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1 COLÉGIO DE APLICAÇÃO E A INSTITUIÇÃO DE UMA NOVA LÓGICA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UM ESTUDO HISTÓRICO NO COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO BRASIL1 Rita de Cássia Prazeres Frangella (UERJ) O contexto educacional brasileiro na década de 40 se constrói sobre pilares marcadamente elitistas onde a preocupação maior centrava-se mais na instrução que na formação. Alvejado por críticas ao seu dualismo, diferenciando a educação da elite do restante da população, vivencia-se uma efervescência nas discussões em torno da educação básica que desencadeia uma processo de reorganização do ensino pontuado por seguidos decretos-lei (1942 a 1946) abordando diferentes segmentos dessa educação, caracterizando-se pela abertura do sistema educacional possibilitando o acesso dos até então excluídos da escola. Assim, a preocupação com a formação docente torna-se também questão central nos debates em curso a medida que a realidade de trabalho apresenta-se sob nova forma. Seguindo o rastro desse movimento, começa-se em 1945 os primeiros estudos para a implantação de colégios de aplicação vinculados à Faculdades de Filosofia. Este trabalho tem por objetivo retomar a trajetória de criação deste colégio tendo como eixo de análise a questão da formação de professores implementada a partir da fundação desta instituição, investigando o processo cotidiano de construção do currículo de formação de professores que tornou-se parâmetro para o desenvolvimento de tantos outros. Trata-se de um estudo que pretende articular o processo de construção curricular numa dada instituição articulando-o ao panorama histórico mais amplo. Assim, tomado como campo de formação de professores, o CAp materializa uma concepção diferenciada de professor, instaurando um novo modelo de formação conformado a tais princípios. As análises são desenvolvidas a partir do estudo dos Arquivos do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro organizados pelo PROEDES/FE/UFRJ que remonta, através de documentos, a história da instituição. O texto desdobra-se em uma análise do contexto histórico-social brasileiro e os desdobramentos no discurso pedagógico abordando, a partir deste horizonte, o delineamento e 1 Este trabalho insere-se no interior da pesquisa “Currículo de Ciências: um estudo sócio-histórico” coordenada pelo professor Antônio Flávio Barbosa Moreira. A pesquisa, de caráter interinstitucional, desenvolve-se de agosto de 1998 à agosto de 2000. 2 instauração do Colégio de Aplicação, apresentando sua proposta para a formação docente e suas implicações. 1 Dos projetos às ações: tensões , avanços e retrocessos no Brasil nos anos 30/40 Recompor as origens do colégio de aplicação exige resgatar os fios da história política- econômica-social brasileira tecendo-os de modo a recuperar as relações implícitas que se constituíram pano de fundo para a construção desses colégios e são determinantes nas formas que esses adquiriram. Em fins dos anos 20 vive-se um período de crise econômica que não se restringe ao cenário brasileiro mas alastra-se mundialmente. Nesse contexto, a fragilização do modelo econômico brasileiro, essencialmente agrário-exportador, impõe modificações estruturais. O poder do Estado centrava-se ainda na oligarquia agrícola que representava, naquele momento, a manutenção da crise econômica. Fazia-se necessário mudanças nas bases do Estado, num novo arranjo que rompesse com a política e a economia em questão. A Revolução de 30, que depôs o presidente Washington Luiz rompe com a ordem social vigente tendo como mote a questão econômica. O processo de alteração da matriz produtiva, de um modelo agrário passa-se a um industrial, impõe novas exigências educacionais. Segundo Romanelli (1996)“se antes, na estrutura oligárquica, as necessidades de instrução não eram sentidas, nem pela população, nem pelos poderes constituídos ( pelo menos em termos de propósitos reais), a nova situação implantada na década de 30 veio modificar profundamente o quadro das aspirações sociais, em matérias de educação, e, em função disso, a ação do próprio Estado.” (p.59) Assim, o contexto educacional brasileiro passa a ser questionado, principalmente pelo caráter elitista que imprimia a sua organização. Vivencia-se uma efervescência nas discussões em torno da educação básica, que se inicia com as reformas de ensino