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A_PRUDENCIA_POLITICA_NA_FILOSOFIA_DE_EDM

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FACULDADE ARQUIDIOCESANA DE MARIANA – DOM LUCIANO MENDES 
GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA 
 
 
 
 
 
 
Luiz Henrique de Moraes Silva 
 
 
 
 
 
 
 
A PRUDÊNCIA POLÍTICA NA FILOSOFIA DE EDMUND BURKE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Mariana 
2014
Luiz Henrique de Moraes Silva 
 
 
 
 
 
 
 
A PRUDÊNCIA POLÍTICA NA FILOSOFIA DE EDMUND BURKE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao curso de 
graduação em Filosofia da Faculdade 
Arquidiocesana de Mariana - Dom 
Luciano Mendes como requisito parcial 
para obtenção do título de bacharel em 
Filosofia. 
 
Orientador: Ms. Rodrigo Alexandre de 
Figueiredo 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Mariana 
2014 
 
 
 
“A mente moderna vê-se forçada na direção do futuro 
pela sensação da fadiga – não isenta de terror – com que 
contempla o passado. Ela é propelida para o futuro. Para 
usar uma expressão popular, é arremessada para meados da 
semana que vem. E a espora que a impulsiona avidamente 
não é uma afeição genuína pela futuridade, pois a futuridade 
não existe, pois que ainda é futura. É antes um medo do 
passado: um medo não só do mal que há no passado, senão 
também do bem que há nele. O cérebro entra em colapso 
ante a insuportável virtude da humanidade. Houve 
tantas fés flamejantes que não podemos suportar, houve 
heroísmos tão severos que não somos capazes de imitar, 
empregaram-se esforços tão grandes na construção de 
edifícios monumentais ou na busca da glória militar que 
nos parecem a um tempo sublimes e patéticos. O futuro é 
um refúgio onde nos escondemos da competição feroz de 
nossos antepassados. São as gerações passadas, não as 
futuras, que vêm bater à nossa porta.” 
G. K. Chesterton 
 
 
 
“Como a filosofia política deriva sua sanção da ética, e a 
ética da verdade da religião, é somente ao retornar à fonte 
eterna da verdade que poderemos ter esperança em alguma 
organização social que não venha, até a destruição eterna, 
a ignorar algum aspecto essencial da realidade.” 
T. S. Eliot 
RESUMO 
Discorremos, neste trabalho, a respeito dos componentes teóricos fundamentais da 
filosofia política de Edmund Burke, pensador irlandês que advogou por uma conduta 
política regulada especialmente pela virtude da prudência, que considerava 
indispensável a legisladores e estadistas em geral. Ao criticar a Revolução Francesa de 
1789, Burke denuncia a impetuosidade e os erros da ideologia que serviu de 
combustível para aquela insurreição. Ele adverte, nesse contexto, que não são os 
princípios abstratos fabricados pelo intelecto que devem reger a ação política, mas sim a 
consideração realista e ponderada das circunstâncias particulares de cada tempo e lugar. 
Antevendo, já em 1790, que o regime jacobino acarretaria em violências ainda maiores 
posteriormente, Burke discute os dogmas da mentalidade revolucionária, questionando 
inclusive a acuidade da razão pretensamente esclarecida dos philosophes iluministas. 
Burke contesta as noções iluministas relacionadas a um estado primitivo e a direitos 
primitivos dos homens, bem como a ideia de que a natureza humana, sendo plástica e 
perfectível, poderia ser artificialmente melhorada por um Estado esclarecido. O seu 
ceticismo diante das utopias revolucionárias e seu apreço pelas instituições tradicionais 
levaram as gerações posteriores a nomeá-lo pai do conservadorismo moderno. O 
pensador irlandês sustenta a convicção de que há uma Ordem e uma Lei Natural acima 
do Estado e da sociedade com a qual as instituições humanas devem conformar-se 
progressivamente para alcançar a realização de seus fins. A observância das doutrinas 
encontradas nas fontes cristãs da Revelação divina e a valorização da tradição moral, 
institucional e espiritual que os antepassados nos transmitiram seriam os meios mais 
seguros para manter os laços entre o que é temporal, contingente e humano e o que é 
eterno, natural, e divino. Burke defende, ainda, que um estadista prudente deve sempre 
levar em conta as experiências passadas, aprender com erros e com os acertos dos 
ancestrais e estar disposto a preservar as instituições salutares legadas pelos 
antepassados, sem deixar de melhorá-las quando as circunstâncias permitirem. Diante 
de estruturas e sistemas que se tornam ineficazes para atender as necessidades dos 
cidadãos, Burke propõe, como alternativa ao método revolucionário, a reforma gradual, 
paciente e orgânica, que permite conservar o que permanece vantajoso nas velhas 
instituições e fazer reajustamentos posteriores para melhor adequar as mudanças 
políticas ao todo do organismo social. 
 
Palavras-chave: Prudência; Política; Conservadorismo; Revolução Francesa; 
Iluminismo; Lei Natural; Tradição; Reforma Institucional; Edmund Burke. 
 
 
 
 
ABSTRACT 
We discourse, in this paper, about the essential theoretical components of Edmund 
Burke’s political philosophy. This Irish author advocates for a political procedure 
regulated specially by the virtue of prudence, which he consider indispensable to 
lawmakers and statesmen in general. While Burke was criticizing the French Revolution 
of 1789, he denounces the impetuosity and the errors of the ideology that was the fuel 
for that insurrection. He warns, in that context, that the abstract principles fabricated by 
intellect should not drive the political action, but the realistic and weighted 
consideration of the particular circumstances of each time and site. In 1790, foreseeing 
the bigger violence that the Jacobin regime would bring about later, Burke discusses the 
revolutionary mind’s dogmas, quarrel also the accuracy of the French philosophes and 
his so-called enlightened reason. Burke contests the Enlightenment notions related to 
the primitive status and the primitive rights of mankind, just like the idea of the 
plasticity and perfectibility of human nature that could be improve artificially by an 
Enlightened State. His skepticism up against the revolutionary utopias and his regard for 
traditional institutions lead the subsequent generations to nominate him the father of the 
modern conservatism. The Irish philosopher believes in a natural Order above the 
society and in a natural Law, which the social and political institutions must 
progressively agree with to reach the fulfillment of their purposes. Valuating the 
doctrines founded in the Christian sources of the divine Revelation and being fond of 
the moral, institutional and spiritual tradition transmitted by the ancestors are the secure 
means to keep the bonds between what is temporal, contingent and human and what is 
eternal, natural and divine. Burke also stand up for the idea that a prudent statesman 
must always consider the experiences from the past, have the disposition to preserve the 
favorable institutions received by legacy from the ancestors and be able to improve 
them when the circumstances allow that. When the structures and systems become 
inefficient to satisfy the citizen’s needs, Burke propose, like an alternative to 
revolutionary method, a gradual, patient and organic reformation that allows to conserve 
what remains beneficial at the old institutions and permit subsequent enhances to adjust 
the political changes to all the social organism. 
 
 
Key-words: Prudence; Politics; Conservatism; French Revolution; Enlightening; 
Natural Law; Tradition; Institutional Reformation; Edmund Burke. 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO.............................................................................................................10 
 
1 UMA REAÇÃO AO JACOBINISMO E À ILUSTRAÇÃO..................................13 
1.1 A presciência de Burke..............................................................................................15 
1.2 O realismo burkeano..................................................................................................19 
1.3 Imprudências e vícios da atitude revolucionária.......................................................212 BASES ANTROPOLÓGICAS E ÉTICO-METAFÍSICAS....................................25 
2.1 Visão antropológica restrita.......................................................................................26 
2.2 Heranças greco-cristãs...............................................................................................28 
2.3 O jusnaturalismo burkeano........................................................................................33 
3 A PRUDÊNCIA COMO VIRTUDE NORTEADORA DA POLÍTICA................36 
3.1 A experiência dos antepassados................................................................................36 
3.2 Considerações sobre o governo civil.........................................................................39 
3.3 Representatividade política........................................................................................41 
3.4 As instituições e valores consolidados pelas gerações..............................................46 
3.5 Reformas orgânicas em vez de revoluções................................................................50 
 
CONCLUSÃO................................................................................................................53 
 
REFERÊNCIAS.............................................................................................................56
10 
 
INTRODUÇÃO 
Uma filosofia política que não prescreva grandes mudanças, transformações repentinas, 
ou revoluções violentas como solução para os problemas do sistema vigente, pode não 
ser considerada, por todos, digna de compor o cânon dos grandes paradigmas do 
pensamento político ocidental. Isso não significa, contudo, que ela não ofereça uma 
contribuição filosófica significativa que nos permita contemplar a política de um outro 
ângulo de visão e com outros critérios de juízo. Um dos objetivos desse trabalho é 
verificar se é possível pensar temas políticos de forma pertinente sem pretender oferecer 
fórmulas teóricas para a construção de um sistema virtualmente perfeito e sem sugerir 
solapar as bases institucionais de um sistema político qualquer a fim de desconstruí-lo e 
dar ocasião ao surgimento de uma nova ordem civil. Averiguaremos também, tendo por 
esteio o pensamento filosófico de Edmund Burke, se é possível assegurar uma filosofia 
política conservadora que não se limite à crítica das posturas revolucionárias e proponha 
meios mais sustentáveis e seguros de aprimoramento das estruturas sociopolíticas. 
Edmund Burke foi um filósofo irlandês, nascido em Dublin, que entrou para a história 
como o pai do conservadorismo político moderno e o mais ferrenho crítico da 
Revolução Francesa. Não obstante sua obra seja um marco da filosofia política 
conservadora, Burke foi líder do partido whig (liberal) no parlamento britânico, onde 
atuou como deputado pelo condado de Bristol. Alguns o classificam como liberal-
conservador; liberal no que tange à economia e pela importância que a liberdade 
individual tem em seu pensamento, conservador no que se refere à cultura, à moralidade 
pública e à própria política. Em sua atividade parlamentar, destacou-se como notório 
antiabsolutista, com um histórico de denúncias contra os abusos britânicos na Índia e de 
luta política contra as pretensões absolutistas do rei George III. Embora fosse de 
confissão anglicana e um monarquista convicto, empenhou-se na defesa dos direitos dos 
católicos irlandeses e dos colonos separatistas e republicanos da América do Norte. 
O livro sobre o qual dissertaremos com maior frequência para discorrer sobre a filosofia 
política burkeana teve, de acordo com o próprio autor, origem epistolar. As Reflexões 
sobre a Revolução em França nasceram de uma carta enviada pelo autor a um “jovem 
fidalgo de Paris”. Esse jovem era Charles-Jean-François Depont, que interrogara Burke 
acerca da sua opinião sobre o estado de coisas na França após a Revolução de 1789. Nas 
11 
 
