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MÓDULO I 
INÍCIO DE CONVERSA: 
O CAPITAL CULTURAL DE PIERRE BOURDIEU 
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SUMÁRIO 
 
 
1. MÓDULO I - INÍCIO DE CONVERSA: O CAPITAL CULTURAL DE PIERRE BOURDIEU ........................... 03 
1.1 CONCEITO DE HABITUS E CAPITAL CULTURAL ....................................................................................... 03 
1.2 AS FORMAS DO CAPITAL CULTURAL DE BOURDIEU ............................................................................... 05 
 
 
 
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1. MÓDULO I - INÍCIO DE CONVERSA: O CAPITAL CULTURAL DE PIERRE BOURDIEU 
 
Para Pierre Bourdieu1, a escola é um espaço de reprodução de estruturas sociais e de transferência de 
capitais de uma geração para outra. É nela que o legado econômico da família se transforma em capital 
cultural. E este, segundo o sociólogo, está diretamente relacionado ao desempenho dos alunos na sala de 
aula. Eles tendem a ser julgados pela quantidade e pela qualidade do conhecimento que já trazem de casa, 
além de várias “heranças”, como a postura corporal e a habilidade de falar em público. 
Os próprios estudantes mais pobres acabam encarando a trajetória dos bem-sucedidos como 
resultante de um esforço recompensado. Uma mostra dos mecanismos de perpetuação da desigualdade está 
no fato, facilmente verificável, de que a frustração com o fracasso escolar leva muitos alunos e suas famílias 
a investir menos esforços no aprendizado formal, desenhando um círculo que se auto alimenta. Nos 
primeiros livros que escreveu, Bourdieu previa a possibilidade de superar essa situação se as escolas 
deixassem de supor a bagagem cultural que os alunos trazem de casa e partissem do zero. Mas, com o passar 
do tempo, o pessimismo foi crescendo na obra do sociólogo: a competição escolar passou a ser vista como 
incontornável (FERRARI, 2008). 
Segundo Nogueira e Nogueira (2014), o sociólogo sempre manteve uma concepção pessimista em 
relação à escola e ao sistema educacional. Ele entendia como uma grande ilusão afirmar que o sistema 
escolar é um facilitador da mobilidade social, quando na verdade, na escola se demonstra como o ambiente 
onde todas as diferenças de classes não são atenuadas e assim coopera com a conservação social. São essas 
noções que posteriormente fundamentam afirmações sobre a legitimidade das desigualdades sociais e 
meritocracia. 
Sem entrar em maiores discussões, o que Bourdieu afirma é que a posição social ou o poder que 
detemos na sociedade não dependem apenas do volume de dinheiro que acumulamos ou de uma situação 
de prestígio que desfrutamos por possuir escolaridade ou qualquer outra particularidade de destaque, mas 
está na articulação de sentidos que esses aspectos podem assumir em cada momento histórico (SETTON, 
2010). 
 
