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Cultura Popular no Início da Idade Moderna: diálogo entre Peter Burke e Mikhail Bakhtin

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6
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP)
Faculdade de Ciências e Letras, Departamento de História – Câmpus de Assis
Curso de Graduação em História (Licenciatura)
Ana Carolina Sotocorno; Ester Almeida; Inayê Silva; Lara Pires dos Santos
CULTURA POPULAR NO INÍCIO DA IDADE MODERNA
Diálogo entre Peter Burke e Mikhail Bakhtin
Assis – SP
2018
Ana Carolina Sotocorno; Ester Almeida; Inayê Silva; Lara Pires dos Santos
CULTURA POPULAR NO INÍCIO DA IDADE MODERNA
Diálogo entre Peter Burke e Mikhail Bakhtin
Trabalho apresentado no curso de Graduação em Assis da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP)
Professor Responsável: Eduardo José Afonso
Assis – SP
2018
RESUMO
	O presente trabalho objetiva expor de forma analítica e crítica as obras Cultura Popular na Idade Moderna. Europa, 1500- 1800, de Peter Burke, e Cultura popular na Idade Média e Renascimento: o contexto de Rabelais, cuja autoria pertence a Mikhail Bakhtin. Em ambos os livros é desenvolvida a temática da cultura popular no período entendido como o início da Idade Moderna europeia. Para tal, os autores discutem diversas expressões culturais do período e inserem exemplos os quais ilustram de modo didático e claro como se davam as manifestações populares. 
	Deste modo, os textos de Burke e Bakhtin serão analisados separadamente para, posteriormente, dialogar as ideais pretende pontuar desenvolvidas por eles a partir das semelhanças e diferenças observadas. Além disso, se questões pertinentes de reflexão mediante inquietações suscitadas pela análise das obras.
Palavras-chave: Cultura Popular; Bakhtin; Burke
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1. O Combate do Carnaval e da Quaresma	10
Ilustração 2. Velha Grávida	17
Ilustração 3. Velha Grávida Sentada na Cadeira	17
Sumário
1 INTRODUÇÃO	6
2 CULTURA POPULAR NA IDADE MODERNA: EUROPA, 1500-1800	8
2.1 Uma Presa Esquiva	8
2.2 O Mundo do Carnaval	9
3 A CULTURA POPULAR NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO: O CONTEXTO DE FRANÇOIS RABELAIS	13
4 CONCLUSÃO	20
4.1 DIÁLOGO ENTRE OS TEXTOS	20
4.2 ANALOGIA COM A ATUALIDADE	22
5 BIBLIOGRAFIA	25
6 FONTES	27
1 INTRODUÇÃO
Nascido na Inglaterra em 1937, o historiador Peter Burke é referência nos estudos acerca da Idade Moderna europeia. Doutorou-se pela Universidade de Oxford, e, ao longo de sua carreira, atuou como docente em instituições renomadas como a Universidade de Sussexe Princeton. Ademais, foi professor visitante da Universidade de São Paulo entre setembro de 1994, e setembro de 1995, período em que trabalhou em seu projeto de pesquisa intitulado Duas Crises de Consciência Histórica. Juntamente com sua esposa, a brasileira Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke, escreveu o livro Repensando os trópicos, trabalho no qual realiza pesquisa a respeito da vida intelectual do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre. Devido ao referido livro e aos artigos críticos os quais publicou acerca de Freyre, é considerado um dos especialistas mundiais sobre o sociólogo. Em suas produções, Burke sempre introduz a relevância dos aspectos socioculturais. Atualmente, é professor emérito da Universidade de Cambridge, e possui cerca de trinta obras publicadas. 
Em Cultura Popular na Idade Moderna. Europa, 1500- 1800o autor explora a temática da cultura popular a fim de descrevê-la e interpreta-la. Para tanto, parte da premissa de Gramsci[footnoteRef:2] o qual afirma que cultura popular é a não oficial, a cultura da não elite, das “classes subalternas”. Sendo assim, para atingir as produções e descobrir os valores e atitudes desses que não pertenciam à elite, Burke empreende sua análise por outro viés de estudo, diferente daquele tradicional da história da cultura. Neste contexto, articula outras disciplinas como os especialistas em folclore europeu e críticos literários. No presente trabalho, entretanto, serão examinados os capítulos 3 e 7 no qual são discutidas questões referentes às fontes que o historiador possui, as festas populares, seus símbolos e rituais, sobretudo os elementos carnavalescos. [2: A. Gramsci, "Osservazioni sul folclore", em Opere, 6, Turim, 1950] 
Neste sentido, com o intuito de fomentar diálogo, a segundo obra analisada será A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895- 1975) formou-se em Letras e Filosofia pela Universidade de São Petersburgo. Foi um renomado filósofo da linguagem, pensador e teórico da cultura europeia. Autor de conceitos como dialogismo, polifonia, cultura cômica, cronotopo e carnavalização, Bakhtin é destaque em estudos do gênero discursivo e linguagem humana, áreas em que publicou diversas obras. Em suas pesquisas, alia o marxismo à filosofia da linguagem na medida em que aplica o materialismo dialético em suas análises, pois, de acordo com ele, é o contexto e ideologia quem criam o pensamento individual, e não o processo contrário.
	Originalmente, o livro aqui em discussão foi publicado em forma de tese de doutorado, em 1941, e aborda várias formas da cultura popular, entre elas os espetáculos, ritos, e obras cômicas, sobretudo, reforça a importância do riso nas manifestações populares e seu potencial de contestar a norma vigente. Assim, empreende pesquisa bastante aprofundada acerca das obras do escritor François Rabelais, e, a partir disso, discute a rigidez aplicada nas formas clássicas da literatura a fim de reivindicar uma integração participativa e dialógica nas obras literárias. Em virtude do referido trabalho, se tornou referência nos estudos acerca das obras rabelaisianas. 
	
2 CULTURA POPULAR NA IDADE MODERNA: EUROPA, 1500-1800
2.1 Uma Presa Esquiva
	Burke irá utilizar o termo “Uma Presa Esquiva” para intitular o terceiro capítulo da obra, para mostrar ao leitor como a cultura popular nos inícios da Europa Moderna se comporta de modo esquivo. Pois, sua análise é dificultosa ao historiador, por ser esse um homem letrado que pode achar árduo a compreensão de pessoas diferentes de seu tempo. Além disso, é esquiva também pela fragmentação dos indícios e fontes. 
