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FACULDADE DE DIRETO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO CAROLINE RODRIGUES PEREIRA – 18659 AVALIAÇÃO 2 TÓPICOS AVANÇADOS DE DIREITO DO TRABALHO Prof. Gilberto Carlos Maistro Junior SÃO BERNARDO DO CAMPO – SP 2020 Sumário 1. Quarta Revolução Industrial ............................................................................................................ 1 2. Gig Economy ................................................................................................................................... 6 2.1 Uberização ..................................................................................................................................... 8 3. Flexisegurança ............................................................................................................................... 12 4. COVID-19 ...................................................................................................................................... 15 5. Considerações Finais...................................................................................................................... 18 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................. 20 1 1. Quarta Revolução Industrial O homem, como ser pensante e inquieto, sempre esteve em transformação. Através de sua racionalidade foi capaz de controlar e moldar, a seu favor, todo o ambiente que o circundava. Ao longo da evolução de sua compreensão da natureza e da forma como se relacionava com a mesma, foi se adequando e desenvolvendo conforme às necessidades se apresentavam. Não é o escopo do presente excerto discorrer sobre o desenvolvimento histórico do homem e sua relação com o trabalho ao longo dos séculos. Entretanto, é preciso ressaltar que este sempre esteve em busca de evoluir e aperfeiçoar suas técnicas para benefício próprio (seja no aspecto individual ou coletivo, isto é, de sua espécie). Fruto desta inquietação, muitas vezes advinda, inclusive, da necessidade de sobrevivência em um meio hostil, o homem construiu e aprimorou ferramentas de trabalho para facilitar e otimizar seus esforços. Entretanto, nem sempre o avanço foi sinônimo de vantagens e benefícios, principalmente quanto à sua influência no labor. Desde a primeira Revolução Industrial, o trabalho humano vem sofrendo constantes modificações e perdendo lugar para a força mecânica e a automação latente dos processos. Isso aumentou os índices de desemprego estrutural1 e, consequentemente, gerou contingentes de mão de obra desqualificada e ociosa, que dificilmente será reinserida no mercado de trabalho. Se observamos o Brasil, a despeito da enorme massa de desempregados, encontramos as mais diversas formas de trabalho: aquele em condições análogas às de escravo, o trabalho proibido, infantil, autônomo, intelectual e, além disso, encontramos as novas formas de prestação de serviços, através de plataformas digitais, como Uber, iFood e Loggi. Fato é que o Brasil se depara com uma economia informal que dá margem para a existência e aceitação de contratos de trabalho que suprimem direitos assegurados pela Constituição Federal e pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Isso, além de precarizar o mercado de trabalho, gera intensificação da desigualdade e polarização social e econômica já acentuadas no país. Diante de um cenário de constantes inovações tecnológicas que reivindicam mudanças de atuação profissional e de estruturação do labor, uma vez que a prestação de serviços pautada em um contrato de trabalho ao qual tipicamente se atrelam os requisitos do vínculo empregatício2 vem 1[desemprego estrutural] decorre da própria estrutura econômica, verificando-se permanentemente e de forma generalizada nos países industrializados [13]. 2 Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário – CLT. 2 sofrendo profundas modificações, é preciso que o Direito (e o mundo) do Trabalho se reinvente em prol de atingir as novas configurações sociais e, efetivamente, regulamentá-las. A Quarta Revolução Industrial trouxe, como grande inovação, a fusão do mundo físico e digital; a exemplo da internet das coisas (IOT), robótica, blockchain, a impressão em 3 dimensões (3D) e a inteligência artificial. Como consequência do investimento nestas tecnologias há uma grande diminuição nos custos de produção, entre os quais a mão de obra humana, facilmente substituível. A Comissão Global do Futuro do Trabalho3 traz em seu relatório de 2019 a necessidade de que aqueles que vierem a perder seus empregos devem, ao menos, receber o preparo adequado para serem alocados em novos postos de trabalho. Isto é, novas habilidades serão necessárias para o trabalhador que deseja permanecer no mercado, as quais precisam ser devidamente lecionadas. Por conta do grande mercado informal existente no Brasil, para que seja possível a valorização dos trabalhadores e a sua reinserção no mercado, ainda de acordo com a referida Comissão, é preciso que o governo estabeleça fundos de educação e treinamento nacionais e setoriais com foco em habilidades vocacionais.4 O Fórum Econômico Mundial de 2018 defende o surgimento de novas ocupações decorrentes do desenvolvimento tecnológico, as quais seriam suficientes para abrigar os futuros desempregados. Logo após, trata da grande dificuldade a ser enfrentada na transição de milhões de trabalhadores e da necessidade de se investir em um grande aporte de ágeis aprendizes e profissionais qualificados a nível global5. Nos parece demasiada utopista a ideia de que todos os trabalhadores poderiam desenvolver novas competências e que haveriam vagas disponíveis para todos os futuros desempregados se realocarem no mercado. Ainda, a despeito do elevado nível de desemprego, haveria uma intensificação da desigualdade e da polarização do mercado de trabalho, o que aumentaria o número de subempregos. As demandas do mercado por novas competências farão