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1 CURSO DE CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL FAVENI – FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE GESTÃO PÚBLICA ESPÍRITO SANTO 2 SUMÁRIO 1 GESTÃO DEMOCRÁTICA ........................................................................... 6 1.1 Fundamentos e Instrumentos ............................................................ 6 2 DEMOCRACIA ............................................................................................. 9 3 DEMOCRACIA DIRETA E INDIRETA ........................................................ 10 4 POLIARQUIA .............................................................................................. 11 5 CRISE DA BUROCRACIA E RELEGITIMAÇÃO ........................................ 13 6 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ..................................................... 16 7 CONTROVÉRSIAS .................................................................................... 18 7.1 A escolha eleitoral-legal .................................................................. 18 7.2 A limitação da poliarquia ................................................................. 18 7.3 O despreparo do cidadão ................................................................ 19 7.4 A ameaça à governabilidade ........................................................... 19 7.5 O despreparo dos governantes ....................................................... 20 8 O TIPO E O GRAU DE PARTICIPAÇÃO. .................................................. 21 9 FORMAS DE PARTICIPAÇÃO ................................................................... 22 10 NOÇÕES BÁSICAS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA .............................. 27 10.1 Estrutura E Funcionamento Do Serviço Público No Brasil (1.1.5) ... 27 10.2 Organização Político-Administrativa Do BrasiL ............................... 27 10.3 Entidades Componentes ................................................................. 27 11 ORGANIZAÇÃO DOS PODERES DA UNIÃO ............................................ 28 12 CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL ......................... 28 13 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL .................................................... 29 14 SERVIÇO PÚBLICO NO BRASIL ............................................................... 29 14.1 Conceitos: ....................................................................................... 29 14.2 Modos ou naturezas de serviços pelo Estado: ................................ 30 3 15 ESPÉCIES OU CLASSIFICAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS ................. 30 15.1 Segundo as doutrinas, têm: ............................................................ 30 15.2 Quanto à própria natureza (finalidade), podem ser: ........................ 30 15.3 6.3- Quanto ao número de pessoas destinatárias do serviço público: 31 16 COMENTÁRIOS SOBRE ESSAS MODALIDADES: .................................. 31 17 ORIENTAÇÃO OU REGULAMENTAÇÃO E CONTROLE DO SERVIÇO PÚBLICO 32 18 FORMAS: MEIOS E REQUISITOS ........................................................... 33 19 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS: COMPETÊNCIA, FORMA E MODOS 33 19.1 Da competência da prestação ......................................................... 33 20 ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA BRASILEIRA - ADMINISTRAÇÃO DIRETA E INDIRETA ................................................................................................ 34 20.1.1 a) Administração Direta ................................................................ 35 20.1.2 b) Administração Indireta .............................................................. 35 21 DA ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO SERVIÇO PÚBLICO NO BRASIL 35 22 ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA FEDERAL ........ 36 23 . FONTES DA ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA FEDERAL 36 23.1 Constituição Federal ....................................................................... 36 24 ORÇAMENTO PÚBLICO ....................................................................... 37 24.1 Tipos De Orçamento ....................................................................... 37 24.2 Conceitos De Orçamento .............................................................. 37 24.3 Orçamento Público .......................................................................... 38 24.4 Natureza Jurídica Do Orçamento .................................................... 38 24.5 Aspectos Da Natureza Jurídica Do Orçamento ............................... 38 4 24.6 Regime Constitucional Segundo A Natureza Jurídica ..................... 38 25 PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS ......................................................... 39 26 DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS ......................................................... 40 26.1 Do Procedimento Do Projeto De Lei De Diretrizes Orçamentárias (Ldo) 41 26.2 Lei Orçamentária Anual .................................................................. 41 27 PROCESSO ORÇAMENTÁRIO ............................................................ 42 27.1 Porcesso Orçamentário .................................................................. 42 27.2 O processo orçamentário segue a seguinte ordem: ........................ 42 27.3 Elaboração Da Proposta ................................................................. 43 28 PLANO PLURIANUAL, PLANOS E PROGRAMAS NACIONAIS, REGIONAIS E SETORIAIS ................................................................................. 44 29 O ORÇAMENTO - PROGRAMA ............................................................ 45 30 5. LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL .......................................................... 45 30.1 Métodos, Técnicas E Instrumentos Do Orçamento Público ............ 45 30.2 Normas Legais Aplicáveis ............................................................... 46 31 SIDOR e SIAF ....................................................................................... 46 31.1 Significado Das Siglas: ................................................................... 47 31.2 Sistema De Contabilidade Federal - Sicon..................................... 47 31.3 Dos Sistemas - Sidor E Siafi .......................................................... 47 31.4 Caracteristicas Do Siafi ................................................................... 50 31.5 Documentos Utilizados No Siafi ...................................................... 50 31.6 Siafi Como Sistema Gerencial ........................................................ 51 32 RECEITA PÚBLICA ............................................................................... 51 32.1 Conceito De Receita Pública ........................................................... 51 32.2 Receita Pública - Classificação Legal - Fonte .............................. 51 32.3 Receita Pública - Classificação Doutrinária, Alemã E Da Lei Nº 4320/64 52 5 32.4 Previsões E Realizações Da Receita Pública - Estagios ................ 53 32.5 Receitas Provenientes Da Dívida Ativa ........................................... 53 32.6 Da Renuncia E Receita ................................................................... 53 32.7 Codificação Da Receita Orçamentária ............................................ 53 33 DESPESA PÚBLICA ............................................................................. 54 33.1 Conceito .......................................................................................... 54 33.2 Classificação Doutrinária................................................................. 54 33.3 Outras Classificações ..................................................................... 54 33.4 Classificação Legal - Categorias .................................................... 55 33.5 As Despesas Segundo A Lei ........................................................... 56 33.6 Requisitos DaDespesa Pública ...................................................... 56 33.7 Forma De Execução – Estágios ...................................................... 57 34 SUPRIMENTO DE FUNDOS ................................................................. 57 34.1 Conceito (Suprimento De Fundos?). Ou É Regime De Adiantamento? ....................................................................................................... 58 34.2 O Uso Do Suprimento De Fundos ................................................... 58 35 RESTOS A PAGAR ............................................................................... 59 35.1 Conceituação .................................................................................. 59 35.2 Uso Da Conta: Restos A Pagar ..................................................... 59 35.3 Classificação Da Conta: Restos A Pagar ....................................... 59 36 DESPESAS DE EXERCÍCIOS ANTERIORES ...................................... 60 36.1 Reconhecimento Da Despesa Existente No Exercício Anterior ...... 60 36.2 Prescrição Da Dívida De Exercícios Anteriores .............................. 60 37 A CONTA ÚNICA DO TESOURO NACIONAL ...................................... 61 38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ...................................................... 