Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
REPARAÇÃO NÃO PECUNIÁRIA DOS DANOS EXTRAPATRIMONIAIS NO ÂMBITO DA JUSTIÇA DO TRABALHO NON-PECUNIARY COMPENSATION OF OFF-BALANCE-SHEET DAMAGES IN THE LABOR SCOPE LEONARDO LEANDRO FIGUEIRÓ RESUMO O presente artigo analisa o instituto da reparação extrapatrimonial no âmbito da justiça do trabalho, sob a ótica dos novos paradigmas trazidos pelo movimento pós-positivista. Com a mudança do trato ideológico causada pelo advento da Constituição de 1988 aos ramos do Direito Privado, temos que o centro dessa vertente passou a ser a dignidade humana, e não mais o patrimônio, como o era até o final do século XIX. Assim, a atribuição de valores à ofensa extrapatrimonial, além de ser tarefa de difícil lida, senão impossível, deixou de ter eficácia no que tange ao restabelecimento do “status a quo” em casos de reparação por responsabilidade civil no âmbito da Justiça do Trabalho. Por isso, há a necessidade da busca por novos meios de reparação dos danos extrapatrimoniais, dando enfoque a presente pesquisa ao instituto da reparação “in natura”, ou reparação não pecuniária do dano extrapatrimonial. PALAVRAS-CHAVE: reparação; dano extrapatrimonial; reparação não pecuniária. ABSTRACT The present article analyzes the institute of off-balance damages repair in the scope of the laborate scope, from the perspective of the new paradigms brought by the post-positivist movement. With the change of ideological treatment caused by the advent of the 1988 Constitution to the branches of private law, we have that the center of this aspect became human dignity, and no longer the patrimony, as it was until the end of the nineteenth century. Thus, the assignment of values to the off-balance-sheet offense, besides being a difficult task, if not impossible, is no longer effective in relation to the restoration of the status quo in civil liability cases in the Labor Court. Therefore, there is a need for the search for new ways of repairing the off-balance-sheet damages, focusing the present research on the "in natura" repair institute, or non-pecuniary reparation of off-balance damage. KEY WORDS: repair; off-balance damage; non-pecuniary compensation. INTRODUÇÃO A Constituição de 1988, um dos marcos da redemocratização do Brasil, foi responsável por nortear a aplicação e proteção dos direitos fundamentais atrelados à pessoa humana e à sua dignidade, garantindo inclusive a eficácia de tais direitos entre os particulares, seguindo tendência internacional. O professor André de Araújo Molina (2013, p. 78) adverte ainda que, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações entre particulares adveio de experiência alemã posterior à Segunda Guerra Mundial, que necessitava romper com o positivismo, já que as atrocidades cometidas durante o regime nazista eram amparadas por leis. Assim, é evidente que, além de provocar profundas mudanças políticas, a normativa constitucional protagonizou transformações no direito civil (TEPEDINO, 2012, p. 11), provocando, conforme já exposto, a incidência direta ou indireta dos direitos fundamentais constitucionalmente previstos, nas relações privadas. Por decorrência da constitucionalização do direito civil, também se viu afetada a própria responsabilidade civil, matéria abarcada por aquele ramo do direito, e os danos a novos interesses que sequer eram considerados juridicamente passaram a ser tutelados. O principal objetivo deste trabalho é demonstrar que com uma interpretação sistemática da legislação, bem como com a aplicação dos princípios norteadores do direito do trabalho, é perfeitamente possível, senão recomendável, a aplicação de penas não pecuniárias à reparação do dano extrapatrimonial no âmbito da justiça obreira, haja vista a erosão dos atuais filtros de reparação. A relevância da pesquisa se encontra se deve ao fato da insurgente e atual preocupação de que forma atual de reparação dos danos extrapatrimoniais, baseada exclusivamente na pecúnia, não garante ao trabalhador lesado uma efetiva reconstrução de sua dignidade, antes violada pelo ato ilícito. Para tanto, será feita inicialmente uma análise sobre as mudanças no trato do dano extrapatrimonial provocadas pelo advento da Constituição de 1988, mormente em relação a sua natureza e os novos filtros de reparação trazidos pela moderna doutrina. Ao mesmo tempo, serão demonstradas as incompatibilidades da atual forma de reparação dos danos extrapatrimoniais com o a sistemática da nova interpretação constitucional. Por fim, analisar-se-á a figura de uma nova proposta de reparação ao dano extrapatrimonial no âmbito da justiça do trabalho: a reparação não pecuniária, em oposição ao atual sistema de reparação baseado exclusivamente na entrega de dinheiro ao demandante lesado. 1. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PRIVADO E A RESPONSABILIDADE CIVIL Poucos institutos no direito brasileiro sofreram tantas mudanças quanto os danos extrapatrimoniais. Passamos pela sua negativa no início do século passado e posteriormente pelo reconhecimento vinculado a uma visão calcada no sentimento da vítima, até os dias atuais, onde tanto o reconhecimento, quanto sua reparação, está ligada ao ideal da dignidade humana, corolário da Constituição Federal de 1988. Ao incluir no artigo 1o da Constituição Federal de 1988 a dignidade humana como fundamento da República, o Constituinte colocou o ser humano acima do patrimônio, impondo a todo o ordenamento jurídico, por hierarquia, que a pessoa passasse a ser seu centro. O professor Pablo Stolze (2017), ao se referir aos princípios norteadores do direito contratual, leciona que na medida em que nos desapegamos de uma tendência excessivamente patrimonial, fechada e egoística do Direito Civil, passando a reconhecer uma justa prevalência da pessoa humana em lugar dos bens materiais, é natural que a concepção teórica do sistema de princípios informadores do Direito Contratual experimentasse mudança (p. 390). Nota-se que, não somente por tal imposição hierárquica, mas também por evolução, houve uma alteração no trato ideológico do próprio direito civil, deixando o patrimônio de ser o protagonista desse ramo do direito privado, para dar lugar à pessoa humana. Por consequência dessa nova sistemática trazida pela constituição, os próprios direitos da personalidade, previstos no Capítulo II, Título I do Livro I do Código Civil, ganharam amparo constitucional, sendo sua proteção e eficácia resultado da incidência direta de alguns direitos fundamentais nas relações privadas. Convém salientar inclusive, que nem todos os direitos fundamentais positivados podem ser aplicados diretamente nas relações privadas, haja vista que alguns têm aplicação somente em face do Estado, outros apenas em face dos particulares. André de Araújo Molina (2013, p. 117), de maneira original, nomeia tal teoria de eclética ou mista, ao se referir sobre a incidência horizontal dos direitos fundamentais. Em síntese, direitos da personalidade, direitos fundamentais e direitos humanos são designações diferentes destinadas a contemplar atributos da personalidade merecedores de proteção jurídica, todos com valor idêntico e unitário: a dignidade humana (SCHREIBER, 2013, p. 13). Logo, é fácil concluir que os direitos da personalidade, tidos como sinônimo de direitos fundamentais aplicáveis às relações privadas, são o conteúdo mínimo do próprio conceito de dignidade humana. Conteúdo porque estão contidos, encapsulados naquilo que deve ser considerado a dignidade humana; e mínimo, porque os direitos oriundos da dignidade humana, aqui tratada como princípio1, não podem ser enumerados, como bem preleciona BARROSO (2012): Esse é o primeiro papel de um princípio como a dignidade humana: funcionar como uma fonte de direitos – e, consequentemente, de deveres -, incluindo os direitos não expressamenteenumerados, que são reconhecidos como parte das sociedades democráticas maduras (p. 66). O professor Anderson Schreiber, para exemplificar o rol aberto dos direitos da personalidade inaugurado pela nova dogmática constitucional trazida à responsabilidade civil, cita um caso em que foi reconhecido o “direito à identidade pessoal”, que não encontra previsão expressa no Código Civil, mas que, por força da incidência direta das normas constitucionais no caso concreto, foi reconhecido. Trata-se do Recurso Especial 1.063.304/SP, de Relatoria do Ministro Ari Pargendler, publicado em 26 de agosto de 2008, onde uma empresa jornalística foi condenada a indenizar um advogado em R$250.000,00, ao publicar sua imagem em reportagem com o título “Bairros de São Paulo atraem vizinhança homossexual. Segundo o autor, interpretando o julgado, para além do fato de ter utilizado a imagem alheia sem autorização, a publicação lesou o retratado ao lhe atribuir condição que não lhe era própria, ou seja, a de homossexual (SCHREIBER, 2013, p. 14-15). Diante dessa nova perspectiva proteção dada à pessoa humana, inclusive com o reconhecimento de danos à interesses não expressos no ordenamento, verifica-se uma