com que algumas profissões desapareçam nos próximos anos, principalmente aquelas que lidam com tarefas de rotina e que exigem menor preparo profissional, uma vez que estas atividades são facilmente substituídas por sistemas inteligentes. Atualmente, estas vagas são preenchidas por classes sociais menos favorecidas e que 3 Work for a brighter future – Global Commission on the Future of Work, 2019 – P. 18 4 _______ “In countries where most workers work informally, we recommend establishing national or sectoral education and training funds. Managed by tripartite boards, these institutions would provide workers access to education and training, with a special focus on vocational skills”. P. 31 5 Our analysis finds that increased demand for new roles will offset the decreasing demand for others. However, these net gains are not a foregone conclusion. They entail difficult transitions for millions of workers and the need for proactive investment in developing a new surge of agile learners and skilled talent globally” - The Future of Jobs - P. v 3 não terão as mesmas oportunidades de se reestruturar e alcançar educação e especialização da forma como as classes privilegiadas o farão. “Ao passo que a performance dos trabalhadores se tornará mais variada, independente, criativa e, no caso da maior parte das experiências positivas, permitirá a conjugação da vida privada e de seus trabalhos, há um risco representado pelo aumento da já existente polarização do mercado de trabalho. Como consequência, a parte menos organizada e treinada da força de trabalho parece destinada ao confinamento nas áreas de trabalhos repetitivos e mal remunerados, convivendo com a ameaça de serem substituídos por robôs capazes de realizaressas atividades de forma menos onerosa”6. (tradução livre) Essa polarização acarreta um tratamento distinto entre categorias de trabalhadores. Destacam-se, neste contexto, as figuras que atuarão no trabalho central desenvolvido pelas fábricas inteligentes, operando as novas tecnologias, a exemplo dos técnicos de informática, programadores e engenheiros. Serão cada vez mais necessárias as atividades que estejam conectadas ao mundo digital e à criação, operação, elaboração e manutenção de robôs: “A categoria mais alta é aquela de pessoas envolvidas com o cerne do trabalho desenvolvido nas indústrias inteligentes. Faz-se uma referência a este grupo, formado por empregados autônomos, que trabalham em grupos, com horário flexibilizado e condições de trabalho personalizadas. Referente a esta categoria, é preciso analisar os impactos das negociações coletivas: a crescente customização das relações entre empregado e empregador podem, na realidade, reduzir as áreas amparadas pelo tratamento uniforme dispensado principalmente pelos acordos coletivos e abrir caminhos para um cenário no qual os contratos individuais de trabalho se tornarão ferramentas privilegiadas para controlar as relações de trabalho”7. (tradução livre) Destacamos aqui as mutações nos contratos de trabalho, os quais vêm se tornando cada vez mais flexíveis. Tendem a prevalecer as negociações individuais entre empregado e empregador, determinando jornadas e condições de trabalho; o que enfraquece as negociações coletivas. 6 “By the side to a work performance becoming more various, independent, creative and, in case of most positive experiences, permitting to well conjugate private and working life, there is the risk represented by an increase of the already ongoing polarization of the labor market. As a consequence, less organized and trained part of workforce appears as destined to be confined in the area of routinely and not well-paid jobs, with the menace to be replaced by robots able to realize their performance in a less expensive way”. [1] (P. 31) 7 “The higher category is one of the people involved in the core business of the smart factories. Reference is made to the group, made of “autonomized” employees, used to work in a team, with flexible working time and personalized working conditions. With reference to this category, is worth to Analyze the impact of collective bargaining: the increasing customization of the relationships between workers and employers could, indeed, reduce the area covered by uniform treatments identified primarily by national collective agreements, and open the way to a scenario where the individual labor agreement becomes the privileged tool to manage the labor relationship” [1] (P. 33) 4 Em análise às habilidades necessárias para o trabalho do futuro, o relatório do Fórum Econômico Mundial traz mudanças na ordem de prioridade das competências de 2015 para 2020 e introduz outras aptidões como a empatia, inteligência emocional e a flexibilidade cognitiva. É evidente que as máquinas substituirão o homem em diversas tarefas. Entretanto, estas ainda não desenvolveram a capacidade de usar criatividade na tomada de decisões, para o enfretamento de resoluções de problemas complexos ou, ainda, para gerir pessoas; habilidades estas que serão necessárias para a permanência do trabalhador no mercado e que precisam ser desenvolvidas. A Comissão Global do Futuro do Trabalho8 sugere a criação de uma agenda para o futuro do trabalho, cujo foco é o ser humano. Através desta, haveriam investimentos nas habilidades do ser humano para desenvolver ou reaprender competências, nas instituições empregadoras para garantir um trabalho livre, digno e pautado na segurança e igualdade econômica e, por fim, no trabalho sustentável e na elaboração de regras e incentivos com o fim de alinhar políticas sociais e trabalho: “Através do aproveitamento das transformações tecnológicas, das oportunidades demográficas e da economia ecológica, estes investimentos podem tornar-se em poderosos motores para alcançar a equidade e a sustentabilidade para as presentes e futuras gerações”. 