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Material didático da disciplina: Anatomia e fisiologia da voz 2º semestre de 2006 Parte 1: A Laringe e suas cartilagens Prof. Dr. Flávio Carvalho INTRODUÇÃO Este material que apresentamos aqui, vem ao encontro da necessidade de termos em mãos um material de fácil assimilação para os alunos da disciplina “Anatomia e fisiologia da voz” dos cursos de Música da UFU. Conscientes de que os Atlas de Anatomia em geral não são específicos para o ensino e aprendizagem do aparelho fonador, e que ele é formado por partes distintas de outros setores da divisão do corpo humano tradicionalmente feita pela ciência da anatomia, colocamos aqui as figuras e desenhos relacionados ao ato fônico do canto com o objetivo de facilitar o estudo e a compreensão do aluno. Todos os desenhos e figuras aqui representados receberão a devida referência de suas fontes. Vejamos abaixo as características da disciplina: Objetivos: • Conhecer e identificar músculos e estruturas anatômicas do trato vocal; • Conhecer e identificar órgãos, músculos e estruturas anatômicas coadjuvantes ao processo de fonação; • Identificar os processos e mecanismos envolvidos na produção vocal. • Fundamentar seu comportamento vocal por meio de uma utilização consciente e segura das potencialidades e limitações de seu aparelho fonador. Ementa: Conhecimentos básicos das características anatômicas, fisiológicas e acústicas da fonação em geral e do canto, em particular, que favoreçam a conscientização dos seus processos e mecanismos, possibilitando um maior controle da qualidade de emissão e segurança na sua utilização. Conteúdo programático: Noções básicas de anatomia e fisiologia relacionadas aos mecanismos e processos da fonação em geral e do canto, em particular. 1. Estudo da anatomia e fisiologia do órgão fonador Apresentamos aqui os conhecimentos necessários para entendermos o órgão fonador. Estudaremos então a anatomia da laringe, do pavilhão faringobucal e do setor respiratório, bem como sua fisiologia e as inter-relações que estabelecem entre si. Comecemos nosso estudo entendendo como se processa a fonação. Para isto vejamos o que nos diz Paulo Louzada em seu livro As bases da educação vocal: A fonação parece simples embora, de fato, seja bastante complexa: o ar sob pressão passa pela glote estreitada, promove vibrações e se constitui em som; os harmônicos deste som sofrem supressão ou ganham reforço nos espaços que vão da glote ao plano anterior das fossas nasais. A provisão de ar é assegurada pelo reservatório pulmonar, num regime funcional específico e numa regulagem adequada à equação fônica em questão, ou seja, ás exigências dos dois setores anteriores. Sendo assim, entendemos que são três os setores responsáveis pela fonação: a laringe (órgão fonador), a caixa harmônica ou de ressonância (espaços que vão da glote ao plano anterior das fossas nasais), e o setor respiratório (pressão aérea subglótica) Vejamos cada setor isoladamente para nosso estudo. 1.1. Laringe A laringe está situada entre a traquéia e a faringe e se apresenta como um cilindro curto formado pelas seguintes cartilagens (de baixo para cima): • Cartilagem Cricóide: em forma de anel, cuja altura aumenta paulatinamente para a parte posterior. • Cartilagens aritenóides: situam-se na placa ascendente da cartilagem cricóide, uma de cada lado da linha mediana, com forma piramidal. • Cartilagem Tiróide: posiciona-se acima do anel da cricóide, em forma de meio-tubo com abertura para trás envolvendo o conjunto formado pela placa ascendente da cricóide encimada pelas aritenóides. • Cartilagem Epiglote: em forma de folha, se fixa na parte interna da face anterior da cartilagem tireóide. Vejamos então as cartilagens em sua inter-relação anatômica e isoladamente: Cartilagens isoladas: Cricóide Aritenóides Tireóide Epiglote 1.1.1. Fisiologia e inter-relações A cartilagem tireóide possui dois cornos (ou bordas) laterais inferiores direito e esquerdo que se articulam lateralmente no terço posterior do anel cricóide, de modo que as duas cartilagens podem realizar um movimento de báscula, como se um eixo as perpasasse neste ponto de encontro. Com este movimento o diâmetro antero-posterior da laringe se modifica sendo mais acentuada a modificação na parte superior. Esta movimentação laríngea se constitui em um dos mecanismos de distensão das pregas vocais que tem sua parte anterior fixada na cartilagem tireóide e a parte posterior nas aritenóides. As cartilagens aritenóides, que estão sobre