empreendidas por alguns Estados brasileiros a partir da década de 20, que já são prenuncio das lutas travadas entre o movimento renovador, que tinha como base de suas idéias as teses da Pedagogia Nova, e um grupo conservador ligado à Igreja Católica, numa luta ideológica que marca profundamente as ações educacionais a partir da década de 30. O movimento renovador defendia uma escola pública obrigatória, laica e gratuita regida pelos princípios pedagógicos renovados inspirados nas teorias de Dewey, Kilpatrick entre outros. As 3 proposições escolanovistas inovavam ao considerar os aspectos psico-pedagógicos e sociológicos da educação, sendo o aluno o centro da ação pedagógica. Torna-se necessário, diante das novas propostas, a mudança dos métodos de ensino de forma a estarem em consonância com a contribuição das descobertas psicológicas no campo educacional e com as questões centrais a respeito dos objetivos e filosofia da educação preconizados pela Pedagogia Nova. Além disso, toda a discussão travada em torno dos princípios norteadores da educação pelos renovadores e conservadores tem como cenário um momento de mudanças significativas no sistema educacional brasileiro, que se dá através da Reforma implementada pelo ministro da recém criada pasta da Educação e Saúde Pública, Francisco Campos. A reforma promovida por Francisco Campos inaugura o estabelecimento de normas válidas em todo território nacional, procurando dar uma “estrutura” ao sistema de ensino brasileiro. As modificações implementadas inscrevem-se nesse contexto onde a mudança da matriz produtiva e as tensões que essas fazem desabrochar são elementos de um processo de complexificação do cotidiano brasileiro, o que se materializa na expansão urbana e nas problemáticas emergentes desse processo. Assim, as reformas que atingem a educação efetuam- se enraizadas num contexto de emergência de ideal modernizador que vê a educação como forte aliada para a mudança exigida. Na análise de Nunes (2000:390): “Se entendermos a organização escolar como expressão e, ao mesmo tempo, como produtora de uma cultura escolar, nosso objeto se amplia. Essa cultura escolar é entendida como conjunto de normas e práticas produzidas historicamente por sujeitos e/ou grupos determinados com finalidades específicas, que estão relacionadas à definição dos saberes a serem ensinados, das condutas a serem modificadas e de todo um processo não só de transmissão de saberes, mas de modificação do habitus pedagógico. Modificar o habitus é um ato de (re)criação e trabalho, de produzir novos sentidos e formas de inteligibilidade. A modificação do habitus pedagógico é o ponto central do cotidiano da política educacional na cidade carioca, mas não apenas nela, nas décadas de 20 e 30.” Assim, a reforma Francisco Campos dá início a uma ação mais direta e objetiva do Estado em relação à educação, movimento que pretende estabelecer uma política nacional de educação: tanto assim que incide efetivamente na organização e estruturação do ensino secundário, comercial e superior. Destaca-se nesse estudo o decreto n.º 19851 de 11/4/31 que 4 dispõe sobre a organização do ensino superior e adota o regime universitário como forma de organização didático-administrativa das instituições de ensino superior. Apesar da existência de instituições de ensino superior datarem no Brasil desde o domínio da Coroa Portuguesa, este organizava-sede forma fragmentada, em escolas isoladas que privilegiavam sobretudo as Faculdades de Direito, Medicina e a Escola Politécnica. Antes do decreto de 31 já registrava-se a existência de duas Universidades no Brasil : a do Rio de Janeiro (1921) e a de Minas Gerais (1927)2, no entanto, estas constituíam-se da aglutinação de várias faculdades já existentes. A primeira Universidade criada segundo o regime universitário foi a Universidade de São Paulo em 1934. Esta Universidade apresentava como elemento inovador não só a organização de acordo com o regime universitário de fato mas a existência de Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que era considerada organizadora do sistema e que “tem por objetivos a formação do magistério para o ensino secundário e a realização de altos estudos desinteressados e a pesquisa”. ( Romanelli, 1996:132) Vislumbra-se pela primeira vez a preocupação com a formação de professores a nível superior. Antes a formação de professores restringia-se ao domínio do conteúdo a ser