	A cultura popular de meados do século XV fazia parte do grupo social o qual não sabia ler ou escrever e, diante deste contexto característico do início da modernidade europeia, os historiadores possuíam contato com as manifestações populares através de mediadores: textos feitos pela elite, por visitantes e autoridades da Igreja ou Estado, ou mesmo obra de autores e poetas. Diante disso, não podemos contar com a imparcialidade de quem produziu tais relatos ou supor fidelidade nessas representações. Por isso, para melhor esclarecer as dificuldades enfrentadas pelo historiador, são citados seis casos de mediação, sendo o mais significativo para a discussão aqui proposta é o uso de grandes escritores como fonte da cultura popular. 
	Rabelais possui destaque nesta categoria por ser autor de grande familiaridade com a pequena tradição de seu tempo, porém também toca as raízes da macroestrutura e baseia-se livremente nela. Isto é, se apresenta como um mediador sofisticado entre duas tradições. Desta forma, o uso que Rabelais faz da cultura popular é tido como deliberado, não espontâneo e parcial. 
Por conta das dificuldades em encontrar documentos referentes à cultura popular que não tenham o contato com mediadores, são necessárias outras técnicas para conseguir ter acesso a esse conhecimento. Para isso, Burke apresenta três meios indiretos: 
O primeiro a ser citado é o método iconográfico, o qual estuda a origem e a formação das imagens. Pois, como grande parte da população não possuía domínio sobre a escrita, deixavam seus vestígios por meio de objetos artesanais. Porém, o autor enfatiza a dificuldade de se trabalhar com a iconografia, por não se ter a compreensão de qual o pensamento dessas pessoas sobre suas representações colocadas nos objetos. 
Em seguida, se é mencionado o método regressivo, que consiste em utilizarde um período posterior ao estudado, para fazer uma análise regressiva a partir dele. Baseia-se em uma interpretação e não definição, sendo complementado pelo método comparativo. Ademais, é deixado claro que todos os métodos citados são especulativos e não definitivos. e não devem ser utilizados isolados, pois um complementa o outro.
2.2 O Mundo do Carnaval
	Em O Mundo do Carnaval, Burke discorre, dentre outras coisas, acercados “Mitos e Rituais” os quais fugiam do cotidiano, bem como, Corpus Christi. Nele, será explanado ao leitor que discutir festas é necessariamente discutir rituais, sendo, porém, dificultoso a definição do termo“Ritual”. Mas, em linhas gerais, ele será utilizado para se referir ao uso da ação para expressar significados, em oposição às ações mais utilitárias e também à expressão de significados através de palavras ou imagens (p. 204). Sendo também mencionado que a vida cotidiana nos inícios da Europa Moderna estava repleta de rituais. 
	O autor expõe ainda sobre uma teoria do século XIX a qual sustentava a origem dos mitos nos rituais:
“Segundo ela, ao longo do tempo, os rituais deixaram de ser compreendidos e foi preciso inventar mitos que os explicassem. Essa teoria é simples demais e podem-se encontrar exemplos em que o mito antecede o ritual, como no caso da missa; mas os exemplos de Robin Hood e são João Batista sugerem que o ritual às vezes realmente influencia o mito.” (p. 205)
	Para a cultura popular, as festas eram de extrema importância, principalmente, o carnaval. Isto posto, as pessoas ansiavam por este evento durante o ano todo, era um momento de festa, libertação e a época do ano em que a população vivia o espetáculo. Burke aponta que não havia diferença entre atores e espectadores, todos participavam de alguma forma. Era uma imensa peça. 
O consumo de alimentos durante este festejo era abundante, principalmente o de carne; as bebidas também eram consumidas em grande escala e o uso de fantasias e máscaras era extremamente comum. Eram feitas competições, encenações cômicas de peças ou cerimônias da igreja, muitas das vezes, com tom de zombaria, além de danças e canções em coro pelos camponeses. Essas são algumas das características desse grande festejo. 
É importante ressaltar que o carnaval acontecia de formas diferentes dependendo da região. E, ainda, possuía significados diferentes para quem o visse ou o presenciasse. Sendo mais popular na Itália, França, Espanha, mas, em outras partes da Europa, não era tão comum.
	Em diversas obras o período do carnaval é representado, como, o quadro de Peter Bruegel, de 1559, O Combate do Carnaval e da Quaresma, que é ponto de partidapara se entender as transformações que ocorreram na cultura populara partir da Idade Média. O quadro trata da luta entre o príncipe Carnaval,gordo e alegre e a Quaresma, magra e triste.
[footnoteRef:3] [3: BRUEGEL, Pieter. O Combate entre o Carnaval e a Quaresma. 1559. Óleo sobre tela, 118 centímetros x 164,5 centímetros.KunsthistorischesMuseum.] 
Ilustração 1. O Combate do Carnaval e da Quaresma
	O combate entre “um gordo escarranchado num barril” e “uma velhamagra sentada numa cadeira” pode ser entendido no contexto da Idade Média, em que indícios mostram que esta cena não era fruto da imaginação de Bruegel ou de outros pintores que a representaram, como Bosch, por exemplo, mas que era encenada em público. O Carnaval, geralmente, era um homem gordo, alegre, jovial, barrigudo, colorido, às vezes enfeitado com comidas, como salsichas, aves, coelhos ou acompanhado de um caldeirão de macarrão, em Veneza, 1572, e a Quaresma, era uma velhinha triste, magra, vestida de preto e enfeitada com peixes: é curioso observar que o “Zé Quaresma” (Jack aLent) parece ser uma exceção como personagem masculino e que os palhaços famosos eram figuras carnavalescas pelos nomes que possuíam, como o “João Salsicha” (Hans Wurst) ou o “Arenque Azedo” ou “Estevão Bacalhau”, descarnados personagens da Quaresma. Em Bolonha, em 1506, foi encenado publicamente, um torneio entre o Carnaval, montado num cavalo gordo, e a Quaresma, num cavalo magro, seguidos, cada um, por um batalhão de simpatizantes. (p. 209)
	Para estudiosos das Artes, como Rose-Marie e Rainer Hager(1995), o quadro pode ter a seguinte interpretação:
“Um bobo caminha (...) no centro do quadro O Combatedo Carnaval e da Quaresma. Ilumina comum facho aceso um casal de adultos, apesar da claridadedo dia, sinal dos mundos ‘às avessas’. Pode estar às avessasem resultado dos duros combates travados entre católicose protestantes, os primeiros representados por magrasfiguras de Quaresma e os segundos como glutões ávidosde prazer. À sua volta, Bruegel desenrola uma infinidadede cenas folclóricas: crianças a brincar, doentes quemendigam, vendedores de peixe, fiéis que saem da igrejacom suas cadeiras, personagens mascarados, lembrandouma procissão.” [footnoteRef:4] [4: HAGER, Rose-Marie e Reiner. PieterBrueguel, o Velho, cerca de1525 e 1569 e Camponeses, loucos e demônios. Tradução de LuciliaFelipe. Köln: BenedikitThashen, Lisboa e Alemanha, 1995, p. 51.] 