1.1 CONCEITO DE HABITUS E CAPITAL CULTURAL 
 
______________________ 
1 Pierre Bourdieu nasceu em 1930 – França – e faleceu de câncer em 2002, em Paris. Fez os estudos básicos num internato em 
Pau, experiência que deixou nele profundas marcas negativas. Em 1951, ingressou na Faculdade de Letras, em Paris, e na Escola 
Normal Superior. Três anos depois, graduou-se em filosofia. Prestou serviço militar na Argélia (então colônia francesa), onde 
retomou a carreira acadêmica e escreveu o primeiro livro, sobre a sociedade cabila. De volta à França, assumiu a função de 
assistente do filósofo Raymond Aron (1905-1983), na Faculdade de Letras de Paris e, simultaneamente, filiou-se ao Centro 
Europeu de Sociologia, do qual veio a ser secretário-geral. Bourdieu publicou mais de 300 títulos, entre livros e artigos (FERRARI, 
2014). Importante sociólogo do século XX. 
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Entender o pensamento de Bourdieu (2005) requer dominar pelo menos dois conceitos que derivam 
de sua teoria: habitus e capital cultural. O posicionamento de um indivíduo ou família no campo social é 
resultado da combinação de dois princípios de diferenciação: a posse de capital econômico e de capital 
cultural. O espaço social é basicamente um espaço de diferenças, à medida que os indivíduos existem não 
como dados, mas como algo que se trata de fazer, em estado de potência permanente (SARAIVA, 2007). 
O que define o quanto são capazes de converter potência em ação, ou seja, o quanto transformam os 
desejos (RIBEIRO, 2000) em ações concretas vai depender, em última instância, do habitus. Este é “o princípio 
gerador e unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de 
vida unívoco, isto é, em um conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens, de práticas” (BOURDIEU, 
2005, p.21-22). 
Martins (2002, p.173) complementa que habitus constitui “uma matriz de percepção, de apreciação e 
de ação que se realiza sob determinadas condições sociais”, o que termina por reproduzir uma lógica objetiva 
de condicionamentos. 
A noção de espaço social contém, em si, o princípio de uma apreensão relacional do mundo social: 
afirma, de fato, que toda a “realidade” que designa reside na exterioridade mútua dos elementos que a 
compõem. Falar de espaço social é resolver, ao fazê-lo desaparecer, o problema da existência e da não-
existência das classes. Todas as sociedades se apresentam como espaços sociais, isto é, como estruturas de 
diferenças que não se podem compreender verdadeiramente a não ser construindo o princípio gerador que 
funda essas diferenças na objetividade (BOURDIEU, 2005). 
Uma vez que a sociedade é relacional, as características que ela adquire para determinado grupo, ao 
manifestarem as categorias sociais de percepção sobre as quais se assentam as diferenças, refletem uma 
constante processualidade, uma mobilidade simbólica ampla que os indivíduos, em seus diversos 
agrupamentos, adquirem no campo social. Esta dinâmica se refere, em essência, à posse, em diversos níveis, 
de capital econômico e de capital cultural (SARAIVA, 2007). 
Nesse sentido, o campo social se apresenta menos como um espaço de semelhanças, do que como um 
espaço de distinções entre os indivíduos. As diferenças entre os grupos se tornam diferenças simbólicas e 
constituem uma verdadeira linguagem compartilhada entre os indivíduos com um posicionamento 
específico (BOURDIEU, 2005). 
Em outras palavras, a posição de privilégio ou não-privilégio, ocupada por um grupo ou indivíduo, é 
definida de acordo com o volume e a composição de um ou mais capitais adquiridos e ou incorporados ao 
longo de suas trajetórias sociais. O conjunto desses capitais seria compreendido a partir de um sistema de 
disposições de cultura (nas suas dimensões material, simbólica e cultural, entre outras), denominado por 
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Bourdieu como habitus (SETTON, 2010). 
Capital cultural, por sua vez, é o conjunto dos instrumentos de apropriação dos bens simbólicos. São 
todos os instrumentos que constitui sua história e seus modos de viver, estes são os bens simbólicos, e este 
conjunto forma o seu patrimônio cultural, ou seja, o seu capital cultural. 
Na sociologia da educação de Bourdieu, a característica principal é: diminuição do peso do fator 
econômico (bens materiais) em comparação ao peso do fator cultural, o que explica as desigualdades. Ele 
considera que esta questão olhando sob o ponto de vista de consumo cultural depende de como o indivíduo 
se apropria dos bens culturais e este capital simbólico de um indivíduo vale tanto quanto sua educação em 
geral, o seu treinamento para apreciar a música, a pintura, o cinema ou qualquer outra modalidade cultural. 
Num sentido mais amplo, constitui o capital cultural de um indivíduo ou comunidade a soma de todos esses 
instrumentos que permitem o consumo e a produção dos bens simbólicos. 
 