mudança nos paradigmas da responsabilidade civil, ou mesmo uma erosão dos filtros tradicionais da responsabilidade civil, deixando a culpa e o nexo causal de ter tanta importância para dar lugar ao protagonismo do dano (SCHREIBER, 2015, p. 11-79). Em palestra proferida no II Seminário Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho, o professor José Affonso Dallegrave Neto (2014) defendeu de forma clara: Reparem que perdi aqui quase a metade da minha fala para deixar bem claro que o norte, o paradigma, hoje, não é mais onde está a culpa da empresa. O norte não é mais onde está a culpa do agente. O norte, o paradigma, que fundamenta a responsabilidade civil, não só no Brasil como nos demais países, é a reparação integral da vitima. O olhar do julgador é como vou reparar essa vitima. É a partir desse paradigma, desse norte, desse valor proeminente da Constituição Federal, que vou investigar o caso concreto (p. 225-223). O exposto até aqui demonstra justamente isso: que há uma preocupação cada vez maior na busca pela reparação efetiva, passando a doutrina a reconhecer o dano como pressuposto fundamental da responsabilidade civil, reflexo de uma nova dogmática Constitucional. 2. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS E OS CRITÉRIOS REPARATÓRIOS ATUAIS Conforme exposto até aqui, a incidência direta dos princípios constitucionais, conteúdo mínimo do princípio da dignidade humana, fez nascer a busca pela reparação de danos que até então não eram reconhecidos por ausência de previsão legal, passando a responsabilidade civil prescindir de antijuridicidade normativa expressa e assumir papel primário na seleção dos interesses merecedores de tutela em concreto. Na busca por um conceito dos danos extrapatrimoniais, não é incomum esbarrarmos em diversas nomenclaturas que, a princípio, causam certa confusão. FACHINI NETO e WESENDONCK (2012) advertem que o dano extrapatrimonial pode ser considerado um gênero, que entre nós costuma ser chamado de dano moral (p. 230). Segundo os autores, a concepção de danos extrapatrimoniais passou por três grandes fases: a tradicional, a crítica e a civil-constitucional. A primeira, ligada à ideia negativa de que todo dano que não fosse material, seria imaterial, ou seja, moral. A segunda, um pouco mais complexa, leva em consideração a repercussão da lesão sobre a vítima, e não a natureza da lesão assim, admitindo a existência de lesões patrimoniais em consequência de lesão a um bem não patrimonial (ex.: cicatriz deformante numa modelo) e vice-versa (FACHINI NETO e WESENDONCK, 2012, p. 232-234). Para a terceira e mais recente corrente, [...] dano moral seria aquele que, independentemente do prejuízo material, fere direitos da personalidade, isto é, todo e qualquer atributo que individualiza a pessoa, tal como a liberdade, a honra, a reputação, o nome, a imagem etc (FACHINI NETO e WESENDONCK, 2012, p. 234). Cumpre aqui esclarecer que, atualmente, a terceira corrente esbarra em um entrave trazido pelas duas primeiras correntes, que ainda são fortes na doutrina e jurisprudência brasileira, segunda as quais o dano moral consistiria na dor, vexame, sofrimento ou humilhação, ou seja, a configuração do dano moral fica ao sabor de emoções subjetivas da vítima. Tal entendimento é veementemente refutado por SCHREIBER (2013), ao afirmar que o “dano moral não pode depender do sofrimento, dor ou qualquer outra repercussão sentimental do fato sobre a vítima, cuja efetiva aferição, além de moralmente questionável, é faticamente impossível” (p. 17). Logo, a atual concepção do dano extrapatrimonial leva em consideração a violação direta dos direitos da personalidade, independentemente de qualquer outro fator, mesmo que subjetivo, pois a aferição da dignidade humana não pode ser concedida ou perdida (BARROSO, 2012, p. 76). O referido autor cita como exemplos dos malefícios da consideração da dor e sofrimento para aferição do dano moral, o caso da atriz Maitê Proença, que, após ver sua nudez estampada sem autorização em jornal de grande circulação, teve seu pedido de indenização negado pelo Tribunal de justiça do Rio de Janeiro sob o argumento de que “somente mulher feia pode se sentir humilhada, constrangida”. Ao se referir ao caso, SCHREIBER (2013) transcreve o seguinte trecho do acórdão: Só mulher feia pode se sentir humilhada, constrangida, vexada em ver seu corpo desnudo estampado em jornais ou revistas. As bonitas, não. Fosse a autora uma mulher feia, gorda, cheia de estrias, de celulite, de culote e de