de 1990. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
2.3.7	Satisfação lasciva diante da presença de criança ou adolescente
	De acordo com Costa[footnoteRef:90], o artigo 218-A da Lei 12.015/2009 afeta especificamente aos que induzem “alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem”. De acordo com a autora, isso pode ocorrer quando uma pessoa satisfaz sua lascívia na presença de menores de 14 anos ou se satisfaz obrigando a criança ou adolescente a assistir enquanto realiza com outra pessoa o ato sexual. A autora explicita que, nesse caso, o menor não precisa ser obrigado a se despir ou mesmo reagir de alguma forma que nutrisse no agressor um desejo sexual, o que caracterizaria o estupro de vulnerável. Contudo, apenas pelo fato de ter praticado ato sexual, seja a conjunção carnal ou outro ato libidinoso ou induzir a criança a presenciar o ato, por si só já é configurado crime doloso. [90: COSTA, Raiza Oda Sarubi. Crimes sexuais: a palavra da vítima e os riscos da condenação. Núcleo do Conhecimento. 2022.] 
	Em conformidade com Bittencourt[footnoteRef:91], o sujeito ativo pode 1)praticar a conjunção carnal ou ato libidinoso na presença da vítima ou 2)induzir a vítima a presenciar o ato. No primeiro caso, o autor se aproveita da presença da vítima para se satisfazer e a outra pessoa, sem que haja uma interferência real sobre a sua vontade e não tem contato físico. No segundo caso, o autor faz com que a criança passe a querer presenciar o ato sexual, persuadindo-a a assistir, pervertendo a formação moral e sexual da criança. [91: Op. cit.] 
	Conforme Bittencourt[footnoteRef:92], apesar de não ser o mesmo crime de estupro de vulnerável, é um crime que fere a dignidade sexual do menor. Sempre tem se buscado resguardar a formação moral e sexual dos menores contra atos depravados que possam levá-los à depravação e à luxúria, contudo, é algo que os meios de comunicação atuais não se cansam de propagar. Entretanto, independente de ser homem ou mulher, o sujeito passivo sempre será alguém com idade igual ou inferior a 14 anos. [92: Ibidem. ] 
2.3.8	Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de menores
	De acordo com o artigo 218-B do da Lei 12.015/2009,
Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone; (…) 
§2º Incorre nas mesmas penas quem: 
I – quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo(…)[footnoteRef:93]. [93: BRASIL, 2009.] 
	Neste artigo, o sujeito passivo trata-se do menor de 18 anos ou da pessoa vulnerável, seja por doença ou deficiência mental, explorado sexualmente, sem que haja o ato da libidinagem, o que configuraria estupro de vulnerável. Pode incluir a indução do sujeito passivo a posar para fotos sensuais ou eróticas, trabalhar em casas de strip-tease ou disk-sexo, fazendo simulação de atos sexuais por telefone, para os clientes. O sujeito ativo pode ser de ambos os sexos, sem outras especificações[footnoteRef:94]. [94: BITTENCOURT, 2022.] 
2.4	A IDENTIFICAÇÃO DA VÍTIMA
	No Brasil, a cada 8 minutos, um estupro é registrado. Desses, as mulheres totalizam 85% das vítimas; pessoas vulneráveis alcançam o percentual de 70% e, em 84% das vezes, o autor da agressão é alguém conhecido das vítimas, conforme Cuacoski[footnoteRef:95]. De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada[footnoteRef:96], a cada ano, cerca de 822 mil casos de estupro acontecem. Todavia, apesar dessa conclusão, apenas 8,5% dos casos são denunciados e 4,2% são trazidos à tona pelo sistema de saúde. [95: CUACOSKI, 2020.] [96: FERREIRA, Helder; et al. Elucidando a Prevalência de Estupro no Brasil a Partir de Diferentes Bases de Dados. IPEA. 2023.] 