ensinado, desconsiderando o caráter pedagógico, sempre relegado a segundo plano como ressalta Paschoal Lemme em entrevista dada à Buffa e Nosella (1991)falando sobre sua participação no movimento renovador: “(...) há uma circunstância pessoal minha: eu era um jovem que apenas tinha saído da Escola Normal, com aquela concepção de ser professor, professorzinho de escolas elementares, e então, fui chamado. Não pleiteei nada, como está nas minhas Memórias, fui chamado a colaborar com esses homens3 . Como não havia, nessa época, nem academias, nem faculdades de Pedagogia (que só muito depois apareceram), eu me formei naquelas concepções e essas concepções não nasceram na cabeça daqueles homens. (...) Há outros fatores internos.”(p.87) Estudos educacionais eram desenvolvidos quase que obrigatoriamente no exterior devido a inexistência de instituições que a privilegiassem, salvo a Escola Normal mas que também restringia-se a formação inicial do professores instrumentalizando-o para atuação no ensino elementar. A ausência de uma formação docente que tivesse como preocupação a discussões 2 Em 1912 já havia sido criada a Universidade do Paraná sendo que esta só foi reconhecida oficialmente em 1946. 3 Referências a Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho figuras expressivas no movimento renovador. 5 educacionais propriamente ditas se fazia sentir. O contexto sócio-político de intenso movimento de reordenamento do país favorece um intenso debate em torno das questões educacionais. A crescente industrialização e urbanização impelem ao desejo de um país modernizado, o que inclui as atividades educacionais. Era preciso uma escola de melhor nível e que atendesse a uma parcela maior da população. Esta configuração faz emergir a busca por novos professores e por uma profissionalização docente. Todo este movimento inicia-se concretamente durante a Reforma implementada por Anísio Teixeira no Rio de Janeiro na década de 30, o que já se expressa na criação do Instituto de Educação do Rio de Janeiro (1932) como um laboratório do curso de formação de professores. No Instituto, incorporam-se a Escola primária, o Jardim de infância que seriam campo de experimentação, demonstração e de prática de ensino do curso de formação de professores, O Instituto foi depois incorporado à Universidade do Distrito Federal (1935), também um projeto de Anísio Teixeira, onde a formação de professores é questão central. Em artigo que analisa o relação formação de professores/universidade, Mendonça (1994) analisa a questão apontando que a UDF tinha uma proposta mais ambiciosa e um caráter voluntarista; foi resultante da agregação das escolas profissionais tradicionais, onde a Universidade como um todo se propõe a assumir o objetivo de se constituir uma instituição de cultura. A Escola de Educação ocupa um papel central no projeto de Anísio; é o que ele chama de “transformação ampliativa” da antiga Escola Normal em Instituto. A proposta de formação de professores gerida pela USP, apesar do avanço que sugere, ainda centra-se num caráter elitista, onde a prevalência é a do saber acadêmico. A formação pedagógica acaba sendo vista como complementação. A proposta de Anísio não têm vida longa: a UDF foi extinta em 39 incorporando-se à Universidade do Brasil. Isso se dá principalmente ao caráter progressista que a UDF manifesta e concretiza num momento de arrefecimento político, que tem como ponto alto o golpe de Estado de 37.A repressão ideológica e a campanha anticomunista esvazia o debate educacional atingindo os educadores brasileiros como Anísio Teixeira, acusado de socialista na época. Torna-se claro que a ingerência política está na origem do insucesso da experiência da UDF. Em linhas gerais, o cenário educacional brasileiro nas décadas de 20/30 são de mudanças significativas e embates que problematizaram a situação educacional mas não necessariamente representaram uma ruptura de paradigmas. Pode-se ver tanto nas ações governamentais como no 6 processo de elaboração das Constituições de 34 e 37 que se procurava um arranjo que conciliasse as posições que se apresentavam antagônicas e que mantivessem o controle do Estado. A criação da Universidade do Brasil dá-se nesse momento, refletindo o caráter ambíguo presente já no projeto inicial das universidades brasileiras4: Em 1939, Capanema resgata esse modelo ambíguo para a organização da Faculdade Nacional de Filosofia, absorvendo