primeiras páginas do texto, o deputado irlandês explica ao leitor a origem e o intento da 
obra. Por suas palavras iniciais, podemos inferir que as discussões acerca da referida 
revolução estavam pululando por toda a Europa naqueles primeiros anos após o levante 
jacobino. 
O ano em que Burke redige suas Reflexões sobre a Revolução em França é 1790, ano 
seguinte ao da Queda da Bastilha. A missiva que se tornaria um tratado político célebre 
em todo o Ocidente foi, na verdade, uma reação do autor, na forma de carta a Depont, a 
certos elogios públicos que se faziam no Reino Unido à revolução gaulesa. A troca de 
correspondência entre o parlamentar irlandês e o “jovem fidalgo de Paris”, embora real, 
teria sido apenas a ocasião que o primeiro encontrou para fazer vazar suas críticas à 
insurreição jacobina para o público comum.
1
 Com isso, Burke pretendia advertir as 
massas para evitar que as ideias revolucionárias ganhassem mais entusiastas entre os 
britânicos, o que era para ele motivo de grande preocupação. 
As Reflexões, entretanto, não encerram toda a obra do filósofo dublinense. No conjunto 
dos escritos filosóficos de Burke incluem-se muitos outros textos, que abarcam seus 
discursos no parlamento, correspondências diversas e até mesmo um tratado de Estética 
redigido como “investigação filosófica” sobre a origem das ideias do Belo e do 
Sublime. Para este trabalho monográfico interessam-nos, contudo, apenas os escritos de 
Burke dedicados à política. 
Assim sendo, procuraremos aqui apresentar a visão política de Burke enfocando as 
noções que formam a espinha dorsal de sua argumentação nessa matéria, tais como 
herança, circunstâncias, natureza, experiência, liberdade e, sobretudo, prudência. 
Tangenciamos também o entendimento do filósofo acerca do justo exercício do poder, 
da representatividade dos cidadãos perante o governo, da apropriada atuação do 
estadista frente aos interesses sociais conflitantes, da injustiça inerente à conduta 
revolucionária, da imprudência inerente à mentalidade subversora, da deferência devida 
às instituições civis consagradas, das configurações possíveis de um Estado, entre 
outros motes. Se for adequada a distinção feita entre ciência política e filosofia política 
que define a primeira como o estudo pragmático das estruturas e mecanismos de 
 
1
 Quem apresenta essa informação sobre a ocasião em que surgiu a obra-prima de Burke é Francis 
Canavan, S. J., em prefácio para as Reflexões encontrado na edição de 2012 da Topbooks, pág. 12. 
12 
 
governo, bem como das relações políticas que perfazem o aparato estatal e a sociedade, 
enquanto concebe a segunda como a fundamentação ética e metafísica de um projeto 
ideal de Estado e de uma conduta ideal dos agentes políticos, podemos dizer que Burke 
fez tanto uma quanto outra. 
No primeiro capítulo, encetaremos com uma retomada das circunstâncias históricas nas 
quais foi deflagrada a Revolução Francesa – evento determinante para a produção 
filosófica de Burke – e apresentaremos dados referentes aos desdobramentos daquela 
sublevação que corroboraram o parecer inicial do filósofo sobre a mesma. Também 
evidenciaremos as reações manifestas de Burke àquele acontecimento, que aparecem na 
forma de denúncias, advertências e apreciações contestatórias do pensamento 
revolucionário e iluminista. E abordaremos, ainda, o realismo burkeano frente às 
promessas utópicas que então ganhavam prestígio. No nosso capítulo inicial, portanto, 
prevalecem temas que ressaltam o caráter reativo e contestador do filósofo. 
No segundo capítulo, discorreremos sobre as noções antropológicas, éticas e metafísicas 
que alicerçam e permeiam o pensamento político burkeano. Procuraremos expor 
algumas características da antropologia restrita adotada pelo autor, sua confiança nas 
antigas virtudes clássicas e numa Ordem cosmológica natural com a qual devem 
conformar-se as convenções humanas, bem como seu apreço pelos valoresdo 
cristianismo, e também sua convicção de que os direitos naturais da humanidade 
procedem de uma Lei natural eternamente estabelecida. Neste capítulo aparece, 
portanto, um Burke que, não obstante preferisse ser prático, é também metafísico. 
No terceiro e último capítulo do nosso trabalho, à medida que apresentarmos as 
recomendações do filósofo para uma práxis política baseada, sobretudo, na virtude da 
prudência, sobressairá um Burke mais propositivo. Assim, procederemos a uma 
exposição das propostas práticas do filósofo para que os homens de Estado sejam 
norteados por uma salutar circunspecção e uma judiciosa sensatez na gestão da coisa 
pública. Mostraremos como a política da prudência surge como uma alternativa à 
política revolucionária e visa firmar uma relação de confiança recíproca entre governo e 
sociedade civil, possibilitando que toda mudança sócio-institucional seja sempre 
gradativa, orgânica e resulte em proveito do maior número possível de cidadãos. 
13 
 
1 UMA REAÇÃO AO JACOBINISMO E À ILUSTRAÇÃO 
Discorreremos, neste primeiro capítulo, acerca do modo como Edmund Burke 
manifestou sua oposição ao triunfo dos jacobinos na França, às medidas revolucionárias 
que aqueles tomaram e às ideias iluministas que os moviam. Apontaremos, também, 
determinadas ocorrências da França oitocentista que confirmaram as advertências de 
Burke sobre as consequências da Revolução. 
A reação do deputado irlandês àquele evento histórico contrariou o que, segundo 
Espada (2010), se esperava dele após a Queda da Bastilha em 1789. Na Câmara dos 
Comuns, a expectativa era que Burke apoiasse a insurreição gaulesa, como fizera em 
relação à Revolução Americana, que já havia tornado os EUA um país independente em 
1776. Entretanto, o parlamentar liberal manifestava-se com críticas veementes ao 
levante dos jacobinos, algo que seus compatriotas esperavam naturalmente dos tories 
(conservadores), mas não de um whig. A oposição de Burke não se explica apenas pelas 
notícias que chegavam até ele a respeito da escalada de violência que se desencadeava 
naquele processo revolucionário, mas também por sua experiência anterior com 
ideólogos cujas concepções motivaram o levante. 
Por volta de 1773, isto é, dezesseis anos antes da revolução, Burke teria viajado a Paris, 
onde teve contato com alguns iluministas franceses2. Na ocasião, Burke teria percebido 
neles não só uma hostilidade com relação à religião cristã, mas também um acentuado 
apego a princípios teóricos e direitos universais abstratos, como os de Liberdade, 
Igualdade e Fraternidade, em nome dos quais se poderia até desprezar os direitos 
individuais, tendo em vista um pretenso “bem comum” e os supostos interesses da 
coletividade. Burke teria, então, já naquele ano, percebido que concepções perigosas 
começavam a insuflar um movimento revolucionário na França. 
A mentalidade revolucionária, eivada de um caráter dogmático, utopista, subversivo e, 
muitas vezes, violento, inquietava Burke. Certamente impressionavam-no as palavras de 
ordem e frases como: “Só haverá liberdade quando o último rei for enforcado com as 
vísceras do último padre”, disseminada pelos iluministas. Ou: “Antes faremos da 
 
2
 Conforme a Introdução de Conor Cruise O’Brien presente na 2ª edição brasileira das Reflexões sobre a 
Revolução em França lançada pela Editora Universidade de Brasília em 1997. 
14 
 
França um cemitério do que deixaremos de regenerá-la”, atribuída a Jean-Baptiste 
Carrier, o principal carrasco dos resistentes de Vandée. Contudo, Burke ponderava 
(1997, p. 72) que a França pré-revolucionária – apesar da crise financeira e dos 
problemas que vinham se acumulando, não só por este motivo, mas também por causa 
do comodismo do rei e dos excessivos privilégios da aristocracia – tinha uma história 
notável, um legado de bons valores e de ancestrais sábios e virtuosos que os franceses, 
em sua opinião, deveriam ter aprendido a respeitar. O deputado britânico lembra que a 
França não era uma nação recente em 1789, não era um “povo de ontem” que fora 
escravizado até as vésperas da Revolução (como o discurso jacobino procurava 
denotar), e que depois dela se tornara livre e renascido. Logo, não se poderia desculpar 
os crimes dos revolucionários com o pretexto de que seriam “abusos da liberdade” 
cometidos por um povo desacostumado a ser livre (ibidem). 
“A França comprou miséria com crime!”, denunciava Burke (1997, p. 73). E vociferava 
contra o encarceramento da família real, o confisco dos bens da Igreja, os exílios de 
dissidentes, as execuções dos guardas e servos da realeza (idem, p. 97), acusando a 
Revolução inclusive de corromper o comportamento do povo na medida em que 
estendia a toda a população as “funestas corrupções que geralmente eram taras apenas 
de ricos e poderosos” (idem, p. 73). Burke elencava, já dois anos antes da fase mais 
crítica do “terror”, algumas das primeiras consequências observáveis daquela 
sublevação: “leis não cumpridas e tribunais destituídos; a indústria aniquilada e o 
comércio se extinguindo; impostos não pagos e, no entanto, o povo empobrecido; a 
Igreja pilhada sem que o Estado se beneficie com isso; a anarquia civil e militar...” 
(idem, p. 74). Em tudo isso, Burke via a concretização das ideologias da dita 
“ilustração”, elaboradas por “pioneiros que demoliram e abaixaram tudo ao nível de 
seus pés” e que, não obstante instigassem o povo às armas, “não derramaram uma só 
gota de sangue para o país que arruinaram” (ibidem). 
Mostrando-se sempre cético com relação ao novo estado de coisas na França, o autor 
manifesta também, ainda no início do texto, seu desejo de que a França seja “animada 
de um espírito de liberdade racional”, bem como suas “dúvidas sobre vários pontos 
importantes de suas últimas operações.” (BURKE, 1997, p. 48). Em sua carta-resposta 
que acabou se tornando um tratado de filosofia política, Burke deixou claro que o seu 
parecer não pretendia representar nenhum partido inglês e que, se cometesse erros de 
15 
 