1.2 AS FORMAS DO CAPITAL CULTURAL DE BOURDIEU 
 
Segundo Bourdieu, o ‘capital cultural’ pode existir sob três formas: no estado INCORPORADO, no 
estado OBJETIVADO e no estado INSTITUCIONALIZADO. 
Na primeira modalidade, em seu estado incorporado, o ‘capital cultural’ supõe um processo de 
interiorização nos marcos do processode ensino e aprendizagem, que implica, pois, um investimento de 
tempo. Desse modo, o ‘capital cultural incorporado’ constitui-se parte integrante da pessoa, não podendo, 
justamente por isso, ser trocado instantaneamente, tendo em vista que está vinculado à singularidade até 
mesmo biológica do indivíduo. Nesse sentido, está sujeito a uma transmissão hereditária que se produz 
sempre de forma quase imperceptível. 
Segundo Bourdieu (1999), a acumulação de capital cultural desde a mais tenra infância – pressuposto 
de uma apropriação rápida e sem esforço de todo tipo de capacidades úteis – só ocorre sem demora ou 
perda de tempo, naquelas famílias possuidoras de um capital cultural tão sólido que fazem com que todo o 
período de socialização seja, ao mesmo tempo, acumulação. Por consequência, a transmissão do capital 
cultural é, sem dúvida, a mais dissimulada forma de transmissão hereditária de capital. 
O capital cultural incorporado vem da família e da escola. Os aprendizados efetuados nos ambientes 
familiares seriam caracterizados pelo seu desprendimento e invisibilidade, garantindo a seu portador um 
certo desembaraço na apreensão e apreciação cultural; por sua vez, o aprendizado escolar sistemático seria 
caracterizado por ser voluntário e consciente, garantindo a seu portador uma familiaridade tardia com a 
produção cultural (SETTON, 2010). 
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Já o ‘capital cultural objetivado’, diversamente do anterior, é materialmente transferível a partir de um 
suporte físico, ficando claro tratar-se da transferência de uma propriedade legal, posto estar diretamente 
relacionada com o capital cultural incorporado, ou melhor, com as capacidades culturais que permitem o 
desfrute de bens culturais. Logo, o ‘capital cultural’ objetivado pode ser apropriado tanto materialmente 
(capital econômico) quanto simbolicamente (obra de arte, capital cultural) (NEVES; PRONKO; MENDONÇA, 
2009). 
O capital cultural objetivado em suportes materiais, tais como escritos, pinturas, monumentos, entre 
outros, é transmissível em sua materialidade. Uma coleção de quadros, por exemplo, transmite-se tão bem 
(senão melhor, porque num grau de eufemização superior) quanto o capital econômico. Mas o que é 
transmissível é a propriedade jurídica e não (ou não necessariamente) o que constitui a condição da 
apropriação específica, isto é, a possessão dos instrumentos que permitem desfrutar de um quadro ou 
utilizar uma máquina e que, limitando-se a ser capital incorporado, são submetidos às mesmas leis de 
transmissão. 
No estado objetivado, o capital cultural existe na forma de bens culturais, tais como esculturas, 
pinturas, livros, entre outros. Para possuir os bens econômicos na sua materialidade, é necessário ter 
simplesmente capital econômico, o que se evidencia na compra de livros, por exemplo. Todavia, para 
apropriar-se simbolicamente desses bens, é necessário possuir os instrumentos dessa apropriação e os 
códigos necessários para decifrá-los, ou seja, é necessário possuir capital cultural no estado incorporado 
(BONAMINO et al., 2010). 
Por último, o capital cultural institucionalizado ocorre basicamente na forma de títulos escolares. O 
grau de investimento na carreira escolar está vinculado ao retorno provável que se pode obter com o título 
escolar, notadamente no mercado de trabalho. Esse retorno, ou seja, o valor do título escolar pode ser alto 
ou baixo; quanto mais fácil o acesso a um título escolar, maior a tendência à sua desvalorização. É o que 
Bourdieu chama de “inflação de títulos”. 
No entendimento de Neves; Pronko e Mendonça (2009), o ‘capital cultural institucionalizado’ alude à 
objetivação do ‘capital cultural incorporado’ sob a forma de títulos que estão, simultaneamente, garantidos 
e sancionados legalmente. Por meio do título escolar ou acadêmico, outorga-se reconhecimento 
institucional ao ‘capital cultural’ possuído por uma determinada pessoa. 
Ao conferir ao capital cultural possuído por determinado agente um reconhecimento institucional, o 
certificado escolar permite, além disso, a comparação entre os diplomados e, até mesmo, sua “permuta” 
(substituindo-os uns pelos outros na sucessão); permite também estabelecer taxas de convertibilidade entre 
o capital cultural e o capital econômico, garantindo o valor em dinheiro de determinado capital escolar. 
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Produto da conversão de capital econômico em capital cultural, ele estabelece o valor, no plano do capital 
cultural, do detentor de determinado diploma em relação aos outros detentores de diplomas e, 
inseparavelmente, o valor em dinheiro pelo qual pode ser trocado no mercado de trabalho – o investimento 
escolar só tem sentido se um mínimo de reversibilidade da conversão que ele implica for objetivamente 
garantido. 
Pelo fato de que os benefícios materiais e simbólicos que o certificado escolar garante, dependem 
também de sua raridade, pode ocorrer que os investimentos (em tempo e esforços) sejam menos rentáveis 
do que se previa no momento em que eles foram realizados (com a modificação, de fato, da taxa de 
convertibilidade entre capital escolar e capital econômico). As estratégias de reconversão do capital 
econômico em capital cultural, que estão entre os fatores conjunturais da explosão escolar e da inflação de 
diplomas, são comandadas pelas transformações da estrutura das oportunidades de lucro asseguradas pelas 
diferentes espécies de capital (BOURDIEU, 1999). 
Fechando essa primeira unidade, vejamos em poucas palavras, como vocês, enquanto educadores e 
participantes ativos do processo de ensino-aprendizagem, podem ajudar a diminuir as desigualdades que a 
falta ou atraso na aquisição do capital cultural trazem para nosso meio educacional. 
Primeiramente, perceber que nem todos que chegam à escola, chegam com a mesma bagagem. Essa 
percepção de que todos somos diferentes, singulares e únicos já faz uma grande diferença. 
Segundo, perceber que todos os segmentos sociais têm algo a oferecer, a contribuir, portanto: valorizar 
todas as culturas, afinal de contas o capital cultural é de fundamental importância no sucesso escolar. 
Enfim, numa síntese quiçá grosseira, o que queremos até o momento é lavá-los a perceber a existência 
de um descompasso ainda latente no sistema educacional. Como diz Setton (2010), o sistema escolar, em 
vez de oferecer acesso democrático de uma competência cultural específica para todos, tende a reforçar as 
distinções de capital cultural de seu público. Agindo dessa forma, o sistema escolar limitaria o acesso e o 
pleno aproveitamento dos indivíduos pertencentes às famílias menos escolarizadas, pois cobraria deles o 
que eles não têm, ou seja, um conhecimento cultural anterior, aquele necessário para se realizar a contento 
o processo de transmissão de uma cultura culta. Essa cobrança escolar foi denominada por ele como uma 
violência simbólica, pois imporia o reconhecimento e a legitimidade de uma única forma de cultura, 
desconsiderando e inferiorizando a cultura dos segmentos populares.

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