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Ana Lygia Cunha Maria Cristina Lobato PORTUGUÊS A Língua Padrão 1ª Edição 2019 Belém - Pará Todo conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional. Copyright © 2018 Editora EditAedi Todos os direitos reservados. REITOR Dr. Emmanuel Zagury Tourinho VICE-REITOR Dr. Gilmar Pereira da Silva COMITÊ EDITORIAL Presidente: Dr. José Miguel Martins Veloso Diretora: Dra. Cristina Lúcia Dias Vaz Membros do Conselho: Dr. Aldrin Moura de Figueiredo Dr. Iran Abreu Mendes Dra. Maria Ataide Malcher AUTORAS Ana Lygia Cunha Maria Cristina Lobato CAPA Andreza Jackson de Vasconcelos DIAGRAMAÇÃO Andreza Jackson de Vasconcelos Nayara Amaral Araújo EDITORA EditAedi Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Cunha, Ana Lygia; Lobato, Maria Cristina Português: A língua padrão Módulo Português - Vol. II/ Ana Lygia Cunha, Maria Cristina Lobato. Belém: EDITAEDI/ UFPA, 2018 ISBN: 1. Português 2. Linguagem MÓDULO II PORTUGUÊS A Língua Padrão Atividade 6 Objetivos Discutir a noção de língua padrão como uma forma linguística reveladora de poder político, econômico e social; Refletir sobre as características de um bom texto como unidade de comunicação escrita. Módulo II Português: A Língua Padrão 5 Até aqui já tivemos oportunidade de refletir sobre alguns aspectos do uso da língua, mas ainda não nos aprofundamos na questão de uma dessas formas linguísticas, que é a língua padrão. Mas, afinal, o que é língua padrão? As línguas apresentam um conjunto variado de formas linguísticas, cada uma delas com a sua gramática, a sua organização estrutural, sem que se possa dizer que uma forma linguística é melhor que a outra. Porém, é fato que há uma diferenciação valorativa, que nasce não da diferença desta ou daquela forma em si, mas do significado social que certas formas linguísticas adquirem nas sociedades. É pela linguagem que revelamos nossa classe social, a região de onde viemos, o nosso ponto de vista, a nossa escolaridade, a nossa intenção... Nesse sentido, a linguagem também é um índice de poder. Assim, na rede das linguagens de uma dada sociedade, a língua padrão ocupa um espaço privilegiado; ela é o conjunto de formas consideradas como o modo correto, socialmente aceitável, de falar ou escrever. A norma combina elementos reais – é uma variante que se alçou à condição de padrão por fatores culturais e políticos – a elementos ideais – é a variante que corporifica o que uma comunidade considera perfeito em matéria de linguagem. Módulo II Português: A Língua Padrão 6 Como surgiu o padrão? A língua padrão se estabeleceu na sociedade como resultado de um processo histórico seletivo sempre ligado aos grupos sociais hegemônicos, isto é, a língua padrão, na sua origem, é a língua do poder político, econômico e social. É essa força coercitiva a usada pela escola, que tenta transmitir e conservar apenas uma modalidade de língua - a língua “certa” – que, assim, se identifica fortemente com a língua escrita. Os próprios usuários da língua lutam por identificar-se com as formas linguísticas consideradas “boas”, porque sabem que não usá-las em certos contextos implica censura, discriminação e mesmo bloqueio à ascensão social. Já discutimos aqui a necessidade de sermos claros e de escrevermos com correção. Para isso é preciso saber usar palavras e sintaxes mais ou menos formais, dependendo do nível de formalidade da situação em que estamos inseridos, ou seja, devemos ser mais formais em situações formais e mais informais em situações informais. Podemos dizer a mesma coisa (com o mesmo conteúdo informacional) de maneiras diferentes, dependendo das situações. Por exemplo: Ao acordar, logo cedo, para ir trabalhar, Roberto sentiu-se indisposto. Tinha dores de cabeça e de garganta e estava bastante desanimado. Resolveu, então, ligar para seu chefe: — Bom dia, Dr. Arnaldo. Aqui fala o Roberto. Desculpe-me por incomodá-lo, mas acordei com uma forte indisposição e acho que devo ir ao médico. Queria que me dispensasse do trabalho pelo menos durante a manhã. Seria possível? Já para seu melhor amigo ele disse: — Cara, estou malzaço. Acho que é gripe. Vou ficar de molho hoje. Você percebeu a diferença entre as duas formas usadas pelo mesmo falante? Com o chefe ele usou uma sintaxe mais complexa e palavras mais formais, enquanto Módulo II Português: A Língua Padrão 7 com o amigo ele formou frases bem mais curtas e simples, e um vocabulário mais informal (inclusive usando gíria). Ao produzir textos, devemos atentar para essa questão da adequação da sintaxe e do vocabulário ao nível de linguagem que a situação pede, não sendo formais demais em uma situação corriqueira e nem muito informais em situações que exigem elementos mais eruditos, digamos assim. E para sermos capazes de fazer essa adequação não é necessário um conhecimento teórico do assunto. Basta bom senso, pois essa capacidade está dentro de todos nós, falantes de nossa língua materna. Vamos, então, por em prática tudo isso. Desenvolva os exercícios abaixo. Questões - bloco 1 Todas as frases que seguem aludem, literalmente ou por metáfora, à parte superior de nosso corpo, a cabeça. Separe essas frases em dois conjuntos, conforme o nível de formalidade dos discursos em que seriam encontradas (termos mais formais e termos mais informais): Ele foi uma das melhores cabeças que já passaram por nossa firma. Joãozinho não tinha nada na cachola. Aí, deu na telha dele de fazer essa viagem. Não esquenta a moringa com dívidas. Os cabelos tinham caído, e no lugar tinha ficado uma calva luzidia. Eu faço exatamente o que me dá na bola. Faz interlace pra esconder a careca. Se ele não fosse tão cabeça-oca, não teria largado o emprego. 1 Módulo II Português: A Língua Padrão 8 As expressões que se referem à morte são numerosas em português. Entre essas expressões há algumas que tratam do tema com respeito, outras com irreverência e mesmo desprezo. Na lista de expressões que segue, aponte aquelas que você não usaria para falar seriamente da morte de um ente querido. alimentar tapuru abotoar o paletó bater (com) as botas bater a canastra bater com o rabo na cerca entregar a alma a Deus esticar a canela falecer finar-se ir comer capim pela raiz ir para a cidade dos pés juntos ir para a cucuia ir para o beleléu ir para o vinagre morrer passar desta para melhor vestir o pijama de madeira Você já deve ter percebido que, ao utilizarmos a linguagem, temos ao nosso dispor um considerável número de recursos linguísticos responsáveis pela construção dos sentidos pretendidos. Quando usamos a língua no dia a dia não nos damos conta do enorme repertório de conhecimentos e da variedade dos processos que mobilizamos; são operações que realizamos o tempo todo. Vamos, então, “descobrir” alguns aspectos da linguagem que, além de descreverem as realidades de que se fala, criam uma 2 Módulo II Português: A Língua Padrão 9 representação do falante, do ouvinte e da interação verbal que pode ser mais ou menos adequada ao momento. A escolha de uma determinada palavra ou expressão dá informações sobre o falante, sobre a maneira como ele representa o ouvinte, o assunto e os propósitos da fala em que ambos estão engajados etc. Imaginemos este diálogo, que poderia ser ouvido numa feira: A. Vamos comprar um jerimum para colocar no feijão? B. Boa ideia! Eu adoro abóbora no feijão. Nesse diálogo as palavras jerimum e abóbora referem-se à mesma fruta. O uso dessas duas palavras fornece pistas sobre a procedência dos falantes. A e B, que poderiam ser, respectivamente, um paraense e um paulista, já que a escolha de palavras diferentes para designar a mesma coisa se explica pela diversidade vocabular que existe nas diversas regiões. Muitas vezes, uma mesma palavra ou construção pode ser adequada numa determinada situação de comunicação e totalmenteinadequada em outra. Assim, Pode-se dizer que falar ou escrever bem é falar ou escrever de forma adequada à situação em que o ato de comunicação se realiza, seguindo uma estratégia conveniente. Módulo II Português: A Língua Padrão 10 Questões - bloco 2 Vamos praticar um pouco o que acabamos de discutir, refletindo sobre as possibilidades de uso adequadas à situação. Em um cartão, que deverá acompanhar um presente de casamento, você escreveu: “Tomara que os noivos encontrem a felicidade”. Mas aí você releu o texto e se deu conta de que ele não estava muito bom e era necessário melhorá-lo. Para isso, você considera a possibilidade de usar outras palavras ou expressões para substituir a palavra “tomara”. Qual seria a forma mais adequada de escrever este cartão? Uma testemunha de um crime prestou o depoimento a seguir ao juiz. Redija-o novamente, fazendo as adaptações necessárias, já que se trata de uma situação de formalidade. Senhor Juiz, a parada estava maneira, todo mundo numa boa, quando, de repente, sujou: pintou, não sei como, um berro na mão de um camarada que começou a tacar chumbo; quem pôde se mandou; quem não pôde se malocou já que ninguém é zé mané pra ficar de bobeira. Não sei qual o motivo da sujeira porque eu não sou da área, só estava ali nas abas de um amigo. O texto “O FMI vem aí, viva o FMI”, do articulista Luís Nassif, publicado na revista Ícaro, está redigido no português culto característico do jornalismo, e contém, inclusive, um bom número de expressões típicas da linguagem dos economistas, como “desequilíbrio conjuntural”, “royalties”, “produtos primários”, “política cambial”. No entanto, contém também termos ou expressões informais, como na seguinte frase: “Há um ou outro caso de mudanças estruturais no mundo que deixa os países com a broxa na mão”. 