julgamento, estes seriam de sua “inteira responsabilidade” (ibidem). Com isso, procurou 
dar um caráter de análise apartidária às suas considerações, sem deixar de admitir que, 
além de seus desejos de liberdade e prosperidade para a França, motivavam-no suas 
preocupações a respeito das consequências da Revolução Francesa para o Reino Unido, 
uma vez que as ideias oriundas da nação gaulesa influenciavam a Grã-Bretanha e vários 
outros países (idem, p. 103). 
Na Inglaterra, duas entidades promotoras dos ideais da chamada Revolução Gloriosa, 
ocorrida em 1688, apoiavam o regime da Assembleia Nacional francesa e começaram a 
difundir princípios jacobinos na Grã-Bretanha. A reverberação dos discursos 
revolucionários em solo inglês inquietava Burke, que temia que a ideologia estrangeira 
afetasse a percepção do povo britânico a respeito de suas próprias instituições. Na 
missiva, o autor como que procura convencer seu interlocutor de que a aprovação de 
tais clubes britânicos à Revolução Francesa não representava o parecer do parlamento e 
tampouco a maioria dos ingleses. A Assembleia Nacional francesa, no entanto, recebera 
tais declarações favoráveis a ela como se aquelas atestassem a aprovação do Reino 
Unido ao novo estado de coisas na França, razão pela qual Burke queria mostrar que a 
importância atribuída àquelas moções de apoio redundava numa impostura de ambas as 
partes, isto é, uma “fraude” (BURKE, 1997, p. 50). 
1.1 A presciência de Burke 
Há comentadores, como Cobban (1960, p. 11), que ressaltam a clarividência e a 
presciência de Burke, atribuindo-lhe certo “profetismo” que lhe permitiu antever, já em 
1790, as consequências futuras do processo revolucionário gaulês. Aos abusos de poder 
que observara já então, Burke classificou ironicamente
3
 como um “esboço” das 
barbáries que estavam por vir: 
Esboçou-se, sem dúvida,com audácia, uma série de regicídios e de sacrílegos 
atentados, mas foi apenas esboçada. Infelizmente, restou inacabado, no 
grande quadro da história, o massacre dos inocentes. Veremos mais tarde 
qual lápis endurecido de um grande mestre da escola dos direitos do homem 
o terminará. (BURKE, 1997, p. 98). 
 
3
 O recurso à ironia é frequente ao longo da obra Reflexões sobre a Revolução em França, especialmente 
quando o autor intenta criticar conceitos do pensamento iluminista, como “os direitos do homem”, a 
conduta revolucionária francesa ou seus adeptos britânicos. 
16 
 
A violência insólita do chamado Reino do Terror, que durou da queda dos girondinos, 
em 1792, à prisão de Robbespierre, em 1794, mais que confirmou as advertências de 
Burke. E, se a Revolução sustentou o princípio da “igualdade” em algo, certamente o foi 
na aniquilação de dissidentes, executando pessoas de origens e profissões muito 
distintas: de camponeses a aristocratas, de monjas a cientistas, como o próprio Antoine 
Lavoisier, pai da química moderna, cuja vida também teve seu desfecho na guilhotina. 
Nos anos do terror revolucionário, os crimes da ditadura de Robespierre marcaram a 
história da França: os afogamentos de Nantes (Noyades), o massacre de Vandée e as 
cerca de dezessete mil execuções na guilhotina, na qual decapitaram desde os opositores 
manifestos da Revolução, incluindo os nobres (entre eles, o próprio rei Luís XVI), até as 
inofensivas monjas carmelitas de Compiégne
4
. Otto Flake menciona também o 
morticínio desenfreado de Jean-Baptiste Carrier (FLAKE, 1937, p. 187), um 
revolucionário que ficou famoso por sua crueldade, sobretudo contra os clérigos, e pelos 
abusos sexuais que cometia contra algumas vítimas antes de executá-las. A Carrier é 
atribuída a invenção do método de execução denominado “casamento republicano”, o 
qual consistia em amarrar duas vítimas nuas, uma defronte a outra (e, às vezes, padres 
com freiras, para zombar de sua castidade), para depois atirá-las no rio Loire. 
De acordo com Messori (2004, p. 65), três mil padres teriam sido assassinados pelo 
governo revolucionário, muitas religiosas violadas e torturadas até a morte e dezenas de 
camponeses esquartejados, sobretudo na província de Vandée, onde os católicos haviam 
organizado uma resistência armada, bem como nas demais localidades que se opuseram 
ao totalitarismo revolucionário a fim de preservar suas tradições. Há historiadores que 
consideram o massacre de Vandée como o primeiro genocídio da história moderna 
(ibidem), uma antecipação jacobina e anticristã da “solução final da questão judaica” 
implementada pelo governo antissemita do Partido Nacional-Socialista dos 
Trabalhadores Alemães no século XX. Em todas as regiões alcançadas pela cólera 
revolucionária jacobina, inclusive em terras italianas, podem ter havido massacres ou 
perseguições aos crentes (MESSORI, 2004, p. 66). 
 
4
 A memória do martírio delas foi perpetuada pela beatificação da Igreja, pelo romance histórico de 
Gertrude Von Le Fort (A Última ao Cadafalso) e pela peça de teatro de Georges Bernanos (Diálogo das 
Carmelitas), a partir da qual produziu-se também um filme com o mesmo título da peça. 
 
17 
 
Quanto aos resistentes antijacobinos, sabe-se que organizaram, em algumas regiões da 
França, milícias de reação ao totalitarismo ateu republicano semelhantes àquelas 
formadas no México da década de 19205. Tais reações tiveram um caráter amplamente 
religioso e popular, de maneira que a resistência era composta majoritariamente por 
pessoas do campesinato, i. e., milícias de plebeus movidos pelo desejo de conservar sua 
fé, sua liberdade, seus costumes tradicionais e sua cultura cristã-católica (MESSORI, 
2004, p. 66). Os combatentes católicos traziam, em seus casacos, pedaços de pano 
costurados com a imagem devocional do Sacre Coeur de Jésus, assim como em seus 
estandartes.6 O lema dos resistentes de Vandée era Dieu et le Roy (“Deus e o Rei”), uma 
vez que desejavam também a restauração da monarquia, provavelmente por 
compreenderem esta forma de governo como uma maneira de assegurar a conservação 
da religião e de todo o legado cultural cristão da França. 
A resposta da Paris jacobina e revolucionária aos resistentes foi a destruição de suas 
casas e edifícios públicos, a devastação de suas colheitas e o extermínio de inocentes, 
inclusive mulheres e crianças. Terminada a guerra, 
o general jacobino Westermann escrevia triunfalmente a Paris, ao Comitê de 
Salvação Pública, aos adoradores da deusa Razão, da deusa Liberdade e da 
deusa Humanidade: “A Vendée já não existe, cidadãos republicanos! Foi 
morta pela nossa livre espada, com suas mulheres e crianças. Acabo de 
enterrar um povo inteiro nos pântanos e nos bosques de Savenay. 
Executando as ordens que me haveis dado, esmaguei as crianças sob os 
cascos dos cavalos e massacrei muitas mulheres, que assim não poderão 
parir mais bandidos. Não tenho que lamentar nenhum prisioneiro. 
Exterminei todos.” Da parte de Paris, responderam elogiando a diligência 
posta em “purificar completamente o solo da liberdade desta raça maldita”. 
(MESSORI, 2004, p. 68, tradução nossa)
7
. 
 
5
 Quando houve uma reação popular às perseguições anticatólicas do governo mexicano que levaram à 
chamada Guerra Cristera ou Cristiada. 
6 
Note-se que estes dados históricos apresentados por Messori contrariam tanto os historiadores marxistas 
que afirmam que a reação ao terror revolucionário partiu de uma Igreja e de uma nobreza ávidas por 
preservar privilégios do Antigo Regime, quanto a concepção marxiana segundo a qual os grandes 
empreendimentos históricos teriam sempre motivações socioeconômicas de fundo. 
7 
el general jacobino Westermann escribía triunfalmente a París, al Comité de Salud Pública, a los 
adoradores de la diosa Razón, la diosa Libertad y la diosa Humanidad: “¡La Vendée ya no existe, 
ciudadanos republicanos! Ha muerto bajo nuestra libre espada, con sus mujeres y niños. Acabo de 
enterrar a un pueblo entero en las ciénagas y los bosques de Savenay. Ejecutando las órdenes que me 
hábeis dado, he aplastado a los niños bajo los cascos de los caballos y masacrado a las mujeres, que así 
no parirán más bandoleros. No tengo que lamentar ni un prisionero. Los he exterminado a todos.” Desde 
París contestaron elogiando la diligencia puesta en “purgar completamente el suelo de la libertad de 
esta raza maldita”.
 