	A figura do louco, que caminha ao centro da composição, mostraque a intenção de Bruegel não era apenas descrever a vida dacomunidade ou os divertimentos de Carnaval. Alguns exegetasconcluem a partir de quadros como este que Bruegel teria sido, em primeiro lugar, um “moralista popular”: “Em cada uma de suasobras, procuram a mensagem didáctica, tratando cada quadrocomo uma obra de moralização.”[footnoteRef:5] [5: HAGER, Rose-Marie e Reiner. PieterBrueguel, o Velho, cerca de1525 e 1569 e Camponeses, loucos e demônios. Tradução de LuciliaFelipe. Köln: BenedikitThashen, Lisboa e Alemanha, 1995, p. 50.] 
	A ideia de “mundo de cabeça para baixo” é muito relacionada ao carnaval e, para explicá-la, é necessário falar dos três simbolismos desta festividade: a carne, o sexo e a violência. 
	O consumo de carne era evidente e, é por conta disso que surge o termo “carnaval”; ademais, as pessoas chegavam a pendurar peças de carne, como linguiças ou animais mortos, nas vestes e desfilar pelas ruas. O sexo era praticado intensamente durante o carnaval, além de ser incitado constantemente por meio de cantigas de duplo sentido e objetos com formatos fálicos carregados pelas ruas.A violência também era recorrente: agressões verbais, uso de palavrões e ofensas de “baixo calão” eram bastante comuns entre as pessoas e direcionadas às autoridades. 
	Animais indefesos eram alvos dos ataques, como, galos, gatos e cachorros. Burke menciona que os judeus eram,de mesmo modo, objetos de violência, sendo apedrejados ou atingidos por lama. Dito tudo isso, o número de assassinatos aumentava durante os dias de carnaval.
O sucesso do carnaval partia, principalmente, do fato de ser um momento propulsor às pessoas de fuga do seu cotidiano. Era representado como “o mundo de cabeça para baixo”, por ser a forma que a população encontrava para extravasar os acontecimentos do ano: o momento o qual o funcionário se mascarava e ofendia seu patrão para descontar seu ódio em forma de violência e zombaria. Em outras palavras, o momento em que a ordem natural da sociedade se invertia, justamente, por estimular o sexo, a violência, o consumo exagerado de comida e outroselementos abafados no cotidiano.
Diversas festividades tinham elementos carnavalescos, principalmente em locais nos quais o carnaval não era tão popular. Um exemplo é a festa dos bobos[footnoteRef:6], nela havia dança, músicas obscenas, máscaras, fantasias e até mesmo a troca de vestimenta entre homens e mulheres ouo natal, no qual havia comida em abundancia, da mesma forma que no carnaval. Alías, ocharivari[footnoteRef:7] era algo recorrente:as pessoas reuniam-se para cantar cantigas as quais humilhavam a vítima, enquanto batiam em panelas e outros utensílios domésticos para fazer som. As execuções públicas, destinadas para as autoridades mostrarem à população que “o crime não compensa”, eram bastante comuns. Existiam outras formas de violência, como, o açoite e outros castigos públicos, queremetiam a violência existente no carnaval. O carnaval era um compilado desses elementos existentes em outras festividades. [6: A festividade costumava acontecer no dia 28 de dezembro.] [7: Uma difamação pública para todos aqueles que fugiam a norma social daquele período, como os que se casaram pela segunda vez, ou maridos traídos pelas esposas, ou aqueles que apanhassem de suas mulheres.] 
	Para finalizar o sétimo capítulo, Peter Burke delega ao leitor um debate importantíssimo que acompanha toda a obra. Influenciado pelas fontes de antropólogos, acentua que esses mitos e rituais desempenham funções sociais e, por isso, o autor nos questiona:qual a função do carnaval? Algumas respostas são bem evidentes: diversão, pausa bem-vinda na luta diária e na árdua rotina, entretanto, para fomentar uma reflexão, se é citado o ritual do Charivari, que segundo o autor, parece ter servido à função de controle social, pois tentava preservar a ordem e desencorajar transgressões aos costumes. 
	Esse é um debate extremamente coerente sobre as políticas do chamado Pão e Circo romano, em que o Governo distribui tanto alimentação, quanto o espetáculo, para distrair o povo das verdadeiras mazelas sociais que cercavam as esferas políticas e econômicas[footnoteRef:8]. Neste trabalho escrito, se é apontado a grande probabilidade deste mecanismo ter sido estendido até o carnaval europeu e,ao ir além das discussões teóricas do texto, se é discutidoa atualidade da política do Pão e Circo. Ressignificada e atualizada à realidade contemporânea, se é possível questionar, assim como fez Burke: a Elite deixa o povo se expressar e extravasar para não se rebelar? O Estado cede direitos para a população manter-se sob sua Ordem? [8: GUARINELLO, Norberto Luiz. “Violência como espetáculo”: o pão, o sangue e o circo. HISTÓRIA, SÃO PAULO, v. 26, n. 1, p. 125-132, 2007.] 