parte do acervo da extinta UDF, substituindo a Escola de Educação, que é excluída da estrutura universitária, e tendo como atribuição primordial a preparação do magistério para o ensino secundário e normal. “E é esse modelo que iria tornar-se padrão para todas as instituições similares, existentes ou a serem criadas” (Mendonça,1994:40). No bojo desse movimento, iniciam-se os estudos para implantação do Colégio de demonstração junto a Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras, concorrendo com tantas outras ações implementadas: a criação do INEP, SENAI, SENAC.... Contudo é preciso ressaltar que : “(...) todas as realizações acontecem num clima centralizador, autoritário, em que o debate educacional perde aquele vigor político que possuía na época dos Pioneiros, tornando-se um “debate” politicamente desidratado, despojado das aspirações sociais progressistas.” ( Buffa e Nosella, 1991:96) 2- A Criação do Colégio de Aplicação da Universidade do Brasil e formação de professores Apesar de não privilegiado pelas iniciativas oficiais, o ideário renovador povoava as discussões educacionais enredando-se na prática pedagógica de algumas escolas e no discurso dos educadores. As idéias escolanovistas ganham espaço privilegiado no processo de constituição dos colégios de aplicação. A idéia de um colégio de demonstração5 nasce no interior das Faculdades de Filosofia tendo em vista a necessidade desta no que refere-se as aulas de prática de ensino ali ministradas aos futuros professores do ensino secundário. Instituições de caráter semelhante já funcionavam na Alemanha e Estados Unidos. A criação do CAp se dá entrelaçada à preocupação com formação de professores e remete aos objetivos estabelecidos no Estatuto das Universidades 4 Modelo já delineado com o Estatuto da Universidade Brasileiras de 1931, de autoria de Francisco Campos, primeiro ministro da Educação e Saúde. 5 Inicialmente estes colégios são chamados de demonstração. No estudo de documentos da época o nome colégio de demonstração é corrente. A inauguração em 1948 se dá também sob esta nomenclatura vindo, pouco mais tarde a chamar-se então de colégio de aplicação. No entanto, os documentos não evidenciam com precisão quando se deu 7 Brasileiras que é , além da formaçãoe habilitação ao exercício de atividades que requeiram preparo técnico científico, estimular a investigação científica. O colégio de aplicação aponta também para o fomento de uma tradição de pesquisa educacional. A Faculdade Nacional de Filosofia foi organizada englobando as áreas de Ciências, Filosofia, Letras e Pedagogia. O aluno fazia três anos de curso na área específica, o que lhe conferia o diploma de Bacharel e cursava mais um ano no curso de didática, o que lhe conferia o diploma de Licenciado e permitiria o exercício do magistério. Assim, viam–se privilegiados no curso de Didática as disciplinas de formação pedagógica: fundamentos da educação, didática geral e especial. O curso investia-se do objetivo de equipar o professor de conhecimento técnico que permitisse a boa realização do ofício de ensinar. Visando a sólida formação dos futuros professores iniciam-se estudos tendo-se em vista a criação de um colégio de demonstração junto a Faculdade Nacional de Filosofia capitaneados pelo professor Luiz Alves de Mattos, catedrático da cadeira de Didática, em conjunto com os demais professores da instituição. As discussões iniciam-se em 1939, chegando a ser anunciado pelo então ministro da Educação, Gustavo Capanema, a criação, em 1942, de um colégio nestes moldes que se chamaria José Bonifácio. Seguindo o rastro desse movimento, em 1944, Lourenço Filho como diretor do INEP, encomenda à Álvaro Neiva os primeiros estudos para a implantação de colégios de demonstração vinculados às Faculdades de Filosofia. A gestão da idéia desse colégio de demonstração é inspirada pelas proposições escolanovistas e pelo pragmatismo de Dewey, tendo como principal objetivo a criação de uma espaço de formação docente que se desse através da própria experiência do trabalho, o que permitiria também a experimentação de novas orientações técnicas e metodológicas. Desta forma seria possível suprir as necessidades do curso de Didática que tinha como campo de prática dos estágios que até então acontecia em os colégios particulares e no Colégio Pedro II por cessão de seus diretores, o que nem sempre traduzia-se numa abertura total da escola aos