 
18 
 
A propaganda iluminista contra a aristocracia e contra a Igreja não se limitava à 
realidade dos fatos, mas criava factoides para instigar os rebeldes contra seus 
adversários. De acordo com Carvalho (2007), os iluministas promoveram uma “vasta 
campanha de difamação destinada a cobrir a Igreja de infâmia por todos os meios 
inescrupulosos disponíveis”. Cita como exemplo o notável enciclopedista iluminista 
Diderot, que fabricou a história de uma jovem noviça (La Religieuse) mantida na 
clausura de um mosteiro contra a sua vontade. Com o intuito de gerar revolta contra 
uma Igreja que era capaz de oprimir e manter moças inocentes cativas nos porões de um 
convento, Diderot difundiu esta ficção como se fosse um relato verídico. Em carta a 
Jacob Grimm, o enciclopedista teria dito que “estourava de rir” ao fazer tantos 
acreditarem na veracidade daquele embuste e se escandalizarem com ele. Em 
decorrência de falácias como essa, os revolucionários jacobinos puderam revestir de 
sentimentos humanitários o seu furor homicida ao exterminar tantos religiosos e 
religiosas durante a Revolução.
8
 
No momento em que Burke escreve as Reflexões, as perseguições anticlericais violentas 
ainda não haviam começado (ou, pelo menos, o autor ainda não havia tomado 
conhecimento delas), mas o novo regime francês já havia feito mudanças estruturais eintervenções despóticas na Igreja. E o deputado irlandês vislumbrava, com clareza, qual 
era a finalidade daquelas medidas políticas: 
O poder atual da França, entretanto, tem como principal preocupação a 
pilhagem da Igreja. [...] Em resumo, senhor, parece-me que essa nova 
estrutura eclesiástica será temporária e visa à destruição completa da religião 
cristã sob todas as suas formas, na época em que os homens estiverem já 
preparados para este último golpe. (BURKE, 1997, p. 150-151). 
E o que prepararia os homens da França para as formas mais extremas de abuso de 
poder seria a corrupção cultural-ideológica da sociedade, a dissolução dos princípios 
mantenedores da estabilidade social. Uma sabotagem que se efetivaria substituindo, por 
exemplo, a antiga lealdade pelo crime preventivo: 
 
8
 Em 1966, o cineasta Jacques Rivette transformou o embuste de Diderot em um filme de sucesso. E em 
2013 foi lançada uma nova versão de La Religieuse para o cinema, dirigida por Guillaume Nicloux. 
 
http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Suzanne_Simonin,_la_Religieuse_de_Diderot&action=edit&redlink=1
19 
 
A usurpação que, a fim de subverter as antigas instituições, destruiu os velhos 
princípios, conservar-se-á no poder por meios semelhantes àqueles pelos 
quais o obteve. Quando estiver extinto da mente dos homens o velho espírito 
feudal da Lealdade
9
, que, ao liberar os reis do medo, liberou, ao mesmo 
tempo, os reis e seus súditos das precauções contra a tirania, os complôs e os 
assassinatos serão evitados pela morte preventiva e pela confiscação 
preventiva e pela aplicação daquela longa lista de máximas sinistras e 
sanguinárias que formam o código político do poder, o qual não repousa em 
sua própria honra, nem na honra daqueles que devem obedecê-lo. (BURKE, 
1997, p. 102). 
 
1.2 O realismo burkeano 
O autor das Reflexões percebia o potencial destrutivo das ideologias utópicas que, 
movidas por um “sentimento de humanidade abstrato”, prometem um “benefício futuro 
e incerto” a pessoas que só existem idealmente, em troca de submeter os cidadãos 
concretos do presente a verdadeiras “calamidades” (BURKE, 1997, p. 9). De acordo 
com Russel Kirk (2005, p. 3), Burke era um homem que preferia a particularidade, o 
concreto e o experimentável, mas que, diante do triunfo das ideias deletérias dos 
philosophes
10
 iluministas, não teve outra escolha senão entrar na discussão dos 
princípios abstratos da política, ainda que lhe aborrecesse o domínio da abstração. Em 
geral, as obras políticas conservadoras surgem como reação à ascensão da mentalidade 
revolucionária e são produzidas com certa relutância, atesta Kirk (2013, p. 133). 
Burke tinha uma visão bastante modesta e, podemos dizer, realista, a respeito da 
capacidade da razão humana. Em sua perspectiva, a reflexão de pensadores 
contemporâneos, por mais inovadora, atraente e promissora que seja, vale muito menos 
que a razão legada pela tradição. A razão inovadora seria, portanto, menos digna de 
consideração do que a razão tradicional. Isso porque esta última é o produto da reflexão 
testada pelo tempo, confirmada por experiências que atravessaram os séculos e 
qualificada por homens prudentes de muitas gerações diferentes. Destarte, suprimir 
modelos institucionais e culturais que já foram testados e aprimorados por várias 
gerações a fim de substituí-los por incertos projetos brotados das “frágeis e falíveis 
 
9
 Valor que funcionava, quando respeitado, como sustentáculo da sociedade medieval, como base dos 
vínculos e responsabilidades mútuas entre as classes sociais feudais. 
10
 Palavra francesa para “filósofos”, usada geralmente para designar os autores iluministas que nem 
sempre eram propriamente dedicados à filosofia, mas escreviam sobre temas gerais de humanidades. 
20 
 
invenções da nossa razão” (BURKE, 1997, p. 69) não parecia uma opção viável para o 
espírito um tanto cético do autor. 
O filósofo irlandês considerava demasiadamente pretensiosos os intelectos isolados e 
modernos que aspiravam, a partir de suas especulações teóricas, conhecer perfeitamente 
e fazer valer os “direitos dos homens”, construindo uma nova ordem política baseada 
neles. Burke acreditava que os direitos humanos devem ser reconhecidos “não em 
virtude de princípios abstratos” (BURKE, 1997, p. 68), mas pela recepção de um 
patrimônio de valores civilizacionais derivados de uma Lei natural reconhecida e 
confirmada pela sabedoria e pela experiência dos antigos. Sua percepção da falibilidade 
da razão humana, uma marca característica do pensamento conservador, fez dele um 
implacável adversário daqueles que prometiam elaborar um paraíso na terra, de acordo 
com Kirk (2005, p. 4). 
Guillermo Margadant afiança um “rechaço total”, da parte de Burke, às fórmulas 
abstratas com pretensão de validade absoluta na política. Para ele, o filósofo quis 
“expulsar da política todo dogmatismo que tenda a uma aplicação mecânica, cega, de 
alguma teoria abstrata” (MARGADANT, 1994, p. 117, tradução nossa)
11
. Isso porque o 
pensador irlandês atentava para o fato de que os promissores modelos políticos que tais 
teóricos propagandeavam muitas vezes implicavam em altíssimos e inaceitáveis custos 
humanos, sociais e culturais, como se observou na própria Revolução Francesa. 
O valor dos princípios gerais e das instituições, para o autor, é circunstancial, não 
absoluto. As circunstâncias de cada tempo e situação devem ser avaliadas para que os 
princípios gerais que norteiam a ação política não sejam aplicados inadequadamente. 
Para Burke, até mesmo os melhores e mais nobres princípios não podem ser 
absolutizados desconsiderando as circunstâncias concretas e as consequências de sua 
aplicação em cada caso. Não se trata, evidentemente, de ver os princípios e as 
instituições como coisas sempre provisórias e relativas – Burke acreditava na solidez e 
na durabilidade de muitos deles –, mas sim de lhes dar a adequada e devida aplicação: 
 
11
 expulsar de la política todo dogmatismo que tienda a la aplicación mecánica, ciega, de alguna teoría 
abstracta 
21 
 
São as circunstâncias – circunstâncias que alguns julgam desprezíveis – que, 
na realidade, dão a todo princípio político sua cor própria e seu efeito 
particular. São as circunstâncias que fazem os sistemas políticos bons ou 
nocivos à humanidade. (BURKE, 1997, p. 50). 
Para legitimar a sua casuística – a sua apologia ao exame dos casos particulares –, 
Burke usa os exemplos do governo e da liberdade; uma instituição e um princípio que, 
não obstante sejam considerados geralmente como bens, nem sempre podem ser matéria 
de felicitações, uma vez que não são bons em toda e qualquer circunstância: 
Falando-se em abstrato, o governo, assim como a liberdade, é bom; no 
entanto, há dez anos, teria eu podido, em sã consciência, felicitar a França 
por possuir um governo (pois ela tinha um) sem ter, de antemão, inquirido o 
que era este governo e de que maneira funcionava? Posso hoje felicitar esta 
nação por sua liberdade? A liberdade é, sem dúvida, em princípio, um dos 
grandes bens da humanidade; no entanto, poderia eu seriamente felicitar um 
louco que fugiu de seu retiro protetor e da saudável obscuridade de sua cela, 
por poder gozar novamente da luz e da liberdade? Iria eu cumprimentar um 
assaltante ou um assassino que tenha fugido da prisão, por terem readquirido 
seus direitos naturais? (BURKE, 1997, p. 50-51). 
 