9 (tradução livre) 8 Work for a brighter future – Global Commission on the Future of Work, 2019 – P. 24 9 ________ “By harnessing transformative technologies, demographic opportunities and the green economy, these investments can be powerful drivers of equity and sustainability for the present and future generations” 5 O Brasil instituiu a Agenda Brasileira para a Indústria 4.010 com o fim de enfrentar os desafios da economia brasileira e melhorar sua posição no cenário internacional, visando a transformação da indústria atual em 4.0. Tal iniciativa nos abre os olhos para a necessidade de elaboração de projetos de proteção jurídica e agenda do trabalho decente, ante a iminente dinamização do mercado de trabalho e a necessidade de preparar a mão de obra humana para novas funções. De acordo com a Comissão Global do Futuro do Trabalho11 é fundamental que se busque a proteção e revigoração do contrato social, o qual reflete o entendimento comum de que os trabalhadores, em retorno à contribuição e aos investimentos dispensados no crescimento e prosperidade, certamente compartilharão deste progresso e terão seus direitos respeitados. Os caminhos a serem trilhados devem contar com a participação do governo e organizações de empregados e empregadores, de forma a colocar as pessoas e os trabalhos que estas realizam no centro da economia, das políticas sociais e das práticas empresariais. Para alcançar estes objetivos muito trabalho será necessário, inclusive para as gerações futuras. É preciso que os países estabeleçam estratégias para o futuro do trabalho, aproveitando instituições já existentes, ou desenvolvendo novas, para estabelecer diálogo social, o qual, se realizado de forma inclusiva, alcançará diversas realidades de empresas, ambientes de trabalho, comunidades locais e, ainda, poderá absorver as dimensões internacionais dos debates e as vantagem do intercâmbio de ideias. Além da demanda pelo diálogo e pela educação, será preciso a formação de uma nova rede de segurança social com a busca pela implementação e expansão do trabalho decente em escala global, alicerçada à capacidade das instituições se renovaram a todo o tempo, resguardando seus principais valores e objetivos, no que tange aos limites intransponíveis do trabalho digno. Ainda, novas formas de prestação de serviços, como aquelas viabilizadas pelas plataformas digitais, devem ser consideradas como contribuintes de um modelo de proteção social, ainda que não se enquadrem nos moldes da CLT. Outrossim, nos deparamos com a flexibilização dos contratos de trabalho, o que não implica no afrouxamento do direito protecionista, mas na modificação da forma como as relações de trabalho são encaradas. Passamos a tratar, portanto, destas novas formas de prestação de serviços. 10 http://www.industria40.gov.br/ 11 Work for a brighter future – Global Commission on the Future of Work, 2019 – P. 10-11, 54-55. 6 2. Gig Economy Como consequência da robotização e da digitalização, houve uma rearranjo das relações de emprego. A tecnologia tem sido cada vez mais usada como forma de intermediação à distância entre as empresas e os trabalhadores. As chamadas plataformas mediadoras de trabalho estão em alta, uma vez que permitem o desenvolvimento de atividades por meio telemático sem a existência de um contrato de emprego. A flexibilidade tem sido um fator presente nas novas formas de relacionamento e trabalho humano. Entre elas, está a chamada gig economy, que envolve a prestação de trabalho temporário e, a princípio, sem vínculo empregatício, através das plataformas digitais. Estas propiciam oportunidades de trabalho de qualquer local, tempo e de forma que o trabalhador possa escolher as demandas que melhorse encaixem no seu perfil. A gig economy gera a prestação de serviços por demanda através de duas espécies de plataformas ligadas aos: crowdwork e work on-demand via apps. A primeira diz respeito a trabalhos que implicam a realização de tarefas através destas plataformas. Já a segunda trata de uma forma de trabalho na qual a execução de tarefas tradicionais passam a ser intermediadas por apps de organizações que colocam em contato cliente e trabalhador, sendo regida pela oferta e demanda. No caso das tarefas realizadas através das plataformas de crowdwork há uma grande gama de serviços demandados que podem, ou não, envolver a necessidade de grande aptidão. Existem tarefas que “não demandam grande qualificação do trabalhador, sendo monótonas e repetitivas, porém, inexequíveis por computadores ou sistemas automatizados”12, o que nos faz retomar a ideia da polarização do mercado de trabalho. Ademais, são inerentes às novas formas de trabalho a existência de riscos para o trabalhador, concernentes a questões salariais, sociais e outros benefícios; razão pela qual se faz necessário entender as motivações que os levam a aceitar este tipo de trabalho e quais as consequência ao fazê- lo, a curto e longo prazo. A caracterização dos trabalhadores como autônomos neste contexto é quase que automática, o que nem sempre traduz a realidade e dificulta o acesso aos seus direitos. Ao questionarmos quem são os crowdworkers, segundo estudos da OIT13, teremos o seguinte cenário: residentes urbanos, predominantemente homens (dois em cada três trabalhadores)14 com 12 BARBOSA JUNIOR, Francisco de Assis. Gig economy e contrato de emprego: aplicabilidade da legislação trabalhista aos vínculos de trabalho da nova economia. São Paulo: LTr, 2019. P. 29-30 13 INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Digital labour platforms and the future of work Towards decent work in the online world. International Labour Office – Geneva: ILO. P. 31- 45 14 ___________ P. 33 7 idade média em torno de 28 anos nos países em desenvolvimento, enquanto nos países desenvolvidos é de 35 anos e com um bom nível de educação – somente 18% tendo diploma de ensino médio ou menos. Para 32% dos trabalhadores em 2017, a razão principal pela qual realizavam atividades através da crowdwork é porque precisavam complementar suas rendas de outras ocupações. Para 