1 2 3 Módulo II Português: A Língua Padrão 11 Leia o trecho abaixo, que é parte do mesmo artigo, e resolva as questões: Países já chegam ao FMI com todos esses impasses, denotando a incapacidade de suas elites de chegarem a fórmulas consensuais para enfrentar a crise – mesmo porque essas fórmulas implicam prejuízos aos interesses de alguns grupos poderosos. Aí a burocracia do FMI deita e rola. Há, em geral, economistas especializados em determinadas regiões do globo. Mas, na maioria das vezes, as fórmulas aplicadas aos países são homogêneas, burocráticas, de quem está por cima da carne-seca e não quer saber de limitações de ordem social ou política (...). Sem os recursos adicionais do fundo, a travessia de 1999 seria um inferno, com as reservas cambiais se esvaindo e o país sendo obrigado ou a fechar sua economia ou a entrar em parafuso. O desafio maior será produzir um acordo que obrigue, sim, o governo e o congresso a acelerarem as reformas essenciais. Ícaro, 170, out. 1998 a) Transcreva outras três expressões do trecho que tenham a mesma característica de informalidade. b) Substitua as referidas expressões por outras, típicas da linguagem formal. Agora, refletiremos um pouco sobre algumas características de um bom texto como unidade de comunicação escrita para que você possa escrever sempre melhor. Vamos começar lendo os dois fragmentos abaixo: A Nikolas Cruz, 19, o atirador que cometeu o massacre na escola Marjorie Stoneman Douglas, em Parkland, na Flórida (EUA), há dois meses, disse à justiça norte-americana que quer doar a herança que receberá de sua mãe para sobreviventes e familiares das vítimas. Módulo II Português: A Língua Padrão 12 Quando fizer 22 anos, Cruz terá direito a receber uma quantia ainda não determinada, entre 800 mil (cerca de R$ 2,4 milhões) e 1 milhão de dólares (cerca de R$ 3,14 milhões), de um seguro de vida e um fundo de investimentos feitos em nome da mãe, Lynda Cruz, que morreu em novembro do ano passado. (Portal R7, 14/04/2018) B O que enobrece o homem não são seus atos, mas seus desejos. Um único indivíduo com um bom laboratório nos fins de semana tem acesso a tecnologia de destruição capaz de dizimar o mundo. Agora o cinema nacional decola. Tribos indígenas costumam assimilar da cultura urbana as roupas, o apego ao dinheiro e hábitos alimentares não exatamente saudáveis. Qual a grande diferença entre os trechos A e B? Não é difícil perceber que A tem unidade temática (todas as frases estão amarradas ao mesmo assunto), enquanto B não tem (num primeiro momento, é possível pensar que o trecho desenvolve o mesmo assunto, porém, com mais atenção, percebe-se que há quatro assuntos dissociados entre si). Podemos dizer, então, que um dos requisitos essenciais de um bom texto é a unidade temática: tratar do mesmo assunto do começo ao fim. Mas será que basta a unidade temática para termos um bom texto? Não. Além da unidade temática, é necessário que o texto tenha uma organização, isto é, é necessária uma interligação entre as partes. Leia o trecho abaixo e observe se as ideias estão organizadas numa sequência: Durante décadas a medicina e a psicologia conspiraram para manter de pé a crença de que a personalidade das pessoas é imutável. A primeira tarefa para alguém muito tímido pode ser perguntar as horas a uma Módulo II Português: A Língua Padrão 13 senhora num ponto de ônibus. Essas pequenas conquistas reforçam a percepção de mudança e o tímido vai tomando coragem para arriscar. Uma das características mais imutáveis da personalidade é a capacidade de seguir uma dieta alimentar diferente. Com a leitura do trecho, é fácil observar que ele apresenta unidade temática (personalidade humana), porém falta a este uma organização: as frases estão soltas, sem relação umas com as outras. Falta a este trecho unidade estrutural. É como se um alfaiate, ao montar um paletó, costurasse uma manga nas costas, o colarinho no punho, as lapelas no forro... Um bom texto não é um mero ajuntamento de boas frases: ele exige, principalmente, a) unidade temática (mesmo assunto) e b) unidade estrutural (boa sequência e boa costura) Portanto, quando produzirmos um texto, deveremos, primeiramente, fazer o seu esquema, para escolher as informações mais importantes e para dispô-las numa boa sequência Dar uma boa sequência às ideias selecionadas é distribuí-las em três grandes partes; a introdução (que ideias servirão para abrir o texto?) o desenvolvimento (que ideias darão continuidade ao assunto?) a conclusão (que ideias serão úteis para fechar o texto?) Como selecionar ideias e dispô-las numa boa sequência? Módulo II Português: A Língua Padrão 14 Para fazer essas opções, é fundamental determinar previamente para quem estamos escrevendo e com que finalidade. Quer dizer: nosso texto é sempre uma espécie de conversa que fazemos à distância com nosso(s) leito(es), tendo um determinado objetivo em vista. Pôr-se no lugar do leitor (imaginar suas reações, suas dificuldades para compreender o texto) é um dos grandes desafios para quem escreve. Como o leitor não está presente no momento em que se escreve, é fundamental (para garantir a comunicação com o leitor) que quem escreve seja como um ator que desempenha dois papéis. Então, para planejar um texto, é importante responder com clareza as seguintes questões: a) sobre que vou escrever? (assunto) b) para quem vou escrever? (destinatário) c) com que finalidade? (objetivo) Depois disso, d) tendo em vista meu(s) destinatário(s), meu(s) objetivo (s) e tudo o que sei sobre o assunto: quais as informações mais relevantes que devem estar em meu texto? (seleção de ideias) qual a melhor sequência para essas ideias? (o que colocar na abertura do texto; como dar continuidade ao texto; o que reservar para o fechamento do texto?) Ao escrever, cuidar para que todas as partes estejam harmonicamente “costuradas”. Vale a pena saber! Comentamos, a seguir, algumas dúvidas gramaticais comumente encontradas em situações cotidianas de uso da língua escrita. Módulo II Português: A Língua Padrão 15 Por que, por quê,porque ou porquê? Usa-se por que a) nas interrogativas diretas e indiretas. Ex: Por que você demorou tanto? Quero saber por que meu dinheiro está valendo menos. b) sempre que estiverem expressas ou subentendidas as palavras “motivo”, “razão”. Ex: Não sei por que ele se ofendeu. Eis por que não lhe escrevi antes. c) quando a expressão puder ser substituída por “para que” ou “pelo qual”, “pela qual”, “pelos quais”, “pelas quais”. Ex: A estrada por que passei está em péssimo estado de conservação. d) em títulos. Ex: Por que o governo substituiu o ministro da Economia? Usa-se por quê quando a expressão aparecer em final de frase ou sozinha. Ex: Ria, ria sem saber por quê. Brigou de novo? Por quê? Usa-se porque quando a expressão equivaler a “pois”, “uma vez que”, “para que”. Ex: Não responda, porque ele está com a razão. Eles resolveram ficar porque já estava muito tarde. Usa-se porquê quando a expressão for substantivada, situação em que é sinônimo de motivo, razão. Ex: O diretor negou-se a explicar o porquê de sua decisão. Por que? Por quê?Porque? Porquê? Módulo II Português: A Língua Padrão 16 Questões - bloco 3 Reflita sobre as questões abaixo: Preencha as lacunas com por que, por quê, porque ou porquê: a) Eles resolveram partir _____________ já era muito tarde. b) Retiraram-se da assembleia sem dizer _____________. c) Você fala demais. Eis ____________ você não entende o que o professor explica. d) O diretor gostaria de saber ____________ vocês sempre chegam atrasados às quartas-feiras. e) O título da reportagem é: ____________ o novo Código de Trânsito tem falhas. f) Não sei ____________ estou tão aborrecido hoje. g) Talvez ela ainda não tenha consciência do ____________ de sua atitude. h) Você é contra a liberdade de imprensa? ____________? i) Fique atento, ____________ eu não vou explicar novamente. j) Responda-me ____________ não podemos sair agora. 1 Módulo II Português: A Língua Padrão 17 Resumo da Atividade 6 Norma ou padrão é a variante linguística de prestígio, ensinada pela escola, e capaz de fornecer ao falante um meio de comunicação isento de regionalismos. Para que um conjunto de frases constitua um bom texto é fundamental que haja unidade temática e estrutural. Sobre a Atividade 7 Na próxima atividade, continuaremos a falar sobre os aspectos responsáveis pela organização de um bom texto. MÓDULO II PORTUGUÊS A Língua Padrão Atividade 7 Objetivos Observar os objetivos e as características do texto informativo; Perceber que toda enunciação compreende, antes de mais nada, uma orientação apreciativa. Módulo II Português: A Língua Padrão 19 A dificuldade em dominar a língua padrão começa na escola, quando as orientações para o domínio da língua escrita restringem-se a um conjunto de macetes para o estudante ganhar nota e para o professor corrigir itens gramaticais isolados (acentuação gráfica, ortografia, concordância...). Essa prática ignora a própria noção de texto – com sua rede de relações internas e externas – dando lugar somente a questões técnicas, sem referências concretas, em que um eu abstrato repete opiniões fragmentadas, edificantes e moralizantes sobre um Homem e um Mundo igualmente abstratos para um universo concreto no qual a linguagem escrita age sobre o mundo. Porque, afinal de contas, é para isso que se escreve – esta ação está presente tanto no bilhete de um semi- analfabeto quanto no mais sofisticado texto científico. Vamos começar nossa prática observando um gênero de linguagem que tem presença maciça em quase tudo o que lemos e ouvimos: o texto de informação. Mas, afinal, a informação