3 A CULTURA POPULAR NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO: O CONTEXTO DE FRANÇOIS RABELAIS
	Cultura popular na Idade Média e no Renascimento no contexto de François Rabelais é a obra de maturidade do pensador russo Mikhail Mikhailovich Bakhtin, e sua primeira edição saiu em 1965, na Rússia, embora tenha sido escrita na década de 1940 em forma de tese com o título Rabelais na História do Realismo. Este texto foi apresentado ao Instituto de Literatura Mundial Gorki como uma tese de pós-graduação, pois sua meta era alcançar o grau de doutor, objetivo que nunca foi alcançado. Porque, enquanto os membros da banca os quais o julgaria estiveram com seu trabalho, possuíram receio em avaliá-lo diante do exigente critério de monocultura marxista imposto pelo governo soviético.[footnoteRef:9] [9: DISCINI, Norma. Carnavalização. In: ______(org.). Bakhtin: outros conceitos. São Paulo: Contexto, 2008, pp.53-93.] 
	Embora seu trabalho esteja relacionado com a área de literatura, sua abrangência é muito mais ampla, chegando a ser chamada por alguns especialistas contemporâneos como “teoria inclassificável”[footnoteRef:10].Dito isso, possui relação com os diferentes setores das humanidades, como por exemplo, semiótica, teoria da cultura, filologia, crítica literária, história da literatura, linguística e análise do discurso. Desta maneira, o que aparentemente seria um amplo comentário à obra Gargantua e Pantagrueldo escritor francês renascentista François Rabelais, para afirmar o espaço e a importância desse escritor na história da literatura, ganha dimensões inimagináveis, e desperta interesses nos acadêmicos dos grandes centros intelectuais europeus: em 1968 seria traduzido para o inglês, na década de 1970 sucessivamente ao francês, espanhol e italiano, e no final da década seguinte saiu no Brasil uma edição em português a partir do francês. [10: PAULA & STAFUZZA (Orgs). Círculo de Bakhtin: pensamento interacional. Campinas: Mercado das Letras, 2013. Série Bakhtin: inclassificável; v. 3] 
	A respeito de François Rabelais, Bakhtin afirma: 
“(...) não resta dúvida de que o lugar histórico que ele ocupa entre os criadores da nova literatura européia está indiscutivelmente ao lado de Dante, Boccaccio, Shakespeare e Cervantes”, se destacando principalmente por ser um escritor democrático, na verdade “o mais democrático dos modernos mestres de literatura” (p.4). (...) Não obstante, na Rússia de seu tempo “ele seja o menos popular, o menos estudado, o menos compreendido e estimado dos grandes escritores da literatura medieval” (p.1)
	François Rabelais, nascido em Chinon em 1494, autor alvo da referida pesquisa de Bakhtin, além de escritor renascentista, estudou direito, foi ordenado padre, pertencente à ordem franciscana, doutorou-se em medicina e manteve contato com os humanistas, especialmente com Erasmo de Roterdam. Sua vocação sacerdotal era questionável, de tal forma que conseguiria permissão para abandonar o hábito, pois sua fama de escritor cômico lhe atraiu muitas críticas dos religiosos contemporâneos. Apesar das críticas e da censura, tanto da parte de católicos quanto de calvinistas, a obra de Rabelais se tornou uma espécie de best-seller da época, de tal forma, que ao lado das Institutas da Religião Cristã de João Calvino, influenciou o desenvolvimento da língua francesa.
	Sua obra prima,Gargântua e Pantagrue,escrita entre 1532-1552 o imortalizou como autor cômico, fato que fez com que seus outros atributos lhe fossem omitidos durante séculos. Todo seu trabalho, mas especialmente o texto referido, devido à zombaria que faz religião oficial e do clero, dentre outras tantas paródias religiosas e cenas eróticas e de menosprezo aos valores aristocráticos, foi condenado pela Sorbonne, considerada obscena e herética e incluída no Index librorumprohibitorumem 1564. Com isso, por conta desta previsível repreensão, Rabelais os escreveu sob o pseudônimo de AlcofrybasNasier. 
	Antes de Bakhtin, a maioria dos interpretes dessa obra viram nela apenas humor e comicidade, mas o próprio autor já demonstrava nas entrelinhas que sua intenção não era apenas fazer rir, assim afirma no prólogo de uma edição: 
“É porque vós, meus bons discípulos, e alguns outros doidivandos ávidos de lazer, lestes os divertidos títulos de alguns livros de nossa invenção Gargântua e Pantagruel (...) e mui levianamente julgais que, dentro não se tratou senão de brincadeiras, fantasias e mentiras divertidas, visto que, sem se examinar o conteúdo, o rótulo externo (isto é o título) insinuava zombaria e pândega. Não convém, todavia, encarar tão levianamente a obra dos humanos, pois vós mesmos dizeis que o hábito não faz o monge; pode alguém usar as vestes monacais e por dentro nada ter de monge, como pode um outro vestido de capa espanhola, nada ter que ver com a Espanha por sua coragem. Por isso, é preciso abrir o livro e cuidadosamente verificar o que contém.” [footnoteRef:11] [11: RABELAIS, François. Gargantua e Pantagruel – Coleção Grandes obras da cultura universal, VOL XIV. Tradução de David Jardim Junior. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2009, p. 26.] 
	Vários admiradores e entusiastas da obra de Rabelais a pesquisaram na Europa ocidental, mas, o teórico russo enfatiza que ninguém a sistematizou em razão da elevação dos valores burgueses, assim, foi dificultoso até mesmo aos românticos os quais acessaram a obra, mas não tiveram a chave para decifrá-la (p.2). A chave para interpretar a obra de François Rabelais está na profunda originalidade da antiga cultura cômica popular, ainda não foi revelada, que encontra seu poder nas múltiplas manifestações do riso, presente desde a antiguidade até o medievo.Por isso, a tentativa de analisar a literatura rabelaisana deve ser realizadacom certa delicadeza, pois no carnaval se manifesta um riso despretensioso, não reativo, nas palavras de Bakhtin: “um riso festivo” (p.10). 