pelancas, a publicação da sua fotografia desnuda – ou quase – em jornal de grande circulação, certamente lhe acarretaria um grande vexame, muita humilhação, constrangimento enorme, sofrimentos sem conta. A justificar – aí sim – o seu pedido de indenização de dano moral, a lhe servir de lenitivo para o mal sofrido. Tratando-se, porém, de uma das mulheres mais lindas do Brasil, nada justifica pedido dessa natureza, exatamente pela inexistência, aqui, de dano moral a ser indenizado (p. 17). Superada a parte conceitual sobre os danos extrapatrimoniais, aqui tratados como uma ofensa direta e objetiva aos direitos da personalidade, importante analisar a reparação de tais danos, já que, conforme dito no introito do presente estudo, tal reparação nem sempre foi aceita pela doutrina e jurisprudência brasileira. A princípio, a comprovação dos danos morais era impossível de ser feita em juízo, pois, como dito, eram confundidos com dor, elemento psicológico e subjetivo. Somente com a conceituação do dano moral como violação de interesses tutelados pela legislação é que se vislumbrou uma maior facilidade na reparação. Todavia, foi a Constituição Federal de 1988 que chancelou a possibilidade de reparação dos danos extrapatrimoniais, passando a doutrina e a jurisprudência a discutir a natureza dessa reparação. A reparação civil, de maneira geral, possui três funções: uma compensatória, objetivo básico da mesma, cuja finalidade é retornar o status a quo ante; uma punitiva, gerando uma punição ao ofensor pela ausência de cautela na prática de seus atos; e uma função de desmotivação social da conduta lesiva, que é a de tornar público que condutas semelhantes não sejam toleradas (STOLZE, 2014, p. 44). O fato é que, ao contrário da reparação material, em que o retorno ao estado anterior ao da lesão se dá pela obtenção do montante ou coisa lesada, na reparação extrapatrimonial, a lesão à personalidade da vítima é quase sempre irreparável (SCHREIBER, 2013, p. 17), havendo portanto, a compensação pelos danos, cujo objetivo é, para a atual visão jurisprudencial, a atenuação da dor resultante daofensa aos direitos da personalidade. Não se pretende neste trabalho o aprofundamento sobre a natureza da reparação do dano extrapatrimonial, mas sim demonstrar que, muito embora haja defensores da tese de que tal reparação tenha caráter punitivo, é quase uníssono o entendimento de que sua principal função é a de amenizar o sofrimento da vítima do dano através de uma compensação. É exatamente no que tange à compensação que se encontra o cerne da presente pesquisa. Conforme já exposto, a responsabilidade civil caminha no sentido de, com amparo constitucional, reconhecer novos interesses merecedores de tutela e com isso a compensação pelos danos sofridos diante de sua violação. Ao mesmo tempo, como quase que única forma de compensação, a indenização em dinheiro (SCHREIBER, 2013, p. 18). A abertura para a compensação pelos danos extrapatrimoniais deu-se pela esfera patrimonialista, mediante a fixação de indenização em face da gravidade do dano, aferida em face das condições pessoais da vítima. Como consequência, há o crescente temor “de que o imenso oceano de novos interesses extrapatrimoniais deságue em ações frívolas voltadas à obtenção de indenização pelos acontecimentos mais banais da vida social” (SCHREIBER, 2015, p. 195). Não é exagero afirmar que o método tradicional da reparação extrapatrimonial é o pecuniário. Como será demonstrado no próximo tópico, não existe somente uma forma – a pecuniária – de reparação dos danos extrapatrimoniais. Convém, citar o curto, porém importante trecho que o professor Anderson Schreiber (2013) chama a atenção: A maioria dos advogados também não parece interessada em pleitear a compensação não pecuniária. Para combater a insuficiência inevitável das somas de dinheiro, tem se argumentado que a responsabilidade civil deve exercer uma função punitiva, que garanta à vítima... mais dinheiro (p. 19). 