não é uma qualidade presente em todo texto? Sim, mas podemos dizer que nesse tipo de texto o objetivo primeiro é informar o leitor. Sua prática também não foi essa? Saber ler e escrever é, portanto, muito mais do que dominar uma técnica ou um sistema de sinais: é agir sobre o mundo e defender-se dele, sempre em situações específicas e concretas, intencionalmente construídas e com objetivos claros. Sua prática também não foi essa? Módulo II Português: A Língua Padrão 20 DO CHURRASCO À RAPADURA A viagem de ônibus mais longa do Brasil vai de Pelotas a Fortaleza em três dias de absurdos Se você gosta de desafios, que tal este: enfrentar a viagem de ônibus mais longa do Brasil? A da empresa Penha, entre Pelotas, no Rio Grande do Sul, e Fortaleza, no Ceará, tem 4.170 quilômetros e leva 72 horas. É quase uma peregrinação por lugares perdidos do interior do país, como Capim Grosso, na Bahia, ou Icó, no Ceará. No total, o ônibus faz 32 (trinta e duas!) paradas, troca nove vezes de motorista e atravessa nada menos que sete estados do país: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e, finalmente, Ceará. Leva exatos três dias para chegar. Histórias são o que não falta para quem já fez esta viagem. (...) Numa viagem assim, não há paisagem que disfarce o tempo. Parece que o relógio parou. O cansaço é grande e as alternativas para distrair, nenhuma. (...) Mas o que as pessoas mais fazem mesmo é tricô e palavras cruzadas. E dormem e acordam; dormem e acordam... O que diverte é apenas a comida. Por isso, dentro do ônibus, o cardápio dos passageiros é pra lá de variado. Quando o ônibus parte de Porto Alegre, rola muito pão com carne. Quando vem do Nordeste, sobram farinhas e rapaduras.(...) As paradas, em geral, são de 15 minutos, para lanches, e de 30 minutos, para refeições. Em algumas, é possível tomar banho, o que, no entanto, poucos fazem. O cheiro vai ficando insuportável. O banheiro de bordo é limpo com frequência, mas depois de um dia de viagem, ninguém mais suporta o odor do desinfetante. Vejamos um exemplo: Módulo II Português: A Língua Padrão 21 Eis aí um texto básico de informação: tudo o que ele pretende é dar informações ao leitor sobre a viagem de ônibus mais longa do Brasil. O leitor, aliás, é sempre um elemento importante: observe, por exemplo, que o autor começa e termina o texto fazendo perguntas – “Se você gosta de desafios, que tal este: enfrentar a viagem de ônibus mais longa do Brasil?”; “E você? Iria?”. Qual a função dessas perguntas? Observe, também, que as frases são bastante curtas. No caso, isso é uma qualidade porque elas tornam o texto mais fácil de ser lido e compreendido. Trata-se, portanto, de um texto informativo. Mas existirá informação pura? Não, no caso do texto em questão é possível depreender algumas opiniões: o simples fato de a revista escolher a viagem de ônibus mais longa do país como assunto já implica uma avaliação do que é ou não é relevante para o leitor. Por tratar-se de um texto apenas informativo, o autor não aparece emitindo opiniões (por exemplo, em construções como “(não) gosto muito dessa viagem”, “eu acho que”...). Mas é possível encontrar uma opinião subentendida em trechos como “(trinta e duas!)”, em que o autor, apesar de já ter citado o número de horas da viagem em algarismos arábicos (32), coloca entre parênteses o número por extenso seguido de um ponto de exclamação, com o objetivo, provavelmente, de chamar a atenção do leitor para a quantidade absurda de paradas durante a viagem. Nesse momento, o autor está emitindo uma apreciação sobre a longa Mesmo assim, tem quem goste da viagem e a repita sempre. É o caso de Vera Machado, que faz a rota ao menos uma vez por ano, para visitar o filho, que mora em Fortaleza. Este ano, ela resolveu passar o dia das mães lá, mas teve que adiar a comemoração, pois o ônibus só chegou na capital cearense um dia depois da data. Mesmo assim, não reclamou: com os R$ 302 que pagou pela passagem (a volta custa um pouco mais, R$ 322, mas também em ônibus convencional) ela não iria de avião nem até Curitiba. E, no ano que vem, já avisou, vai de novo. E você? Iria? Revista Viaje Mais, junho 2003, p.72. Módulo II Português: A Língua Padrão 22 distância da viagem, o que é feito também nos trechos“Numa viagem assim, não há paisagem que disfarce o tempo” e “e atravessa nada menos que sete estados do país”. Veja o que diz Mikhail Bakhtin em relação a esses aspectos da natureza da linguagem: “Não se pode construir uma enunciação sem modalidade apreciativa. Toda enunciação compreende antes de mais nada uma orientação apreciativa. É por isso que, na enunciação viva, cada elemento contém ao mesmo tempo um sentido e uma apreciação.” Em outras palavras, Bakhtin diz que não há “informação pura”, isto é, toda palavra está carregada de opinião. O próprio destaque gráfico dado a uma ou a outra informação já indica apreciação, ou seja, um ponto de vista sobre o que é e o que não é relevante. Pense nos noticiários da televisão: a simples escolha das notícias que vão ao ar também já é, em si, uma opinião sobre um determinado acontecimento. Na linguagem oral, a orientação apreciativa transparece não só no sentido das palavras, mas também na entonação da voz, na expressão facial, etc. Voltando às escolhas feitas pelo repórter no texto lido, observe as expressões em destaque nos trechos: “Por isso, dentro do ônibus, o cardápio dos passageiros é pra lá de variado”. e “...rola muito pão com carne”. Módulo II Português: A Língua Padrão 23 Observe as informações de cada parágrafo do texto “Do Churrasco à Rapadura”: 1º parágrafo: descrição da viagem (perímetro, quantidade de quilômetros e de horas necessários para o percurso, estados por onde o roteiro passa e quantidade de dias para chegar). 2º parágrafo: histórias de quem já fez esta viagem. Em sua opinião, por que ele optou por expressões próprias da modalidade informal em um texto jornalístico? Você acha que é adequado? Você percebe alguma intenção “por trás” dessas escolhas? Você reparou o recurso gráfico (...), que aparece várias vezes no texto “Do Churrasco à Rapadura”? Você sabe por que ele foi usado? Bem, ele é utilizado para demonstrar que foi retirado um fragmento deste lugar, sem prejuízo do texto. Essa opção fica a critério de quem está transcrevendo o texto, desde que a retirada não comprometa a compreensão do seu conteúdo. No exemplo, os fragmentos retirados eram depoimentos de pessoas que já haviam feito a viagem. Com o exemplo do texto acima, Já é possível considerar as duas qualidades básicas de um texto informativo: 1 Um bom texto de informação se concentra num assunto específico, e tudo nele deve dizer respeito a esse assunto (ao contrário da linguagem oral, em que costumamos divagar, mudar o rumo da conversa, abrir longas interrupções etc). 2 Um aspecto básico de um bom texto de informação é a ordem das informações, a sua sequência. Isto é, o texto deve apresentar um conjunto de dados de cada vez, que em geral se organizam em parágrafos. Módulo II Português: A Língua Padrão 24 3º parágrafo: consequências da viagem prolongada (cansaço) e alternativas dos passageiros para descontrair. 4º parágrafo: informações sobre a alimentação durante a viagem. 5º parágrafo: número e duração das paradas e descrição do banheiro de bordo. 6º parágrafo: justificativas para a procura por esse tipo de viagem. Como se vê, há uma ordem na apresentação das informações, que dá clareza ao texto. O texto bem escrito obedece a uma hierarquia de informações, que se dividem em parágrafos. Isto é, o texto avança em partes semanticamente organizadas, de modo que as informações não se atropelem. Mas o avanço das informações deve ser “costurado”, ou então será apenas uma sequência avulsa de dados. O velho ditado da linguagem popular – “uma coisa puxa a outra” – é particularmente verdadeiro no texto escrito. Para que essa “costura” seja clara e lógica, a língua dispõe de uma série de recursos coesivos, que são aquelas palavras que estabelecem relação entre o que foi dito e o que se vai dizer, que ligam uma coisa com outra. Esses recursos coesivos também são chamados de elementos de coesão ou de relatores. Como exercício, diga o que significam as palavras em negrito no texto abaixo: Escute com atenção a história que se segue: “Era uma vez uma terra distante onde todo mundo trabalhava naquilo que mais gostava – e, mesmo assim, só quando acordasse disposto. Nesse lugar, escola e assistência médica eram gratuitas, ninguém pagava aluguel e, nas horas de folga, todos se dedicavam à dança, ao teatro, à música e às artes em geral”. Veja que em si essas palavras pouco significam – elas apenas “apontam” para outras palavras. Tais relatores são elementos extremamente importantes da linguagem escrita: a eles, também, devemos a precisão e a clareza de um texto. Os relatores são fundamentais, por exemplo, na costura dos parágrafos. Módulo II Português: A Língua Padrão 25 Cada parágrafo novo deve contar com as informações dos parágrafos anteriores, que não precisam ser repetidas, mas que devem ser levadas em conta para que o texto não se transforme numa mera colagem de informações avulsas entre si. De alguma forma o início de um parágrafo deve se relacionar com aquilo que foi dito antes. Em outro momento nos aprofundaremos mais no estudo desses relatores. Questões - bloco 1 Compare, agora, os dois textos a seguir: ambos falam de Brasília e têm praticamente o mesmo conteúdo. São, porém, muito diferentes no que diz respeito à linguagem, porque o texto 1 é informativo (apenas passa informações) e o texto 2 é poético (fala do mundo metaforicamente, isto é, por meio de figuras de linguagem). 