2.4.1	O abusador
	Em concordância com o Ferreira et al.[footnoteRef:97], as vítimas de estupro e os agressores, em muitas vezes,possuem um relacionamento próximo. Entre os abusadores mais prováveis são incluídos os parceiros, ex parceiros, parentes, amigos e/ou conhecidos e por último, os desconhecidos. Em vários casos, tios, padrastos, avôs, maridos são os abusadores. Em situações que ocorrem com crianças ou adolescentes, muitas vezes a própria mãe tem conhecimento do ato ilícito, porém se cala. [97: Ibidem.] 
	Quando ocorre dentro de uma relação afetivo-sexual, alguns dos fatores apontados como sendo preponderantes para a violência, incluindo sexual, é a de conflitos diários existentes, cultura machista, a recusa da esposa em ter relações sexuais e o uso ou abuso do álcool[footnoteRef:98]. Que o machismo continua sendo muito utilizado como desculpa para estupros ou atos libidinosos é visível até mesmo nas músicas tocadas e que fazem sucesso. Nelas, a mulher é reduzida ao seu órgão sexual e o homem sempre mantém sua masculinidade intacta, tendo como seu maior desafio, demonstrar toda a sua virilidade, enquanto a mulher se mantém passiva, aceitando essa subordinação[footnoteRef:99] [98: Ibidem.] [99: BRILHANTE et al., 2019. ] 
2.4.2	Mulheres
	Ferreira et al.[footnoteRef:100] esclarece que as vítimas de estupro são principalmente as mulheres. Lucena[footnoteRef:101] confirma a assertiva e complementa, afirmando que, essas mulheres podem ser maiores ou menores de idade, sempre estando com maior suscetibilidade para sofrerem algum tipo de violência sexual. Os resquícios do patriarcado machista ainda é muito presente e isso possibilita ao homem se sentir o soberano, ao qual as mulheres devem satisfazer, mesmo sem querer. [100: Op cit.] [101: LUCENA, Bruno Dias de. Violência sexual: revitimização no âmbito policial. 2019.] 
2.4.3	Crianças
	A Lei considera vulnerável aquele menor de 14 anos, a pessoa doente ou mentalmente debilitada ou em qualquer outra situação que a impossibilite de se defender contra o ataque violento de seu agressor[footnoteRef:102]. De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania[footnoteRef:103], das 7.747 denúncias de estupro ocorridas nos primeiros 5 meses de 2022, 5.881 casos referiam-se a crianças e adolescentes, totalizando quase 79% do total. Mesmo que não haja a conjunção carnal, muitas dessas crianças sofrem dos atos libidinosos como toques íntimos, masturbação, sexo oral e/ou anal, entre outros. Soares[footnoteRef:104] esboça que, [102: IRIBURI JÚNIOR, Hamilton da Cunha; XAVIER, Gustavo Silva. Questões controvertidas do crime de estupro: reflexões críticas acerca da vulnerabilidade da vítima. 2020.] [103: BRASIL. Crianças e adolescentes são 79% das vítimas em denúncias de estupro registradas no Disque 100. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. 2022.] [104: SOARES, Letiére de Almeida. Crimes sexuais dentro da família e suas consequências. 2021, p.14.] 
A maior parte dos abusos praticados contra a criança e adolescente ocorre dentro de sua própria residência, podendo perdurar durante anos, por não ter a vítima atingida à formação psicológica devido a pouca idade, de tal forma que não consegue discernir a situação a que está sendo submetida, podendo perceber que há algo de errado, mas não entende claramente a condição. 