62 6 1 GESTÃO DEMOCRÁTICA 1.1 Fundamentos e Instrumentos 1 A reforma do aparelho do Estado, que tem origem na crise do modelo keynesiano-fordista (Harvey, 1994; Arrighi, 1996), se apresentou ao mundo, via organismos multilaterais, assentada em dois pilares: o gerencialismo e o controle social (Paula, 2004). O gerencialismo tem como essência a ideia de que a burocracia precisa ser substituída pela administração gerencial, entendida esta como uma administração ágil e voltada para a sociedade, a quem os gerencialistas consideram clientes (Bresser, 2002: 19). Trata-se evidentemente de uma simplificação da realidade, uma vez que a burocracia não é um modelo de administração, mas um sistema de dominação. Como um sistema de dominação, a burocracia, sob qualquer modelo de gestão, continua presente. Em outras palavras, não há como a sociedade contemporânea desfazer-se do sistema racional-legal - expressão usada por Weber para designar a burocracia moderna. Significa um sistema cuja racionalidade está definida em leis, normas, regulamentos, regimentos, regras, e não na vontade de uma autoridade tradicional (monarca absolutista, senhor feudal) ou de um líder carismático (Weber, 1964: 735/6). A rigor, este sistema racional-legal, ao contrário de diminuir ou ser substituído, se tem expandido. Há novas e crescentes esferas da vida social (e da vida pessoal) que foram alcançados pela lei e pelo aparato administrativo decorrente da lei, isto é, se burocratizaram. É o caso da esfera ambiental e da família, hoje regidas por leis que não mais permitem a livre degradação do ambiente natural, como não permitem o comportamento familiar desmedido, onde a violência doméstica era respeitada como se o lar não fosse parte do mundo social. O gerencialismo, portanto, não substitui a burocracia, mas empresta a ela um dado tipo de gestão, introduzindo procedimentos que imprimem mais agilidade aos processos. Estes procedimentos são objeto de leis, normas, regulamentos que reburocratizam as práticas da administração pública. É exemplo disto à introdução da 1 Texto publicado na revista Gestão Pública. Belém: Escola de Governo do Estado do Pará, ano 1, nº 2, jun.2008. 7 informática na esfera pública, o que tem proporcionado maior comodidade ao público no acesso a informações, no usufruto de direitos, no cumprimento de deveres e na resolução de problemas em vários setores da administração pública. Tudo isto autorizado por reordenamento jurídico, portanto, tudo isto burocratizado. A segunda simplificação que tem acompanhado o discurso da reforma gerencialista do Estado é a consideração de que o público constitui uma clientela, a exemplo do que ocorre a uma empresa privada e seus clientes. Mas o conceito de cliente tem características que não contemplam o conceito de público, apesar de ambos estarem do ponto de vista funcional “do outro lado do balcão”, como dizia Hélio Beltrão. O público não define o preço pela pressão da sua demanda. O cliente sim. Fosse assim, por exemplo, as linhas de transporte teriam tarifas proporcionais ao número de usuários e as escolas públicas bem-sucedidas cobrariam valor adicional ao imposto pago pela manutenção da educação pública. Ou uma carta simples postada no Pará custaria mais pelo fato de ir para São Paulo, do que ir para o Rio Grande do Sul. A medida do público é o custo do serviço ou do bem, isto é, não deve haver oportunismos de mercado quando um serviço se torna mais demandado. O público frequentemente não tem serviços ou produtos substitutivos dos serviços públicos. Não há universidades, não há segurança pública, não há corpo de bombeiros, não há sistema judicial, não há sistema assistencial ou previdenciário, não há diplomacia públicos substitutivos, com as características da gratuidade e, em certos casos, da segurança e reconhecimento que permitam a opção. Bem que gostaríamos, em alguns momentos, de encontrar um serviço substitutivo para o Senado ou a Câmara dos Deputados, mas efetivamente não há. A verdade é que há serviços que representam o interesse coletivo e não podem ter paralelos, sob o risco de se espalhar a injustiça e a insegurança públicas. Imaginem o que seria a existência de dois Senados ou duas Câmaras de Deputados. Ou duas diplomacias. Ou dois sistemas de segurança pública. O público não pode dispor de vantagens pela capacidade de pagar mais pelo serviço ou bem público. Não há, para o nosso bem, a possibilidade de se pagar mais, legalmente, por uma sentença, desde que lhe seja favorável. Ou para ter acesso a uma universidade pública conceituada. O critério público é o critério do mérito, do merecimento ou da necessidade, não da renda pessoal do cliente. 8 O público é responsável pela administração, porque elege os dirigentes políticos que, por seu turno, escolhem os administradores públicos. O cliente não escolhe os dirigentes das empresas. Na administração pública, a distância moral e física entre o público e os administradores não é aquela que ocorre entre o cliente e os gestores da empresa privada que em certos casos são completamente desconhecidos ou até mesmo domiciliados em outros países. O público não paga apenas pelo que consome. O público paga pelo que pode um dia consumir e pelo que jamais deseja consumir. Paga pelos bombeiros e um dia pode ter necessidade deles. Mas, a rigor, deseja que isto jamais aconteça. Paga pela assistência social aos desvalidos. Mas igualmente não deseja usá-la. No entanto, paga, e em certos casos paga com um forte sentimento de autogratificação. Portanto, o público tem uma relação de dois tipos com os serviços públicos: como usuário, efetivo ou potencial, e como solidário com a res pública. O público não consome apenas o que paga. Há um direito por trás do serviço e este direito é impessoal. Muitas vezes, o público paga muito aquém do que teria que pagar. É o caso do público de baixa renda que usa em acidentes graves os serviços dos hospitais públicos. Ou das universidades públicas. Os impostos que recolhem, em certos casos exclusivamente impostos indiretos, representam valores pequenos em face dos impostos diretos e indiretos recolhidos pelos mais ricos. Dizem que empresários não pagam impostos, dado que os impostos que pagam estão embutidos nos preços da mercadoria. Para Kalecki, nisto consistiria a diferença entre os trabalhadores e os capitalistas: os primeiros gastam tudo que ganham e os segundos ganham tudo que gastam. Mas do ponto de vista da receita fiscal, elespelo menos devem recolher impostos. Quando recolhem, são valores altos. No entanto, isto não impede que os pequenos contribuintes possam consumir serviços de custos altos prestados pela administração pública. Na visão do sistema privado, predomina a lógica de Friedman, segundo a qual não há almoço grátis. Só se paga pelo que se consome e o cliente só consome se paga. Não é esta a lógica da administração pública. Portanto, este público não é cliente. Ele tem papel de consumidor, mas igualmente de provedor. De demandante e de fornecedor. De governado e de governador. Ele é cidadão. Significa que “é uma pessoa dotada da capacidade de ser governada e governar”, no dizer mais antigo de Aristóteles (Política, 1988:104). 9 É neste sentido que a dimensão do controle social representa a verdadeira reforma do Estado, aquela que enfim promete entregar ao cidadão, senão toda, uma grande parte do controle da administração pública. Este controle desenvolveu-se pouco, no Brasil, apesar de a Constituição Federal ser anunciada, em certa medida corretamente, como “Constituição Cidadã”. Esta ideia de cidadão, antiga, como vimos, e repetitiva através dos tempos. É simultaneamente um tensionamento da democracia e um produto da própria democracia. Tensionamento, porque a democracia significa também uma regra, em que se presume que o povo governa através de seus eleitos. A atitude cidadã de querer governar ao lado e além do seu mandatário é em certa medida um paradoxo. Tem um caráter subversivo da ordem democrática representativa. Mas, tensionamento ou paradoxo, só na democracia e sobre os seus mais fortes pilares, a igualdade e a liberdade (Bobbio), pode-se imaginar o cidadão atuando ao lado do seu representante e em certas ocasiões lhe tomando a palavra. Por isto, a discussão sobre o assunto passa obrigatoriamente pela democracia. 2 DEMOCRACIA A democracia é entendida como o governo do povo. Ao pé da letra é o que se lê. Seria o oposto da aristocracia ou da plutocracia, o governo de alguns, os melhores, ou o governo dos ricos. Modernamente, a democracia é entendida sob duas acepções: a democracia como direito e a democracia como comportamento. Como direito, a democracia é um conjunto de condições: 1. cargos eletivos para o controle das decisões políticas 2. eleições livres, periódicas e imparciais. 3. sufrágio universal 4. direito do cidadão a ocupar cargos públicos 5. liberdade de expressão 6. existência e garantia legal ao acesso a variadas fontes de informação 7. direito de constituir associação e organizações autônomas, partidos e grupos de interesse. 8. instituições democráticas que orientem e implementem as políticas públicas. 10 Em sua segunda acepção, a democracia é um comportamento do cidadão que é disponível e receptivo para participativamente expressar e ouvir o contraditório, para conviver e relacionar-se com as diferenças mais variadas e com as preferências da maioria e das minorias. Em ambas as acepções, a democracia é um tipo de governo extremamente difícil. Ainda que seja aquele em que a vida pode ser mais fácil. Considerando sua face extremamente difícil, a democracia depende do Estado, como instrumento de organização social e política, e da administração pública, o braço operacional do Estado. As oito condições apontadas acima e a acepção de democracia como comportamento exigem uma sociedade muito organizada ou, como diriam os contratualistas, alguém ou alguns que possam garantir a harmonia. Enquanto não se dá por construída essa almejada sociedade muito organizada, resta o Estado e a sua administração cumprirem com o dever de buscar e garantir as condições necessárias à regra e ao comportamento democrático. 