1 Texto 1 BRASÍLIA Em 1957, Brasília não passava de um sonho arquitetônico preso a uma prancha de desenho. Três anos depois, porém, a cidade estava inaugurada, atraindo a atenção do mundo todo, especialmente pelo arrojo de seu plano urbanístico desenhado por Lúcio Costa e pela beleza dos prédios criados por Oscar Niemeyer. O processo acelerado de construção da nova capital fez fluir para o centro do país grande parte da mão-de-obra excedente, constituída em especial de nordestinos, a maioria dos quais permaneceu na região depois de terminado o período intensivo da construção, passando a residir em favelas ou nas chamadas “cidades-satélites” do Distrito Federal. Estas constituem hoje um dos mais sérios problemas sócio-econômicos da região, ao lado do Módulo II Português: A Língua Padrão 26 trágico desvirtuamento no plano original de Lúcio Costa e da obra plástica de Niemeyer. Desta, ainda sobram exemplares magníficos do gênio criativo do arquiteto, como, por exemplo, a Catedral, cuja estrutura é composta de colunas de concreto intercaladas de vidros; ou o Palácio da Alvorada, cujas colunas contínuas e onduladas conferem à construção leveza e elegância; ou ainda a sede do Ministério do Exterior com seus imensos arcos de concreto armado, cercada por um enorme espelho de água. Tudo isso a lembrar o que o próprio arquiteto costuma dizer: ao conceber Brasília, ele procurou a surpresa, a forma inesperada, a curva leve e inusitada, evitando os contornos ultrapassados. Buscou ainda os vãos livres, reconhecendo que chegou a abusar dos concretos, quando esticou ao máximo suas passarelas sem sustentação e as suas enormes colunas. A Oscar Niemeyer J. Antônio d’Ávila Texto 2 BRASÍLIA Aos homens de couro entregaram o aço, o cristal e o mármore e isso os deslumbrou! Pensavam outra vez brincar de criança, quando viram saltar de suas mãos humildes e pobres um mundo de formas e coisas fantásticas! Depois, entenderam que tinham um poder. Todos sentiam que eram, agora, em vez de devotos Módulo II Português: A Língua Padrão 27 implorando milagres nas cidades incendiadas do sol nas estradas de fogo, de ossos e pó, eram eles, agora, os santos, os santos senhores dos poderes divinos! Mas a luz do cristal, a força do aço, a frieza, a dureza do mármore causavam cansaço e o encantamento do santos de couro se apagava, morria, e renascia o anseio de, outra vez, serem homens. A solidão esmagava! Os olhos não viam uma jurema em flor!... E regressaramao país dos angicos, mas lá já chegaram estranhos, sem nada entender. E ninguém os reconhecia! Voltaram, outra vez, para trabalhar nos milagres. Então, os milagres surgiram com força maior. Estrelas enormes cravaram no chão. Pedaços de nuvens amarraram para sempre no lugar que escolheram. Longas tiras de nada viraram tudo em suas mãos. E as tiras imensas esticaram no espaço. Blocos de ar de água viraram flor, num momento - para sempre! Paravam o vento onde bem entendiam e, num instante, com um gesto, lhe davam formato, lhe davam uma cor. Um deus os guiava. Módulo II Português: A Língua Padrão 28 Um deus ordenava que assim tudo fosse. E assim foi. Onde os santos homens de couro puseram a mão a vida passou a existir! Um dia chegaram os homens de pano. Eram os donos. Os donos do aço, do cristal e do mármore. E apenas ficou prometido que, só transcorridos mil milagres daqueles, os filhos dos filhos de um homem de couro poderiam ser donos de uma estrela no chão, de uma nuvem cativa, da água e do ar transformados em flor! As cidades incendiadas de sol, as estradas de fogo, de ossos e de pó, esperam... esperam e sorriem perversas... Elas sabem que os pobres homens de couro custarão a descobrir: Os deuses sabem criar mas não sabem dividir! (Publicado em Vento Cansado. São Paulo, 1962) Módulo II Português: A Língua Padrão 29 A partir da leitura dos textos 1 e 2, responda às questões abaixo. Quanto ao Texto 1 Por que Brasília atraiu a atenção do mundo? Quais os principais problemas que atualmente afetam Brasília e o Distrito Federal? Como explicar o surgimento das chamadas “cidades-satélites” no Distrito Federal? Quais as obras de Niemeyer citadas no texto? O que norteava o arquiteto ao conceber Brasília? 1 2 3 4 5 Quanto ao Texto 2 A quem é dedicado o poema? Quem são os “homens de couro”? Como se construiu essa figura? Por que eles “pensavam outra vez brincar de criança”? A que se referem os versos “um mundo de formas e coisas fantásticas”? Os homens de couro sentiam que eram “os santos senhores dos poderes divinos”. Como interpretar “poderes divinos”? A que se referem as imagens “cidades incendiadas de sol, nas estradas de fogo, de ossos e pó”? Por quê? O tom emocional do primeiro conjunto de versos (verso 1 a 13) é o entusiasmo. Quais as palavras que transmitem este tom? Qual o tom emocional do segundo conjunto de versos (verso 13 a 22)? Quais as palavras aliadas a esse tom? Por que eram estranhos em sua terra de origem? Nos versos 24 a 38, qual o tom emocional? De que se fala do verso 25 a 32? A quem se refere o verso 33? Como justificar a imagem? Do verso 39 em diante, estabelece-se um contraste entre os homens de couro e os homens de pano. Quem são os homens de pano? Qual o contraste que se põe nesses versos? 1 2 3 4 5 8 9 10 11 12 6 7 Módulo II Português: A Língua Padrão 30 Interprete a promessa dos homens de pano. Interprete os dois últimos versos. Dê fatos concretos que mostrem que o poeta tem razão. Vale a pena saber! No início desta atividade, nós fizemos uma pergunta sobre sua observação a respeito do emprego da palavra “nesse”, lembra? Então, essa é uma palavrinha que, juntamente com “este”, dá um nó na cabeça de muita gente. Quando empregá-las? O pior é que o papel delas é bem definido. Elas são parecidas, mas não são iguais. As palavrinhas de que estamos falando denominam-se “pronomes demonstrativos”, são versáteis e podem ser empregadas em três situações. Vejamos: Indicam situação no espaço: este: diz que o objeto está perto da pessoa que fala (eu, nós): esta sala (a sala onde a pessoa que fala ou escreve está); este livro (o livro que temos em mão) esse: diz que o objeto está perto da pessoa com quem se fala (você, tu): essa sala (a sala onde está a pessoa com quem falamos ou a quem escrevemos) aquele: diz que o objeto está longe da pessoa que fala e da pessoa com quem se fala; aquele quadro (o quadro que está longe das duas pessoas) Indicam situação no tempo: este: indica tempo presente: esta semana (a semana em curso), este mês (o mês em curso), este ano (o ano em curso) esse / aquele: indica tempo passado (esse: passado próximo; aquele: passado 13 14 Módulo II Português: A Língua Padrão 31 remoto): Estive em Salvador em 1990. Nesse (naquele) ano, visitei toda o Mercado Modelo. Eis um nó. Como saber se o passado é próximo ou remoto? Depende de cada um. O tempo é psicológico. Uma hora com dor de dente é uma eternidade. Se for à noite, nem se fala. São duas eternidades. Indicam situação no texto (é o caso que oferece maior dificuldade): este: exprime referência posterior (anuncia-se o fato que será referido depois): O candidato disse esta frase: “Nossa proposta é a melhor de todas”. Reparou? A frase é anunciada: “disse esta frase”. Depois expressa: “Nossa proposta é a melhor de todas”. Esse: exprime referência anterior (o fato é referido antes; depois, retomado): “Nossa proposta é a melhor de todas”. Essa frase foi dita pelo candidato. Ufa! Módulo II Português: A Língua Padrão 32 Resumo da Atividade 7 Com o estudo que acabamos de fazer, constatamos que o texto informativo tem como objetivo primeiro informar, porém não existe a informação “pura”, pois sempre se encontrará nesse tipo de texto uma apreciação (opinião) do autor – a orientação apreciativa – que se manifesta por meio de palavras, expressões, pontuação, sinais gráficos, etc. Sobre a Atividade 8 Em nossa próxima atividade, abordaremos dois tópicos da língua padrão que oferecem dificuldade ao se produzir textos escritos: a crase e o pronome “onde”. Também exercitaremos a habilidade de leitura de textos. MÓDULO II PORTUGUÊS A Língua Padrão Atividade 8 Objetivos Conhecer o emprego adequado da “crase” e do pronome “onde” em textos escritos; Exercitar a leitura de textos. Módulo II Português: A Língua Padrão 34 Abordaremos agora alguns tópicos da língua padrão que costumam representar dificuldade ao usuário no momento de produzir textos. CRASE A crase parece ser uma unanimidade nacional: todos dizem que não sabem usá-la! Pior que isso: qualquer professor de português sincero será obrigado a confessar que, apesar de todos os esforços ao longo de anos, seus alunos continuam sem entender quando empregar ou não o acento grave! Há, provavelmente, duas razões para isso. A primeira é que no português do Brasil não há qualquer diferença fonética entre a preposição a e o artigo a. Isto é: para nós, a crase só existe na escrita, ou melhor, só nos preocupamos com o emprego do acento grave no momento em que produzimos textos escritos. A segunda razão diz respeito à mudança da língua: na nossa gramática de falantes, dispensa-se a preposição a na regência de um grande número de palavras. Por exemplo, todo mundo assiste um filme, e não a um filme! É por essa razão que os macetes, tão úteis em outros casos, fracassam redondamente! Sem se conhecer a regência padrão, a crase não tem solução! Mas venceremos essa guerra! Questões - bloco 1 Como primeira batalha, preencha os espaços com a, à, às, ou ao: a) Ele chegou ________ conclusão do trabalho. b) Ele chegou ________ essa conclusão. c) Ele chegou ________ fim do exercício. d) Ele chegou ________ conclusões