	Platt et al.[footnoteRef:105] traz alguns fatos sobre a violência sexual contra crianças. Segundo os autores, meninas entre 10 e 15 anos são as maiores vítimas; os meninos, com idade entre 2 e 6 anos também sofrem abusos, mas o número é menor, contudo, é com os meninos que o abuso é mais recorrente. Cerca de 66,5% dos agressores eram pessoas conhecidas pelas vítimas e em muitos dos casos, acarretou gravidez. [105: PLATT, Vanessa Borges; et al. Violência sexual contra crianças: autores, vítimas e consequências. Ciênc. saúde colet. 2018. ] 
2.4.4	Portadores de deficiência
	A Lei nº 13.146 de 6 de julho de 2015 delibera acerca do estupro de vulnerável na pessoa do portador de deficiência. Contudo em seu artigo 6°, lê-se:
A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: 
I – casar-se e constituir união estável; 
II – exercer direitos sexuais e reprodutivos; 
III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; 
IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; 
V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e 
VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas[footnoteRef:106]. [106: BRASIL. Lei 13.146 de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). ] 
	Immig[footnoteRef:107] expressa que, mesmo quando a legislação vigente entende que a pessoa com deficiência tem o direito de exercer sua cidadania como qualquer outro cidadão brasileiro, podendo inclusive desfrutar do casamento e das relações sexuais, caso haja uma situação de estupro ou ato libidinoso, precisa ser confirmado se ele conseguiu discernir o ato. Para isso, é necessário laudo pericial que tipifique se houve ou não vulnerabilidade por parte dele. [107: IMMIG, Emanoelle. Estatuto da pessoa com deficiência x estupro de vulnerável. Núcleo de Pesquisa e Extensão do Curso de Direito – NUPEDIR XI Mostra de Iniciação Científica (MIC-DIR). 2018. ] 
	Figueiredo et al.[footnoteRef:108] apresenta a deficiência intelectual em seus quatro níveis, que levam em consideração os testes de quociente de inteligência ou QI e a capacidade funcional do indivíduo. Os níveis são: retardo mental leve, retardo mental moderado, retardo mental grave e retardo mental profundo. Dessa feita, os indivíduos com deficiência intelectual não tem o devido discernimento acerca da prática de atos sexuais, portanto, em caso de serem abusados sexualmente, é caracterizado como estupro de vulnerável. Assim sendo, serão realizados todos os procedimentos concernentes, buscado punir aqueles que, conhecendo o perfil vulnerável da vítima, utilizaram de má-fé para agirem contra ela[footnoteRef:109]. [108: FIGUEIREDO, Carla Pedrosa de; et al. Direito, economia e sociedade. 2022.] [109: IMMIG, op cit.] 
2.5	DANOS CAUSADOS PELA CULTURA DO ESTUPRO
	De acordo com Ferreira et al.[footnoteRef:110], as mulheres sofrem vários impactos em sua vida quando sofrem abuso sexual. Sua sexualidade é afetada, contudo, algumas tendem a apresentar problemas psicológicos como depressão, impulsividade, ansiedade, alterações de humor e sono, distúrbios alimentares, entre outros. Conforme Abdulali[footnoteRef:111], após um estupro, a vítima geralmente apresenta as seguintes reações: distúrbio depressivo significativo; culpa e vergonha; raiva; dificuldades em se socializar; abuso de álcool e drogas; problemas sexuais. Lucena[footnoteRef:112] explica que, as [110: FERREIRA et al. (2023).] [111: ABDULALI, 2019.] [112: LUCENA, 2019 p. 12.] 
Vítimas de crimes sexuais, mais precisamente o estupro, são capazes de desencadear transtornos de estresse pós-traumático, com sequelas irreversíveis em longo prazo para as vítimas, além de ocasionarem severas reações emocionais, como medo, raiva e alteração em seu estilo de vida.
	Além do crime sexual propriamente dito, a vítima precisa passar por vários processos, após ser feita a denúncia, para coleta de provas materiais contra o agressor. Os exames sexuais por exemplo, apesar de serem importantes, são desconfortáveis e invasivos para a vítima que já está abalada física e emocionalmente. São exames que violam ainda mais a dignidade da pessoa, reforçando na vítima o trauma sofrido[footnoteRef:113]. [113: PLATT et al., 2018.] 
	Platt et al.[footnoteRef:114] aborda outros sinais a serem observados pelos pais. As crianças apresentam algumas características físicas que podem denotar violência sexual. Lesões na genitália ou na boca, doenças sexualmente transmissíveis, fissuras ou flacidez no ânus, infecções urinárias repetidas, sangramento vaginal ou anal, hímen rompidoe outros, são sinais de alerta. Além disso, demonstrar atitudes sexuais não condizentes com sua idade, queda no rendimento escolar, mudanças no comportamento, alterações no sono, etc., também podem ocorrer. [114: Ibidem.] 