1.3 Imprudências e vícios da atitude revolucionária 
O filósofo avalia que certas posturas que pautavam a ação dos revolucionários na 
França deveriam ser desterradas da política, a fim de evitar males que podem levar uma 
nação inteira ao colapso e prejudicar muitas gerações à frente. Algumas delas seriam: a 
ousadia aventureira, o racionalismo excessivamenteotimista e pretensioso, o 
progressismo imoderado e irrefletido, o lidar com os bens públicos de modo arriscado e 
imprudente, o desprezo pelos costumes e instituições históricas, a falta de circunspecção 
e de um juízo equilibrado. São posturas motivadas por ideologias inovadoras que os 
revolucionários aplicam ao que é comum, público, mas que provavelmente não 
aplicariam ao lidar com suas importâncias pessoais: “Aí eles deixam o todo à mercê de 
especulações não experimentadas; abandonam os mais caros interesses do público 
àquelas vagas teorias, às quais nenhum deles sonharia confiar o menor de seus 
interesses privados.” (BURKE, 2012, p. 365). 
A própria composição da Assembleia Nacional francesa incomodava o deputado 
irlandês, que lamenta a impetuosidade, a insensatez e a imponderação de seus membros. 
Burke vê o poder político deste órgão, configurado para perseguir as metas do regime 
22 
 
revolucionário, como um poder “semelhante ao princípio do mal, de subverter e 
destruir” (BURKE, 1997, p. 95), ou uma espécie de oficina de demolição e sabotagem 
institucional, elaborada para demolir tudo o que fosse resquício do antigo regime, e 
incapaz de “construir algo diferente das máquinas que fabricam maiores subversões e 
destruições” (ibidem). O filósofo acusa a mentalidade revolucionária de querer adaptar, 
à força, o mundo real a seus projetos ideológicos, como se houvesse, da parte daqueles, 
uma aversão à realidade ou como se quisessem aprisionar a realidade em seus conceitos, 
algo que, mesmo antes da Revolução, a propaganda iluminista já fazia na medida em 
que se empenhava para estigmatizar o sistema vigente, cobrindo-o de descrédito
12
. 
Burke reprova, deste modo, as posturas políticas que ignoram a realidade da 
“composição real de um Estado” e dos “princípios públicos” de uma sociedade no 
intuito de fazê-la encaixar-se, na marra, em esquemas teóricos extremistas (1997, p. 92). 
E critica também o projeto iluminista de uma Educação Cívica destituída de valores 
religiosos e “fundada em um conhecimento das necessidades [meramente] físicas dos 
homens” (BURKE, 2012, p. 342). Para o autor, semelhante educação não seria capaz de 
cultivar nos educandos nada mais do que um “egoísmo iluminado” (ibidem). 
Indignava-o, sobretudo, o desprezo dos revolucionários pelos valores morais e 
religiosos que plasmaram a história da França e a tornaram a nação que fora até a Queda 
da Bastilha. Para o parlamentar irlandês, espezinhar a história, a cultura e os princípios 
espirituais de um povo pacífico, em favor de um “progresso” violento que supostamente 
teria o potencial para dar à luz uma sociedade mais livre, fraterna e igualitária, é uma 
atitude demasiado pretensiosa, uma maquinação nociva engendrada por pessoas que 
consideram “um país como se fosse uma tábula rasa onde pudessem escrever aquilo que 
melhor lhes convém” (BURKE, 1997, p. 157). Tendo em vista aquelas arbitrariedades, 
apesar da aparência de “democracia pura” que revestia a autoridade então vigente na 
 
12
 Na historiografia brasileira, há registros dos anos anteriores e imediatamente posteriores à Proclamação 
da República (instaurada em 1889) que mostram a ocorrência, no Brasil, de campanhas semelhantes de 
depreciação do regime monárquico-parlamentarista. Recorde-se, ainda, que o Brasil teve também a sua 
própria Vandée: no episódio que ficou conhecido como Guerra de Canudos, a população monarquista do 
vilarejo baiano de Belo Monte foi massacrada pelo exército republicano. Analisando as razões 
ideológicas que levaram o governo da república a dar ao povo de Belo Monte esse trágico desfecho, 
compreende-se por que o historiador Boris Fausto classificou os republicanos brasileiros da época como 
“jacobinos” (FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2. ed. São Paulo: Edusp, 1995. p. 257-258). 
23 
 
França, o filósofo sugeriu que ela se tornaria, em breve, “uma ignóbil e malévola 
oligarquia” (BURKE, 1997, p. 135). 
A excessiva concentração de poder num grupo político deliberativo que reúna 
atribuições legislativas, executivas e judiciárias, como parecia ser o caso da Assembleia 
Nacional, também foi criticada pelo autor. Embora se pretendesse uma instância 
representativa dos cidadãos franceses, guiada pelas “luzes” da ilustração filosófica e 
conduzida sob a égide dos “direitos do homem”, o poder quase ilimitado da Assembleia 
dava-lhe ocasião para os erros e abusos que abundavam. Por isso, o deputado irlandês, a 
respeito daquela poderosa entidade, lastimava: 
não tem nada que a possa frear: nem a lei fundamental, nem convenção 
estrita, nem costume respeitado. Ao invés de ser obrigada a respeitar uma 
Constituição estabelecida, ela tem o poder de elaborar uma que seja conforme 
seus objetivos. Não há nada, nem no céu nem na terra, que possa controlá-la. 
(BURKE, 1997, p. 78). 
Encontra-se também na missiva várias advertências a respeito ao risco de se conferir 
poder a homens que instrumentalizem o Estado para se servirem dele, tendo em vista 
não o bem comum, mas seus próprios “interesses particulares” (BURKE, 1997, p. 77). 
O filósofo atenta para as “negociatas lucrativas que acompanham sempre as revoluções 
no Estado, e sobretudo as grandes e violentas transferências de propriedade.” (ibidem). 
Burke não pensa, contudo, que todos os revolucionários são sempre movidos pela 
ambição e por interesses pecuniários. Mas certamente considerava que aqueles que 
acreditam, sincera e honestamente, nas promessas da revolução, iludem-se ao pretender 
criar um governo simples norteado por princípios simples, uma vez que “a natureza do 
homem é complicada”, e os “objetivos da sociedade”, a política, a gestão da res pública, 
revelam-se, na realidade, atividades “da maior complexidade”. (BURKE, 1997, p. 90). 
Por conseguinte, o filósofo recomenda que as funções públicas de maior importância 
sejam exercidas por pessoas “de espíritos mais assentados e de inteligências mais 
abrangentes.” (BURKE, 1997, p. 77). Ao passo que deplora as consequências práticas 
das ideias iluministas, Burke ufana-se por a Grã-Bretanha não ter sido, até então, 
influenciada significativamente por elas. Além disso, critica, naquelas, a pretensão de 
terem revelado grandes verdades e princípios até então inéditos: 
24 
 
Não fomos convertidos por Rousseau; não somos discípulos de Voltaire; 
Helvetius não teve sucesso entre nós. Nossos pregadores não são ateus; nem 
nossos legisladores loucos. Sabemos que nós não fizemos descoberta alguma; 
e julgamos que não há descobertas a serem feitas no campo da moral, nem 
tampouco no campo dos grandes princípios do governo e das ideias de 
liberdade; que eram compreendidos bem antes de nascermos e que 
continuarão a ser até muito depois que a terra tiver se acumulado sobre a 
sepultura de nossa presunção e o silêncio do túmulo tiver se imposto sobre a 
nossa impertinente loquacidade. (BURKE, 1997, p. 107). 
Como se percebe, Burke não via sequer sinais de reta intenção na prática dos 
revolucionários; ou, pelo menos, não na prática dos dirigentes deles. Pelo contrário, o 
pensador irlandês, em diversos trechos de suas Reflexões, parece convencido da má-fé 
dos jacobinos que lideravam as mudanças na França. Considera a Assembleia Nacional 
francesa como nada mais que “uma associação voluntária de homens que se aproveitam 
das circunstâncias para tomar o poder do Estado” (BURKE, 2012, p. 363). 
O autor ainda ajuíza que a recusa dos jacobinos a recorrer aos “métodos regulares” para 
sanar as desordens políticas comuns do antigo regime fora uma escolha derivada “não 
só de um defeito de compreensão, mas [...] de alguma malignidade de disposição.” 
(BURKE, 2012, p. 371). Embora não negasse que certas mudanças do novo regime 
traziam “melhorias superficiais” aos franceses (idem, 1997, p. 221), o filósofo chama 
mais a atenção para as violências e “erros fundamentais” daRevolução cujos dirigentes, 
em seu parecer, “tratam a parte mais humilde da comunidade com o maior desprezo, e, 
ao mesmo tempo, fingem querer transformá-la no receptáculo de todo o poder.” (idem, 
p. 86). 
 
 
 
 
 
 
25 
 
2 BASES ANTROPOLÓGICAS E ÉTICO-METAFÍSICAS 
Este segundo capítulo dedica-se a explorar as noções antropológicas e ético-metafísicas 
fundamentais que sustentam a visão política de Burke. Apresentaremos algumas das 
principais asserções filosóficas e crenças que serviram de esteio à cosmovisão burkeana, 
mormente à sua concepção de uma Ordem inerente à natureza do mundo e do homem. 
Natureza esta que, embora esteja radicada na essência de ambos, é passível de ser 
contrariada ou subvertida pelo último, no entendimento do autor. 
A concepção de uma Ordem cosmológica estável que pode e deve plasmar a 
artificialidade das sociedades humanas, inclusive o Estado, está, notavelmente, na base 
da filosofia política de Burke. Neste sentido é que o autor fala de uma “prodigiosa 
sabedoria que preside à misteriosa coesão das sociedades humanas” (BURKE, 1997, p. 
69). E é patente a sua convicção de que as instituições legais do Reino Unido, naquele 
final do século XVIII, correspondiam satisfatoriamente – embora não perfeitamente – 
àquela ordem natural e àquelas necessidades humanas mais legítimas e caras às famílias 
britânicas. Dessa dupla correspondência é que procedia, no entendimento do autor, a 
solidez do seu sistema político, que era tradicional e monárquico sem ser absolutista, 
pois preservava a coroa, a nobreza e, ao mesmo tempo, as liberdades comuns e os 
direitos caros ao povo, graças ao seu caráter constitucional e parlamentarista bicameral. 
Em decorrência daquela dupla correspondência, Burke acreditava que o núcleo do 
sistema do Reino Unido era capaz de se perpetuar “em meio às decadências, quedas, 
renovações e progressos” (BURKE, 1997, p. 69). Entretanto, tal confiança não 
significava que Burke via-o como algo acabado e completo, nunca necessitado de 
melhorias e reformas. Pelo contrário, a mesma possibilidade de ser aprimorado, sem que 
perdesse o que nele permanecia proveitoso, o tornava mais adequado àquela Natureza e 
àquelas necessidades e afetos caros às famílias britânicas: 
Assim, pelo emprego de métodos da natureza na conduta do Estado, aquilo 
que melhorarmos não é nunca completamente novo, e aquilo que 
conservarmos não é nunca completamente velho. Permanecendo ligados a 
nossos ancestrais, não é pela superstição da antiguidade que nos deixamos 
conduzir; mas pelo sentimento da analogia filosófica. Adotando este 
princípio da herança, demos à nossa construção política a imagem de um 
parentesco pelo sangue; ligamos a nossa Constituição a nossos mais caros 
vínculos domésticos, dando a nossas leis fundamentais um lugar no seio de 
nossas afeições de família. (BURKE, 1997, p. 69). 
26 
 