22% a razão era a preferência por trabalhar em casa. Além disso, 22% dos trabalhadores latino americanos admitem melhores pagamentos através das plataformas do que outros serviços disponíveis. Muitos, ainda, ressaltam a vantagem de estarem em casa para cuidarem de crianças, idosos, deficientes etc. Apesar dos proveitos aparentes quanto a flexibilidade e a possibilidade de realizar os serviços de casa, outros pontos negativos são levantados pelos crowdworkers, a exemplo da irregularidade dos trabalhos, a natureza das tarefas, as rejeições e a falta de capacidade de resposta das plataformas15. Infelizmente, também é comum que as tomadoras de serviços disponibilizem termos de uso esclarecendo que não há vínculo de emprego e nem direitos a quaisquer benefícios referentes a este. Estas práticas visam remover a responsabilização das plataformas quanto ao cumprimento e manutenção das normas protecionistas do direito do trabalho. Um levantamento da OIT demonstrou que o nível da cobertura protecionista é inversamente proporcional ao nível de dependência dos trabalhadores com as plataformas, isto é, quanto mais dependentes (a exemplo daqueles que tem no crowdwork sua fonte principal de renda), mais tendem a estar desamparados. Outro ponto criticado é a questão da indisponibilidade de serviço de forma recorrente, o que gera impactos no trabalho regular e, consequentemente, na renda. Há, ainda, relatos dos trabalhadores de que há uma grande discriminação com os países em desenvolvimento, uma vez que muitas tarefas, principalmente as que são mais bem remuneradas, são direcionadas aos países desenvolvidos, como os Estados Unidos e os primeiros ficam com menos demandas disponíveis. Além disto, os trabalhos podem ser rejeitados pela empresa, além de não serem remunerados; sendo que as razões da rejeição ou nunca chegam ao seu conhecimento destes trabalhadores, ou são imprecisas. Isto afeta o trabalhador ao diminuir suas chances de obter novas tarefas ou ainda, ao ser desativado da plataforma após um determinado número de rejeições, muitas destas ocorrendo, principalmente, por falta de instruções. Uma vez que não há um mecanismo para esclarecer os motivos da rejeição, muitas são feitas de forma injusta pelas tomadoras. Isto também se deve ao fato de que há um déficit na comunicação entre os trabalhadores, as requerentes e as plataformas; razão pela qual os obreiros têm dificuldades 15 INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Digital labour platforms and the future of work Towards decent work in the online world. International Labour Office – Geneva: ILO. P. 45 8 de tirar suas dúvidas e resolver problemas que aparecem, muitas vezes nem mesmo tendo ciência da existência de fóruns e grupos online dos quais podem receber ajuda. No work on-demand via apps, trabalhos classificados como comuns e que possam ser executados fora do mundo digital são oferecidos através de aplicativos. Estes determinam um padrão mínimo de qualidade, além de selecionarem e administrarem os trabalhadores. Ocorre que, por conta da execução destas atividades estar restrita à uma certa localidade, as opções e demandas de trabalho caem drasticamente em comparação ao crowdwork. Ademais, o work on-demand via apps traz uma grande variedade de atividades que podem ser demandadas, a exemplo de transporte, reparações, limpeza e serviços domésticos variados, e, inclusive, serviços administrativos, entre outros. Apesar das diferenças entre as duas formas de trabalho apresentadas, algumas ambas proporcionam, a possibilidade de que os trabalhadores realizem essas tarefas graças ao uso da Internet. A despeito dos inconvenientes relatados a gig economy tem sido uma solução eficiente para a criação de trabalho nos países em desenvolvimento, ocupados principalmente por aqueles com nível de educação inferior e por desempregados. Este fato, porém, não resolve a necessidade de adaptação do Direito do Trabalho à crescente flexibilização das relações laborais de forma a proteger estes trabalhadores inseridos neste novo contexto de emprego. 2.1 Uberização O fenômeno denominado Uberização está inserido no contexto da gig economy, tratando-se de serviços viabilizados através de plataformas e aplicativos: “A empresa Uber empresta seu nome ao fenômeno por se tratar do arquétipo desse atual modelo firmado na tentativa de autonomização dos contratos de trabalho e na utilização de inovações disruptivas nas formas de produção. [...]. As tecnologias com potencial disruptivo abrem um campo extraordinário de acumulação de capital ao provocarem o naufrágio dos concorrentes que, a partir do estabelecimento de um novo padrão tecnológico provocam a obsolescência dos demais concorrentes. Tais tecnologias estabelecem outra formulação para a extração de valor do trabalho. Avanço tecnológico e otimização do processo de extração de valor são, portanto, duas de suas características importantes, conquanto não únicas”.16 (G.N.) 16 GONÇALVES, Márcio Toledo. Uberização: um estudo de caso — as tecnologias disruptivas como padrão de organização do trabalho no século XXI. Revista LTr, São Paulo, p. 72, mar. 2017. 