completamente diferentes. e) Ele chegou ________ ver o fim do túnel. f) Ele chegou ________ sete horas. g) Ele chegou ________ fim de criar problema. Módulo II Português: A Língua Padrão 35 Com certeza, você já decorou mil vezes que a crase é o encontro da preposição a com o artigo a... Bem, lembre-se mais uma vez de que o emprego ou não do acento gráfico indicativo da crase ( ̀ ) é apenas uma questão de regência. Vejamos quais são as perguntas que devem ser feitas para sabermos se a crase deve ou não ser empregada: Para perceber o encontro da preposição a com o artigo – a(s) ou (o)s –, faça o que se pede a seguir. Questões - bloco 2Reescreva as frases abaixo, substituindo as palavras sublinhadas pelas palavras entre parênteses. a) Alguns retornam ao berço convencidos de que ali é um bom lugar para se viver. (cidade de origem) b) Os rituais estão sempre ligados ao mito da fertilidade. (questão) c) Eles pedem satisfação aos governantes. (autoridades) d) As críticas às normas rígidas do sistema penal são o assunto principal. (regulamentos) e) O fato de o general ter pertencido à nomenklatura soviética não atenua suas provações. (sistema militar) f) Não é possível saber quanto tempo o jacaré resistirá ao envenenamento do rio. (poluição) g) Eles invadiram às 7h30 um luxuoso sobrado e se renderam às 21h20 à polícia. (amanhecer / noite / delegado) O antecedente exige a preposição a? O artigo também está presente antes da palavra seguinte ao verbo? Módulo II Português: A Língua Padrão 36 Veja algumas situações que merecem atenção quanto ao emprego da crase: O uso da crase é obrigatório nas seguintes situações: a) Diante de nome feminino acompanhado de artigo: Vou à Bahia. b) Diante de nomes de cidades e países particularizados: Vou à Minas dos conjurados. c) Diante de demonstrativos começados por a: Falamos àquele que nos impediu de entrar. d) Nas locuções formadas por nomes femininos: Primeira rua à direita. e) Diante de pronomes possessivos que se referem a substantivo oculto: Falou a minha irmã e não à sua. Observação: Antes de nomes próprios femininos ou de possessivos femininos, o uso do acento grave é optativo, já que, nesses casos, o emprego do artigo também é. Não se usa o acento grave indicativo da crase nos casos a seguir: a) Diante de nomes masculinos (sem nome feminino elíptico). b) Antes de verbo. c) Antes da palavra casa quando significar lugar onde o falante mora. d) Antes de palavras de sentido indefinido. e) Antes da palavra terra no sentido de chão firme. f) Antes de palavras tomadas em sentido geral. g) Nas expressões de palavras repetidas: gota a gota, frente a frente. h) Antes de pronomes pessoais de tratamento. Módulo II Português: A Língua Padrão 37 Observações: Em todos esses casos não se usa a crase porque não se admite o emprego do artigo. Antes do pronome relativo que só se usa o acento grave se o antecedente do pronome for o demonstrativo a: Isto se refere às que declaramos. Se o a, porém, for apenas preposição, não haverá o acento: Esta é a menina a que aludimos. Questões - bloco 3 Coloque o acento grave indicativo da crase nas frases a seguir, quando for conveniente. a) Estava a procura de dinheiro. b) Comprava a prazo e vendia a vista. c) Chegava sempre a noite, quando todos já dormiam. d) Irei a essa festa hoje. e) Falei a um repórter sobre esse tema. f) Trabalho até as três horas. g) Vou a Almirante Barroso e volto por São Brás. h) Estive com ela frente a frente. i) A medida que cantava, provocava emoção. j) As águas chegaram até a rua. “ONDE” MESMO? Certamente você já ouviu muitas pessoas, na rua ou mesmo em entrevistas de rádio e TV, dizendo coisas como “Fui falar com o chefe, onde me disse...”, em vez de dizer “que me disse...” A palavrinha onde tem levado ao desespero os gramáticos normativos e intrigado os linguistas. Essa palavra, na linguagem oral, está praticamente se universalizando como conectivo: usa-se onde no lugar de que, de e, de mas – Módulo II Português: A Língua Padrão 38 e até mesmo no lugar de onde! E tudo indica que esse fenômeno não escolhe “cliente”: a ocorrência aparece tanto nas faixas menos escolarizadas da população como nas mais escolarizadas. Não é impossível que seu uso não-padrão seja até mais frequente entre pessoas que estudaram, devido a um fenômeno chamado hipercorreção – isto é, o desejo de falar “certo” pode levar ao emprego de estruturas e expressões que não se dominam. Bem, isso é problema dos linguistas. Nas gramáticas e nos dicionários, “onde” consta como advérbio, por primeiro; depois, como pronome, mas só quando significa “em que”, como em “terra onde nasci”, isto é, “terra em que nasci”. Nenhuma gramática registra “onde” como pronome que retoma um nome, como chefe (no exemplo acima). Mas o que se pode ouvir, atualmente, é a palavra “onde” funcionando como um verdadeiro curinga. Para quem está interessado apenas em dominar o padrão escrito, é interessante seguir as orientações abaixo. Dois casos básicos Para começar: na escrita, esqueça a forma aonde. Em qualquer caso, use sempre onde, que não tem erro! Embora aonde seja uma forma clássica da língua, em muitos casos ela é estigmatizada – alguns gramáticos vivem inventando regrinhas de distinção (do tipo, se exigir preposição a, pode-se usar aonde) e outras besteiras sem fundamento. Já o onde é sempre aceito, em qualquer caso. Segundo lembrete: no padrão escrito, a referência de onde é sempre, obrigatoriamente, lugar, espaço. Veja o primeiro caso, em que o onde faz referência a alguma coisa fora do texto: Ninguém sabe onde foi parar o dinheiro. (em que lugar) Onde fica a praça? (em que lugar) O policial sabe onde aconteceu o crime, mas não diz. (em que lugar) Módulo II Português: A Língua Padrão 39 Observe agora o segundo caso, em que a palavra faz referência a alguma coisa que está escrita no texto: Abri o cofre onde estava o dinheiro. (em que, no qual – onde = o cofre) Nos bairros periféricos, onde a pobreza é maior, a saúde pública não chega. (em que, nos quais – onde = nos bairros periféricos) Observe que, no padrão escrito, muitas vezes o onde traz junto a preposição exigida pelo verbo, independentemente se faz referência a algo fora do texto ou a algo que está escrito no texto. Confira: Ninguém sabe de onde ele tirou esse dinheiro. (de que lugar) Ele explicou por onde a estrada vai passar. (por que lugar) O encanador soldou a fenda por onde a água escapava. (por que lugar = fenda) E assim se esgota o emprego da palavra onde, segundo o padrão escrito. Para reforçar, faça os exercícios seguintes. Questões - bloco 4 Junte os grupos de orações seguintes usando a palavra onde, de acordo com o padrão escrito: a) Ele subiu distraído a arquibancada. Os torcedores estavam se matando na arquibancada. b) Fulano vive no mundo dos sonhos. No mundo dos sonhos não se paga imposto. c) O gato se escondeu na gaveta. O gato não queria sair da gaveta. d) O guarda estava exatamente naquele corredor. Por aquele corredor o assaltante passou. e) O ministro entrou no salão. Todos os convidados correram para o salão. 1 Módulo II Português: A Língua Padrão 40 Analise com atenção as ocorrências abaixo, todas não-padrões, e substitua em cada caso a palavra onde por outra expressão, de acordo com o padrão escrito: a) Fevereiro é o mês onde nasci. b) O pessoal discutiu muito, onde não chegou a nenhuma conclusão. c) Visitei aquela praça, onde é muito bonita. d) O carro de repente quebrou, onde ninguém sabia qual era o problema. e) Pois na hora me deu aquele medo, onde você fica sem saber o que fazer. Vale a pena saber Um jornalista estava redigindo sua matéria quando, de repente, surgiu a dúvida. Deveria dizer: “Falei com Eduardo e Sônia” ou “Falei com Eduardo e com Sônia?” Pensou, pensou e, esperto, contornou a dificuldade: “Primeiro entrevistei o Eduardo; depois, a Sônia”. Mas a dúvida continuou “Quando se deve repetir a preposição?” Então resolveu estudar. A questão é saber se os termos constituem o mesmo conjunto contemporâneo ou conjunto separado: Em “O jornalista se dirigiu ao Prefeito e administrador”, entende-se que ele se dirigiu a uma pessoa a um só tempo: prefeito que é administrador. Agora, “O jornalista se dirigiu ao Prefeito e ao administrador”, entende-se que ele se dirigiu a duas pessoas (um Prefeito e um administrador). Vamos, agora, exercitar a habilidade de leitura. 