alunos-mestres, o que implicava, conforme o citado nesses estudos, como uma prática de minguado resultado, comprometendo o estágio inicial dos alunos-mestres, ponto alto de sua formação. (PROEDES, 1999)_. Além disso, a forma como era desenvolvida não permitia o esta mudança. No corpo do texto, o colégio será chamado de colégio de demonstração quando tratar de sua fundação, mas para melhor compreensão, usar-se-á CAp ( colégio de aplicação) _ Os documentos e dados citados foram pesquisados nos arquivos do PROEDES /UFRJ que realizou recente pesquisa coordenada pela professora Helena Ibiapina que recuperou e organizou o arquivo do Colégio da Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, desde a sua fundação até os dias atuais, incluindo materiais que 8 aprofundamento das práticas desenvolvidas: durante o curso de didática o aluno-mestre tinha seu estágio estruturado a partir de 8 observação sistemática de aulas e 8 aulas práticas, número apontado como insuficiente para a boa formação. Nos Estados Unidos , por exemplo, este número era de 90 aulas. Mas as condições objetivas do curso não permitiam que esta carga horária fosse ampliada devido a dificuldade dos professores acompanharem os estágios dos alunos espalhados por diversos colégios e a reduzida disponibilidade dos mesmos em absorver tal demanda. Era necessário a criação de um espaço onde a ambiência satisfatória fosse garantida ao professor em formação nesse período fundamental do seu desenvolvimento profissional que tem como ponto alto os estágios realizados. Em 1945, os estudos para a implantação do colégio de demonstração junto a Faculdade Nacional de Filosofia avançam para o planejamento da sua instalação e organização. De fato, a criação do colégio de demonstração é viabilizado através do decreto-lei 9053 de 12 de março de 1946 que estabelece a criação obrigatória de colégio de demonstração junto às Faculdades de Filosofia destinados à prática docente dos alunos matriculados no curso de didática. A direção do colégio de demonstração ficaria a cargo do catedrático da cadeira de didática. Desde sua gênese, fica explicitado que a função precípua dos colégio de demonstração estava atrelado a melhoria da formação docente. Nasce assim, o colégio de Demonstração (atual CAp) da Faculdade Nacional de Filosofia em agosto de 1948. Pioneiro no Brasil, o colégio assume posição de referencial na formação docente, no desenvolvimento de práticas pedagógicas e no surgimento de outras escolas pautadas nos mesmos pressupostos. Seu primeiro diretor foi o professor Luiz Alves de Mattos, que foi fundamental para a sua instituição com seus estudos e sugestões que estabeleceram as primeiras orientações. Em seu discurso na inauguração Mattos, ressalta a importância e o papel do colégio de demonstração pois este... “virá a integrar a Faculdade Nacional de Filosofia na sua legítima função de seminário do novo magistério secundário do país (...) e dará a cadeira de didática um excelente campo para suas demonstrações, aplicações e pesquisas” o que propiciaria “uma reforma profunda na orientação técnica docente.” ( PROEDES, 1999) Previa-se que o colégio estaria atrelado à cadeira de Didática que se incumbiria a dar assistência técnica as propostas a serem ali desenvolvidas. A organização dada ao colégio deixa antecedem a sua fundação como os planos de estudos para a implantação do colégio. O arquivo contém documento de diversas naturezas: documentos produzidos no interior da própria instituição (planos de estudos, atas de reuniões, planejamentos, etc.), correspondências, artigos de jornais, legislação, fotos, etc. 9 explícito que seu objetivo maior é o da formação de professores. Foi criado um Departamento de Didática e o Serviço de Orientação Educacional para o desenvolvimento dos trabalhos seguindo os objetivos eleitos quando da sua criação. O Departamento de Didática assume papel central na estrutura dada ao colégio. Sua função era a de garantir o rendimento das atividades educacionais desenvolvidas. Para isso subdividia-se em três setores: de Atividade, de Ensino e de Pesquisas Didáticas. O de Atividade tratava das atividades desenvolvidas a fim de que estas configurassem de fato uma escola ativa. É importante ressaltar que este departamento não se confundia com o setor de ensino que tratava de prática docente propriamente dita. O setor de ensino era composto por 11 seções que correspondiam as diferentes