a placa ascendente da cricóide,tem seu formato piramidal com uma base triangular que se alonga para trás e lateralmente. O ângulo anterior da base (chamado apófise vocal) é o ponto onde se fixa a parte anterior da prega vocal e elementos musculares a ela relacionados. O ângulo posterior (chamado apófise muscular) é onde se inserem os músculos responsáveis pelo movimento de rotação das aritenóides que acontece em volta de um eixo vertical e determina a adução (fechamento) e abdução (abertura) das pregas vocais. Este mecanismo aproxima e distende as pregas vocais. Além do movimento de rotação, as aritenóides realizam o deslizamento sobre suas bases, aproximando-se da linha mediana do anel cricóide, promovendo também a aproximação e a distensão das pregas vocais. 1.2. Pregas vocais: As pregas vocais são, basicamente, expansões músculo-membranosas da laringe. São livres em toda a extensão e fixas à frente no centro da face posterior da cartilagem tireóide e, atrás, na apófise vocal das cartilagens aritenóides; possui um lado externo, fixo no arcabouço cartilaginoso, desde a extremidade anterior da corda até a posterior. As bodas internas formam entre si um ângulo de vértice anterior. As bordas são reforçadas por uma lâmina fibrosa de corte triangular, recobertas pela mucosa das cordas vocais. A face que fica diretamente em contato com o músculo vocal chama-se ligamento tiroaritenoideu ou ligamento vocal. A mucosa que recobre as pregas vocais se expande abaixo para a traquéia e acima para os recessos laríngeos. Vistas de frente, no meio de sua extensão, as cordas vocais se apresentam triangulares com a parte superior bastante horizontal e a parte inferior oblíqua, como podemos ver na figura abaixo: A estrutura interna das pregas vocais também deve ser observada quanto à sua formação, como podemos ver na figura a seguir: 1.3. Músculos da laringe1: Os músculos da laringe podem ser agrupados em dois grupos: Grupo 1: os que promovem o relacionamento entre as cartilagens do órgão. Grupo 2: os que relacionam o órgão com outros setores. No primeiro grupo, temos 5 músculos pares e um ímpar, que têm inserção na cartilagem aritenóide (a chamada “Estrela aritenóidea”). São os chamados músculos intrínsecos à laringe. Um outro músculo, que é externo, anterior que liga a cartilagem cricóide à tireóide, chamado metamérico. Neste grupo somam-se, portanto, 7 músculos. Passemos ao estudo de cada um deles e suas funções: 1.3.1. Músculos Tiroaritenoideus (TA) Um de cada lado, inserem-se à frente, num ponto central da face posterior da cartilagem tireóide; atrás, na apófise vocal da aritenóide e, por feixes dispersos, tanto no sentido vertical como horizontal, em vários pontos cartilaginosos ou ligamentosos. Ocupam a espessura das pregas vocais e são também chamados músculos vocais. (...) Sua ação, também objeto de muita controvérsia, não foi (...) explicado de modo completo e definitivo. É obvio, entretanto, que sua contração determina ou tende a determinar encurtamento e engrossamento; este, dado o maior volume local de sua massa, predomina na parte posterior. (Louzada, 1982, p.29). Estes músculos estão relacionadosà moldagem ou regulagem da fenda glótica que determina a variação da freqüência do som laríngeo pela alteração do comprimento da “glote funcional”. 1.3.2. Músculo cricoaritenoideu lateral (CAL) Sua extensão vai da parede externo-lateral da cartilagem cricóide até a apófise muscular da cartilagem aritenóide do mesmo lado. Sua contração promove a rotação para dento da apófise vocal de cada aritenóide promovendo aproximação (adução) e distensão das pregas vocais. É um músculo tensor e adutor da glote. Segundo muitos autores, esta forma de adução é comum na fala de baixa intensidade (o falar cotidiano) e imprópria para a fonação de grande intensidade como o canto lírico e a locução. 1.3.3. Músculo cricoaritenoideu posterior (CAP) 1 Para visualização dos músculos citados nesta parte da apostila, consultar o Atlas Anatômico disponibilizado pelo professor no Núcleo de Computação Sônica do DEMAC. Tem início na face posterior da cartilagem cricóide indo até a apófise muscular da cartilagem aritenóide, de cada lado. Seu movimento é para cima e para fora, promovendo a rotação das apófises vocais das aritenóides para fora, determinando a abertura da glote (abdução). Este movimento é fundamental na respiração e prevalece na situação de repouso. Os músculos CAL e CAP podem se contrair simultaneamente quando se faz necessário uma contratensão fixando as aritenóides protegendo-as em caso de uma grande tração para frente pela ação do músculo cricotiroideu. 