	O conceito de filosofia do riso não foi cunhado por Bakhtin, mas parece legítima sua fundição, na medida em que seu intérprete Carlos Alberto Faraco nomeou a empreita do teórico ao reunir os diferentes testemunhos do riso desde as antigas comédias gregas, passando pela medicina antiga, pelos filósofosde Atenas, e se destacando no helenismo com a sátira menipéia. Mantendo-se sobrevivente mesmo diante da seriedade do mundo medieval, através de textos que parodiavam livros e histórias sagradas, e principalmente através dos espetáculos públicos que ocorriam durante o carnaval, onde era concedida uma liberdade que equilibrava àquele mundo. Além disso, a filosofia do riso permanecia viva diante da vulnerabilidade da linguagem em alguns ambientes específicos, como no diálogo em família, onde xingamentos e elogios podem ser realizados a partir de um mesmo termo.[footnoteRef:12] [12: FARACO, Carlos Alberto. Linguagem & Diálogo: as ideias do circulo de Bakhtin. São Paulo: Parábola, 2009, p. 80- 83.] 
	Conforme Bakhtin, as múltiplas manifestações dessa cultura carnavalesca relegada às margens podem subdividir-se em três grandes categorias: “1. As formas dos ritos e espetáculos; 2. Obras cômicas verbais; 3. Diversas formas e gêneros do vocabulário familiar”. Abaixo se é representada uma de cada vez:
“1. As formas dos ritos e espetáculos”: 
	Festas cômicas que existiam em oposição às festas oficiais, cerimônias sérias, e aconteciam através da “festa dos tolos”, “festa do asno”, “riso pascal” e “festas do templo”, tão populares no mundo medieval, mas pouco conhecidas hoje em dia. Neste sentido, tinham uma função de catarse, para o povo medieval, pois o riso estabelecia a oposição de dois mundos, a seriedade do mundo cotidiano em contrapartida à alegria carnavalesca. Pois, o carnaval não é uma manifestação artística, na medida em que seus personagens não são humoristas, até porque, diferentemente dos comediantes conhecidos hoje, bufões, bobos, gigantes e anões, continuam sendo bufões e bobos durante todas as circunstancias de sua vida. (p.3-7). 
	Outra característica desses espetáculos públicos é a sua capacidade de romper as barreiras sociais, em contraste com as festas oficiais, as quais reafirmam a existência delas. Desta maneira, no carnaval existem novos deuses e reis ascendentes e o destronamento dos antigos, isso é uma forma de virar o mundo às avessas através de oposições na função e no posicionamento dos membros do corpo: o alto no baixo e o baixo no alto. Nesta perspectiva, um aspecto destacado na obra de Bakhtin por Norma Discini é a “mística do inferno carnavalesco” de Rabelais como uma forma de manifestação da inversão da ordem estabelecida: Alexandre o Grande remenda velhos calções, Xerxes vende mostarda, Rômulo é lenhador, Dário limpador de latrinas, em contrapartida, Diógenes (o cão) anda magnificamente com grande túnica de púrpura. [footnoteRef:13] [13: DISCINI, Norma. Carnavalização. In: ______(org.). Bakhtin: outros conceitos. São Paulo: Contexto, 2008, pp.53-93.
] 
	Acrescenta-se ainda ao carnaval medieval o conceito de Bakhtin de Realismo Grotesco:
“No realismo grotesco (isto é, no sistema de imagens da cultura cômica popular), o princípio material e corporal aparece sob a forma universal, festiva e utópica. O cósmico, o social e o corporal estão ligados indissoluvelmente numa totalidade viva e indivisível. É um conjunto alegre e bem benfazejo”. O realismo grotesco está essencialmente associado com a carnavalização, são manifestações da contraditoriedade, do movimento e do inacabamento, Bakhtin o designa como “tipo específico de imagens da cultura cômica popular em todas as suas manifestações” (p.27). 
	As imagens grotescas procedem da antiguidade, com o passar do tempo foram cada vez mais postas às margens, até serem, no século XVIII, consideradas mera anedota burguesa. 
	Em Rabelais, os gigantes manifestam essa concepção estética em seus corpos através dos exageros, pois, no realismo grotesco se destaca, sobretudo, a imagem do corpo. Dito isso, o corpo grotesco possui dimensões exageradas, seu apetite é exagerado, e manifesta positivamente os princípios da vida material e corporal, como, a comida e a bebida em abundância e as necessidades fisiológicas e sexuais. Esse corpo é modelo para uma sociedade carnavalesca, que se alimenta em abundância, festeja alegremente e se entrega livremente aos prazeres sexuais. O realismo grotesco é uma concepção estética enraizada na antiguidade que, com o passar do tempo, foi esquecida e relegada às margens, praticamente como o oposto da beleza proposta pelos regimes oficiais e manifesta nas artes de vanguarda. 
	A análise realizada por Bakhtin de uma das figuras de terracota de Kertch, as velhas grávidas, traz maior esclarecimento acerca da concepção de corpo no realismo grotesco:
[footnoteRef:14] [14: Mulher grávida. Terracota de Kertch – Crimeia. Séc. IV a.C., Museu do Louvre.] 
Ilustração 2. Velha Grávida
[footnoteRef:15] [15: Figura de Terracota sentada numa cadeira. Boeotia, Grécia, c. 300 a.C, British Museum.Figura de Terracota sentada numa cadeira. Boeotia, Grécia, c. 300 a.C. British Museum
] 
Ilustração 3. Velha Grávida Sentada na Cadeira
“Trata-se de um tipo de grotesco muito característico e expressivo, um grotesco ambivalente: é a morte prenhe, a morte que da à luz. Não há nada perfeito, nada estável ou calmo no corpo dessas velhas. Combinam-se ali o corpo descomposto e disforme da velhice e o corpo ainda embrionário da nova vida. A vida se revela no seu processo ambivalente, interiormente contraditório. Não há nada de perfeito nem completo, é a quintessência da incompletude. Essa é precisamente a concepção grotesca o corpo.” (p. 23)
“2. Obras cômicas verbais”: 
	Durante o período helenístico conhecemos um gênero literário chamado sátira menipéia, do qual algumas obras sobreviveram como Aboborificação do divino Claudio de Sêneca, Diálogo dos Mortos de Luciano de Samosata e O asno de ouro de Lucio Apuleio. Embora esses escritos não sejam detalhados, são citados como fonte de Rabelais, pois além de testemunharem a existência do já referido realismo grotesco e do riso na antiguidade, também se manifestam como prova da forma como os antigos falavam de coisas sérias através do riso. 