disciplinas. Cada seção tinha um dirigente de ensino responsável pela coordenação das atividades relacionadas a cadeira correspondente a sua seção, os regentes, responsáveis pelo trabalho direto com os alunos nas classes e os alunos-mestres. O setor de Pesquisas Didáticas tinha funcionamento que assemelhava-se a um órgão de controle, supervisionando as propostas implementadas e dedicando-se também a pesquisa de novas metodologias de ensino. Os planos de criação do Colégio de Demonstração colocam que assume-se como função desta instituição as pesquisas psico-pedagógicas e experimentação metodológica, que se apresenta como função pioneira no Brasil, assemelhando-se aos colégios de aplicação existentes nas Universidades Americanas e que representavam naquele momento como grande movimento propulsor da educação neste país. De fato, as orientações didático-pedagógicas e metodologias alternativasforam marcos diferenciais na prática desenvolvida no colégio, sendo inovadoras no cenário educacional e servindo de parâmetros para outras escolas, inclusive as experimentais que iniciavam suas atividades. Ë preciso ressaltar que : (...) A experimentação pedagógica foi entendida como atividade que complementaria os esforços para melhor qualificação dos licenciados. Ou seja, a experimentação de novas metodologias de ensino era impulsionada mais freqüentemente pelo interesse no aprimoramento da formação de professores.” ( Tura,2000:6-7) As aulas desenvolviam-se a partir de métodos ativos, pautando-se nas orientações técnico- pedagógicas do prof. Mattos que acreditava num ensino racional, lógico, em que o aluno aprendesse a refletir e fazer uso prático e de forma integrada dos conhecimentos adquiridos. Assumir uma concepção laboratorial de ensino pretendia contrapor-se a um ensino verbalista, 10 baseado na memorização e repetição do conteúdo. Apresenta-se desta forma, um quadro em que a criação do colégio mostra-se como uma ruptura no cenário educacional brasileiro. Nas palavras de Vidal (2000:503-4): “Experimentar era a nova meta no universo escolar. Tanto alunos quanto professores deveriam atuar como experimentadores na construção de práticas mais eficazes de aquisição de conhecimento. Uma outra dinâmica social, assim, impunha-se às relações escolares.” Em pesquisa realizada por Abreu(1992) entrevistando ex-professores e ex-alunos do CAp, os relatos remetem a percepção da vivência de uma experiência inovadora, onde pesquisas, trabalhos de grupos, uso de sala-ambiente eram práticas comuns no cotidiano da escola, num contexto em que essas atividades eram grandes novidades, mas não restringiam-se as atividades desenvolvidas em sala de aula. As atividades extra-classe eram organizadas para constituírem-se espaços privilegiados não só para a transmissão de conhecimentos como também para a formação de atitudes, tendo em vista a formação integral do alunado. Clubes de ciências, geografia, línguas estrangeiras, grêmio literário, jornal, excursões, conferências, atividades esportivas e artísticas eram constantes na escola e vistas como integrantes do processo. Este campo de pesquisa em que o colégio se tornou estava intimamente relacionado à constante preocupação com a formação de professores, voltando a atenção tanto para os alunos- mestres, necessidade geradora da criação do CAp, como também aos professores regentes das classes num processo de aperfeiçoamento que aponta para uma formação continuada valorizada e considerada essencial no decorrer do processo. O aperfeiçoamento dos professores era pensado como ponto fundamental para o projeto de prática que se pretendia construir e disseminar, já que cabia ao regente tanto o acompanhamento dos alunos-mestres quanto o desenvolvimento e implantação de novas metodologias. Traçou-se um plano para o aperfeiçoamento dos regentes que se constituía a partir de seminários coletivos, conferências individuais de orientação metodológica (que se fazia sob a supervisão dos dirigentes de ensino), a participação na crítica e julgamento da prática. A estrutura dada ao trabalho de formação de professores tem uma tônica diferenciada: valoriza o conhecimento do próprio professor, a participação e análise crítica das atividades desenvolvidas. Esta prática aponta para a preocupação não só com a formação inicial mas para a importância da formação continuada para o desenvolvimento de uma educação de qualidade 11 Assim, os primeiros anos de funcionamento do CAp se pautam no esforço conjunto de inaugurar um curso de formação de professores que instituísse uma nova concepção de professores: “aparelhado” com instrumentos que permitissem o desenvolvimento das aulas de forma a privilegiar o educando como centro do processo, marcadamente ativo, retomando para a formação de futuro docente os mesmos objetivos pretendidos para os alunos do ensino no secundário – o desenvolvimento de num ensino racional, lógico em que o aluno aprendesse a refletir e fazer uso prático e de forma integrada dos conhecimentos adquiridos, na valorização da experiência. 