3. A REPARAÇÃO NÃO PECUNIÁRIA NO ÂMBITO DA JUSTIÇA DO TRABALHO Como já mencionado, muito embora a jurisprudência brasileira evolua a passos lentos nesse sentido, a reparação pecuniária não é a única forma de reparação dos danos extrapatrimoniais. Um dano pode ser reparado direta ou indiretamente. Este representa o pagamento de uma quantia ou cumprimento de obrigação que sirva para chegar à um estado próximo do que existia antes, e aquele consiste na possibilidade de retomada integral do “status ante a quo” ao evento lesivo, tratando-se da dita reparação “in natura” (SCHREIBER, 2002, p. 18). Muito embora haja aqueles que defendam a inviabilidade da reparação “in natura” para os danos extrapatrimoniais, em importante julgamento feito no Recurso especial 959.569-SP, o STJ reconheceu a possibilidade de tal tipo de reparação, conforme voto prolatado pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: A controvérsia situa-se em torno do modo de reparação dos danos morais por ela sofridos. A reparação dos danos extrapatrimoniais, sofridos por pessoa física ou por pessoa jurídica, pode ser natural ou pecuniária. Em sede doutrinaria, já tive oportunidade de analisar a distinção entre as duas modalidades de reparação (SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Principio da reparação integral - indenização no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2010). Relembre-se que a reparação natural, ou in natura, consiste na tentativa de se recolocar o lesado no mesmo estado em que se encontrava antes da ocorrência do evento danoso, restituindo-lhe um bem semelhante ao subtraído, destruído ou danificado para recomposição do seu patrimônio. Os prejuízos extrapatrimoniais, em geral, por sua própria natureza, por não terem conteúdo econômico ou patrimonial, não se coadunam, em regra, com a reparação in natura , embora, em algumas situações, a doutrina entenda que ela se mostre viável (CAHALI, 1998, p. 704). Harm Peter Westermann, na perspectiva do Direito alemão, anota que "também danos em bens sem valor patrimonial (imateriais) são ressarcíveis, mediante o restabelecimento (restituição ao natural), que o 249 (do BGB) ordena" (WESTERMANN, Harm Peter. Direito das Obrigações. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1983, p. 136) Karl Larenz acrescenta que "o dano imaterial pode ser ressarcido enquanto isso seja possível por meio da restituição in natura : isso tem lugar sobre tudo em casos de retratação pública de declarações publicamente manifestadas, idôneas para ofender a honra de outrem ou para prejudicar o seu crédito (824 do BGB)" .(LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1959, t. 1, 14, p. 229). Pontes de Miranda, após anotar que "a reparação natural é, quase sempre, impossível", afirma que o dano moral ou se repara pelo ato que o apague (retratação do caluniador ou do injuriante) ou pela prestação do que foi considerado reparador. Reconhece como reparação específica as medidas para retificação ou reconhecimento da honorabilidade do ofendido e a condenação à retificação ou à retratação, exemplificando com "a ação para que se retire o cartaz injurioso é ação de reparação natural" (MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado . Rio de Janeiro: Borsói, 1955-1972. v. 54, 5536, p. 61.). Araken de Assis, após lembrar a hipótese de casamento do homem com mulher deflorada, prevista no art. 1548 do CC/16 e não repetida pelo CC/2002, anota que a reparação in natura normalmente se mostra insuficiente, apenas influenciando na fixação da indenização, como a retratação espontânea ou a publicação da resposta ou retificação, previstas pela Lei de Imprensa (art. 29 da Lei 5250/67). (ASSIS, Araken de. Liquidação do dano. Revista dos Tribunais. São Paulo, Ano 88, n. 759, p. 11-23, jan., p. 16). Sérgio Severo aponta a retratação pública ou a publicação da sentença de procedência da demanda por dano moral como modalidades de reparação natural do prejuízo extrapatrimonial (SEVERO, Sérgio. Os danos extrapatrimoniais. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 193). Na legislação brasileira, historicamente têm sido previstas formas de reparação natural, como, na revogada Lei de Imprensa (Lei 5250/67), a previsão de retratação do ofensor, o desmentido, a retificação da notícia injuriosa, a divulgação da resposta e, até mesmo, a publicação da sentença condenatória (arts. 29, 30 e 68). Pode-se exemplificar, também, com a retirada do mercado do livro supostamente ofensivo à honra de uma pessoa pública. Na realidade , essas medidas previstas na nossa legislação ou indicadas pela doutrina não constituem propriamente casos de reparação natural, pois não se consegue apagar completamente os prejuízos extrapatrimoniais, sendo apenas tentativas de minimização dos seus efeitos por não ser possível a recomposição dos bens jurídicos sem conteúdo econômico atingidos, como ocorre com os direitos da personalidade. Assim, insuficiente a reparação in natura , a solução é a indenização pecuniária, cuja quantificação se realiza por arbitramento judicial. A reparação