3 DEMOCRACIA DIRETA E INDIRETA A democracia direta, aquela praticada pelos gregos antigos, remanescente em cantões suíços e nas assembleias, significa a manifestação presencial do próprio cidadão que com sua voz e voto participa da decisão política. Este modelo tornou-se impraticável, em face das grandes populações, que não podiam ser comportadas nos espaços disponíveis, de modo a participar dos debates e tomar a decisão simplesmente levantando o braço. A democracia direta foi substituída, para as grandes populações decisórias, pela democracia indireta que se constitui na representação destas grandes populações por um ou mais cidadãos eleitos, de acordo com as oito condições antes relacionadas. São estes cidadãos, mandatários da vontade popular, que vão representar estas populações e tomar decisões políticas em seu nome. Entretanto, apesar de a democracia representativa ter sido um achado inglês para resolver o problema das grandes populações e de certa forma ter salvado a democracia dos apressados que já a queriam abandonar, porque impraticável, a verdade é que esta solução nunca foi inteiramente aceita. 11 Ao longo do tempo, as críticas à limitação da democracia indireta se avolumaram. Desde Rousseau, que a considerava o direito de escolher um tirano de 4 em 4 anos, até o liberal Stwart Mill, que pedia a participação direta do cidadão na gestão do Estado. Muitos entenderam que a democracia representativa não tinha o poder de impedir que os representantes formassem uma casta política, colocando muitas vezes os seus próprios interesses à frente dos interesses dos seus representados. Igualmente não podia impedir que gradativamente os representados perdessem de vista os representantes, não os acompanhando no seu dia-a-dia decisório. Tratava-se de um cheque em branco, passado pelo representado para o representante. Esta forma hobbesiana de entregar a sua liberdade a alguém não era compatível com o sentimento antimonárquico que acompanhou a emergência da própria democracia e principalmente da república. Tudo isto concorreu para que a democracia contemporaneamente seja considerada nas duas acepções a que nos referimos: direito e comportamento. Como direito, ela é essencialmente representativa – eleitores, eleitos, cargos e autoridades públicos. Mas como comportamento ela é convívio, presença e participação, para o que são fundamentais os direitos à expressão, organização e acesso à informação. Portanto, a democracia desejada é aquela que agrega, ao sistema representativo predominante, elementos do sistema direto de decisões. A administração pública tem nas últimas três décadas procurado meios de tornar isto factível. Isto é, tornar praticável a combinação das duas formas, direta e indireta, direito e comportamento. Nisto consiste factualmente a gestão pública democrática. 4 POLIARQUIA Apesar destes esforços da administração pública, a democracia, no seu sentido pleno, aquele que supõe o governo do povo, não se tem efetivado. O empenho, e até mesmo o sucesso, dos mais sinceros e generosos governos, no sentido de dar acesso aos cidadãos e estimulá-los a participar das decisões, tem esbarrado em várias limitações. Estas limitações têm levado a que muitos analistas considerem que ainda não temos a condição de dizer que a mais aberta das formas de governo capitalistas, a democracia liberal, é de fato um governo do povo. 12 O referido sucesso de alguns governos no plano de dar condições ao exercício da cidadania aos seus cidadãos tem se verificado por via de grupos de interesse, lato sensu. A democracia, apesar de suas limitações, tem como condições a livre expressão do pensamento e o direito de organização e de formação de partidos, associações e grupos. Milhões de cidadãos estão organizados na sociedade democrática, usufruindo destes direitos. Eles formam partidos, associações e grupos para expressar seus pensamentos e influir de forma decisiva nas definições políticas. O cientista político Robert Dahl (1997) entende que este é o estágio mais avançado a que chegou a democracia. A este estágio ele chama de Poliarquia, “regime com disputade poder e ampliação da participação política”. Significa dizer que para se efetivar aquilo que mais próximo está da democracia, a realidade de nosso tempo, nas nossas polis, cidades, estados e nações, exige do cidadão a organização em alguma instituição representativa da sociedade civil. Realmente, inúmeras organizações operam no cenário da política e de fato influenciam os cursos de ação do governo, as suas políticas públicas. Fora delas, pouco se pode fazer. A poliarquia, regime de muitos governos, reconhece a legitimidade destas associações e grupos de pressão. Mais do que reconhecer a legitimidade, a poliarquia com que convivemos na sociedade moderna e contemporânea estimula estas formas de participação e toma estas associações como interlocutores válidos para a decisão. Ora, o cidadão comum, não organizado, certamente se vê em situação desvantajosa nesta corrida pela participação. Neste sentido, a poliarquia, fenômeno revelado por Dahl, mas reconhecido por toda a ciência política, traz mais um desafio para a administração pública republicana, entendida a república como consensus júris e communis utilitatis, para usar as expressões de Cícero (1952:64). Isto é, uma vez que a república entende que a coisa pública tem o consenso do direito e a comum utilidade, a administração pública, braço operacional do Estado, tem o dever de minimizar a desvantagem do cidadão comum, atomizado, cujas limitações educacionais e culturais o impedem de exercer o direito à organização. 13 Lembremos que o próprio conceito de cidadão, melhor construído por Marshall, tem como condição o usufruto dos 3 direitos: os direitos sociais, os direitos políticos e os direitos individuais (Marshall, 1950). Ou seja, apenas a pessoa que tem acesso a estes 3 direitos poderia exercer papel tão relevante e altruístico de doar parte do seu tempo para participar da gestão pública. Mesmo que, longe do altruísmo, estivesse motivada pelo egoísmo, mas limitada em alguns direitos, ela não encontraria tempo para se entregar aos debates, passeatas, audiências e reuniões – atividades hoje absolutamente necessárias a quem se dispõe a exercer a cidadania. Portanto, o desafio da administração pública contemporânea é o de minimizar todos estes óbices, barreiras e desestímulos colocados ao cidadão comum, de modo a que a participação e o incentivo à cidadania não acabem por reforçar a desigualdade. Isto porque, sem o cidadão comum, novamente estarão aptos a participar apenas os que, já exercendo plenamente os 3 direitos, dispõem de meios, renda, tempo e domínio dos códigos de poder da sociedade. 5 CRISE DA BUROCRACIA E RELEGITIMAÇÃO A administração pública tem em sua história uma trajetória patrimonialista longa, que se estende dos governos monárquicos até o início do século XX. Ao correr deste tempo, mesmo os governos pós-monarquia tiveram uma relação pouco republicana com os bens públicos. Mais uma vez lembrando Cícero na obra citada, a res publica exige uma relação diferente da privada, da doméstica e dos familiares. O comum, da comunidade, não pertence a alguns ou a alguém, mas a todos. A burocracia moderna, que Weber revelou, em Economia e Sociedade, vai trazer para os governos, principalmente, o instrumento poderoso de realização de dois dos valores que hoje são princípios da administração pública: a legalidade e a impessoalidade, tornando viável a separação entre a propriedade e a gestão (Weber, Ibid: 719/21). Esta separação entre a propriedade e a gestão é o princípio dos princípios republicanos, para o administrador público. Ele é o gestor, mas não é o dono da coisa pública. Disto parte uma boa gestão pública. A base de tudo isto é a legalidade, motivo pelo qual Weber vai falar de sistema racional-legal, quando se refere à burocracia moderna. 14 Antes, Immanuel Kant (1971:193) já havia observado que residia no direito, na Constituição, a efetividade da razão prática da pública. Esta condição legal vai fazer a burocracia moderna se desenvolver no ambiente republicano. A partir dos anos 1940, sob o choque do crack de 1929 e da Grande Depressão que se seguiu, os Estados nacionais aumentaram sua presença nos cenários político, social e econômico, transformada em tendência mundial, sob o incentivo da obra de Keynes (1964). Em outras palavras, os Estados nacionais de feição liberal se converteram em estados keynesianos, mais adiante em Estados de Bem-Estar Social ou em socialdemocracias – todos com o víeis comum de atribuir à administração pública um papel relevante na gestão econômica e social. As despesas públicas, que antes da Primeira Guerra (1914), estavam na casa dos 9% do PIB dos principais países, tendo nos extremos os EEUU (1,8%) e a França (17%), saltaram após a Grande Depressão (aproximadamente 1937) para a casa dos 20%, tendo saltos monumentais, como da França (de 17 para 29%), do Japão (de 8,3 para 25,4%), do Reino Unido (de 12,7 para 30%) e da Alemanha (de 14,8 para 42,4%), esta última por motivação diferente, que se conheceria poucos anos mais tarde (Tanzi, V. e Schuknecht, L, 1995:49). Depois da Segunda Guerra (1945), estes percentuais sobre o PIB tornaram a saltar, tendo alcançado nos anos 1990 a casa dos 50%, em média, pontificando a Suécia com 68% do PIB administrados pelo governo. Mesmo no extremo mais baixo, os EEUU ultrapassaram a casa dos 30% (33,5%), conforme os mesmos autores (ibid). Isto deu à máquina pública uma