3 -Ainda algumas considerações... Percebe-se que o grande mote da criação do CAp é a formação de professores, em torno da qual se estrutura todas as atividades do colégio. Enquanto escola laboratório de formação de professores, incita à construção de um currículo que envolve um processo de reconstrução dos saberes docentes: não cabe mais o domínio do conteúdo a ser ensinado, exige-se o conhecimento das implicações pedagógicas, da realidade educacional. A preocupação desloca-se do o que ensinar para o como ensinar. No entanto toda problemática levantada restringe-se a forma como o ensino é ministrado não atingindo necessariamente o repensar os conteúdos implícitos nesse processo, mantendo nestes o enfoque elitista. Seguindo esta trajetória é possível observar a construção de uma lógica de formação de professores em que a experiência de ser professor e as orientações didáticas são valorizadas. A preocupação com desenvolvimento de métodos que permitissem desenvolvimento/aprimoramento do como ensinar são os eixos centrais no projeto construído. Inaugura-se uma nova preocupação: o domínio docente não só do o que ensinar mas também do como fazê-lo. Observa-se também a importância dada a formação continuada, a partir da experiência do próprio professor vivida no cotidiano da escola. Contudo, é preciso vislumbrar que, apesar do modelo inovador e pioneirismo da proposição, esta beneficiava-se de acontecer num órgão integrante da FNFi , privilegiando-se desta posição, o que significa recursos, condições e práticas diferenciadas. Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que inaugura uma prática de formação continuada como elemento fundamental para a busca de uma educação qualitativamente diferenciada, afirma que esta formação tem como locus privilegiado a Universidade, o que afasta 12 a grande maioria dos professores dessa possibilidade de formação. Indícios da manutenção de uma elitização do ensino? Desvelar os elementos que permitiram a construção de uma prática que renovasse as orientações didático-pedagógicas vigentes encaminha para a compreensão de um projeto de escola que traz as marcas de seu tempo e se tem como solo de desenvolvimento um contexto de efervescência de discussões e inovações na área educacional o que revela uma construção atravessada pelos conflitos que pontuavam estas discussões, a inserção num contexto institucional privilegiado, ser desenvolvido para servir de modelo mas marcado pela apurada seleção dos sujeitos/atores que desenvolveriam este processo. Estas questões estão implícitas na condição de modelo que o colégio se revestiu ao longo da sua trajetória esboçando parâmetros para a promoção de uma nova prática pedagógica que desenvolver-se-ia contudo, em realidades distintas. A breve aproximação feita suscita questões a cerca da história que se desenrola: o que a experiência do CAp, no que tange a formação de professores, representou no cenário educacional brasileiro? Que parâmetros foram estabelecidos a partir da sua prática? Como estes se constituíram? Questões que puxam fios para novas análises, novas tramas na tessitura da história da educação brasileira. Referências Bibliográficas ABREU, Alzira. Intelectuais e guerreiros – o colégio de Aplicação da UFRJ de 1948 a 1968. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1992. BUFFA, Ester & NOSELLA, Paolo. A Educação negada – introdução ao estudo da educação brasileira contemporânea. São Paulo: Cortez, 1991. CANDAU, Vera ( org.) Magistério construção cotidiana. Petropólis: Vozes, 1999, 3ª ed. GARCIA, Maria Manuela Alves. A didática no ensino superior. Campinas: Papirus Editora, 1994. MATTOS, L. A. Discurso proferido na instalação o Colégio de Demonstração.Rio de Janeiro. 18/5/1948. PROEDES/FE-UFRJ. EXP. 013. 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