pecuniária, por sua vez, é uma compensação em dinheiro, mediante o pagamento de uma indenização fixada pelo juiz, pelos danos sofridos pelo lesado. Trata-se do sistema mais adotado, atualmente, na prática, de reparação dos danos, consistindo no pagamento de uma indenização pecuniária equivalente aos prejuízos sofridos pelo lesado. Adriano De Cupis explica que, nessa hipótese, "o ressarcimento consiste na prestação, ao prejudicado, de um equivalente pecuniário", sendo apenas "necessário estabelecer em quanto monta, pecuniariamente, o interesse atingido pelo dano" (DE CUPIS, Adriano. Il danno . Milano: Giuffrè, 1966, p. 297). Essa opção pela reparação pecuniária não é nova no sistema de responsabilidade civil, chegando Pontes de Miranda a afirmar categoricamente que "o direito romano e o Direito francês só conheciam a reparação em dinheiro" (MIRANDA, 1955-1972, t. 22, 2.722, no 1, p. 209). A tradição no Direito brasileiro, para a reparação dos danos extrapatrimoniais, é a indenização pecuniária. As duasformas de reparação (natural e pecuniária) não são excludentes entre si, pois deve-se respeito ao princípio da reparação integral, que estava implícito na norma do art. 159 do CC/16 e, atualmente, está expresso no art. 944 do CC/2002. O princípio da reparação integral ou plena, ou da equivalência entre os prejuízos e a indenização, busca colocar o lesado, na medida do possível, em uma situação equivalente a que se encontrava antes de ocorrer o fato danoso (STIGLITZ, Gabriel A.; ECHEVESTI, Carlos A. El daño resarcible en casos particulares. In:CARLUCCI, Aida Kemelmajer de (Coord.). Responsabilidad civil. Buenos Aires: Hammurabi, 1997, p. 298). Naturalmente, essa tentativa de recolocação da vítima no estado em que se encontrava antes do ato danoso é uma ficção, pois, em muitas situações, como nos casos de danos extrapatrimoniais, isso é operado "de forma apenas aproximativa ou conjectural" (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil : do inadimplemento das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 322). De todo modo, como a responsabilidade civil tem como função prioritária a reparação mais completa do dano, dentro do possível, essa norma constitui a diretiva fundamental para avaliação dos prejuízos e quantificação da indenização (VINEY, Geneviève , Les obligations: la responsabilité, effets. Paris: L.G.D.J, 1988. (Traitè de Droit Civil, v.5, p. 81). O princípio pode ser invocado tanto na reparação natural como na indenização pecuniária. Na reparação natural, não há maiores dificuldades na sua concretização, bastando que seja restaurada a situação que existiria caso o ato ilícito não houvesse ocorrido pela recomposição do mesmo bem no patrimônio do lesado ou por sua substituição por uma coisa similar. Note-se que, mesmo na reparação natural, a simples devolução ou substituição da coisa pode não ser suficiente para o ressarcimento pleno dos danos causados ao prejudicado. Exemplo dessa situação tem-se no art. 952 do CC/2002, que, ao tratar dos danos causados pela usurpação ou esbulho de uma coisa, prevê, além da sua restituição, a reparação das deteriorações e dos lucros cessantes, correspondendo essa regra a uma concretização do princípio da reparação integral. No caso, o entendimento do Tribunal de origem, afirmando a inadequação da indenização por danos morais à pessoa jurídica, violou a cláusula geral de responsabilidade civil insculpida na norma do art. 159 do Código Civil de 1916, que já consagrava implicitamente o princípio da reparação integral do dano, agora positivado pelo art. 944 do Código Civil de 2002. A reparação dos danos morais deve ser a mais completa possível, o que não ocorreu no julgamento do tribunal de origem. Nesse sentido, tenho que a substituição aplicada pelo Tribunal de origem, violando o art. 159 do Código Civil de 1916, determina o provimento do recurso especial nesse ponto, impondo-se, o restabelecimento da sentença, adotando-se seu dispositivo na parte relativa à indenização. Fica mantido o valor da verba indenizatória arbitrada na sentença por se tratar de um montante razoável para a natureza da lesão sofrida pela empresa recorrente, somente sendo possível a esta Corte a revisão do valor da indenização quando exagerado ou ínfimo. Desacolhe-se, assim, nesse ponto, o pedido de majoração da indenização formulado no recurso especial. Finalmente, fica mantida a determinação do tribunal de origem de publicação de retratação na imprensa local por não ter sido objeto de recurso especial pela recorrida. Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso especial, restabelecendo- se a indenização arbitrada pela sentença a título de danos morais. É o voto”. (grifo nosso). Todavia, parece que a imensa maioria das cortes pátrias, muito embora reconhecendo outras formas de reparação dos danos extrapatrimoniais, continua a compensar os danos morais exclusivamente por meio de uma indenização em dinheiro (SCHREIBER, 2013, p. 19). Os problemas decorrentes da exclusividade da indenização pecuniária na reparação dos danos extrapatrimoniais são inúmeros. O próprio professor Anderson Schreiber (2015) adverte que a manutenção e um remédio exclusivamente pecuniário aos danos extrapatrimoniais induz à conclusão de que a lesão a interesses existenciais é a todos autorizada, desde que se esteja disposto a arcar com o o valor correspondente (SCHREIBER, 2015, p. 196). Outro problema dessa tradição patrimonialista no trato deste tipo de reparação decorre de uma visão mercantilista da ideia de danos extrapatrimoniais, criando a sensação de nivelamento dos atributos humanos. Prova disto foi a emblemática tabela publicada em matéria jornalística pelo Superior Tribunal de Justiça (2009), onde a corte fixa valores de indenizações para variados tipos de danos. Por fim, uma análise isenta da jurisprudência revela que, nos ordenamentos de “civil law”, o valor das indenizações monetárias por dano moral tem se mantido, em geral, baixo. E o valor irrisório da compensação, na maioria das vezes, é sentido pela vítima como nova afronta à sua dignidade (SCHREIBER, 2015, p. 197-198). Daí a conveniência de substituir o pagamento, ou fazê-lo acompanhar-se de medidas de retratação e de publicidade da reparação, que efetivamente compensem o desvalor moral. A solução para tais problema, é a aproximação da figura da reparação “in natura” ao dano extrapatrimonial, conforme aponta a doutrina: Com o objetivo de enfrentar estas dificuldades, diversas culturas jurídicas vêm experimentando, ainda que de forma tímida, um movimento de despatrimonialização, não já do dano, mas da sua reparação. As infindáveis dificuldades em torno da quantificação da indenização por dano moral revelaram a inevitável insuficiência do valor monetário como meio de pacificação dos conflitos decorrentes de lesões a interesses extrapatrimoniais, e fizeram a doutrina e a jurisprudência de toda parte despertarem para a necessidade de desenvolvimento de meios não pecuniários de reparação (SCHREIBER, 2015, p. 196). A reparação não pecuniária não somente garante uma maior aproximação do que seria a reparação “in natura”, e por consequência o retorno ao “status a quo ante” e garantia do “restitutio in integrum” (DALLEGRAVE NETO, 2014, p. 231), mas também possibilita “fazer frente ao já aludido processo de mercantilização das relações existenciais” (SCHREIBER, 2015, p. 198). A conclusão a que se chega é de um inegável ocaso da antiga tradição de a responsabilidade civil resulta sempre e exclusivamente em indenização em dinheiro, passando, a lentos passos, a dar lugar à tendência de formas alternativas de reparação que, somadas ou não à pecúnia, garantam uma maior reparabilidade ao dano sofrido. No âmbito da justiça do trabalho, onde a responsabilidade civil é amplamente utilizada para a solução dos mais variados tipos de conflitos, a necessidade de uma reparação não pecuniária é não só recomendada, mas necessária. Ao citar exemplos de aplicações das reparações não pecuniárias no âmbito da responsabilidade civil, o professor Anderson Schreiber, em duas de suas obras citadas nesse estudo, utiliza ambiente trabalhista para melhor conjecturar tal possibilidade: Imagine-se, por exemplo, o dano extrapatrimonial decorrente de assédio moral no ambiente de trabalho (o chamado mobbing, do qual já se tratou acima). Em tais casos, a condenação do empregador a afixar um pedido de desculpas ao empregado no próprio ambiente de trabalho pode reparar de modo mais eficiente a lesão à reputação da vítima do que uma quantia de dinheiro entregue friamente por um preposto do réu no ambiente “secreto” de uma sala de audiências (SCHREIBER, 2015, p. 201). Tem-se como exemplo a situação do empregado que, humilhado pelo empregador no ambiente de trabalho, decide promover ação judicial com o legítimo propósito de ver reparado o dano que sofreu em sua honra. É certo que a atribuição de um valor financeirotem efeito benéfico sobre a vítima, mas compensação ainda mais ampla pode ser alcançada, além da indenização em dinheiro, se o