responsabilidade inusitada. A administração pública cercou-se de proteções, promovendo a mais ampla burocratização, de modo a tornar o mais legal e impessoal a gestão destas fortunas nacionais. Mas este processo de legalização da vida, que continua, foi se tornando cada vez mais amplo e invasivo, cada vez mais extenso e rígido. Para o bem e para o mal. Hoje, os diversos códigos e estatutos foram legalizando/burocratizando desde as negociações comerciais (Código do Direito do Consumidor) até as relações familiares (Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Maria da Penha, Estatuto do Idoso), relações anteriormente vistas como espaço onde tudo podia acontecer isento de juízo social, até as mais criminosas violências. A informatização, por outro lado, infelizmente, apesar das vantagens interativas a que nos referimos no início, ao 15 contrário de amenizar, de certo modo radicalizou a rigidez burocrática. Hoje, mais do que os próprios burocratas, os sistemas informatizados determinam a inflexibilidade. A frase, mais comumente ouvida, nas organizações burocráticas públicas e privadas, é: “o sistema não permite”. Ao lado disto, cresceu também a distância entre os que decidem, os que executam e os que dependem da execução da administração pública. Várias distorções foram se verificando nos negócios públicos, desde a malversação do dinheiro, até a corrupção; desde o abuso de poder à omissão. Foi chegando ao extremo o que Marx dizia em seu tempo: "A burocracia tem a posse da essência do Estado, da essência espiritual da sociedade; esta é sua propriedade privada. O espírito universal da burocracia é o segredo, o mistério; guardado em seu interior por meio da hierarquia e, em relação ao exterior, como corporação fechada." (Marx, 2005:66). A burocracia, antes introduzida para legitimar os negócios públicos foi se tornando estranha ao público. Este público, por seu turno, foi se tornando um crítico vigoroso, algumas vezes cruel e injusto, mas genérica e generalizadamente cheio de razão. As eleições e as autoridades eleitas, a cada período sucessório, não parecem devolver à burocracia a legitimidade, diante do público. Este fenômeno de descolamento entre a burocracia e a manifestação democrática eleitoral já havia se revelado ao tempo de Weber, 1919, que acusa a burocracia de se constituir como algo independente, insensível aos reclamos do povo (Weber, 1980.). Uma leitura muitopróxima do que Marx dissera há quase 80 anos antes. Mas a administração pública precisa de governabilidade. Precisa evitar a anomia e garantir a normalidade, o cumprimento das leis, o andar da carruagem. Uma burocracia governamental deslegitimada custa caro, porque isto se expressa em problemas para o seu funcionamento: resistências, sabotagens, vandalismos, rebeldias saudáveis e não saudáveis. É no sentido da legitimação que formas de aproximar e de introduzir o público na administração pública foram sendo criadas e praticadas. Formas de canalizar as rebeldias para que elas se convertam em energia transformadora para melhor. Trata- se do que Pierre Muller, analisando a crise da burocracia norte-americana, chamou de “relegitimação da burocracia” (Muller, 1990: 119). 16 A gestão pública democrática cumpre, portanto, o papel de tornar a burocracia novamente legítima e propiciar ao governo menores custos para governar. 6 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 A Constituição Federal do Brasil, promulgada em 1988, pode ser definida como o clímax do movimento de redemocratização, pós-ditadura militar. A ditadura marcou sua passagem com várias feridas, que iam desde a relação internacional de alinhamento automático com a política externa norte-americana, do qual foi símbolo a frase atribuída ao então Chanceler Juracy Magalhães – “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil” – até o bi-partidarismo, que inspirou o comentário popular de que o Brasil teria dois partidos, um do “sim”, outro do “sim, senhor”. Exageros à parte, dado que o Brasil em alguns momentos discrepou da política externa dos EUA e também o MDB não foi constantemente um partido dócil, havia, entretanto, certa dose de verdade na avaliação popular. Dentre as feridas abertas, o silêncio do cidadão, a sua quase completa eclipse, subproduto das limitações à livre expressão do pensamento e menos livre ainda direito de organização, foi uma ferida extensa e profunda. O grande movimento que vem na direção da Nova República, do qual participaram específicos movimentos, desde a campanha pela anistia geral e irrestrita, até o movimento pela Constituinte, todos reforçavam a denúncia do cidadão amordaçado e constrangido; da liberdade suprimida; do direito de organização e expressão desrespeitado. Deste modo, a Assembleia Nacional Constituinte foi o desaguadouro destas queixas, denúncias e protestos. A Constituição que foi produzida por essa Constituinte teve, portanto, a intenção de sarar estas feridas. Não é à toa que Ulisses Guimarães, o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, ao promulgar a Constituição, em 1988, a anunciou como “a Constituição- Cidadã”. A cidadania aparece no texto constitucional em diferentes partes e situações, em evidente esforço de (re) criar a figura do cidadão e dar a ele um papel protagonista antes desconhecido. Apesar de por muitos anos, mesmo após a promulgação da 17 Constituição, ter-se prolongado aquilo que Sônia Teixeira classifica como estados sem cidadão (Teixeira: 1992), a carta magna brasileira faz um evidente esforço para, no plano dos três direitos, como define Marshall, criar condições para o desenvolvimento da cidadania. Logo no artigo 1º aponta a cidadania como segundo fundamento da República, após a soberania, evidentemente o primeiro fundamento, sob pena de não existir o Estado (Constituição Federal do Brasil, 1988). Nos Direitos e Garantias Fundamentais, a partir do artigo 5º, seguem-se várias afirmações civis e políticas, da igualdade entre os sexos à livre manifestação do pensamento e crença, do direito de organização, portanto, de associação coletiva, até o direito de individualmente ser governo pela via da ação popular, para anular atos lesivos ao patrimônio público, à moralidade, ao meio ambiente e outras dimensões da vida pública (art. 5º, LXXIII). No campo dos direitos políticos (Capítulo IV), a Constituição é igualmente farta em possibilidades, desde o direito de votar e ser votado e de criar partidos, até a figura da “iniciativa popular” (art. 14, III), regulamentada pela Lei 9.709/98, mas já suficientemente definida como viável com o apoio de “pelo menos, cinco por cento do eleitorado” da cidade (art.29, XIII). A Constituição Federal de 1988 traz ainda uma clara disposição de, no plano da lei, criar o ambiente jurídico-político da cidadania de fundo social. Há um extenso capítulo (Capítulo II – Dos direitos sociais), cuja preocupação vai desde a proteção à maternidade (art. 6º) e, “em face da automação” (art. 7º, XXVII), até a participação nos lucros e na gestão da empresa (art. 7º, XI). Além disto, há espaços formais, além dos partidos e sindicatos, criados para o exercício da cidadania. São os conselhos, desde os conselhos de órgãos públicos, até os conselhos de saúde, educação, da infância e da adolescência e outros, que operam principalmente nos municípios. Portanto, há também motivos constitucionais para que a administração pública se disponha e se organize para proporcionar ao público o exercício deste papel de cidadão. 18 7 CONTROVÉRSIAS A gestão pública democrática, no sentido amplo a que nos referimos, apesar de ter a seu favor esta sequência de argumentos, tem também suas controvérsias. São situações e aspectos que questionam a legalidade e a legitimidade de algumas formas de participação. Há ainda condições que atuam contrariamente a gestão pública democrática, ou pelo menos não a favorecem. Vejamos quais: 7.1 A escolha eleitoral-legal A estrutura do poder público é ocupada por mandatários escolhidos pela regra democrática. Seja no poder executivo, seja no poder legislativo, os dirigentes são investidos do poder legal, para tomar decisões. Isto tem feito com que algumas reações às formas participativas sejam fundamentadas na função legal do governante ou do parlamentar. O governante argumenta com o direito de implementar seu programa que formalmente teria sido votado com ele e, portanto, tão “eleito” quanto ele, o candidato. Às reações contra a reforma da previdência, o então presidente Fernando Henrique Cardoso respondeu que foi eleito e o eleitorado havia feito sua escolha. Esta escolha recaiu sobre ele e não sobre o seu adversário. Ele fora eleito, disse, para executar um programa de ação. A seguir, exibiu os dedos da mão espalmada, lembrando seu programa de cinco pontos, onde se encontravam as reformas e nelas a reforma da previdência. Também se encontram resistências no parlamento, sob o mesmo argumento, quando os parlamentares, deputados e vereadores, se declaram ultrapassados em seu direito de decidir sobre certas matérias que estão sendo debatidas em fóruns da cidadania. 