2 Módulo II Português: A Língua Padrão 41 GRUNHIDO ELETRÔNICO Ouvi dizer que é cada vez maior o número de pessoas que se conhecem pela Internet e acabamcasando ou vivendo juntas – uma semana depois. As conversas por computador são, necessariamente, sucintas e práticas e não permitem namoros longos, ou qualquer tipo de aproximação por etapas. Estamos longe, por exemplo, do tempo em que as pessoas se viam numa quermesse de igreja e se mandavam recados pelo alto-falante. Quando finalmente se aproximavam, eram mais dois anos de namoro e um de noivado e só na noite de núpcias, imagino, ficavam íntimos, e mesmo assim acho que o vovô dizia “com licença”. Na geração seguinte o homem pedia a mulher em namoro, depois pedia em noivado, depois pedia em casamento, e quando finalmente podia dormir com ela era como chegar ao guichê depois de preencher todas as firmas e esperar que chamassem a sua senha. Durante o namoro ele lhe mandava poemas, o que sempre funcionava, e muitas mulheres de uma certa época, para serem justas, deveriam ter casado com o Vinícius de Moraes. As pessoas dizem que houve uma revolução sexual. O que houve foi o fechamento de um ciclo, uma involução. No tempo das cavernas o macho abordava a fêmea, grunhia alguma coisa e a levava para a cama, ou para o mato. Com o tempo desenvolveu-se a corte, a etiqueta da conquista, todo o ritual de aproximação que chegou a exageros de regras e restrições e depois foi-se abreviando aos poucos até voltarmos, hoje, ao grunhido básico, só que eletrônico. Fechou-se o ciclo. A corte, claro, tinha sua justificativa. Dava à mulher a oportunidade de cumprir seu papel na evolução, selecionando para Questões – bloco 5 Leia o texto de Luis Fernando Verissimo e responda às questões de 1 a 10: Módulo II Português: A Língua Padrão 42 procriação aqueles machos que, durante a aproximação, mostravam ter aptidões que favoreciam a espécie, como potência física ou econômica ou até um gosto por Vinícius de Moraes. Isso quando todo namoro for pela Internet, todo sexo for virtual e as mulheres – ou os homens, nunca se sabe – só derem à luz bytes, o único critério para seleção será ter um computador com modem e um bom provedor de linha. Talvez toda a comunicação futura seja por computador. Até dentro de casa. Será como se os nossos namorados de quermesse levassem os alto-falantes para dentro de casa. Na mesa do café, marido e mulher, em vez de falar, digitarão seus diálogos, cada um no seu terminal. E quando sentirem falta da palavra falada e do calor da voz, quando decidirem que só frases soltas numa tela não bastam e quiserem se comunicar mesmo, como no passado, cada um pegará seu celular. Não sei o que será da espécie. Tenho uma visão do futuro em que viveremos todos no ciberespaço, volatilizados. Só nossos corpos ficarão na terra porque alguém tem que manejar o teclado e o mouse e pagar a conta da luz. Luis Fernando Verissimo Revista Domingo, Jornal do Brasil Módulo II Português: A Língua Padrão 43 No fragmento “Ouvi dizer que é cada vez maior o número de pessoas que se conhecem pela Internet e acabam casando ou vivendo juntas – uma semana depois.” o autor usou o travessão a) para indicar a mudança de interlocutor no diálogo. b) porque queria destacar a expressão “uma semana depois”. c) porque se enganou, já que não há explicação para isso. d) para indicar uma interrupção na frase, sugerindo hesitação. e) para marcar uma quebra na sequência da fala do personagem. No texto o autor a) defende a importância da tecnologia moderna para o bom relacionamento entre as pessoas. b) analisa as causas dos maus relacionamentos entre os homens e as mulheres. c) critica o modo como se dão os namoros pela Internet. d) prevê para o futuro relacionamentos com mais diálogos. e) descreve os benefícios dos relacionamentos iniciados pela Internet. Podemos afirmar que o título do texto “Grunhido Eletrônico” foi construído com palavras que a) pertencem a dois campos semânticos opostos: antiguidade e modernidade. b) pertencem somente ao campo semântico da modernidade. c) caracterizam o bem e o mal, opondo uma visão positiva a outra, negativa. d) exprimem preconceitos, apresentando uma visão negativa do assunto. e) por se oporem não podem ser usadas na construção de um título. 1 2 3 Módulo II Português: A Língua Padrão 44 Segundo o texto, os namoros pela Internet diferem dos namoros antigos principalmente porque a) permitem à mulher selecionar os machos para procriação. b) são mais propícios à corte, à conquista e à sedução. c) são mais sucintos e práticos do que os namoros de antigamente. d) geralmente duram mais do que os namoros de antigamente. e) são muito mais românticos do que os namoros de antigamente. Observe o trecho: “Quando finalmente se aproximavam, eram mais dois anos de namoro e um de noivado e só na noite de núpcias, imagino, ficavam íntimos, e mesmo assim acho que o vovô dizia ‘com licença’”. O uso das aspas na expressão “com licença”, neste fragmento, serve para a) ressaltar o valor significativo da expressão. b) indicar o início e o fim de uma citação. c) destacar a fala de um personagem. d) intercalar palavras que não pertencem ao texto. e) destacar o sentido pejorativo da expressão. No trecho “O que houve foi o fechamento de um ciclo, uma involução”, a palavra grifada indica que a) o homem, hoje, voltou a se relacionar como na pré-história. b) houve uma verdadeira revolução sexual. c) o ciclo se fechou porque o homem conseguiu alcançar a perfeição. d) o ciclo de fechou porque o homem chegou a exageros de regras e restrições. e) o homem evoluiu em seus relacionamentos sexuais. 4 5 6 Módulo II Português: A Língua Padrão 45 O contraste entre o namoro antigo e o moderno se constrói no texto pelas palavras ou expressões a) “casar” e “viver juntos”. b) “quermesse” e “alto-falante”. c) “calor da voz” e “palavra falada”. d) “macho” e “fêmea”. e) “alto-falante” e “mouse”. O item “que” se relaciona com a expressão grifada em a) “Quando finalmente se aproximavam, eram mais dois anos de namoro e um de noivado e só na noite de núpcias, imagino, ficavam íntimos, e mesmo assim acho que o vovô dizia ‘com licença’”. b) “... e quando finalmente podia dormir com ela era como chegar ao guichê depois de preencher todas as firmas e esperar que chamassem a sua senha.” c) “As pessoas dizem que houve uma revolução sexual.” d) “Só nossos corpos ficarão na terra porque alguém tem que manejar o teclado e o mouse e pagar a conta da luz.” e) “Dava à mulher a oportunidade de cumprir seu papel na evolução, selecionando para procriação aqueles machos que, durante a aproximação, mostravam ter aptidões que favoreciam a espécie...” O autor expressa incerteza ou compartilha ideias de outras pessoas ao comentar os relacionamentos entre homens e mulheres, EXCETO em a) “Ouvi dizer que é cada vez maior o número de pessoas que se conhecem pela Internet e acabam casando ou vivendo juntas – uma semana depois.” b) “Estamos longe, por exemplo, do tempo em que as pessoas se viam numa quermesse de igreja e se mandavam recados pelo alto-falante.” c) “Quando finalmente se aproximavam, eram mais dois anos de namoro e um de noivado e só na noite de núpcias, imagino, ficavam íntimos, e mesmo assim acho que o vovô dizia ‘com licença’.” 7 8 9 Módulo II Português: A Língua Padrão 46 d) “As pessoas dizem que houve uma revolução sexual.” e) “Talvez toda a comunicação futura seja por computador.” A respeito do trecho “Quando finalmente se aproximavam, eram mais dois anos de namoro e um de noivado e só na noite de núpcias, imagino, ficavam íntimos, e mesmo assim acho que o vovô dizia ‘com licença’.” é possível afirmar que a conjunção e, grifada, tem valor a) aditivo. b) adversativo. c) conclusivo. d) explicativo. e) alternativo. 10 Módulo II Português: A Língua Padrão 47 Resumo da Atividade 8 Vimos, nesta atividade, como empregar adequadamente o acento indicativo da crase e o pronome onde – tópicos da língua padrão que costumam oferecer dificuldade no momento de usar a língua escrita. Também,por meio de exercícios de compreensão de texto, exercitamos a habilidade de leitura, tão exigida em nossa vida cotidiana. Sobre a Atividade 9 Em nossa próxima atividade, estudaremos os recursos coesivos de que a língua portuguesa dispõe – elementos extremamente importantes da linguagem escrita aos quais devemos grande parte da precisão e da clareza de nossos textos. MÓDULO II PORTUGUÊS A Língua Padrão Atividade 9 Objetivos Observar que um texto não é uma simples somatória de frases, mas uma unidade de sentido estabelecida por meio do encadeamento de enunciados que garantem sua coesão. Módulo II Português: A Língua Padrão 49 O VALOR DA SESTA Estudo de Harvard mostra que dormir à tarde melhora a capacidade mental Típico dos climas quentes, o cochilo depois do almoço tem sido encarado como um hábito arcaico, incompatível com o ritmo da vida moderna. Pois um estudo da Universidade Harvard conseguiu reabilitar a sesta, mostrando que ela é um modo excelente para restaurar a capacidade intelectual. A pesquisa envolveu 129 voluntários, que faziam um mesmo teste de percepção visual quatro vezes por dia, duas de manhã e duas à tarde. O desempenho individual piorava sensivelmente no decorrer do dia. No fim da tarde, era em média 52% menor. Mas quem dormia por meia hora entre o segundo e o terceiro testes, lá pelas 14 horas, chegava ao fim do dia com o padrão do meio dia. Aqueles que podiam dar-se ao luxo de dormir uma hora inteira voltavam a se comportar no teste como no início da manhã. A coesão no texto Vamos tratar, agora, dos elementos responsáveis pelo encadeamento das ideias do texto – os elementos de coesão, conectivos ou relatores –, que são uma espécie de espinha dorsal de qualquer texto bem escrito. O texto é a unidade básica de manifestação da linguagem, dotada de propriedades estruturais específicas que fazem com que não se reduza a uma simples somatória de frases. Nele, as intenções, as ideias e as unidades linguísticas devem estar perfeitamente relacionadas, por meio do encadeamento de enunciados. Esse encadeamento resulta das relações de sentido estabelecidas pelos recursos linguísticos presentes no texto, responsáveis pela sua conexão, que lhe garantirão sua unidade, ou seja, sua textualidade. Considere as palavras sublinhadas no texto abaixo. Módulo II Português: A Língua Padrão 50 Observe que as palavras em negrito, isoladamente, nada significam; elas só ganham significado pela relação que estabelecem entre uma informação e outra. Os enunciados desse texto não estão amontoados caoticamente, mas estritamente interligados entre si: ao lermos o texto, percebemos que há conexão entre as partes. No caso do texto acima, pode-se observar a função de alguns desses elementos de coesão. A palavra pois, no primeiro parágrafo (“Pois um estudo da Universidade Harvard...”), serve para dar continuidade ao que foi dito anteriormente e acrescentar um outro dado: um estudo da Universidade Harvard sugere a reabilitação da sesta, mostrando que ela é um modo excelente para restaurar a capacidade intelectual. Nesse mesmo trecho, a palavra ela retoma a palavra sesta, com o objetivo de evitar a repetição desta. Com a mesma função (de retomada) encontramos a palavra que no trecho “A pesquisa envolveu 129 voluntários, que faziam um mesmo teste de percepção visual quatro vezes por dia, duas de manhã O estudo indicou que é necessário dormir de verdade. Fechar os olhos e simplesmente descansar um pouquinho não faz efeito. Já está comprovado que o relógio biológico programa as pessoas para dois períodos de sonolência: o mais forte à noite, entre 22 horas e meia-noite, e um mais leve, no início da tarde, entre 14 e 15 horas. Isso pouco tem a ver com questões culturais. Nos lugares quentes, até os animais evitam sair ao ar livre no horário em que o sol está a pino. “O padrão natural do homem seria sempre dormir no começo da tarde, se não fossem as pressões do mundo moderno”, diz Rubens Reimão, neurologista do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Mesmo em países que não têm a chamada “cultura da sesta”, pode-se estimar que pelo menos 20% da população durma durante um período da tarde. “O estudo de Harvard mostra que esse sono da tarde tem função importante no aprendizado”, explica o neurologista. Agora é só convencer o patrão disso. Revista Veja, 19/06/2002 Módulo II Português: A Língua Padrão 51 e duas à tarde”, sendo que neste caso a palavra referida é “voluntários”. No segundo parágrafo, a palavra isso retoma tudo o que foi dito no período anterior (“Já está comprovado que o relógio biológico programa as pessoas para dois períodos de sonolência: o mais forte à noite, entre 22 horas e meia-noite, e um mais leve, no início da tarde, entre 14 e 15 horas”). No mesmo parágrafo, o emprego do conector até (Nos lugares quentes, até os animais evitam sair ao ar livre no horário em que o sol está a pino.) pressupõe que os animais (como os homens) evitam sair ao ar livre no horário em que o sol está a pino. Quando lemos com atenção um texto bem construído, não nos perdemos por entre os enunciados que o constituem, nem perdemos a noção de conjunto. Com efeito, é possível perceber a conexão existente entre os vários segmentos de um texto e compreender que todos estão interligados entre si. São várias as palavras que, num texto, assumem a função de conectivo ou de elemento de coesão: as preposições: a, de, para, com, por, etc.; as conjunções: que, para que, quando, embora, mas, e, ou, etc.; os pronomes: ele, ela, seu, sua, este, esse, aquele, que, o qual, etc.; os advérbios: aqui, ali, lá, assim, etc. A essa conexão interna entre os vários enunciados presentes no texto dá-se o nome de coesão. Essa conexão entre os vários enunciados, obviamente, não é fruto do acaso, mas das relações de sentido que existem entre eles, manifestadas, sobretudo, por certa categoria de palavras, que são chamadas conectivos ou elementos de coesão. Sua função no texto é exatamente a de por em evidência as várias relações de sentido que existem entre os enunciados. Módulo II Português: A Língua Padrão 52 O uso adequado desses elementos de coesão confere unidade ao texto e contribui consideravelmente para a expressão clara das ideias. O uso inadequado sempre tem efeitos perturbadores, tornando certas passagens incompreensíveis. Veja, agora, alguns aspectos que devem ser observados sobre os elementos de coesão: Em um texto bem escrito, eles não permitem ambiguidade. Há duas importantes distinções entre a oralidade e a escrita. A primeira nós já vimos: a oralidade dispõe de recursos extralinguísticos que resolvem qualquer ambiguidade (um gesto, um dedo apontando, uma informação presumida porque você já conhece o interlocutor, etc.). A segunda é o fato de que alguns conectivos passaram a ser usados exclusivamente na escrita. Por exemplo, considere as expressões seu e sua no enunciado “Os amigos precisavam saber urgentemente a resposta de seu chefe sobre o período de férias de cada um, porém a sua secretária informou- lhes que ele ainda não havia retornado da viagem.” Na linguagem oral, elas se transformam quase sempre em dele e dela (formas que também podem ser perfeitamente usadas por escrito). Veja que, se eu leio a oração Fulano foi para a sua casa, não há dúvida de que a casa é do Fulano; mas se eu digo a alguém Fulano foi para a sua casa, o meu interlocutor pode entender que Fulano foi para a casa dele, interlocutor, e não dele, Fulano... Finalmente, lembremos que, se não houvesse relatores, a escrita seria “insuportável”. Veja como ficaria um trecho sem eles: Módulo II Português: A Língua Padrão 53 por acaso. A distribuição do tubarão branco está mais restrita às regiões sul e sudeste do Brasil, em especial o litoral norte do Rio de Janeiro. No litoral norte do Rio de Janeiro a ressurgência do tubarão branco é comum em determinadas épocas do ano. Para fins didáticos, podemos separaros elementos de coesão em três grupos principais: Elementos de referência textual. São aqueles que “apontam” para outras palavras do próprio texto, e só têm sentido próprio em função dessas palavras. Esses relatores geralmente apontam para palavras que já foram citadas (no início da oração, na oração anterior, no parágrafo anterior), mas podem também apontar para palavras que venham, depois (Confira: O problema é este: que fazer?). Elementos de referência situacional. São aqueles que “apontam” para informações que estão fora do texto, na “cabeça” do leitor. Observe o subtítulo do texto “Turista Ocasional”: Ele já foi visto por aqui 24 vezes, apavorando pescadores e banhistas. Mas parece preferir águas mais frias. A pergunta que ocorre ao leitor é “aqui onde?”. No caso, o Brasil. Elementos de relação lógica. São aqueles que estabelecem uma relação lógica entre uma informação (ou conjunto de informações) e outra (ou outras). Veja: Mas quem dormia por meia hora entre o segundo e o terceiro testes, lá pelas 14 horas, chegava ao fim do dia com o padrão do meio dia. O que significa esse “mas”? Os padrões migratórios do tubarão branco no Atlântico Sul ainda são desconhecidos, mas o aparecimento do tubarão branco quase exclusivo em locais de ressurgência (nos locais de ressurgência a água fria aflora para a superfície), confirma a tese de que o tubarão branco não tem muita queda pelo tempero brasileiro e só acaba petiscando no Atlântico Sul Módulo II Português: A Língua Padrão 54 Para dar ideia da importância desses elementos na construção das frases e do texto, vamos comentar sua funcionalidade em algumas situações concretas da língua e mostrar como o seu mau emprego pode perturbar a compreensão. O período composto, como o nome indica, é constituído de várias orações, que, se não estruturadas com coesão, de acordo com as regras do sistema linguístico, produzem um sentido obscuro, quando não, incompreensível. O período que segue é plenamente compreensível porque os elementos de coesão estão bem empregados. Esse período consta de três orações, e a oração principal é: devem abandonar a cidade; antes da principal vem uma oração que estabelece a condição que vai determinar a obrigação de as indústrias abandonarem a cidade (o conectivo, no caso, é a conjunção se); depois da oração principal segue uma terceira oração, que indica a finalidade que se quer atingir com a expulsão das indústrias poluentes (o conectivo é a conjunção para que). Não é raro ocorrerem em textos escritos períodos desprovidos da oração principal, como no exemplo que segue: O homem que tenta mostrar a todos que a corrida armamentista que se trava entre as grandes potências é uma loucura. Se estas indústrias são poluentes, devem abandonar a cidade, para que as boas condições de vida sejam preservadas. Módulo II Português: A Língua Padrão 55 No primeiro período temos: o homem; que tenta mostrar a todos: oração subordinada adjetiva; que a corrida armamentista é uma loucura: oração subordinada substantiva objetiva direta; que se trava entre as grandes potências: oração subordinada adjetiva. A segunda oração está subordinada àquela que seria a primeira, referindo- se ao termo homem; a terceira é subordinada à segunda; a quarta à terceira. A primeira oração está incompleta. Falta-lhe o predicado. O autor do trecho colocou o termo a que se refere a segunda oração, começou uma sucessão de inserções e “esqueceu-se” de desenvolver a ideia principal. A escrita não exige que os períodos sejam longos e complexos, mas que sejam completos e que as partes estejam absolutamente conectadas entre si. Para evitar deslizes como os apontados, graves porque o período fica incompreensível, não é preciso analisar sintaticamente cada período que se constrói. Basta usar a intuição linguística que todos os falantes possuem e reler o que se escreveu, preocupado em verificar se tem sentido aquilo que acabou de ser redigido. Ao escrever, devemos ter claro o que pretendemos dizer e, uma vez escrito o enunciado, devemos avaliar se o que foi escrito corresponde àquilo que queríamos dizer. A escolha do conectivo adequado é importante, já que é ele que determina a direção que se pretende dar ao texto, é ele que manifesta as diferentes relações entre os enunciados. Módulo II Português: A Língua Padrão 56 Questões - bloco 1 Abaixo apresentamos alguns segmentos separados por ponto. Retire o ponto e estabeleça entre eles o tipo de relação que lhe parecer compatível, usando para isso os elementos de coesão adequados. a) A antecipação informal da campanha eleitoral de 2018 vai contra a determinação do TSE. O TSE estipula a data de 16 de agosto para o início oficial do período. b) Aero-shopping: tem jeito de shopping. É um aeroporto. c) A cidade está muito maltratada. Quando caem as chuvas, imediatamente as casas das baixadas são inundadas. d) Um clima seco assola no início da primavera a região sul. As doenças respiratórias aumentam nessa época do ano. e) A maioria dos brasileiros vítimas de asma não se trata como deveria. As consequências desse pouco caso podem ser desastrosas. Os trechos seguintes apresentam problemas de coesão por causa do mau uso do conectivo, isto é, da palavra que estabelece a conexão. A palavra ou expressão conectiva inadequada vem em destaque. Procure descobrir a razão dessa impropriedade de uso e substitua a forma errada pela correta. a) As previsões mais otimistas sobre o destino do Google falharam pois o lançamento de ações do site ainda foi um sucesso. b) Em São Paulo já não chove há mais de dois meses, apesar de que já se pense em racionamento de energia elétrica. c) As evidências resultaram em um artigo onde não se apontou uma única inverdade. Leia o período que segue: Chegaram instruções repletas de recomendações para que os participantes do congresso, que, por sinal, acabou não se realizando por causa de fortes chuvas, que inundaram a cidade e paralisaram todos os meios de comunicação. 