	Apesar de encontrar-se na sátira menipéia o exemplo concreto do riso na antiguidade, para Bakhtin, o riso como filosofia é muito mais antigo, pois já se ancora em Sócrates, o parteiro das idéias, um zombador por natureza. E ainda anteriormente, vemos sua manifestação nas tragédias e nas primitivas festas dionisíacas, testemunhada, por exemplo, nas Bacantes de Eurípedes. Assim, é afirmado: 
“A idéia de carnaval foi percebida e manifestou-se de maneira muito sensível nas saturnais romanas, experimentadas como um retorno efetivo e completo (embora provisório) ao país da idade de ouro” (p.6). 
	Na idade média e no renascimento uma forma de gênero literário cômico nos moldes da sátira menipéia sobreviveria através de paródias dos livros sagrados e das histórias sagradas contadas oralmente. Bakhtin representa esse gênero através de CoenaCypriani, Vergilius Maro grammaticuse O Elogio da Loucura, de Erasmo de Roterdam, dentre muitas outras paródias da Bíblia e dos romances de cavalaria, como Dom Quixote de Miguel de Cervantes.
“3. Diversas formas e gêneros do vocabulário familiar”: 
	Além das formas escritas, a cultura carnavalesca também se manifesta no diálogo, através do tom de voz, do vocabulário, de gestos e de outras particularidades na comunicação entre pessoas próximas. Isso se manifesta concretamente através do gênero do diálogo nas feiras e praça pública, lugares propícios para piadas e conversas fiadas, linguagem familiar, linguagem dos banquetes, palmadas nos ombros e no ventre, palavras blasfemas, injuriosas, grosseiras e obscenidades. 
	A sátira menipéia transpôs essa linguagem falada para o papel, por isso, esse gênero está permeado de palavras de baixo calão e de xingamentos que eram corriqueiramente pronunciados, mas pouco testemunhados em textos escritos por motivos óbvios. Exemplo disso é o que é afirmado em Aboborificação do Divino Cláudio a respeito do finado Imperador: 
“Foi-lhe este o ultimo som ouvido entre os homens, quando teria deixado escapar os maiores barulhos daquela parte, com a qual mais facilmente falava: ‘Ai de mim creio queme caguei’ Não sei se ele falou isso. O certo é que ele emporcalhou todas as coisas”. [footnoteRef:16] [16: SENECA. Apocolocintose do divino Claudio. In: SOUZA, Frederico da Silva. Apocolocintose do divino Cláudio: tradução e notas explicativas. São Paulo, 2008, Dissertação (Mestrado em Letras) – Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), p. 3.] 
	Por fim, conforme o argumento central de ACultura Popular na Idade Média e no Renascimento, Rabelais é o grande responsável por catalisar esta cultura carnavalesca, manifestá-la de referidas formas, e apresentá-la em forma de romance em Gargantua e Pantagruel.
4 CONCLUSÃO
4.1 DIÁLOGO ENTRE OS TEXTOS 
Tendo em vista a leitura atenta das obras, bem como a presente análise desenvolvida, é possível elencar semelhanças e diferenças entre os textos a fim de dialogar as ideias de Peter Burke e Mikhail Bakhtin. Ambos os autores exploram a temática da cultura popular no período entendido como o início da Idade Moderna e, desta forma, vários aspectos em comum são trabalhados. No entanto, suas pretensões de pesquisa são distintas, fato o qual resulta em perspectivas diferentes. 
Neste sentido, no tocante às semelhanças, é notável que os escritores atribuem expressiva relevância às festividades, pois consideram tais momentos como de suma importância no cenário cultural popular. Segundo Burke, elas são eventos carregados de simbologia, verdadeiras ocasiões especiais. (p. 204). Ademais, de acordo com Bakhtin, 
“As festividades (qualquer que seja o seu tipo) são uma forma primordial, marcante, da civilização humana. Não é preciso considerá-las nem explicá-las como um produto das condições e finalidades práticas do trabalho coletivo nem, interpretação mais vulgar ainda, da necessidade biológica de descanso periódico. As festividades tiveram sempre um conteúdo essencial, um sentido profundo, exprimiram sempre uma condição do mundo.” (p. 7)
	
Por este ângulo, os dois textos vão abordar um festivo específico, o carnaval, uma vez que “O exemplo par excellence da festa como contexto para imagens e textos é certamente o Carnaval. Particularmente no sul da Europa, era a maior festa popular do ano, época privilegiada na qual o que muitas vezes se pensava, podia ser expresso com relativa impunidade.” (BURKE, 2010, p. 206). Em consonância, Bakhtin reafirma o valor dessa festa a qual, segundo ele, (“...) não era uma forma artística de espetáculo teatral, mas uma forma concreta (embora provisória) da própria vida.” (p. 6). 
Desta maneira, os autores veem o carnaval como um momento muito mais significativo do que uma simples ocasião de comemoração. É um período no qual se podia gozar da liberdade, do êxtase, fugir da realidade ordinária e assumir papeis. Á essa fuga do cotidiano, Bakhtin atribui o nome de “mundo ao avesso”, “ao contrário” (p. 10). Burke, com este mesmo sentido, a caracteriza por um conjunto de imagens invertidas: “O carnaval, em suma, era uma época de desordem institucionalizada, um conjunto de rituais de inversão”. (p. 214). Ainda, de acordo com ele,
“Havia inversão da relação entre homem e animal: o cavalo virava ferrador e ferrava o dono; o boi virava açougueiro, cortando em pedaços o homem; o peixe comia o pescador; as lebres carregavam um caçador amarrado ou giravam-no no espeto. Também se representava a inversão das relações entre homem e homem, fosse etária, inversão de sexo ou outra inversão de status.” (p. 212)
	
Outro elemento o qual é frisado nos dois livros aqui em debate, é a ausência de palco nos carnavais visto que toda a população participava e interagia de modo direto em todas as ocasiões. Portanto, “(...) não havia distinção marcante entre atores e espectadores, as senhoras em seus balcões podiam lançar ovos na multidão abaixo, e os mascarados muitas vezes tinham licença para irromper em casas particulares.” (BURKE, 2010, p. 206-207). Igualmente, o filósofo russo Mikhail Bakhtin descreve que “Na verdade o carnaval ignora toda distinção entre atores e espectadores. Também ignora o palco, mesmo na sua forma embrionária. “(...) Os espectadores não assistem ao carnaval, eles o vivem uma vez que o carnaval, pela sua própria natureza, existe para todo o povo”. (p. 6). 