1.3.4. Músculo ariepiglótico (AE) Nasce no vórtice da aritenóide e vai até a epiglote. È um músculo fino e atua no fechamento da abertura superior da laringe. Sua importância para o canto é mínima. 1.3.5. Músculo interaritenoideu ou ariaritenoideu oblíquo (AAO) Tem início na apófise muscular de uma aritenóide ao vértice de outra. 1.3.6. Músculo interaritenoideu ou ariaritenoideu transverso (AAT) Músculo impar, formado por fibras transversais, indo da borda externo-posterior de uma aritenóide à outra, aproximando as duas cartilagens por deslizamento. Sua ação, conjugada com a dos CT, promove a adução (fechamento) das pregas vocais. Constitui-se na segunda forma de adução das pregas vocais, sendo fundamental no canto lírico. 1.3.7. Músculo cricotiroideu (CT) Este músculo é externo e anterior e relaciona a cartilagem cricóide com a tireóide, sendo de grande interesse para o estudo do canto. Está localizado na parte anterior da laringe e é chamado metamérico por relacionar dois anéis sobrepostos. Nasce na linha anterior e externa do anel base da cricóide indo até a borda inferior da tireóide. Sua contração aproxima os dois anéis fazendo descer e avançar a cartilagem tireóide sobre a cricóide, resultando da distensão das pregas vocais. É um músculo tensor das PV. 1.3.8. Outros músculos da laringe Estudaremos agora os músculos que relacionam a laringe com outros setores acima e abaixo dela, que podem ter a função de abaixar ou elevar a laringe. Os abaixadores da laringe são o esternotiroideu e o esternoioideu, que vão, respectivamente do esterno à cartilagem tireóide e do esterno ao osso ióide. Os dois músculos colaboram no basculamento da tireóide sobre a cricóide. O músculo omoioideu também colabora no abaixamento da laringe pelo rebaixamento do osso ióide mas em uma tração para trás. Os elevadores da laringe podem ser divididos em dois grupos: o antero-posterior e o póstero-superior. Do primeiro grupo fazem parte o gênio-ioideu, o milo-ioideu, e o ventre anterior do digástrico. Do segundo grupo fazem parte o estilo-ioideu, o estilofaringeo, o ventre posterior do digástrico e os constrictores da laringe elevam a laringe tracionando-a para trás. 2. Teorias da produção da voz 2.1. Teoria mioelática Lançada no início da década de 1930, esta teoria afirmava que os músculos vocais se contraiam relativamente à altura do som que seria emitido. O ar subglótico sob pressão os separariam e estes elementos, por sua elasticidade, voltariam à posição inicial. Prosseguindo a vibração em conseqüência de um automatismo elástico involuntário 2.2. Teoria neurocronaxica Em 1950, HUSSON, depois de suas pesquisas formulou esta teoria, segundo a qual a vibração não seria um ato passivo, elástico, e sim um fenômeno de responsabilidade da fisiologia nervosa, puramente. A adução e a vibração seriam governadas pelos centros nervosos corticais. 2.3. Teoria muco-ondulatória Divulgada por PERELLÓ em 1962, ela propõe que não ocorre vibração por elasticidade muscular, porém apenas um movimento ondulatório ou vibratório, da mucosa que recobre as pregas vocais, não aderentes no plano inferior – o conus elasticus – quando as cordas são tencionadas e algo afrontadas, sendo este movimento provocado pela pressão aérea subglótica, que força uma saída de ar aos bocados. Cada prega vocal é acionada passivamente, à semelhança do que ocorre com uma bandeira ou uma superfície líquida, agitadas pelo vento. Esta teoria corrige e amplia os conceitos da teoria neurocronaxica. Veremos mais à frente que esta teoria também foi aperfeiçoada e que novas descobertas científicas vão acrescentando informações importantes para entendermos o ato fônico. Bibliografia: ALLALI, A & LE HUCHE, F. A voz. Porto Alegre: Artes Médicas Sul Ltda., 1999. ARRIBAS, Ramón. Temas Del canto. Madri: Real Musical Autores, 1991. BEHLAU, Mara & PONTES, Paulo. Higiene vocal: informações básicas. Editora Lovise, 1993. LOUZADA, P. As bases da educação vocal. Rio de Janeiro: O Livro Médico, 1982. MILLER, Richard. The structure of singing. New York: Schimer, 1996. PÉREZ-GONZÁLEZ, Eladio. Iniciação à técnica vocal. Rio de Janeiro: Eládio P.G., 2000. SOBOTTA; BECHER. Atlas de anatomia humana. Rio de Janeiro: Guanabara, 1977. VINES, Rose Leigh; PAWLINA, Wojciech & OLSON, Todd R. Anatomy Practice: the undergraduate edition of A.D.A.M. Practice Pratical. CD-ROM for Windows & Macintosh, 1998.
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