empregador for condenado, por exemplo, a afixar no espaço de trabalho pedidos públicos de desculpas ao ofendido (SCHREIBER, 2013, p. 18). Trazendo à baila todo o exposto até aqui, tem-se que a preocupação na responsabilidade civil, pela nova tratativa constitucional, é buscar uma reparação que, de certa forma, seja a mais plena possível, sobretudo na justiça obreira, onde os interesses em jogo comumente tratam de Reclamantes hipossuficientes. Como muito didaticamente exposto por DALLEGRAVE NETO (2014), “se fui caluniado, quero ser retratado. Se fui ofendido e difamado na empresa, quero que a empresa se retrate. Isso também é um pouco de retorno ao status a quo ante, está dentro do paradigma da reparação integral” (p. 231). O professor palestrante, traz ainda como exemplos da aplicação da referida reparação na justiça obreira: Trago esta ementa aqui para demonstrar alguns casos rápidos do que seria essa prestação in natura. Por exemplo: ‘(...) Custeio de tratamento medico. (...) é pertinente o deferimento (...) porque representa a melhor expressão da obrigação de indenizar, se comparada à condenação de pagar numerário, nem sempre empregado com esse proposito’. Então, aqui está um exemplo: a empresa custear plano medico. Ainda há outro exemplo: a empresa suportar a realização de uma cirurgia plástica reparadora. Em vez de dar o dinheiro, colocar uma circunstancia ou um tipo de condenação para que, efetivamente, seja realizada essa cirurgia reparadora (DALLEGRAVE NETO, 2014, p. 232). Como bem lembrado por DALLEGRAVE NETO (2014), “os advogados gostam da monetização, o reclamante gosta da monetização, as pessoas querem dinheiro” (p. 230), desta maneira, não é de esperar que as partes busquem na prática a reparação não pecuniária dos danos, não sendo temerário concluir que, caberá ao judiciário trabalhista a tarefa de impor tal modalidade de compensação. CONCLUSÃO A responsabilidade civil, inserida no ramo do direito civil, sofreu verdadeira mutação após o advento da Constituição de 1988, sobretudo no que tange aos danos extrapatrimoniais. Com isto, novos interesses passaram a ser tutelados pelo ordenamento jurídico, trazendo a possibilidade de que a lesão a tais interesses, mereçam reparação. Todavia, com a abertura do rol de direitos da personalidade tutelados pela responsabilidade civil, somado ao método de reparação pecuniária dos danos extrapatrimoniais, corolário da atual visão patrimonialista do instituto, acabaram por causar mais problemas do que soluções, sobretudo o afastamento da reparação integral, sem contar a mercantilização do dano moral. Por tal motivo, a doutrina aponta o caminho da despatrimonialização da reparação do dano moral, resolvendo os problemas causados pela visão meramente patrimonialista clássica da responsabilidade civil, sobretudo o da não reparação efetiva. Assim, a busca pelos meios não pecuniários, sobretudo na justiça trabalho, área do direito em que há uma maior fragilidade e desilgualdade nas relações, trará uma maior efetividade na reparação dessa espécie de dano. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROSO, Luis Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2012. DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Reparações não patrimoniais dos danos morais. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, SP, v. 80, n. 1, p. 225-233, jan./mar. 2014. FACCHINI NETO, Eugenio. WESENDONCK, Tula. Danos existenciais: “pacificando” lagrimas? Revista de Direitos e Garantias Fundamentais. Vitória, n. 12, p. 229-267, ju/dez, 2012. GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 12. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014. GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Saraiva, 2017. MOLINA, André Araújo. Teoria dos princípios trabalhistas. 1.ed. São Paulo: Atlas, 2013. SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015. SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. 3. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2014. SCHREIBER, Anderson. Arbitramento do dano moral no novo código civil. Revista Trimestral do Direito Civil, a. 3, v. 12, p. 18, out./dez. 2002. STJ busca parâmetros para uniformizar valores de danos morais. In: Superior Tribunal de Justiça. Sala de Notícias. 13 de setembro de 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=936 79>. Acesso em: 01 abr. 2013. TEPEDINO, Gustavo. Reflexões sobre a constitucionalização do direito civil. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 49, p.11, jan./mar. 2012.
Compartilhar