2.1 Visão antropológica restrita 
Dentre as concepções que sustentam a lógica subjacente ao edifício teórico político de 
Burke, sobressai uma “visão restrita” acerca da natureza do ser humano, identificada 
nos textos do filósofo por comentadores como Thomas Sowell (2011). Trata-se de uma 
visão restrita não no sentido de “limitada” ou de “particularizada”, mas no sentido de 
“realista”, de “desiludida”, uma visão antropológica livre de ilusões e otimismos pouco 
razoáveis em relação à nossa espécie. Esta visão antropológica restrita desconfia das 
capacidades da razão humana e espera a priori que haja vícios na conduta dos cidadãos 
e de seus representantes políticos, independentemente da configuração de Estado ou de 
sociedade que se queira adotar. Nessa perspectiva se inserem as considerações do 
filósofo sobre as “frágeis e falíveis invenções da nossa razão” (BURKE, 1997, p. 69) 
bem como sua noção de uma “enfermidade geral da natureza humana” (BURKE, 1877c, 
p. 437, tradução nossa)
13
, uma enfermidade entendida não apenas como fragilidade 
biológica, mas também como deficiência ética e epistemológica. 
A desilusão antropológica inerente a esta visão conservadora se contrapõe, por exemplo, 
ao pensamento de Jean Jacques Rousseau, para quem a natureza humana, sendo 
essencialmente virtuosa e irrestrita, fora corrompida pela sociedade. Na lógica da 
antropologia irrestrita, a natureza humana é dotada de uma plasticidade e de uma 
perfectibilidade naturais. Logo, sendo ela plástica, o Estado revolucionário poderia 
remodelá-la para que ela tornasse a ser tão virtuosa quanto era no seu estado original. E, 
sendo ela perfectível, o Estado poderia eliminar os elementos da sociedade que a 
corrompem, dirigir o seu aperfeiçoamento e, assim, chegar a uma solução final para os 
problemas e injustiças sociais. Portanto, procedimentos de engenharia social e 
reconfiguração forçada da mentalidade das massas poderiam, nessa ótica, tornar a 
sociedade mais justa e virtuosa. E parece ter sido isso o que o regime instaurado após a 
Revolução Francesa procurou fazer ao tentar suprimir os traços da influência 
aristocrática e eclesiástica na cultura comum, banindo não só as tradições da nobreza e 
as festas religiosas, mas até mesmo o calendário gregoriano e os dias da semana. 
No horizonte da visão irrestrita combinada com a ideologia revolucionária, pode ser 
acatado como vantajoso um projeto político que prescreva grandes sacrifícios iniciais 
 
13
 general infirmity of human nature 
27 
 
em prol de benesses futuras. Nessa perspectiva, podem parecer aceitáveis até mesmo os 
sacrifícios mais violentos, como eliminar os adversários, calar os dissidentes e destruir 
algumas instituições apreciadas pelo povo. Esta visão irrestrita da humanidade, no que 
toca à plasticidade e à perfectibilidade que ela atribui ao homem, favoreceu o caráter 
utópico e totalitário da Revolução Francesa, de acordo com Sowell (2011, p. 40). Uma 
antropologia irrestrita, além de dar ocasião ao surgimento de ideologias utopistas, 
facilitaria a legitimação de líderes políticos com pretensões absolutas que são 
apresentados como a encarnação das “virtudes naturais” do homem. 
Na contramão da mentalidade revolucionária irrestrita, a filosofia política conservadora 
advoga que a busca quimérica por um estado de perfeição terrena esbarra não só nas 
imperfeições intelectuais dos homens, que os tornam incapazes de alcançar aquele 
estado, mas também nos conflitos de interesses que frequentemente se dão nos 
relacionamentos humanos. Conflitos existentes não apenas entre as diferentes classes, 
mas inclusive entre famílias de uma mesma classe e, eventualmente, entre indivíduos de 
uma mesma família. Nesta compreensão, reconhecer a imperfeição intelectual humana, 
bem como nossa falibilidade natural e a pluralidade de interesses dos diversos tipos de 
cidadãos, requer que o estadista adote uma conduta humilde, prudente, conciliadora e de 
rechaço às tentações utópicas e totalizantes. 
Burke observava que as deficiências presentes nas instituições humanas não são outra 
coisa senão o reflexo amplificado das deficiências presentes na própria natureza de cada 
homem. O filósofo dublinense acreditava que o bom estadista deve ter a imperfeição 
humana como premissa e levá-la em conta na gestão dos bens públicos. Tomando os 
homens por criaturas irremediavelmente restritas, naturalmente marcadas por impulsos 
egoístas e às vezes perigosos
14
, Burke pensava que o Estado deve lidar com os 
interesses conflitantes adotando estratagemas sociais e oferecendo contrapartidas, em 
vez de pretender suprimi-los à força (cf. BURKE
15
 apud SOWELL, 2011, p. 29). 
Importa, ainda, que, visando à preservação de bens fundamentais, como a liberdade, o 
Estado tenha certo grau de tolerância para com os defeitos humanos, mesmo quando 
 
14
 Não se trata, porém, de uma visão similar à do estado de natureza hobbesiano, no qual,sem a força 
coercitiva do Estado, imperam o caos e a guerra de todos contra todos. Não. Neste ponto, Burke se 
aproxima mais do conceito cristão de concupiscência, que denota uma inclinação do homem para o 
egoísmo, adquirida no pecado original, mas que pode ser refreada pela vontade individual aliada à Graça. 
15
 The Correspondance of Edmund Burke. Chicago, University of Chicago Press, 1967, v. VI, p. 392 
28 
 
estes geram certos prejuízos sociais. Neste sentido, dizia que quem “tem de lidar com 
homens” (BURKE, 2012, p. 336) deve aprender a suportar as deficiências humanas até 
que elas ultrapassem os limites de uma justa aceitação, ou seja, deve “tolerar fraquezas 
enquanto elas não degeneram em crimes.” (ibidem). 
Na opinião do autor, um estadista prudente deve saber oferecer compensações viáveis 
aos cidadãos insatisfeitos, em vez de se aventurar a perseguir grandes projetos 
arriscados que exigem, muitas vezes, altos custos e acarretam males piores do que 
aqueles que se pretendia combater. Fatalmente, as contrapartidas e concessões feitas 
para aplacar insatisfações circunstanciais podem, por sua vez, gerar novos problemas e 
exigir algumas renúncias.
16
 Por isso, o filósofo avalia que exercer a política implica em 
“contrabalancear” bens e males e em “computar” as “quantidades morais” em jogo 
(BURKE, 1997, p. 91). Desafios novos surgem sempre e o estadista deve seguir 
procurando conciliar interesses, agradar as diversas partes dentro do que for possível, e 
melhorar a sociedade sem afoitezas e sem a pretensão de resolver todos os problemas de 
uma só vez, de modo que ela se aprimore organicamente, como um sistema social que 
nunca será perfeito para todos, mas que pode ser satisfatoriamente funcional. 
Os males latentes nas invencionices mais promissoras são cuidados à medida 
que vão surgindo. Uma vantagem é tão pouco quanto possível sacrificada a 
uma outra.Compensamos, reconciliamos, equilibramos. Somos capacitados a 
unir em um todo consistente as várias anomalias e princípios conflitantes que 
se encontram nas mentes e negócios dos homens. (BURKE, 2012, p. 370). 
2.2 Heranças greco-cristãs 
As influências conceituais mais marcantes que formam a base ético-metafísica da obra 
política de Burke certamente são clássicas, principalmente gregas, e cristãs, com notas 
escolásticas. Os laços da cosmovisão burkeana com essas fontes são claros. Russel Kirk 
recorda que Burke, em resposta aos intelectuais que então ganhavam destaque na 
Europa, como Rousseau e Bentham, sustentava que “os primeiros princípios na esfera 
 
16
 O gozo do sossego público, por exemplo, exige certas renúncias no que tange à liberdade individual, 
enquanto que o gozo das liberdades civis exige também, por sua vez, renúncias de outra ordem. 
29 
 
moral vem a nós através da revelação e da intuição e não das caprichosas especulações 
de filósofos sonhadores.” (KIRK, 2005, p. 3-4, tradução nossa)
17
.18 
Por “intuição”
19
, Burke compreendia a sensibilidade – não apenas no sentido sensorial, 
mas também no de sensibilidade psicológica – que permite a captação do real pelo 
intelecto. E por “revelação” Burke compreendia justamente aquele conjunto de crenças 
e preceitos morais legados ao mundo ocidental pelo cristianismo. Embora acreditasse 
que a política é mais uma ciência experimental do que um receituário de fórmulas a 
priori a serem aplicadas pelo Estado (cf. BURKE, 2012, p. 223), o filósofo entendia que 
a realização teleológica das coisas que são da ordem temporal e humana depende da sua 
conformação com os princípios que emanam da Ordem eterna e divina. 
Assim como o velho Platão e outros filósofos menos velhos do que ele, Burke concebe 
uma ordem inteligível da qual a ordem sociopolítica deve ser sufragânea. Tal ideia se 
expressa, por exemplo, na proposição de que uma sociedade pode aprimorar seu Estado 
e suas instituições públicas na medida em que mantém seus vínculos com o “grande 
contrato primitivo da sociedade eterna” (BURKE, 1997, p. 116), contrato este que “liga 
o visível ao invisível” (ibidem) e encerra os princípios supremos que regem a ordem da 
criação. Em Burke, o exercício legítimo do poder político tem que estar de acordo com 
“aquela lei eterna e imutável na qual vontade e razão são a mesma coisa” (BURKE, 
2012, p. 269), o que nos sugere já uma influência tomista, visto que, em Tomás de 
Aquino, a vontade de Deus coincide necessariamente com a Sua inteligência
20
. 
Joseph Pappin (1993, p. 53) também identifica marcas da tradição aristotélico-tomista 
em Burke e o insere na linhagem dos realistas clássicos, embora admita que o 
pragmatismo burkeano permite ao leitor encontrar nele também abordagens que se 
aproximam do utilitarismo. Não obstante sua aversão pela especulação teórica 
absolutizadora de princípios abstratos e sua preferência pela evidência, pela 
circunstância e pela experiência, Burke esteve longe de ser um anti-metafísico, sugere 
Pappin (1993, p. 94). O filósofo irlandês apenas fazia a devida distinção entre as 
 
17
 first principles in the moral sphere come to us through revelation and intuition, not the fanciful 
speculations of dreamy philosophers. 
 