9 Neste contexto, discute-se a mitigação, ou não, da subordinação. A presença deste requisito é fundamental para que haja vínculo empregatício entre o motorista e o aplicativo. Há uma clara incompatibilidade com os moldes de trabalho trazidos pela CLT uma vez que o motorista não receberia ordens diretas do aplicativo, ao passo que este poderia influenciar suas atividadesatravés de incentivos monetários e restrições, por exemplo. Importante destacar que o trabalhador tem liberdade para estabelecer seus horários, mas deve submeter-se a determinados regramentos que buscam preservar os interesses econômicos da empresa – por exemplo: pode recusar um certo número de corridas e não mais que isso, não pode passar um certo período de tempo sem ligar o aplicativo – sob pena de receber punições da plataforma intermediária entre o consumidor e o prestador de serviços. Ademais, o trabalhador recebe um percentual alto do valor da corrida. Seria inviável, portanto, a presença do vínculo, uma vez que percentual restante não seria suficiente para a empresa pagar os encargos trabalhistas, mas somente para a manutenção de seus serviços. Fundamental, portanto, a relativização ou ampliação do conceito de subordinação com o fim de incluir sob sua proteção estas novas formas de trabalho. Nestes casos em que há dúvidas acerca da presença da subordinação jurídica, a doutrina e a jurisprudência têm enfrentado caminhos interpretativos diversos para analisar a configuração, ou não, do vínculo empregatício. Há decisões que defendem ambas as posições. A princípio citamos a decisão que entende pela ausência do vínculo: "[...] RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Destaque-se, de início, que o reexame do caso não demanda o revolvimento de fatos e provas dos autos, isso porque a transcrição do depoimento pessoal do autor no acórdão recorrido contempla elemento fático hábil ao reconhecimento da confissão quanto à autonomia na prestação de serviços. Com efeito, o reclamante admite expressamente a possibilidade de ficar " off-line", sem delimitação de tempo, circunstância que indica a ausência completa e voluntária da prestação dos serviços em exame, que só ocorre em ambiente virtual. Tal fato traduz, na prática, a ampla flexibilidade do autor em determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender por dia. Tal autodeterminação é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação, elemento no qual se funda a distinção com o trabalho autônomo. [...]" (RR-1000123-89.2017.5.02.0038, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 07/02/2020). (G.N.) 10 Em sentido contrário, algumas decisões têm entendido pela presença da subordinação: “[...] No que respeita ao objetivo empresarial das demandadas, é falacioso o argumento utilizado na medida em que há controle da concretização do serviço de transporte prestado pelo motorista, dito parceiro. Se se tratasse de mera ferramenta eletrônica, por certo as demandadas não sugeririam o preço do serviço de transporte a ser prestado e sobre o valor sugerido estabeleceriam o percentual a si destinado. Também não condicionariam a permanência do motorista às avaliações feitas pelos usuários do serviço de transporte. Simplesmente colocariam a plataforma tecnológica à disposição dos interessados, sem qualquer interferência no resultado do transporte fornecido, e pelo serviço tecnológico oferecido estabeleceriam um preço/valor fixo a ser pago pelo motorista pelo tempo de utilização, por exemplo. [...] É preciso registrar, nesse passo, que a relação existente entre as demandadas e os motoristas que lhes servem não se caracteriza pelo modelo clássico de subordinação.[...]” (TRT-2 10001238920175020038 SP, Relator: BEATRIZ DE LIMA PEREIRA, 15ª Turma - Cadeira 2, Data de Publicação: 16/08/2018)(G.N.) Outras decisões têm surgido quanto a existência de subordinação de trabalhadores que exerçam atividades intermediadas por outras plataformas, por exemplo entregadores de aplicativos como iFood e Rappi: RAPPI BRASIL. SERVIÇO DE ENTREGAS. EXISTÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO ENTRE OPERADORA DA PLATAFORMA E ENTREGADOR. Existe vínculo empregatício entre a operadora da plataforma virtual Rappi e os entregadores. [...] Em relação à subordinação, na economia 4.0, "sob demanda", a subordinação se assenta na estruturação do algoritmo (meio telemático reconhecido como instrumento subordinante, consoante art. 6º, CLT), que sujeita o trabalhador à forma de execução do serviço, especificamente, no caso da Rappi, impondo o tempo de realização da entrega, o preço do serviço, a classificação do entregador, o que repercute na divisão dos pedidos entre os trabalhadores. Presentes os requisitos da relação jurídica empregatícia. Recurso autoral provido. (TRT-2 10009633320195020005 SP, Relator: FRANCISCO FERREIRA JORGE NETO, 14ª Turma - Cadeira 1, Data de Publicação: 05/03/2020) Entretanto, é necessário que pensemos na viabilidade destas funções e por quanto tempo estas terão espeço no mercado de trabalho. Uma vez que a tecnologia se desenvolve a passos largos, logo estaremos diante de aparatos tecnológicos que substituirão também esta mão de obra humana viabilizada pela modernização; por exemplo os carros autônomos e os drones que realizarão entregas. 11 Diversos estudos demonstram que os carros autônomos são muito mais seguros que a direção humana, esta suscetível a erros, distrações e acidentes. Fruto disso é que as próprias plataformas tendem a adotar estas tecnologias: a própria Uber já vem realizado testes com os veículos autônomos17. Mais uma vez é necessário pensar na realocação deste trabalhadores: será o mercado capaz de criar vagas suficientes para absorver o contingente de desempregados? Um exemplo de que os entregadores podem ser facilmente substituídos é a entrega de alimentos que tem sido realizada por carros autônomos durante a pandemia do COVID-19.18 Ainda, cada vez mais próxima a possibilidade de que drones realizem entregas de alimentos e objetos, sendo as operações e voos com drones já regulamentados pela Agência Nacional de Aviação Civil.19 Assim, para evitar a substituição de mão de obra em massa será preciso que iniciativas como do iFood: “A gente não imagina que seja como nos Jetsons, com drones chegando na sua janela. O drone vai funcionar para pegar um pedaço da rota [de entrega]. A gente não vê o drone acabando com isso [entregadores], mas, sim, esse multimodal acontecendo. A gente sempre vai depender de ter as pessoas entregando. O ritmo de crescimento do iFood no mercado de delivery é muito maior do que a tecnologia de drone"20 (CEO, iFood) Ao aliar o uso de tecnologia com a mão de obra humana seria possível a minimização do desemprego, exemplo que deve ser seguido pelas demais plataformas que passarão a buscar a automatização de parte de seus processos em prol de alcançar maior eficiência e melhores resultados. 