7.2 A limitação da poliarquia Há argumentos contrários que estão na linha direta do que já comentamos acerca da poliarquia, quando os críticos do sistema participativo vão afirmar que a 19 participação frequentemente se converte em lobby dos grupos de pressão ou dos militantes de partidos. Estes lobbys estariam, por seu turno, representando minorias organizadas que se beneficiam de suas condições social ou politicamente privilegiadas. Neste caso, não se argumenta pelo ângulo da legalidade, mas da legitimidade, questionando-se o quanto se deve conceder a estas formas de associação e participação, considerando a pequena representatividade que têm. 7.3 O despreparo do cidadão Um terceiro argumento, que faz oposição à gestão pública democrática, é o despreparo do cidadão, no sentido do que se exige a quem quer participar do governo. Pondera-se que este cidadão opera com o seu interesse e subordina a esse interesse as condições técnicas e até mesmo as necessidades e prioridades alheias, a que o Estado tem também que responder. Além disto, há o despreparo no plano da informação e do conhecimento, o que também limitaria esta participaçãoe, pior que limitar, expõe o processo decisório público ao risco de aprovar ou reprovar por pressão algo que deveria submeter-se a critérios objetivos. São despreparos cívicos e técnico que comprometeriam a participação e, por extensão, a gestão pública democrática. 7.4 A ameaça à governabilidade Alguns críticos do processo participativo, que dá essência à gestão pública democrática, apontam para a instabilidade gerada pela permeabilidade às pressões. Neste sentido, dizem que o incentivo a formas de participação às vezes não consegue colocar limites nos processos – seja limite de conteúdo, seja limite de forma. Ou ainda limite do alcance ou limite de tempo, ou mesmo limite no comportamento do cidadão em face da autoridade e de outros cidadãos. Este aspecto destaca um lado técnico do processo participativo e da gestão pública democrática: o tipo e o grau de participação. Em outras palavras, a regra do jogo. 20 A ausência de regras do jogo previamente definidas ou sua definição no transcorrer do jogo trazem de fato sérios problemas, porque não se estabelecem os limites. Ou são estabelecidos ao sabor do caso, quando os problemas começam a se revelar, no andamento do processo. Sem estes limites, há de fato riscos significativos para a governabilidade, na medida em que a participação, ao contrário de se integrar ao processo decisório público, se transforma em fator de conflito destrutivo. 7.5 O despreparo dos governantes O despreparo dos cidadãos tem seu efeito, mas o despreparo dos governantes tem efeitos mais graves ainda. Este despreparo, tal qual o do cidadão, é de natureza técnica e de natureza comportamental. O governante desconhece os fundamentos, os meios e os riscos do processo participativo. É nestas condições que mergulha na gestão pública democrática supondo que a boa vontade é o suficiente para o acerto. De outra parte, supõe que a gestão pública democrática tem o condão de tornar todos contributivos e cordatos. Na verdade, quando se abre um processo de gestão pública democrática, ainda que se tenham os limites bem definidos, entra-se em um terreno de incertezas que exige do gestor muita paciência e habilidade políticas. Inclusive a maior das habilidades, que é a habilidade de saber perder. Perder um ponto de vista ou um projeto acalentado; ver crescer e ser aprovada uma proposta com a qual não tem identidade ou vinda do adversário mais diametralmente oposto; isto exige habilidade pouco encontrada em quem está ocupando um cargo de decisão e se acostumou a mandar e ser obedecido. Debater com debatedores grosseiros ou desonestos também deve estar nas cogitações do gestor público democrático. Enfrentar pressões de grupos ou de massas, ouvir apupos ou outras coisas desagradáveis, também. Para tudo, isto é, preciso ter preparação, que começa pela consciência de que isto, apesar de não fazer parte de um processo participativo civilizado, aparece nos processos participativos. Como dizia Weber, comentando sobre o carisma nos tempos modernos, “isto não é deste mundo, mas está neste mundo”. A democracia como comportamento é mais difícil de ser conduzida do que a democracia como direito. 21 8 O TIPO E O GRAU DE PARTICIPAÇÃO. Na discussão sobre limites de participação, destaca-se a definição do tipo de participação e o grau desta participação. Há participação de dois tipos: direta e indireta. A participação direta é aquela em que o próprio cidadão assume sua palavra e comparece às atividades promovidas pela gestão pública democrática. Uma audiência pública é exemplo de participação direta. A participação indireta se dá mais uma vez por via de representantes. O Conselho da Infância e do Adolescente é constituído através de representantes eleitos por um colégio qualificado de eleitores que se apresentam para participar da escolha destes representantes. A gestão pública democrática evidentemente considera a importância das formas indiretas de participação e as valoriza. Mas o grande desafio colocado ao gestor contemporâneo é encontrar formas diretas que incorporem cada vez mais cidadãos em sua dimensão política. Quanto ao grau de participação, a escala de Bordenave (1983) nos oferece 6 possibilidades: a consulta facultativa, a consulta obrigatória, a elaboração, a co- gestão, a delegação e a auto-gestão. Estes graus, como se observa, começam da menos expressiva participação, a consulta facultativa, até a forma mais avançada - que a rigor ultrapassa a participação – a autogestão. Definindo-se participação como a influência dos cidadãos exercida sobre os dirigentes, estes graus de participação representam o quanto desta influência se verifica. Uma audiência pública é um grau de consulta, quase sempre facultativa, às vezes consuetudinárias (orçamento público, por exemplo). Mas seja um ou outro caso, é um grau de influência menor que um processo de co-gestão como o orçamento- participativo, por exemplo. A definição do tipo e do grau de participação que se verificarão na gestão pública democrática dirá do quanto de avanço da democracia como comportamento se realizou. Mas, sem dúvida, é conveniente não avançar além do que se tem condições de garantir como válido e adequado. Voltar de um grau mais adiante para 22 um grau mais atrás de participação é um desgaste caro para uma gestão pública que se pretende democrática. A formulação da política pública da área, a avaliação do pessoal, o projeto de lei, o plano de trabalho, um investimento, o orçamento, tudo isto pode ser objeto de iniciativas democratizantes do gestor, em certo tipo e em certo grau a ser definido. Integrando esta preocupação e de certa forma parte da definição do grau, resta a questão do caráter da participação ser consultivo ou deliberativo. Este debate tem de fato ocupado o cenário da gestão social e com razão. A opção por imprimir caráter deliberativo à participação do cidadão significa compartilhar o poder de modo elevado. O caráter consultivo significa garantir o conforto do poder de decisão final em mãos do governo. Considerando a escala de Bordenave, graus de consulta, são a consulta facultativa e a consulta obrigatória. A elaboração, apesar de um grau mais avançado, pode ser consultiva ou deliberativa, uma vez que a decisão elaborada pode estar condicionada a uma decisão superior ou não. A co-gestão é um grau mais avançado e tem o caráter deliberativo, uma vez que governo e cidadãos estão compartilhando a decisão. Historicamente, a co-gestão tem reservado uma pequena maioria no conselho co-gestionário ao governo. A delegação é sem dúvida deliberativa, ainda que possa ser suspensa ou retirada a qualquer momento. A auto-gestão é forma mais avançada. É deliberativa e as forças são equilibradas. Enfim, há um processo decisório prévio, a ser assumido pelo gestor, antes de anunciar a gestão pública democrática do seu governo. 9 FORMAS DE PARTICIPAÇÃO A gestão pública democrática conta hoje com algumas formas de funcionamento, que são de tipo direto, algumas outras de tipo indireto; algumas deliberativas, outras consultivas; algumas de grau avançado, outras incipientes. A escolha do dirigente público deve levar em conta a sua própria preparação e a preparação do cidadão. Ambas as preparações podem ser desenvolvidas e o poder público pode concorrer para isto ou se proteger alegando as limitações. Isto depende de decisão política. O governante quer ou não compartilhar o poder com o público? E se quer, o 23 quanto está disposto a compartilhar e empoderar os cidadãos? Disto depende o tipo, o grau e o caráter da participação popular. Ainda que ninguém, menos ainda um governante, se deva deixar levar pelo voluntarismo, há uma boa dose de vontade política nesta decisão. Mesmo que se possa dizer, como se diz frequentemente, que cidadania não se ganha, mas se conquista, não hádúvida de que o nível de desorganização popular, que hoje se verifica, não dispensa a ajuda do poder público para ser superado. Alguns poderes públicos são assumidos por partidos políticos com esta consciência. Isto é, a consciência de que é preciso criar, dirigir e fazer acontecer mecanismos que deem acesso e estimulem o cidadão a participar. Esta concepção está presente na proposta de gestão de alguns projetos políticos. Além disto, atualmente, este modo de pensar a gestão pública é tido como uma concepção contemporânea. Mas esta concepção precisa de investimento público para de fato acontecer. O ClAD, Centro Latinoamericano de Administração para o Desenvolvimento, no texto La responsabilización em la nueva gestión publica latinoamericana, diz, a este respeito, que “Es necesario construir mecanismo institucionales que garanticen el control público de las acciones governamentales, no solo ediante las elecciones, sino también a lo largo del mandato de los representantes” (CLAD: 2OOO). É destes mecanismos que tratamos quando discutimos formas de participação e controle da administração pública. Sem pretender diminuir a capacidade de formulação, criação e de arquitetura política dos próprios governantes, em cada local, procuramos a seguir indicar algumas destas formas, com base na experiência nacional e internacional, esta última já disponível desde a conhecida contribuição de Osborne