	Além disso, haja vista que as festas religiosas representavam boa parte das comemorações populares, como os dias de Santo, por exemplo, referências de cunho religioso permeavam boa parte dos ritos. Destarte, as obras aqui em debate chamam a atenção para este fato na medida em que “A vida cotidiana nos inícios da Europa moderna estavam repletas de rituais religiosos e seculares, e as apresentações de contos e cantigas não constituíam exceções.” (BURKE, 2010, p. 204). Assim, ainda de acordo com Burke, era comum ocorrer peregrinações a locais sagrados por ocasião das principais festas. (p. 203). Com afirmação semelhante, Bakhtin ressalta que todas as formas da cultura popular “(...) apresentavam um elo exterior com as festas religiosas. Mesmo o carnaval, o qual não coincidia com nenhum fato da história sagrada, com nenhuma festa de santo, realizava-se nos últimos dias que precediam a grande quaresma.” (p. 7). 
	Apesar de estarem intimamente relacionadas por todas as semelhanças já aludidas, as obras são desenvolvidas a partir de abordagens diferentes, de acordo com os objetivos de análise o qual cada escritor possui. Por conseguinte, é notório que os estudos seguem ângulos distintos. Dito de outro modo, Peter Burke empreende sua pesquisa a partir de uma perspectiva ampla, analisa a cultura popular de forma mais geral, por meio das festividades. Neste parâmetro, foca no carnaval, nos elementos carnavalescos, suas simbologias e significações sociais, dedica-se a questionar se os festejos populares eram protesto social, ou apenas mais uma forma de controle concedida pelas classes dominantes. 
	Bakhtin, por sua vez, é autor de um exame pormenorizado na medida em que analisa aspectos específicos da cultura popular, como o realismo grotesco, a comicidade, o riso, e o que estes representavam para o contexto da época. Isto se deve ao fato de que pretendeu estudar a fundo o âmbito de produção dos escritos rabelaisianos, pois desejava compreender as fontes as quais inspiraram François Rabelais. 
	Sendo assim, enquanto o primeirodiscorre acerca do historiador e as fontes sobre a cultura popular, os festejos, simbolismos e rituais, o segundose dedica com afinco a um tipo específico da cultura cômica popular. Burke escreve todo um capítulo no qual reflete sobre o carnaval e suas formas, Bakhtin o faz em poucas páginas, e ao longo do livro explora o conjunto de imagens denominado realismo grotesco. Em suma, ao passo que as obras distanciam-se e aproximam-se, as ideias dos autores conversam entre si, complementam-se e fornecem uma visão geral acerca do que era a cultura popular na Europa em princípios da modernidade.
4.2 ANALOGIA COM A ATUALIDADE
	As obras trabalhadas suscitaram várias questões as quais valem a pena refletir, pois, assim como qualquer produção com viés histórico, levantaram debates pertinentes, sobretudo, para a atualidade. 
	Neste sentido, a primeira inquietação surge mediante a uma inevitável analogia feita entre o carnaval descrito pelos textos, e aquele em que se observa hoje. O historiador Peter Burke, ao se referir aos carnavais, chama a atenção para o caráter genuinamente popular dessas festas as quais representavam “(...) diversão, pausa bem-vinda na luta diária pela subsistência; ofereciam ao povo algo pelo que ansiar. Elas celebravam a própria comunidade nas suas habilidades em montar um bom espetáculo (...)” (p. 223). 
Com efeito, atualmente, o referido caráter foi deturpado, e assiste-se a um constante movimento de elitização do carnaval brasileiro. Sua natureza de rua, de espaços públicos, foi alterada por festas restritas e caras, camarotes e shows particulares. Nesta perspectiva, exemplo visível são os preços de ingressos para assistir aos desfiles das escolas de sambado Rio de Janeiro. É possível encontrar valores os quais variam de R$69,00 até R$ 1.700,00, aproximadamente. [footnoteRef:17] [17: Valores disponíveis em: https://www.camarotecarnaval.com/rio/carnaval/ingresso/2019/comprar/folia-tropical. ] 
De acordo com o historiador Luiz Antônio Simas, em matéria concedida á BBC Brasil, a indústria cultural é a grande responsável pelo processo de elitização dos espaços públicos. Simas afirma que o “Carnaval de rua do Rio e de outras grandes cidades hoje corre o mesmo risco que as escolas de samba correram: elitizar-se e ser capturado por uma lógica empresarial que tire sua espontaneidade.”[footnoteRef:18] A respeito, o colunista do Pragmatismo Político, Mailson Ramos, discorre sobre a perda do sentido popular do carnaval, principalmente os que ocorrem na Bahia: [18: FELLET, João. Do chicote ao camarote: como Carnaval foi de festa reprimida a megaespectáculo, 2018, Acesso em: 23 de setembro de 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43006277. ] 
“O carnaval de Salvador é fruto da indústria cultural e não conserva, senão no nome, nenhuma qualidade essencial resguardada de sua origem. A propósito, o carnaval perde suas qualidades de festa popular, porque não é, de longe, uma representação castíssima do respeito do baiano ao espaço como foi há algumas décadas.” [footnoteRef:19] [19: RAMOS, Mailson. Carnaval de Salvador e o processo de elitização dos espaços públicos, 2015, acesso em: 23 de setembro de 2018. Disponível em: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/02/carnaval-de-salvador-e-o-processo-de-elitizacao-dos-espacos-publicos.html. ] 
	Desta forma, fica evidente que o carnaval, cuja origem está intrínseca ao aspecto popular, teve sua essência degenerada assim como várias outras manifestações as quais são alvo da indústria cultural e do capitalismo. 