17 https://summitmobilidade.estadao.com.br/uber-volta-a-testar-carros-autonomos-ate-o-fim-de-2020/ 18 https://summitmobilidade.estadao.com.br/empresas-de-carros-autonomos-entregam-alimentos-durante-pandemia/ 19 https://www.anac.gov.br/assuntos/paginas-tematicas/drones 20 https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2019/09/12/como-o-ifood-quer-usar-drones-no-delivery-de-comida-sem- cortar-entregador.htm 12 3. Flexisegurança O conceito de flexibilização do trabalho está atrelado ao termo “flexisegurança” que une as palavras flexibilização e segurança. Este traduz a tendência surgida na década de 90, originária na vontade dos “[...] empregadores para favorecer uma legislação menos rígida de proteção do emprego, que permitisse flexibilidade suficiente para rapidamente contratar ou demitir trabalhadores ou para fazer um ajustamento interno da organização do trabalho nas suas empresas [...]”21. É exatamente na questão da flexibilização que a flexisegurança age, em prol de gerir e minimizar a insegurança gerada paraos trabalhadores através de medidas externas à empresa (ex.: garantia de rendimentos à desempregados, investimento em políticas ativas de emprego), e medidas internas (ex. garantia de um salário mínimo). Assim, visa assegurar a manutenção dos meios de subsistência dos trabalhadores que podem se deparar com o desemprego com mais facilidade. A flexigurança não promove a flexibilidade exclusivamente em prol de interesse dos empregadores, “[...] sendo a segurança a única contrapartida dada aos trabalhadores. Em vez disso, a flexibilidade na organização do trabalho tem também implicações para os trabalhadores, algumas das quais podem ser consideradas benéficas.”22 Neste contexto algumas categorias profissionais poderiam encarar positivamente a adoção de regimes de trabalho flexíveis, rotação e partilha do trabalho, possibilidade de aderir a um regime a tempo parcial com manutenção de vínculo ou períodos para usufruir de atividades de lazer, com o intuito de estabelecer um equilíbrio entre a vida familiar e os compromissos profissionais, além do investimento do autodesenvolvimento e na realização pessoal. Entretanto, é necessário destacar algumas contrapartidas desta nova tendência de contratos de trabalho flexibilizados. Há que se destacar que o conceito de segurança não diz respeito ao emprego, mas à empregabilidade, que traduz-se em uma forma de adaptação às mudanças; sejam elas de setores ou dentro de um mesmo setor, de trabalho de tempo integral para tempo parcial, entre outras. “[...] ao olhar do pensador atento, a intensa propensão contratual flexibilizatória hoje em voga no mundo do trabalho não pode prescindir de um necessário senso crítico, de maneira a averiguar se essas novas formatações pactuais, mais fluídas e líquidas, estão acompanhadas da correspondente expansão das liberdades reais 21 SULTANA, Ronald G. Flexigurança: implicações para uma orientação ao longo da vida. The European Lifelong Guidance Policy Network (ELGPN) Concept Note No. 1. 2012. P. 3 22 ____________ P. 4 13 desfrutadas pelo ser humano que trabalha, a ponto de se justificar, jurídica e socialmente, o afastamento do imperativo ético-tuitivo que fez irromper o Direito do Trabalho como ramo jurídico preocupado com a tutela da dignidade do vulnerável”23. Assim, imprescindível que façamos indagações acerca destes novos postos de trabalho, suas fontes, formas, regulamentações jurídicas e se estarão em conformidade com os valores e fundamentos trazidos pela Constituição Federal em garantia à Dignidade da Pessoa Humana. Tal realidade já se apresenta no Brasil que, através da Reforma Trabalhista de 2017 trouxe algumas formas de trabalho que admitem maior flexibilidade. A despeito das novas formas de contratação trazidas pela lei 13.467/17, o modelo de trabalho rotineiro, com horário pré-fixado, no qual o trabalhador deve comparecer à empresa para realizar suas atividades e receber seu salário previamente combinado tem se tornado cada vez mais insuficiente e excessivamente formal. Até mesmo a faceta protecionista tem perdido força, principalmente pela prevalência do negociado, prevista nos art. 611-A e 611-B da CLT. De volta aos contratos flexíveis abordados pela Reforma Trabalhista de 2017, algumas formas de trabalho foram introduzidas, como o contrato intermitente, o teletrabalho, o trabalho a tempo parcial, o trabalho do hiperssuficiente e a terceirização (lícita) para todas as atividades. Entretanto, muitos destes contratos apontados, apesar de permitirem um aumento de vagas de trabalho, acarretam uma precarização do trabalho. Nos parece que a forma ideal de combate ao desemprego seria pautada no fortalecimento de garantias sociais que garantissem o pleno emprego de modo a rebater as desigualdades sociais. Porém, ao contrário, observamos o imediatismo e a “singela generalização do subemprego, com ênfase imediata em melhoramentos estatísticos no mundo do trabalho em detrimento da real condição social daqueles que são os mais vulneráveis em delicados contextos socioeconômicos”24. Analisemos a aplicabilidade do instituto da Flexisegurança no Brasil: o nível de escolarização é baixo, a mão de obra é amplamente desqualificada e o sistema de subsídio ao desempregado é limitado a 5 meses. O cenário político é de pouco investimento em políticas ativas e uma atuação ineficaz do Estado nas áreas de saúde, educação e finanças públicas. Isso sem falar na distribuição irregular de renda, que acarreta a imobilidade social. Neste sentido, Jorge Luiz Souto Maior: [...] “flexissegurança” que, para os europeus, significa discutir a possibilidade de trocar o direito de estabilidade no emprego pelo 23 PIRES, Rosemary De Oliveira, MARANHÃO Ney. As novas e desafiantes formas flexíveis de contratação no contexto reducionista tutelar da lei n. 13.467/17. P. 14 24 ____________ P. 20. 