19
 intuitive glance (Burke, 1877a, p. 456) 
20
 TOMÁS DE AQUINO. Seleção de Textos de São Tomás de Aquino e Dante. Col. Os Pensadores. São 
Paulo: Nova Cultural, 1988. Cap. 33. 
30 
 
abstrações artificiais produzidas pela imaginação humana e aquelas que, no seu 
entendimento, são as verdadeiras fundações diretivas universais, constituídas na ordem 
da criação para reger o universo e orientar a conduta do homem e as sociedades 
humanas. Em outras palavras, Burke distinguia uma vã teoria baseada em abstrações 
puramente convencionais do legítimo conhecimento da razão suprassensível que rege o 
mundo (1997, p. 116). 
Em Burke, a filosofia política não é uma atividade puramente especulativa, mas diz 
respeito ao exercício da sabedoria prática. Em Aristóteles (Ética a Nicômaco, VI, 8), a 
sabedoria prática é a genitora de toda reflexão ética e implica diretamente nas relações 
sociais e políticas. Para o filósofo grego, a sabedoria prática e a ciência política, embora 
essencialmente distintas por se dirigirem a objetos diferentes (a primeira, ao indivíduo, 
e a segunda, à polis), aparecem como a mesma disposição mental; ambas aparecem 
como razão aplicada ao modo de orientar a ação humana para atingir o bem, ou a 
eudaimonia (felicidade), de onde se apreende a proximidade entre a compreensão 
burkeana e a aristotélica no que tange à reflexão política. 
Em Burke, Deus é o “Autor e Protetor da sociedade civil” (BURKE, 1997, p. 117), pois 
Ele não apenas fornece as diretrizes para a reta ordenação da vida e das sociedades 
humanas, mas, ao criar o homem com o potencial para organizar-se racionalmente em 
sociedade, cria por extensão também o Estado. Burke reconhece que o Estado e a 
sociedade são convenções humanas, mas também admite que o homem e sua razão são 
apenas a causa imediata dessas convenções, sendo a Causa do homem a causa primeira 
das mesmas. Logo, toda a autoridade política humana, inclusive a do cidadão, vem de 
Deus; não por uma especial determinação divina, mas pelo simples fato de Deus ter 
criado o homem como um animal político por natureza. Burke sustenta, assim, a ideia 
de uma politicidade natural. E a noção burkeana da origem divina da política pode ter 
sido inspirada pela escolástica tardia, segundo Canavan (2012, p. 26), uma vez que 
Francisco Suárez
21
 a apresentou de forma elaborada nos primórdios da modernidade. 
A posição de Burke sobre a origem divina da autoridade política humana, contudo, não 
deve ser confundida com a teoria da origem divina do poder real de Jacques Bossuet
22
, 
 
21
 Filósofo escolástico espanhol do século XVI.22
 Teólogo francês nascido no século XVII. 
31 
 
pois difere fundamentalmente dela. Enquanto em Bossuet apregoa-se a eleição divina do 
soberano como uma investidura espiritual especial, que dá margem inclusive para a 
defesa do absolutismo monárquico, em Burke apenas é reafirmada a proposição de que 
Deus criou o ser humano como um animal político (zoon politikón, definia Aristóteles) 
e lhe delegou poder sobre a ordem temporal, fazendo-o capaz para o governo da criação 
terrena. Note-se ainda que, para Burke, o Criador não abandonou os homens à própria 
sorte após ter concluído a criação, mas continua lhes concedendo os “dons da 
Providência” (1997, p. 69), isto é, continua a intervir favoravelmente nos assuntos 
humanos quando estes o consentem. 
Há em Burke também uma teleologia de inspiração aristotélica, como identificou 
Canavan (2012, p. 29) e Pappin (1993, p. 94). Para o filósofo dublinense, o ser humano 
tem em si o potencial para o seu próprio aperfeiçoamento, conforme a natureza que lhe 
foi dada pelo Criador. E quanto mais o homem cultiva a sua racionalidade e permite que 
ela predomine em todos os aspectos da vida, inclusive sociopolíticos, mais ele 
permanece enraizado na natureza, mais ele se aprimora e mais se conserva em 
correspondência com a sua Causa primeira, cujo bem é refletido nas criaturas 
naturalmente boas. O próprio Estado, enquanto instituição produzida pela razão humana 
e propícia ao aprimoramento da sociedade e dos cidadãos, deve nortear-se pela ordem 
arquetípica constituída desde sempre por aquela sua Causa original. Disto resulta que, 
em Burke, não é possível pensar um Estado irreligioso ou regulado por princípios 
meramente seculares, uma vez que Deus é o governante e o legislador supremo pelo 
qual devem pautar-se as sociedades humanas. 
Embora preveja a possibilidade de um aperfeiçoamento não linear do ser humano e das 
instituições humanas, a teleologia adotada por Burke se distingue do perfectibilismo 
antropológico iluminista por diversas razões. Uma delas é que, em Burke, o homem não 
é naturalmente virtuoso em seu estado primitivo, mas é naturalmente limitado, 
defectível e, ao mesmo tempo, possui o potencial natural para o seu aperfeiçoamento. 
Este potencial existe não só por causa de fatores intrínsecos, como as faculdades do 
intelecto, mas também graças a fatores extrínsecos, como o estímulo da família e da 
comunidade e a assistência do Criador. Ademais, na compreensão iluminista e irrestrita, 
o aperfeiçoamento humano é possível graças à plasticidade do homem e deve ser 
conduzido por dirigentes esclarecidos, por um Estado revolucionário que dirija os 
32 
 
cidadãos no sentido de fazer cada homem voltar a ser tão justo, livre e fraterno quanto 
era o homem primitivo, levando-o a cumprir o seu papel para que todo o corpo social se 
aperfeiçoe. 
Por outro lado, em Burke, os homens e o tecido social que eles constituem não podem 
ser aperfeiçoados pela direção de um Estado totalizante governado por uma elite de 
intelectuais. O aperfeiçoamento é, na reflexão do pensador irlandês, fruto de um 
processo espontâneo de desenvolvimento moral e espiritual da sociedade, que só é 
capaz de evoluir neste sentido se mantiver os vínculos com a sua Origem divina, se 
valorizar as experiências dos antepassados, aprendendo com seus erros e acertos, e se 
conservar as instituições e os costumes benéficos recebidos da tradição; reformando-os 
para melhorá-los, quando necessário, sem cismar em destruí-los. Ou seja, para Burke o 
aperfeiçoamento humano é naturalmente possível, mas não é dirigível, não pode ser 
conduzido artificialmente por dirigentes esclarecidos e estruturas governamentais. 
A influência aristotélica no pensamento burkeano é perceptível também no 
reconhecimento do papel dos hábitos na formação da conduta moral. Para Aristóteles, 
“a virtude ética nasce do hábito”
23
. Na concepção ética de Burke, o hábito também 
desempenha um papel importante, como podemos conferir na seguinte passagem das 
Reflexões, que também manifesta a rejeição do autor pela proposta revolucionária 
supracitada de moldar artificialmente os homens para aperfeiçoá-los: “não há nome, 
poder, função, instituição artificial que possa fazer homens, que compõem um sistema 
de autoridade, diferentes daquilo que Deus, a natureza, a educação e seus hábitos de 
vida lhe fizeram.” (BURKE, 1997, p. 75) Na dimensão ética, haveria, ainda, certa 
similaridade entre o arquétipo político platônico e o modelo de estadista burkeano, 
sendo que tanto para Platão quanto para Burke, a prudência deve ser a maior das 
virtudes do estadista (KIRK, 2013, p. 107). Vale lembrar, entretanto, que o modelo de 
Estado idealizado por Platão distancia-se da política burkeana, entre outras coisas, pelo 
caráter artificial e utópico do sistema que o filósofo grego propôs. 
Na constelação das virtudes aristotélicas, figura também a magnanimidade, associada à 
grandeza de espírito e ao cultivo das virtudes em alto grau. O filósofo grego sugere ser 
 
23
 Ética a Nicômaco, II, 1, 1103a 1518. 
33 
 
ela “uma espécie de coroa das virtudes, porquanto as torna maiores e não é encontrada 
sem elas.”
24
 Em Burke, essa virtude também aparece de forma destacada no contexto de 
um de seus discursos políticos e é elencada entre as virtudes que devem cultivadas pelo 
estadista: “A magnanimidade na política é, não raramente, a verdadeira sabedoria” 
(BURKE, 1877b, p. 181, tradução nossa)
25
. Burke ainda cita expressamente Aristóteles 
(1997, p. 135) para expressar suas reservas em relação ao regime democrático; assunto 
do qual trataremos no capítulo terceiro. 
 