e Gaebler, em Reinventando o governo (1995): Orçamento-participativo – processo de discussão pública dos orçamentos, conduzido pelo governo. Objetiva escutar os cidadãos em assembléias de regiões da cidade ou do Estado, com o a finalidade de distribuir as verbas públicas de acordo com as prioridades das populações, definidas por estas mesmas populações. Opera com verbas definidas e tem caráter deliberativo. Sua formalização final passa, entretanto, pelo poder legislativo, cabendo mais uma vez a ação co-gestionária do 24 governo e dos cidadãos organizados para fazer valer nas votações do parlamento a vontade expressa nas assembléias populares. Círculo de qualidade –encontros periódicos, com data e local pré- estabelecidos e publicizados, abertos à participação popular, organizados pelo governo - órgão direto ou ente da administração indireta - destinados a identificar problemas e soluções. Deles devem participar diretamente cidadãos e funcionários públicos do órgão ou ente em questão, sem número fixo. Comitê de trabalho – cidadãos com algum grau de conhecimento sobre a atividade pública e a comunidade de interessados, tendo por objetivo propor idéias e contribuir com o planejamento da ação pública naquele setor. Do Comitê também podem participar funcionários do serviço público em questão. Pesquisa de avaliação – quando o cidadão é ouvido de modo estruturado, através de questionários aplicados por pesquisadores, obedecendo a critérios amostrais, de modo a se poder contar com a opinião do cidadão na avaliação do (s) serviço (s) prestado (s). Avaliação dos dirigentes ou servidores – através de formulários de avaliação disponibilizados no local de prestação do serviço, o cidadão se manifesta de modo crítico e propositivo acerca do serviço, dos dirigentes do serviço e dos servidores. Esta avaliação deve trazer consequências funcionais sobre os dirigentes e servidores. Campanhas de inovação – temporada em que, através de Círculos, Comitês, Pesquisa e outras formas usuais e contínuas de controle social, o serviço público solicita aos cidadãos que façam propostas para inovar, criar ou desenvolver tipos de serviço ou atividades que melhorem a qualidade de vida da população. Conselhos estaduais – alguns criados pelas Constituições Federal e Estadual, outros por iniciativa do próprio ente público, os Conselhos são formas indiretas de participação e se destinam a realizar o mais amplo controle social, fazendo críticas, propondo mudanças e projetos, formulando políticas públicas, contribuindo para sua implementação e as acompanhando. Como forma indireta, necessitam de procedimentos eleitorais para sua constituição. Acompanhamento do usuário – iniciativa do serviço público, que, logo após a prestação de certo serviço, vai ao usuário consultá-lo sobre a qualidade e a 25 efetividade do serviço prestado. Isto propicia efeito sistêmico sobre o serviço e sobre os agentes prestadores do serviço. Ouvidoria – canal de comunicação direto com o cidadão, é um serviço oferecido, amplamente publicizado, que tem por objetivo ouvir os reclamos ou incentivos em relação ao serviço ou aos prestadores do serviço. Ombudsman – serviço semelhante ao da Ouvidoria. A palavra é sueca e significa “o homem que representa os interessados” A diferença fundamental com o Ouvidor é que o ombudsman tem mandato, portanto, estabilidade no cargo. Teste de marketing – trata-se de submeter aos usuários mudança projetadas, de modo a ter sua anuência, rejeição ou reparos críticos, antes de efetivar-se a mudança. Grupo de interesse – cidadãos organizados por iniciativa própria, ou por incentivo da gestão pública, acompanham de perto a execução de dado serviço público, fiscalizando-o, criticando-o, aperfeiçoando-o ou agindo de alguma forma que contribua para o seu bom funcionamento e satisfação dos interessados. Difere do Comitê de trabalho e do Círculo de qualidade. Do primeiro, porque não se exige algum conhecimento sobre o serviço, nem dele participam funcionários. Do segundo, porque além de não permitir funcionários do serviço, o Grupo de Interesse tem certa regularidade e estabilidade nos seus componentes. Audiência pública – encontro, convocado para local e data adequados e amplamente divulgados, aberto ao público em geral e às organizações representativas da sociedade civil, quando a autoridade pública submete à discussão um projeto, um orçamento, uma proposta de delegação de serviço de utilidade pública, ou outra iniciativa planejada que se avalie de grande relevância, e em que o público possa/deva previamente opinar. A lei que rege as audiências públicas, Lei 9.784/98, não estabelece obrigatoriedade, mas as audiências públicas têm se tornado uma obrigação ética em certos processos cuja publicidade e moralidade se tornam objetos de grande interesse público. Correio eletrônico – meio de acesso pela Internet, disponibilizado para o público manter contato com críticas e sugestões. Assemelha-se à Caixa de Sugestão ou Telefone de Contato ou DDG – discagem direta gratuita. A frequência em que estes meios são ações particulares e de baixa ou remota interatividade os elege como 26 instrumentos auxiliares da gestão pública democrática, mas não seus suficientes instrumentos. E-govern – sítio em que os gestores públicos dão, por via eletrônica, conhecimento de tudo que se passa na sua esfera de governo, permitindo o acesso rápido e seguro ás informações e propiciando a manifestação do público, além do gozo de direitos ou cumprimento de deveres que, antes, lhe custaria o comparecimento, a presença física, ao órgão em questão. O E-govern é importante instrumento facultado pela moderna tecnologia da informação e pela rede internacional eletrônica, funcionando substantivamente ou como elemento auxiliar de outras formas de participação. A gestão pública democrática significa uma posição inicialmente ideológica, posteriormente política e recentemente técnica, que as condições do mundo moderno foram colocando gradativamente como uma exigência para os novos gestores públicos. O gerencialismo, isto é, a adoção de práticas da gestão privada no âmbito da gestão pública, não é suficiente para garantir um resultado significativamente diferente da gestão burocrática exatamente porque não deixa de ser uma gestão burocrática. Apesar de não ser um cliente, ou por ser mais que um cliente, o cidadão tem papel de governar e ser governado,de consumidor e provedor. Se o cliente tem hoje alguma relevância no marketing, mais ainda deve ter o cidadão em relação às políticas públicas, sua formulação, implementação e controle. Isto, além de ser um direito, pode se converter em importante meio de relegitimação da burocracia pública, reduzir custos de controle e até mesmo de execução. Mas para que isto aconteça é necessário que o Estado e seu braço operacional, a administração pública, promovam a participação do cidadão, estimulando-o com recursos institucionais, formas de acesso à informação, meios interativos e espaços para debates e decisões. Não se trata de algo simples e fácil, como aparentemente alguns supõem que seja. Exige a remoção de obstáculos, uns criados e mantidos como forma de preservação de poder. Outros, sustentados por razoáveis argumentos. Além disto, há dificuldades de ambos os lados, seja dos gestores, seja dos cidadãos. Estas 27 dificuldades precisarão ser enfrentadas, para que as formas criadas não se vejam questionadas pelo insucesso dos primeiros passos. Para contribuir com a remoção dos obstáculos e enfrentamento das dificuldades já existe conhecimento acumulado, experiências e práticas bem- sucedidas. Há incentivos constitucionais e iniciativas de diferentes órgãos públicos as quais já se revelaram capazes de efetivamente incluir os agentes da sociedade civil no controle e na decisão. Esta dimensão técnico-administrativa está satisfatoriamente formulada e disponível. Portanto, o objetivo de desenvolver o controle social depende da ação pública. Este papel da administração pública será bem melhor assumido, uma vez os gestores públicos convictos dos valores democráticos compreendam que este objetivo também faz parte de sua agenda de governo. Em outras palavras, a gestão pública democrática é antes uma postura do governante, que, para torná-la efetiva e desenvolvê-la cada vez mais, prepara-se, estimula o cidadão a preparar-se e cria meios para ambas as coisas. Certamente que seu ponto de partida é a compreensão de que as técnicas de gestão, que agilizam os processos, serão mais eficientes e potencializadas com as técnicas e os meios de participação, que democratizam o controle e o poder na administração pública. 10 NOÇÕES BÁSICAS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 10.1 ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO SERVIÇO PÚBLICO NO BRASIL (1.1.5) 10.2 ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO BRASIL 10.3 ENTIDADES COMPONENTES A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, são entidades autônomas. Cabe a União exercer a soberania do Estado Brasileiro perante o contexto internacional; exercer os poderes que garanta: a soberania e defesa nacional; 28 a cidadania; os direitos individuais; a boa relação internacional; o bem-estar socioeconômico do povo; administrar e legislar, entre outras atividades. Cabe a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios competências como: conservar o patrimônio público; proteger os bens históricos, as paisagens naturais e sítios arqueológicos, o meio ambiente e da poluição; a saúde e assistência pública; e sociedade em geral. Cabe a União, aos Estados, e ao Distrito Federal (art. 24 da CF/88) legislar e normatizar sobre matérias específicas, como: direito tributário, financeiro, econômico, orçamentário, trabalhista etc. 11 ORGANIZAÇÃO DOS PODERES DA UNIÃO Os poderes da união, são independentes e harmônicos entre si, composto do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Poder Executivo. PODER LEGISLATIVO: exercido pelo Congresso Nacional que por sua vez é composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. PODER JUDICIÁRIO: aplica a Lei, exercido pelos diversos órgãos: ST F, STJ, TRF, TRT e outros. PODER EXECUTIVO: exercido pelo Presidente da República, e tem a colaboração e auxilio dos Ministros de Estado. Compete ao Presidente da República entre as suas atividades remeter ao Congresso Nacional o Plano Plurianual (PPA), o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e as Propostas de Orçamento, como também, prestar contas, ao Congresso Nacional referentes ao exercício anterior. 