14 implemento de uma política pública de seguro-desemprego com prazos bastante longos [...], mas que foi traduzida no Brasil, pelos adeptos da “desregulamentação”, espertamente, como mera intensificação da flexibilização, já que não temos sob o ponto de vista da teoria dominante, a estabilidade no emprego. (MAIOR, 2011, p. 54). Assim, resta claro que para o Brasil alcançar alguma eficácia com a implementação da Flexisegurança da forma como os países Europeus o fizeram, é necessário que invista em medidas de efetivação das garantias sociais – que, apesar de normatizadas, ainda são muito desrespeitadas -, dos direitos dos trabalhadores o do nível educacional da população (qualificação da mão de obra). Caso contrario o país será subsidiário do desemprego e da precarização das condições de trabalho. 15 4. COVID-19 A pandemia da COVID-19 trouxe consigo grandes impactos no direito do trabalho e nas relações contratuais. A Lei 13.979/2020 foi criada com o intuito de regulamentar medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus; entre estas o isolamento social, a quarentena e o entendimento de que são faltas justificadas as ausências dos empregados decorrentes de tais medidas. Diversos segmentos tiveram suas atividades suspensas e aqueles que permaneceram em funcionamento tiveram de adotar medidas de segurança aos empregados a exemplo do fornecimento de máscaras, álcool gel, distanciamento adequado, entre outras. Ademais, algumas medidas provisórias foram criadas com o escopo de regulamentar e direcionar a aplicação de regras específicas para os empregados urbanos, rurais e domésticos. As principais medidas provisórias foram as de nº 927 e nº 936. O legislador claramente preocupou- se com a manutenção do emprego, em detrimento das condições convencionais de labor. Isto é, houve a possibilidade de que os trabalhadores negociassem através de instrumento individual (prevalecendo sobre os instrumentos coletivos) acerca de flexibilizações de salário e jornada, o que foi classificado por muitos como direito do trabalho emergencial. Ademais, algumas questões formais foram flexibilizadas, como o prazo para implementação do regime de teletrabalho e a dispensa da concordância do trabalhador. Outro exemplo é a possibilidade de antecipação de férias individuais (com pagamento diferido até o 5º dia útil do mês subsequente) e a concessão de férias coletivas (esta com flexibilização do prazo de comunicação prévia e períodos mínimos de duração). A MP 936 trouxe, ainda, a hipótese de suspensão do contrato por até 60 dias ou redução de jornada e de salário, proporcionalmente, por até 90 dias e limitada a 70%. Tais alternativas geraram uma grande polêmica entre os defensores do direito do trabalho pela possibilidade de tais ajustes serem feitos mediante acordo individual, uma vez que o art. 7º, VI da CF estabelece o direito a irredutibilidade salaria, exceto pelo estabelecido em convenção ou acordocoletivo. Todas estas medidas têm o objetivo de preservar as empresas e combater o desemprego, conferindo maior autonomia aos contratos e vontades individuais. Há um risco, porém, de que estas exceções, que deveriam cessar ao fim do período de restrições, sejam continuadas. Fato é que o direito do trabalho precisa reinventar-se e repensar seu papel, reflexão que deve ser feita também pelo Estado, como agente garantidor da dignidade da pessoa humana. 16 A COVID-19 intensificou a vulnerabilidade do empregado, distanciando ainda mais a possibilidade de se alcançar paridade de condições entre estes. O trabalhador acaba por submeter-se e condições de trabalho negativas ou, ainda, arriscadas, devido à necessidade de manutenção de sua subsistência. É exatamente neste ponto que entra a necessidade de um Direito capaz de assegurar a limitação da autonomia privada e a proteção dos direitos indisponíveis. Entretanto, em sentido contrário, nos deparamos com um contexto no qual o trabalhador deve desenvolver uma autonomia, correndo o risco de se tornarem descartáveis, subempregados e desempregados: “A partir de uma “trípode destrutiva em relação ao trabalho: a terceirização, a informalidade e a flexibilidade”, o capitalismo, em seu estágio informacional e digital, apresenta tendência de intensificação da precarização e informalidade (inclusive com modelos envolvendo plataformas digitais)”25 Da mesma forma tem se desenvolvido o entendimento do STF, quanto a prevalência dos acordos individuais: “Diante de todo o exposto, esclareço, para afastar quaisquer dúvidas, e sem que tal implique em modificação da decisão embargada, que são válidos e legítimos os acordos individuais celebrados na forma da MP 936/2020, os quais produzem efeitos imediatos, valendo não só no prazo de 10 dias previsto para a comunicação ao sindicato, como também nos prazos estabelecidos no Título VI da Consolidação das Leis do Trabalho, agora reduzidos pela metade pelo art. 17, III, daquele ato presidencial. Ressalvo, contudo, a possibilidade de adesão, por parte do empregado, à convenção ou acordo coletivo posteriormente firmados, os quais prevalecerão sobre os acordos individuais, naquilo que com eles conflitarem, observando-se o princípio da norma mais favorável. Na inércia do sindicato, subsistirão integralmente os acordos individuais tal como pactuados originalmente pelas partes” (STF, ED-MC-ADI 6.363/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 13.04.2020). (G.N) É preciso ter em mente que a base do direito do Trabalho é a desigualdade, o que justifica seu caráter social e a busca pelo respeito à função social do contrato e à boa-fé objetiva. Isto é, no contexto laboral é preciso o reconhecimento e a tutela dos direitos sociais trazidos pela Constituição, com o fim de garantir condições signas de trabalho e de vida. Fundamental, portanto, a atuação dos sindicatos para evitar o retrocesso social e garantir a defesa dos direitos humanos. 