2.3 O jusnaturalismo burkeano 
Apesar de algumas colocações de Burke aparentemente sugerirem que nada há de 
superior, no campo do direito, à tradição jurídica constitucional britânica, o filósofo 
certamente admite a existência de um direito natural anterior e superior a ela. A Lei da 
natureza, para o autor, se manifesta e se implanta nas sociedades humanas por meio da 
sabedoria prática das gerações, quando esta sabedoria se atualiza como o “efeito feliz de 
uma conduta que imitou a natureza” (BURKE, 1997, p. 69), em vez de ser mero 
artifício das “frágeis e falíveis invenções da nossa razão” (ibidem). Burke contrasta os 
direitos herdados da tradição não com a Lei natural, mas sim com os “direitos dos 
homens” (idem, p. 68), isto é, com os supostos direitos originais que os homens tinham 
em seu estado primitivo, no sentido iluminista. Por isso, o filósofo defende a tradição 
política na qual está situado; porque a compreende como penhor de direitos, leis e 
valores sagrados fundados na natureza. 
Russel Kirk (2005, p. 6) confirma que Burke rejeita a doutrina iluminista sobre os 
direitos naturais do homem. O comentador recorda que as proposições de jusnaturalistas 
célebres como John Locke, David Hume, Jean-Jacques Rousseau e Jeremy Bentham, 
por exemplo, diferem significativamente do jusnaturalismo burkeano. Kirk afirma 
também que Burke foi buscar numa tradição mais antiga a base para o seu 
jusnaturalismo: na concepção de ius naturale (lei natural) do filósofo romano Marco 
Túlio Cícero, bem como na filosofia cristã e na commom law inglesa, que surgiu no 
século XII, sob o reinado de Henrique II, como um sistema jurídico-legal unificado. A 
 
24
 Ética a Nicômaco, IV, 3 
25
 Magnanimity in politics is not seldom the truest wisdom 
34 
 
noção de direitos humanos, em Burke, não tem a ver apenas com o que é devido ao 
próprio homem, mas também, e em primeiro lugar, com o que é devido ao seu Criador. 
Burke compreendia a Lei natural, da qual dimanam os legítimos direitos, como a 
conformação do costume humano à intenção divina. Consequentemente, o deputado 
whig atribuía os direitos e as liberdades dos quais os britânicos gozavam à assimilaçãoda Lei natural
26
 por seus antepassados e à influência benéfica da Revelação divina sobre 
aquelas gerações precedentes, bem como à experiência acumulada e ao legado cultural e 
institucional deixado por elas. É a estes direitos e valores herdados, sobretudo, que 
Burke se refere quando escreve sobre o “legado que nós recebemos de nossos 
antepassados e que devemos transmitir à nossa posteridade” (BURKE, 1997, p. 69). O 
filósofo faz questão de defender que o legado de direitos comuns que beneficia os 
britânicos sustenta-se “não em virtude de princípios abstratos” (idem, p. 68), mas 
porque segue “funcionando segundo o padrão da natureza” (BURKE, 2012, p. 186). 
Burke comunga da proposição de Cícero de que há uma Lei de procedência divina, da 
qual deriva também o Direito. Esta Lei, sendo eterna e absolutamente justa em suas 
determinações, vincula-se à própria “razão da Natureza” (CÍCERO, 1967, p. 42), alusão 
também encontrada em Burke. Para o filósofo romano, contudo, a Razão natural que 
concebe o Direito e a Lei suprema se permite acessar pelas “inteligências comuns” dos 
homens (idem, p. 50). Mas, para Burke, os direitos naturais não nos são inteligíveis em 
sua forma pura e integral; daí a necessidade que temos do auxílio da Revelação e da 
experiência das gerações. 
Nessa perspectiva, as sociedades humanas cujas leis mais se conformam àqueles 
mandamentos revelados por Deus seriam as que mais respeitam a natureza e a 
finalidade ontológica do gênero humano, uma vez que o Criador onisciente sabe o que é 
melhor e mais adequado à natureza de sua criatura. Por si só, o homem não poderia 
saber o que é melhor para si e mais adequado à sua natureza, uma vez que, como vimos, 
sua capacidade de conhecimento é restrita, limitada e falível. Historicamente, as 
tentativas das sociedades humanas de conformação ao mandamento divino teriam 
gerado um legado de experiências cristalizado na forma das instituições, direitos 
 
26
 O conceito de Lei Natural, em Burke, deriva tanto do filósofo romano Cícero, quanto da filosofia cristã 
de inspiração escolástica e paulina (Carta de São Paulo aos Romanos, capítulo II, versículos 14 e 15). 
35 
 
reconhecidos e tradições. E estes são o fruto da “razão acumulada dos séculos, [que 
afirma valores e promulga leis] combinando os princípios da justiça original com a 
infinita variedade de interesses humanos” (BURKE, 1997, p. 115). 
Burke considera que os direitos positivos recebidos de uma longa e profícua tradição – 
enraizada na Lei Natural e iluminada pela Revelação divina – são naturalmente mais 
proveitosos aos cidadãos do que supostos direitos originais reclamados por racionalistas 
ilustrados de uma única geração. Isso porque os “direitos originais do homem”, 
elaborados a partir de princípios abstratos e de uma crença num idílico estado primitivo 
da humanidade, não foram experimentados e testados, enquanto os direitos positivos 
tiveram que ser amadurecidos, nuançados e equilibrados entre as reivindicações 
conflitantes até chegarem à sua forma última. Assim, os direitos baseados na revelação 
do Criador e na experiência (sabedoria prática) das gerações precedentes seriam 
melhores, ainda, porque os direitos naturais da humanidade que os iluministas quiseram 
elencar teoricamente sequer nos são acessíveis em sua forma pura: 
Esses direitos metafísicos penetrando na vida comum, como raios de luz 
penetram por um meio denso, sofrem, pelas leis da natureza, uma refração de 
sua linha reta. De fato, na rudimentar e complicada massa de paixões e 
preocupações humanas, os direitos primitivos do homem sofrem uma tal 
variedade de refrações e reflexos, que se torna absurdo falar deles como se 
continuassem na simplicidade de sua direção original. (BURKE, 2012, p. 
224). 
É possível, ainda, que a compreensão jusnaturalista de Burke seja um eco da noção de 
Lei natural defendida por Tomás de Aquino. Para o filósofo escolástico, toda lei 
estabelecida pelo homem só tem natureza de lei na medida em que deriva da lei da 
natureza, de modo que, se a lei positiva discorda da lei natural, deixa de ser lei e torna-
se uma corrupção da verdadeira lei.
27
 Certamente, a convicção de Burke nesta “lei 
eterna e imutável” (1997, p. 115), ou na “natureza [que] nos ensina a reverenciarmos os 
indivíduos” (idem, p. 70), poderia ter motivado, por exemplo, o engajamento do filósofo 
na campanha contra a escravidão (cf. SOWELL, 2011, p. 221), ou nas denúncias contra 
a abusiva taxação dos súditos da coroa inglesa que viviam nas colônias. 
 
 
27
 TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, I-II, q. 95, a.2. 
36 
 
3 A PRUDÊNCIA COMO VIRTUDE NORTEADORA DA POLÍTICA 
Como já sinalizamos anteriormente, Burke acreditava que um estadista, para lidar com a 
complexa arte da política, deve cultivar virtudes como a humildade, a magnanimidade e 
a prudência. Tais são virtudes necessárias ao homem de Estado porque lidar com a 
política implica em lidar com uma multiplicidade de interesses sociais conflitantes e 
com os defeitos sociais provenientes das falhas próprias do que é humano. Nessa 
dinâmica, a prudência tem um papel de destaque enquanto virtude política. Ela permeia 
todas as proposições burkeanas que dizem respeito à gestão da coisa pública. 
A prudência é a base da práxis conservadora. Burke a considera “a primeira de todas as 
virtudes” (1877a, p. 314, tradução nossa)
28
. É a judiciosa prudência que recomenda 
“seguir a natureza ao invés de nossas especulações” (BURKE, 1997, p. 70). Nos tópicos 
seguintes, iremos apresentar algumas das principais proposições do autor nas quais a 
prudência se sobressai enquanto virtude norteadora do agir político. 
3.1 A experiência dos antepassados 
Se a política é uma ciência prático-experimental, que não se faz por meio de prescrições 
a priori (BURKE, 2012, p. 223), logo é sensato o estadista que dá mais crédito aos 
dados resultantes das experiências políticas já realizadas do que às suas próprias 
impressões pessoais. Burke avalia que, na ciência política, a experiência de longo prazo 
é a que fornece os resultados mais adequados para um acurado discernimento. E a 
experiência de vida de uma só geração não é bastante; é preciso considerar as 
experiências dos que viveram antes de nós e que, não raramente, enfrentaram problemas 
semelhantes aos nossos. O autor acredita que nada se perde por admitir que há uma 
sabedoria acumulada subjacente à tradição cultural, moral e institucional que uma 
geração recebe das anteriores. 
Se fossem desprezadas totalmente as salutares tradições que compõem este vínculo 
intergeracional, “os homens valeriam pouco mais que moscas de verão” (BURKE, 
1997, p. 115), pois os frutos da experiência humana seriam tão fugazes quanto a vida de 
cada geração sobre a terra. A civilização seria impossível se cada nova geração 
 
28
 the first of all virtues 
37 
 
desdenhasse absolutamente de tudo o que a geração anterior logrou construir e 
conhecer. Por isso, o autor deplora a insensatez daqueles que pretendem “tudo refazer a 
partir do nada” (idem, p. 71). 
O filósofo irlandês ainda relaciona o respeito aos antepassados à responsabilidade que 
se deve ter para com as gerações futuras. Valorizar ou desprezar o passado implica em 
consequências para o futuro; como se escutar os mortos fosse algo crucial para garantir 
a segurança daqueles que ainda estão por nascer. Em uma de suas acusações aos 
jacobinos, Burke censura-lhes a soberba, afirmando que eles se arvoram em “mestres 
absolutos” e agem “sem se importar com o que tenham recebido de seus ancestrais ou 
com o que é devido à posteridade” (1997, p. 115), de maneira que se arriscam a “não 
deixar àqueles que virão depois deles nada além de ruína no lugar de uma habitação” 
(ibidem). Por isso, uma sociedade prudente,

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