	Uma das principais consequências da violência sexual é o Transtorno de Estresse Pós-Traumático – TEPT. De acordo com o DSM-V[footnoteRef:115], [115: DSM-V (2014 p.274)] 
Os eventos traumáticos (…) sofridos diretamente incluem, mas não se limitam a, (…) ameaça ou ocorrência real de agressão física (ataque físico, assalto, furto, abuso físico infantil), ameaça ou ocorrência real de violência sexual (p. ex., penetração sexual forçada, penetração sexual facilitada por álcool/droga, contato sexual abusivo, abuso sexual sem contato, tráfico sexual), sequestro, (…). Para crianças, eventos sexualmente violentos podem incluir experiências sexuais inapropriadas em termos do estágio de desenvolvimento sem violência física ou lesão.
As lembranças intrusivas no TEPT são distintas das ruminações depressivas no sentido de que só se aplicam a recordações angustiantes involuntárias e intrusivas. A ênfase é nas lembranças recorrentes do evento, as quais normalmente incluem componentes comportamentais sensoriais, emocionais ou fisiológicos. Um sintoma comum de revivência são sonhos angustiantes que repetem o evento em si ou são representativos ou relacionados tematicamente às ameaças principais envolvidas no evento traumático (...). A pessoa pode sofrer estados dissociativos que duram desde alguns segundos até várias horas ou até mesmo dias, durante os quais aspectos do evento são revividos e a pessoa se comporta como se o evento estivesse ocorrendo naquele momento (…). Esses eventos ocorrem em um continuum desde intrusões visuais ou sensoriais breves de parte do evento traumático sem perda de senso de realidade até a perda total de percepção do ambiente ao redor. Esses episódios, conhecidos como flashbacks, são geralmente breves, mas podem estar associados a sofrimento prolongado e excitação elevada. No caso de crianças pequenas, a reencenação de eventos relacionados ao trauma pode aparecer na brincadeira ou em estados dissociativos. Frequentemente ocorre sofrimento psicológico intenso (…).
	
	Zorzetto[footnoteRef:116] apresenta algumas informações importantes para o entendimento do que ocorre na mente de uma pessoa ao sofrer uma grave ameaça. [116: ZORZETTO, 2022 p. 20.] 
A mente, diante de uma ameaça de morte, entra em um estado quase onírico que altera a percepção da realidade, como se estivesse vivendo um sonho ou pesadelo, e, algumas vezes, apaga da memória trechos do ocorrido. Segundo artigo publicado em julho no Journal of Interpersonal Violence, aquelas que sofreram dissociação manifestaram depois quadros mais graves de Tept.
(…)
Em situações nas quais a morte parece inevitável, uma pequena região do cérebro chamada amígdala, responsável por coordenar as reações de medo, dispara sinais químicos que acionam outras áreas cerebrais e tecidos e levam à paralisia dos músculos. 
	
	Por causa dessas condições, muitas mulheres se sentem culpadas ou envergonhadas em ter que relatar às autoridades e prestar queixa de uma violência sexual. Muitas vezes, essas mulheres não são bem compreendidas, pois os que as atendem tem a impressao equivocada de que, se não reagiram à violência é porque estavam gostando ou consentiram. Essas pessoas nem de longe se apercebem de que essas mulheres não tinham controle algum sobre as reações de defesa de seu corpo[footnoteRef:117]. [117: ZORZETTO, 2022.] 
	A prevalência do TEPT é maior entre as mulheres. Boa parte do risco ser maior entre o gênero feminino se dá devido às mulheres terem maior probabilidade se estarem expostas a eventos traumáticos e o estupro é uma delas. O abuso infantil é um evento traumático de grande proporção, trazendo grande risco de suicídio para um indivíduo. Ideias e tentativas de suicídio associados a presença do TEPT se tornam indicadores de que a pessoa possa mesmo elaborar um plano e tentar o suicídio[footnoteRef:118]. Zorzetto[footnoteRef:119] explica que, [118: DSM-V, 2014.] [119: ZORZETTO, 2022 p. 17.] 