12 CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL Pelo Congresso Nacional, mediante Controle Externo e controle Interno de cada Poder, a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal Pelo Poder Legislativo mediante constituição de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). 29 Pelo Poder Executivo o controle interno é feito pelo Sistema de Controle Interno com apoio dos demais Sistemas de Atividades Auxiliares existentes. Pela Procuradoria Geral da República que também exerce o papel de controlador. 13 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL Tem passado por transformações e reformas na sua máquina administrativa preservando o Decreto-Lei nº 200/67, e as atividades meio e fim na Lei nº 9.649/98. A Administração Pública Federal compreende a Administração Direta e a Administração Indireta. 14 SERVIÇO PÚBLICO NO BRASIL 14.1 Conceitos: a) De Hely Lopes Meireles: Serviço Público é todo aquele que é prestado pela Administração ou seus delegados sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do estado. b) De Cretella jr.: Serviço Público é toda atividade que o Estado exerce, direta ou indiretamente, para satisfação das necessidades públicas mediante procedimento típico do Direito Público. c) De Diogo de Figueiredo Moreira Neto: Serviço Público é uma atividade de Administração que tem por fim assegurar, de modo permanente, contínuo e geral, a satisfação de necessidades essenciais ou secundárias da sociedade, assim por lei considerados, e sob as condições impostas unilateralmente pela própria Administração. d) De Celso Antônio Bandeira de Mello: Serviço Público é toda a atividade de oferecimento de utilidade ou de comodidade material fruivel diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de Direito público – portanto consagrador de prerrogativas de 30 supremacia e de restrições especiais – Instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo. e) De Di Pietro: toda atividade material que a Lei atribui ao Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público. Podemos dizer que Serviço Público é aquele que a Administração Pública presta à comunidade porque reconhece a sua essencialidade para a sobrevivência do grupo social e do próprio Estado. 14.2 Modos ou naturezas de serviços pelo Estado: Os serviços de natureza essencial, conhecidos por serviços públicos no sentido estrito, são impedidos de serem transferidos; Os serviços de natureza secundária são relevantes à sociedade, são de utilidade pública, não são essenciais, permite serem repassados a terceiros. 15 ESPÉCIES OU CLASSIFICAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS 15.1 Segundo as doutrinas, têm: a) Sob a ótica da sua necessidade (essencialidade) ao público destinatário, há duas formas de modalidades: Serviços públicos Serviços de utilidade pública b) Sob a ótica de seus fins (adequação) ou de sua vinculação à essência do Estado, temos: Serviços próprios do Estado Serviços impróprios do Estado 15.2 Quanto à própria natureza (finalidade), podem ser: a) Administrativos 31 b) Industriais. 15.3 6.3- Quanto ao número de pessoas destinatárias do serviço público: a) Serviços gerais ou “uti universi” e; b) Serviços individuais ou “uit singuli” ou específicos. 16 COMENTÁRIOS SOBRE ESSAS MODALIDADES: a) considerando-sepela sua essencialidade do serviço: Serviços públicos: prestado pela Administração Pública (privativo do Poder Público) à comunidade de forma direta e não pode ser delegada a particulares (prestação da saúde pública, da segurança pública, defesa nacional etc.) Serviços de utilidade pública: a Administração Pública presta diretamente ou admite ser prestado por terceiros (permissão, concessão ou autorização) correndo por conta e risco dos seus executores (telefone, gás, energia elétrica, transportes coletivos etc.). b) considerando-se pela sua adequação do serviço: Serviços Próprios do Estado: relacionado diretamente com as atribuições do Poder Público, só podem ser realizados por órgãos ou entidades estatais, sem qualquer delegação a particulares voltada à conveniência social (saneamento básico, segurança pública, iluminação pública etc.). Serviços Impróprios do Estado: não afetam diretamente às necessidades da coletividade ou comunidade, são remunerados (autarquias, fundações governamentais, e sociedades de economia mista) ou através de concessão, permissão ou autorização. c) considerando-se pela sua finalidade do serviço: Serviços Administrativos: visam as suas necessidades internas ou preparando outros que serão prestados ao público (imprensa oficial, estações experimentais etc) Serviços Industriais: rentáveis para quem os realiza (órgãos administrativos, concessionários, permissionários ou autorizados), via pagamento pelo 32 consumo ou utilidade, chamado de tarifa ou preço público. Considerados impróprios pelo Estado (art.173 CF). d) considerando-se pelos seus destinatários do serviço: Serviços Gerais ou “Uti Universi”: visa atender a coletividade como um todo (polícia, bombeiros, calçamento de ruas etc), indivisível, mantido por impostos, e não por taxas ou preço público. Serviços Individuais ou “Uti Singulli”: prestados para determinado usuário particular e mensurável a cada destinatário (telefonia, fornecimento de água, energia elétrica, domiciliares (rede de esgoto)), é obrigatório e mantido por impostos, e não por taxas ou preço público. e) outras modalidades de serviços públicos: Serviços de Execução Direta: realizados pela própria pessoa (não por terceiros) responsável pela prestação do serviço ao público, seja ela, estatal, autárquica, paraestatal, empresa privada e ou particular. Serviços de Execução Indireta: aqueles que os responsáveis por presta-los aos usuários transferem a terceiros a incumbência de realizá-los, mas não delegando. Serviços Delegados a Particulares: realizados e delegados pelos órgãos da Administração direta ou indireta, ou por: Concessão, Permissão e ou Autorização (art.37º & 6 do CF/88). 17 ORIENTAÇÃO OU REGULAMENTAÇÃO E CONTROLE DO SERVIÇO PÚBLICO Cabe ao Poder Público da Administração Pública a responsabilidade pela regulamentação e o controle, ao serviço público concedido, ou permitido ou autorizado, mesmo nos casos de haver delegação de poderes a terceiros. Nota: Observar que os serviços públicos ou de utilidade pública de qualquer natureza, tem por objetivo principal de servir a coletividade social (a sociedade pública), e em segundo o de produzir renda para aquele que o explora, e que toda a sociedade seja beneficiada com um serviço de qualidade pelo Estado. 33 18 FORMAS: MEIOS E REQUISITOS Modernamente, o sistema se reporta ao art. 6º, &1º da Lei nº 8987/95, cujos requisitos estão sustentados em cinco princípios administrativos: O da permanência ou de continuidade - impõe continuidade no serviço; O da generalidade - impõe serviço igual para todos; O da eficiência - exige atualização do serviço; O da modicidade - exige tarifas razoáveis; e, O da cortesia – pelo bom tratamento para com a coletividade. NOTA: Sem um destes requisitos em um serviço público ou de utilidade pública, é dever da Administração intervir para restabelecer, regularizando o seu funcionamento, ou retomar a sua prestação. Esta lei prevê a preservação dos direitos próprios de todo e qualquer consumidor com base na Lei nº 8079/90, art. 6º - Código do Consumidor. 19 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS: COMPETÊNCIA, FORMA E MODOS 19.1 Da competência da prestação Os serviços públicos são de competência privativa do Estado, através da Administração Direta ou Indireta, cabendo a União, os Estados, o Distrito Federal e aos Municípios a prestação de serviços públicos. Das formas de prestação a) Serviços Centralizados: aqueles que o Poder Público presta por meios de seus órgãos, em seu nome e de sua responsabilidade (pelos próprios órgãos do Poder Público); b) Serviços Descentralizados: aqueles que o Poder Público transfere ou repassa sua titularidade ou sua execução por outorga ou por delegação, a entidades da Administração Direta ou Indireta (quando determinadas às Autarquias). c) Serviços Descontinuados: aqueles que a Administração executa de forma centralizada, e os distribui entre vários órgãos da mesma entidade, facilitando a sua realização, conclusão, acompanhamento pelos usuários. 34 Nota: OUTORGA:titularidade e execução – Definitivo DELEGAÇÃO:execução (Concessão, Permissão e Autorização) – Transitório Dos modos ou meios A prestação ou execução do serviço público ou serviço de utilidade pública, pode ser de forma DIRETA ou INDIRETA. Estabelece o art. 175 da CF/88, que cabe ao Poder Público. NOTA: Art. 175 da CF/88, permite a prestação direta ser feita pelo Poder Público, e a prestação indireta ser executada pelas delegatárias, ou seja, em regime de concessão ou permissão. 