25 NOGEIRA, Bernardo Gomes Barbosa, FARIA, Fernanda Nigri. Direito do trabalho em tempos de pandemia de covid-19. P. 239 17 Assim, medidas excepcionais com aquelas adotadas pelo Estado durante o estado de calamidade implicam em risco de perenização destas exceções que representam inversão de valores e a possibilidade de que tantas supressões de direitos conquistados jamais se recuperem. A título ilustrativo do exposto supra citamos o PL 15/2020, que traz a possibilidade de que essas medidas estabelecidas pela MP 936 persistam enquanto durar a calamidade pública. 18 5. Considerações Finais Por tudo que foi tratado no presente artigo, resta claro a necessidade dos operadores do direito e defensores da proteção ao labor, discutirem e entenderem as transformações que vêm ocorrendo no direito trabalho e nas questões contratuais decorrentes do contexto mundial. As inovações tecnológicas têm grande influência no aumento da informalidade das relações de trabalho. Assim passam a prevalecer contratos de prestações de serviços com regramentos flexibilizados. Assim, “a compreensão da relação de trabalho sob o conceito da subordinação estrutural, promovendo a ampliação dos limites do Direito do Trabalho, pode ser um dos meios capazes de enfrentar essa nova dinâmica de proteção ao trabalho humano”.26 É necessário o estabelecimento de um conceito de subordinação que abranja as novas necessidades do trabalho para a manutenção do sistema clássico atualmente previsto na CLT. A imposição da proteção do trabalhador ante a flexibilização dos contratos de emprego e das eminentes mudanças no mercado se baseia no resguardo da dignidade da pessoa humana e na necessidade de assegurar a este melhores condições de vida, principalmente através da concretização dos direitos previstos no art. 7º da Constituição Federal através de instrumentos processais e fiscalização eficientes. O flexibilização da legislação trabalhista através da inserção de formas de trabalho que fogem ao clássico pela Reforma Trabalhista de 2017 já era motivo de incômodo. Sem embargo, a pandemia de COVID-19 contribuiu para a concessão de maior liberdade para o empregador. A despeito do intuito de proteção ao emprego, as medidas provisórias legalizaram a negociação individual dos contratos de trabalho. Tal determinação se mostra preocupante quanto à possibilidade de que não somente tais medidas restritivas se perdurem após a cessação do estado de emergência gerado pelo coronavírus, mas também de que os direitos conquistados concernentes à tutela coletiva sejam definitivamente afetados. É inequívoco o intuito do governo de impulsionar a economia sem dar muita ênfase à proteção das relações de trabalho nesta condição de fragilidade pública decorrente da pandemia. A proteção do mercado e das empresas é sim fundamental, principalmente para a manutenção do emprego. Porém, não basta resguardar o posto de emprego com precarização das condições de trabalho e descarte das medidas sociais garantidoras do emprego digno. Ademais, é inerente ao 26 FERRER, Walkiria Martinez Heinrich, OLIVEIRA, Lourival José de. Uberização do trabalho sob a ótica do conceito de subordinação estrutural. Revista DIREITO UFMS | Campo Grande, MS | v.4 | n.1 | jan./jun. 2018. P. 193 19 aumento da taxa de desemprego o surgimento de trabalhos informais e que não sigam padrões protecionistas mínimos. O avanço da tecnologia tem contribuído para o aumento dos níveis de subemprego e para a polarização do mercado de trabalho. Isto é, aqueles que tem condições de se especializar, se readequar e desenvolver novas habilidades terão mais oportunidades em comparação com aqueles que não terão tais chances e nem mesmo terão condições de concorrer no mercado. Esta parcela de trabalhadores fatalmente aceitará quaisquer condições de trabalho, ainda inferiorizadas. Assim, cada vez se torna mais fácil a inclusão de cláusulas contratuais que flexionem o direito do trabalhador. Não só: a tendência é que os contratos de emprego, com a presença dos requisitos de vínculo e que respeitem os limites constitucionais, sejam substituídos por contratos flexíveis que permitam a desvinculação entre o empregador e o empregado, traduzida pela ausência de ausência de compromissos permanentes entre estes. Essas constantes modificações implicam em um grande desafio para a criação e validação de um sistema normativo que, baseado na responsabilidade social, seja capaz de atualizar o Direito do Trabalho e efetivar mecanismos de proteção adequados sem tirar-lhe o dinamismo. Para isso, o Brasil deverá adotar dispositivos regulatórios compatíveis com as diretrizes da Organização Internacional do Trabalho e que acolham as peculiaridades de todo o território nacional. A despeito da necessidade de mudanças, não se pode afastar o conceito de trabalho decente e a necessidadede uma proteção mínima aos trabalhadores com finalidade de garantia da Dignidade da Pessoa Humana. Será preciso investimento na qualificação da mão de obra humana e em medidas sociais ativas para que, a exemplo da flexisegurança nos países Europeus, o desemprego não seja prejudicial e para que a reinserção no mercado seja facilitada. 20 REFERÊNCIAS AVOGARO, Matteo. The Highest Skilled Workers of Industry 4.0: New Forms of Work Organization for New Professions. A Comparative Study. E-Journal of International and Comparative LABOUR STUDIES. Volume 8, No. 1, January 2019. 2019, ADAPT University Press - ISSN 2280-4056 p. 35/57. Disponível em: < https://moodle.adaptland.it/pluginfile.php/41187/mod_resource/content/0/No.%201%20January.pdf > Acesso em 08 de jun. de 2020. BARBOSA JUNIOR, Francisco de Assis. Gig economy e contrato de emprego: aplicabilidade da legislação trabalhista aos vínculos de trabalho da nova economia. São Paulo: LTr, 2019. BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 que aprova as Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro, 1 de maio de 1943. 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