Uma diferença é que quase sempre as vítimas da violência sexual também apresentam um quadro de depressão, que não seria uma segunda doença (comorbidade), mas parte desse tipo específico de Tept. Outra é que desenvolvem uma inflamação leve e duradoura, que pode acelerar o envelhecimento do organismo, sugerido pelo desgaste dos telômeros (estruturas responsáveis por dar estabilidade ao DNA), que funcionam como marcador de envelhecimento das células. Oitenta e seis mulheres e 31 adolescentes que desenvolveram estresse pós-traumático em decorrência de estupro aceitaram participar do estudo do Prove, um dos raros no mundo a ser realizado apenas com vítimas dessa forma de violência sexual.
	
	Tanizaka et al.[footnoteRef:120] traz à tona os riscos à infância que o abuso sexual acarreta. Além das condições físicas já apresentadas, existem também os sintomas sexuais e emocionais que permearão a vida deles. Esses problemas são ainda maiores quando ocorrem dentro da sua própria família. Além das dores causadas pelo crime, a confiança existente é quebrada, tirando da criança a ideia de que sua família pode proporcionar segurança, proteção e acolhimento. Ter em seu corpo e mente infantis a paixão e sexualidade existentes em um adulto traz consequências ruins ao psicológico desta criança e, ela acaba atingindo uma maturidade precoce e que só acarretarão ainda mais traumas. [120: TANIZAKA, Hugo; et al. Consequências psicossomáticas do abuso sexual infantil: preocupações em saúde. Revista Saúde. 2022.] 
	 Zorzetto[footnoteRef:121] explica: [121: ZORZETTO, 2022 p. 18.] 
Eventos estressantes, causados por um perigo real ou presumido, ativam uma cascata de hormônios – entre eles o ACTH e o cortisol – que aumenta a disponibilidade de energia e prepara o corpo para lutar ou fugir. Passada a ameaça, o cérebro inibe a produção de cortisol. No Tept, esse sistema fica desregulado e o cérebro se torna hipersensível ao cortisol, mantendo-se alerta mesmo com baixos níveis do hormônio no sangue. (…) porém, [ocorreu] o oposto no organismo das mulheres que sofreram estupro: o cérebro perdeu sensibilidade ao cortisol. Como resultado, elas tinham níveis mais elevados desse hormônio, que continuaram altos um ano depois de terem iniciado tratamento com antidepressivos e/ou psicoterapia e melhorado bastante dos sintomas, (…). Esse padrão de desequilíbrio hormonal e a frequência alta de depressão reforçam a hipótese surgida nos últimos anos de que o transtorno do humor seria típico do Tept causado pela agressão sexual, e não uma doença à parte, que pode ocorrer simultaneamente. 
	
	Outros sintomas surgem de maneira gradativa e a longo prazo, como dores abdominais, dores nos ossos, transtornos alimentares, dependência química, alterações físicas, e, em alguns casos, chegando até mesmo ao suicídio[footnoteRef:122]. [122: TANIZAKA et al., 2022.] 
	Ainda existe outra situação preocupante, que é a das vítimas que não contam sobre o abuso sofrido. Araújo[footnoteRef:123] expõe que, nesses casos, a pessoa vive com a sensação de ser impotente, de não ter sido feito justiça. Além disso, tem a sensação de ter um segredo guardado, algo pesado e que lhe tira a tranquilidade e a paz, que lhe persegue por toda a vida. Muitos adultos, que foram abusados na infância, vivem e revivem seus traumas, seja por meio de dor, de lágrimas, de revolta ou até mesmo com baixa autoestima, problemas com peso, ideações suicidas, depressão, automutilação, entre outros. [123: ARAÚJO, Ana Paula. Abuso: a cultura do estupro no Brasil. 2020.] 
	Vulnerável é uma das vítimas em potencial do crime de estupro. Quando sofrem um ato sexual violento, as consequências psicológicas causadas são inimagináveis. Existem crianças que não contam sobre o ocorrido para seus pais. Isso acontece, em muitos casos, por causa das ameaças sofridas como, de matar seus pais ou de fazer o mesmo com outro

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