	Neste contexto, uma segunda questão a qual é inevitável refletir, diz respeito à marginalização de culturas as quais não se enquadram no padrão do que é imposto socialmente como clássico, erudito e oficial. Tanto o texto de Burke quanto o de Bakhtin analisam expressões populares, lidas como não oficiais por serem frutos de um grupo o qual não era a elite europeia. O mesmo se aplica ao examinar as expressões populares produzidas no presente, como o funk carioca e sua tentativa de ser aceito socialmente como cultura. Considerado inferior, o referido estilo musical é alvo de clássicos julgamentos os quais insistem em qualificá-lo por “criminoso”, além de ser constantemente criticado, de forma preconceituosa, enquanto um estilo de baixa qualidade. Isto se deve, primordialmente, devido à dificuldade em se admitir que a arte proveniente de ambientes periféricos, de grupos negros, são igualmente formas de cultura. Segundo o pesquisador George Yúdice, falar de funk carioca é, necessariamente, discutir conflito de classes, pois, 
“Nos anos 90, no Brasil, a juventude se dividia em no mínimo duas classes sociais, a pobre e a classe média, e cada qual se identificava com uma vertente diferente do hip-hop: a classe média com o Rock, e a classe pobre com o funk, tendo em vista que este último gênero musical evidenciava o cotidiano e o descaso com a classe e a etnia de seus adeptos.”[footnoteRef:20] [20: Yúdice Apud COUTINHO. Funk Carioca: Tensões e conflitos culturais no Rio de Janeiro Contemporâneo. 5º Congresso de Extensão Universitária. Londrina, 26 a 28 de outubro de 2011. ] 
	Assim, o funk carioca está relegado à margem da sociedade, e carrega uma visão negativa construída sobre si e reafirmada pela mídia. Recentemente, em 2017, um projeto de lei foi enviado ao Senado a fim de criminalizar o estilo musical sob o pretexto de que este seria um “crime de saúde pública”. De acordo com o autor do projeto, Marcelo Alonso, um webdesigner de 47 anos, o funk incita a violência e o crime contra a criança, o menor adolescente e a família, é uma falsa cultura.[footnoteRef:21] A respeito, a professora Adriana Facina defende que [21: Projeto de lei de criminalização do funk repete história do samba, da capoeira e do rap. BBC, 2017, acesso em: 23 de setembro de 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/musica/noticia/projeto-de-lei-de-criminalizacao-do-funk-repete-historia-do-samba-da-capoeira-e-do-rap.ghtml. ] 
 “Ao criminalizarem o funk, e o estilo de vida daqueles que se identificam como funkeiros, os que hoje defendem sua proibição são os herdeiros históricos daqueles que perseguiam os batuques nas senzalas, nos fazendo ver, de modo contraditório, as potencialidades rebeldes do ritmo que vem das favelas.”[footnoteRef:22] [22: FACINA, Adriana. “NÃO ME BATE DOUTOR”: FUNK E CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA. V Encontro de estudosMultidisciplinares em cultura. Salvador, 27 a 29 de maio de 2007. 
] 
	Destarte, fica claro o preconceito e ignorância imbuídos nos comentários e concepções sempre degradantes em relação ao funk, e se faz valer, mais uma vez, a valoração positiva da cultura das elites em detrimento das manifestações populares, assim como é demonstrado nas obras de Peter Burke e Mikhail Bakhtin. 
	
5 BIBLIOGRAFIA
	BAKHTIN, M. Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento. Brasília: Edunb, 3 edição, 1996.
	BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna; Europa 1500 – 1800. São Paulo: Cia das Letras, 2010. 
	DISCINI, Norma. Carnavalização. In: ______(org.). Bakhtin: outros conceitos. São Paulo: Contexto, 2008.
	FACINA, Adriana. “NÃO ME BATE DOUTOR”: FUNK E CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA. V Encontro de estudosMultidisciplinares em cultura. Salvador, 27 a 29 de maio de 2007.
	FARACO, Carlos Alberto. Linguagem & Diálogo: as ideias do circulo de Bakhtin. São Paulo: Parábola, 2009.
	FELLET, João. Do chicote ao camarote: como Carnaval foi de festa reprimida a megaespectáculo, 2018, Acesso em: 23 de setembro de 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43006277
	GUARINELLO, Norberto Luiz. “Violência como espetáculo”: o pão, o sangue e o circo. HISTÓRIA, SÃOPAULO, v. 26, n. 1, 2007.
	HAGER, Rose-Marie e Reiner. PieterBrueguel, o Velho, cerca de 1525 e 1569 e Camponeses, loucos e demônios. Tradução de Lucilia Felipe. Köln: BenedikitThashen, Lisboa e Alemanha, 1995.
	PAULA & STAFUZZA (Orgs). Círculo de Bakhtin: pensamento interacional. Campinas: Mercado das Letras, 2013. Série Bakhtin: inclassificável; v. 3
	Projeto de lei de criminalização do funk repete história do samba, da capoeira e do rap. BBC, 2017, acesso em: 23 de setembro de 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/musica/noticia/projeto-de-lei-de-criminalizacao-do-funk-repete-historia-do-samba-da-capoeira-e-do-rap.ghtml
	RABELAIS, François. Gargantua e Pantagruel – Coleção Grandes obras da cultura universal, VOL XIV. Tradução de David Jardim Junior. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2009.
	RAMOS, Mailson. Carnaval de Salvador e o processo de elitização dos espaços públicos, 2015, acesso em: 23 de setembro de 2018. Disponível em: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/02/carnaval-de-salvador-e-o-processo-de-elitizacao-dos-espacos-publicos.html
	SENECA. Apocolocintose do divino Claudio. In: SOUZA, Frederico da Silva. Apocolocintose do divino Cláudio: tradução e notas explicativas. São Paulo, 2008, Dissertação (Mestrado em Letras) – Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP).
	Yúdice Apud COUTINHO. Funk Carioca: Tensões e conflitos culturais no Rio de Janeiro Contemporâneo. 5º Congresso de Extensão Universitária. Londrina, 26 a 28 de outubro de 2011
6 FONTES
BRUEGEL, Pieter. O Combate entre o Carnaval e a Quaresma. 1559. Óleo sobre tela, 118 centímetros x 164,5 centímetros.KunsthistorischesMuseum
Figura de Terracota sentada numa cadeira. Boeotia, Grécia, c. 300 a.C, British Museum.
INGRESSOS CARNAVAL RIO 2019. Disponível em: <https://www.camarotecarnaval.com/rio/carnaval/ingresso/2019/comprar/folia-tropical.> Acesso em: 23 de setembro de 2018.
Mulher grávida. Terracota de Kertch – Crimeia.Séc. IV a.C., Museu do Louvre.

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