20 ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA BRASILEIRA - ADMINISTRAÇÃO DIRETA E INDIRETA No Brasil, o Estado tem uma de forma de governo federativo, sob governo Republicano Presidencialista, democrático, onde a União, os Estados Membros e os Municípios, são autônomos, promovem a organização administrativa nesses três níveis governamentais, expressas no art. 37 da CF/88. No nosso sistema governamental, há quatro espécies de Administração Pública: Administração Pública Federal – representada pela União, tem por finalidade o dever de administrar os interesses. Administração Pública do Distrito Federal – representada pelo Distrito Federal, tem por finalidade atender aos interesses da população ali residente, e de ser responsável pelo recebimento de representações diplomáticas ao Brasil quando em visita. Administração Pública Estadual – promove todas as iniciativas para satisfazer os interesses da população de seu limite territorial geográfico como estado – membro. Administração Pública Municipal – zelar pelos interesses da população local dentro dos imites territoriais do município. 35 20.1.1 a) ADMINISTRAÇÃO DIRETA Constitui-se dos órgãos integrantes da estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios. São centros de competência instituídos para o desempenho de funções estatais, através de seus agentes, não possui patrimônio; estão inseridos na estrutura de uma pessoa jurídica; na esfera federal estão submetidos à supervisão ministerial (ao Ministro de Estado); e, alguns têm capacidade jurídica, processual, para defesa de suas prerrogativas funcionais. 20.1.2 b) ADMINISTRAÇÃO INDIRETA Constituída de entidades com personalidade jurídica e compreende as empresas públicas e as sociedades de economia mista, que integram a Administração por relação de vinculação e cooperação, como: as Autarquias, Fundações Públicas, e Sociedade de Economia Mista. Suas características: personalidade jurídica; criação autorizada por Lei; patrimônio próprio; capacidade de autoadministração ou autonomia própria; sujeitos ao controle pelo Estado; não tem liberdade para modificação ou fixação de seus próprios fins; e, tem auto-gestão financeira etc. 21 DA ESTRUTURA E FUNCIONAMENTODO SERVIÇO PÚBLICO NO BRASIL a) SISTEMA: A Administração Pública Federal (APF) tem vários sistemas de suporte para o andamento e funcionamento das atividades fins dos órgãos e entidades, para a consecução de uma mesma finalidade. b) Sistemas do Poder Público: sistemas de suporte às atividades fins do Poder Executivo Federal: Sistema de Controle Interno - SCI Sistema de Planejamento e Orçamento - SPO Sistema de Administração dos Recursos de Informação e Informática do setor Público – SISP Sistema de Serviços Gerais - SISG Sistema de Pessoal Civil - SIPEC Sistema de Organização e Modernização Administrativa - SOMAD Sistema de Contabilidade Federal - SICON 36 22 ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA FEDERAL São vários os conceitos e pensamentos sobre a ciência das Finanças sobre as ideias políticas e sociais do Estado, sabendo-se que o objetivo é a Despesa, a Receita, o Crédito e o Orçamento. A Lei de Orçamento anual não precisa de declaração expressa, ela é destinada a vigorar a partir do primeiro dia do exercício financeiro, que em nosso país coincide com o ano calendário. 23 . FONTES DA ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA FEDERAL 23.1 Constituição Federal a) Fontes principais: Sistema de repartição das receitas tributárias (art. 162 a 175); Sistema dos empréstimos públicos (art. 163); Sistema monetário (art. 164); Sistema dos orçamentos (art. 165 a 169); Sistema de fiscalização contábil, financeira e orçamentária (art. 70 a 75). Emendas à Constituição Federal; Leis Complementares; Resoluções do Senado; Leis Ordinárias; Tratados e Convenções internacionais; Leis Delegadas; Medidas Provisórias; Decretos Legislativos. b) Fontes secundárias: Atos normativos; Decretos regulamentares; Decisões administrativas; Decisões judiciais; 37 Práticas reiteradas; Convênios. 24 ORÇAMENTO PÚBLICO NOTA: Orçamento (previsão de receita e despesa) é elaborado através das finanças públicas, para possibilitar o crédito público. 24.1 TIPOS DE ORÇAMENTO Dependerá do regime político vigente no país, a saber: Legislativo (pelo Poder Legislativo, com a execução pelo Poder Executivo – países parlamentarista); Executivo (pelo Poder Executivo – países de poder absoluto); Misto (Poder Executivo elabora e Poder Legislativo vota – caso Brasil). 24.2 CONCEITOS DE ORÇAMENTO a) Eliomar Baleeiro: - “o ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período de tempo e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei”. b) Amaro Cavalcanti: - “o Orçamento do Estado é o ato contendo a aprovação prévia das Receitas e das Despesas Públicas, para um período determinado”. c) Eloy Arantes Ferreira: - “Orçamento é um ato, que aprovando os planos de governo, autoriza-o a realizar as Despesas e arrecadar as Receitas, por certo período”. 38 24.3 ORÇAMENTO PÚBLICO A ser elaborado o orçamento deve haver um programa de ação de governo que permitirá se planejar, organizar, direcionar, controlar, administrar, gerir, avaliar etc, buscando o fim. O Orçamento público, está voltado à necessidade (ao “objetivo”) e, vinculado ao Sistema de Planejamento. O orçamento público compõe-se de duas partes são: Receitas; Despesas. O orçamento é um processo contínuo, dinâmico e flexível de modo que as liberações dos recursos sejam administradas e controladas. 24.4 NATUREZA JURÍDICA DO ORÇAMENTO O orçamento é uma lei, no aspecto formal, à medida que se submete ao mesmo processo legislativo, e é aprovado por lei (há pensamentos divergentes entre os juristas). 24.5 ASPECTOS DA NATUREZA JURÍDICA DO ORÇAMENTO Políticos; Jurídicos; Econômicos; Financeiros. A natureza jurídica do contexto da Lei Orçamentária é um “ato condição”, pela sua eficácia quanto à receita e a despesa. 24.6 REGIME CONSTITUCIONAL SEGUNDO A NATUREZA JURÍDICA Lei de iniciativa do Poder Executivo, art. 165 da CF/88, estabelece: 39 I – O plano plurianual; II – As diretrizes orçamentárias; III – os orçamentos anuais. NOTA: A Lei da Responsabilidade Fiscal, lei complementar nº 101 de 2000, disciplinou o Planejamento Financeiro estruturando-o nestas mesmas três espécies de orçamentos. 25 PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS Consagrados pela Constituição Federal de 1988: NOTA: A Lei nº 4320 / 64, que direciona e instrui as normas gerais de Direito Financeiro aplicáveis a todas as esferas da Administração Pública, determina a observância aos princípios da: unidade, universalidade, e anualidade, e outros princípios. Princípio da Unidade: o orçamento deve se fundamentar em uma única política orçamentária, contendo todas as receitas e despesas do Estado (art. 165, & 8º da CF/88, e art. 2º, && 1º e 2º da lei nº 4.320/64). Princípio da Universalidade: o orçamento deve conter todos os aspectos dos elementos programáveis que o constituem, ou sejam, todas as receitas e despesas (art. 165, &5º da CF/88). Princípio da Anualidade: adota o ano como período para delimitar o exercício financeiro do Estado (art. 165, inc.III da CF/88, e art. 34 da Lei nº 4.320/64). Princípio da Programação: envolve a seleção dos objetivos que se pretende alcançar, e as ações com as quais se chegará até tais objetivos; Princípio da Exclusividade: no orçamento não deve constar outro assunto que não seja relativo à previsão de Receita e de Despesa pública (art. 165, &8º da CF/88). Princípio da Clareza: o orçamento não deve permitir interpretações duvidosas, e de suma importância ser transparente e de fácil clareza. Princípio do Equilíbrio: o orçamento deve registrar um equilíbrio entre as entradas e as saídas financeiras, evitando o endividamento ou déficit público orçamentário. 40 Princípio da Publicidade: o orçamento deve ser divulgado através dos veículos oficiais de comunicação e divulgação (Diário Oficial) para conhecimento público, e respectiva eficácia de sua real validade. Princípio do Não - afeto: fica vedada a vinculação de receita de impostos a órgãos, fundo, ou despesa, conforme expresso no art. 167, inc. IV, e os art. 158 e 159 da CF/88. Princípio da Especificação, ou Descriminação, ou Especialização: o orçamento deve registrar a discriminação da receita e despesa por unidade administrativa, para evidenciar o quanto que poderá render ou despender cada unidade considerada, conforme art. 15 da Lei nº 4.320/64, e art. 165, & 6º da CF/88. Princípio do Orçamento Bruto: o orçamento deve constar de todas as parcelas da receita e da despesa, em valores originais, de acordo com o art. 6º da Lei nº 4.320/64, vedadas quaisquer deduções. Princípio da Transparência Fiscal: obriga o plano orçamentário a ser levado à avaliação pública (ao povo), pela divulgação do plano e do orçamento público, quanto à prestação de contas da execução orçamentária, conforme art. 48 e parágrafo único da Lei de Responsabilidade Fiscal. 26 DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS O art. 165, & 2º da CF/88, determina a elaboração de “diretrizes orçamentárias”, definidas por Lei própria, e, pela Lei-complementar nº 101/00 – Lei de Responsabilidade Fiscal. NOTA: é recomendável ler a referida Lei de responsabilidade (nº 101 / 00). A Diretriz Orçamentária oriunda das instruções normativas, registram os objetivos a serem atingidos através do planejamento orçamentário. A Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) serve para evidenciar e orientar para a elaboração do orçamento público anual (Receita e a Despesa pública), mencionar todas as metas e as prioridades através da Administração Pública Federal. A Lei de Diretrizes Orçamentárias
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