1 2 3 Módulo II Português: A Língua Padrão 57 UM POUCO DE SILÊNCIO Nesta trepidante cultura nossa, da agitação e do barulho, gostar de sossego é uma excentricidade. Sob a pressão do ter de parecer, ter de participar, ter de adquirir, ter de qualquer coisa, assumimos uma infinidade de obrigações. Muitas desnecessárias, outras impossíveis, algumas que não combinam conosco nem nos interessam. Não há perdão ou anistia para os que ficam de fora da ciranda: os que não se submetem mas questionam, os que pagam o preço de sua relativa autonomia, os que não se deixam escravizar, pelo menos sem alguma resistência. O normal é ser atualizado, produtivo e bem-informado. É indispensável circular, estar enturmado. Quem não corre com a manada praticamente nem existe, se não se cuidar botam numa jaula: um animal estranho. Acuados pelo relógio, pelos compromissos, pela opinião alheia, disparamos sem rumo – ou em trilhas determinadas – feito hâmsteres que se alimentam de sua própria agitação. Ficar sossegado é perigoso: pode parecer doença. Recolher-se em casa ou dentro de si mesmo, ameaça quem leva um susto cada vez que examina sua alma. Estar sozinho é considerado humilhante, sinal de que não se arrumou ninguém – como se amizade ou amor se “arrumasse” em loja. Com relação a homem pode até ser libertário: enfim só, ninguém a) É compreensível o seu conteúdo? b) Qual o seu grande defeito? Para exercitar, leia o texto abaixo e responda aos itens de 1 a 10. 4 Módulo II Português: A Língua Padrão 58 pendurado nele controlando, chateando. Enfim, livre! Mulher, não. Se está só, em nossa mente preconceituosa é sempre porque está abandonada: ninguém a quer. Além do desgosto pela solidão, temos horror à quietude. Logo pensamos em depressão: quem sabe terapia e antidepressivo? Criança que não brinca ou salta nem participa de atividades frenéticas está com algum problema. O silêncio nos assusta por retumbar no vaziodentro de nós. Quando nada se move nem faz barulho, notamos as frestas pelas quais nos espiam coisas incômodas e mal resolvidas, ou se enxerga outro ângulo de nós mesmos. Nos damos conta de que não somos apenas figurinhas atarantadas correndo entre casa, trabalho e bar, praia ou campo. Existe em nós, geralmente nem percebido e nada valorizado, algo além desse que paga a conta, transa, ganha dinheiro, e come, envelhece, e um dia (mas isso é só para os outros!) vai morrer. Quem é esse que afinal sou eu? Quais seus desejos e medos, seus projetos e sonhos? No susto que essa ideia provoca, queremos ruído, ruídos. Chegamos em casa e ligamos a televisão antes de largar a bolsa ou pasta. Não é para assistir a um programa: é pela distração. Silêncio faz pensar, remexe águas paradas, trazendo à tona sabe Deus que desconcerto nosso. Com medo de ver quem – ou o que – somos, adia-se o defrontamento com nossa alma sem máscaras. Mas, se a gente aprende a gostar um pouco de sossego, descobre – em si e no outro – regiões nem imaginadas, questões fascinantes e não necessariamente ruins. (...) Lya Luft, Pensar é transgredir. Rio de Janeiro: Record, 2004 Módulo II Português: A Língua Padrão 59 A partir do texto, é incorreto afirmar que a) vida moderna impõe comportamentos de diversas naturezas ao homem. b) nos dias atuais, solidão e quietude pressupõem estado doentio. c) o ritmo frenético da vida moderna torna o homem refém de muitos compromissos. d) a solidão assusta o homem porque o faz refletir sobre si próprio. e) é impossível ceder à agitação cotidiana da vida. Do trecho “Nesta trepidante cultura nossa, da agitação e do barulho, gostar de sossego é uma excentricidade” (linhas 1 e 2), depreende-se que a) em nossa cultura, é impossível gostar de sossego. b) a agitação do cotidiano torna as pessoas esquisitas. c) só o sossego cotidiano é capaz de deixar as pessoas menos agitadas. d) em nossa cultura, as pessoas que gostam de sossego são acomodadas. e) na movimentada vida moderna, não é normal gostar de sossego. O trecho “Quem não corre com a manada praticamente nem existe, se não se cuidar botam numa jaula: um animal estranho” (linhas 12 a 14) possibilita a interpretação de que a) há preconceitos com os que não se deixam escravizar pelas obrigações cotidianas. b) a solidão escraviza o homem, podendo torná-lo um animal estranho. c) a agitação contemporânea incomoda e assusta o homem, podendo levá-lo à loucura. d) o homem se sente acuado pelo excesso de compromissos da vida cotidiana. e) a agitação do homem contemporâneo se assemelha à de um animal enjaulado. Em “Silêncio faz pensar, remexe águas paradas, trazendo à tona sabe Deus que desconcerto nosso” (linhas 43 e 44), o trecho em destaque indica que temos a) dúvida em relação a nossa própria existência. b) certeza de que somente Deus é capaz de desvendar nossos segredos. c) medo de encontrar desejos reprimidos. 1 2 3 4 Módulo II Português: A Língua Padrão 60 d) problemas inconscientes que podem vir a ser lembrados. e) convicção da sabedoria de Deus para desvendar mistérios. O pronome pessoal de terceira pessoa a encontra-se no trecho a) “Silêncio faz pensar, remexe águas paradas, trazendo à tona sabe Deus que desconcerto nosso.” b) “Sob a pressão do ter de parecer, ter de participar, ter de adquirir, ter de qualquer coisa, assumimos uma infinidade de obrigações.” c) “Com relação a homem pode até ser libertário: enfim só, ninguém pendurado nele controlando, chateando.” d) “Não é para assistir a um programa: é pela distração.” e) “Mulher, não. Se está só, em nossa mente preconceituosa é sempre porque está abandonada: ninguém a quer.” O termo em destaque no trecho “Nos damos conta de que não somos apenas figurinhas atarantadas correndo entre casa, trabalho e bar, praia ou campo” (linhas 34 e 35) expressa ideia de a) negação. b) restrição. c) explicação. d) conclusão. e) modo. Da palavra em destaque no trecho “Não é para assistir a um programa: é pela distração” (linhas 41 e 42), é correto afirmar que a) deveria estar grafada com o acento indicador da crase, pois é uma preposição exigida pela regência do verbo assistir. b) está grafada sem o acento indicador da crase porque está diante de uma palavra masculina. c) não devia ter sido empregada nesta construção, porque a regência do verbo assistir não a exige. 6 5 7 Módulo II Português: A Língua Padrão 61 10 d) é um pronome demonstrativo, logo não há exigência do acento indicador da crase. e) a construção não exige crase porque a palavra “programa” foi usada com sentido indeterminado. Em “Ficar sossegado é perigoso: pode parecer doença” (linha 18), o sinal de dois pontos, sem alterar o sentido do trecho, pode ser substituído por a) ou. b) porém. c) pois. d) por isso. e) também. No trecho “Estar sozinho é considerado humilhante, sinal de que não se arrumou ninguém – como se amizade ou amor se ‘arrumasse’ em loja” (linhas 21 e 22), infere-se que o uso de aspas no termo arrumasse sugere que a autora pretende a) isolar a palavra, por ser estranha à norma culta. b) mostrar que a palavra está empregada em sentido denotativo. c) indicar que a palavra está empregada em tom irônico. d) demonstrar que se trata de uma citação. e) chamar a atenção do leitor para um neologismo. Há problema de pontuação no trecho a) “Recolher-se em casa ou dentro de si mesmo, ameaça quem leva um susto cada vez que examina sua alma.” (linhas 18 e 19) b) “O normal é ser atualizado, produtivo e bem-informado. É indispensável circular, estar enturmado.” (linhas 11 e 12) c) “Quem é esse que afinal sou eu? Quais seus desejos e medos, seus projetos e sonhos?” (linhas 38 e 39) d) “No susto que essa ideia provoca, queremos ruído, ruídos.” (linha 40) 8 9 Módulo II Português: A Língua Padrão 62 e) “Com medo de ver quem – ou o que – somos, adia-se o defrontamento com nossa alma sem máscaras.” (linhas 44 e 45) Vale a pena saber CURTAS Há palavras que pegam como praga. Abusam. Sem pedir licença, vão penetrando aqui e ali. Infiltram-se nas frases. Aparecem na TV. Chegam ao Diário Oficial. O através é uma delas. Virou erva daninha. Pior – desnaturalizou-se. O pobrezinho pertence à família do verbo atravessar. Deve ser empregado no sentido de passar de um lado para o outro ou passar ao longo de: Vejo o jardim através da janela. Meu olhar atravessa a janela e chega ao jardim. O emprego, aí, está perfeito. O conceito de beleza mudou através dos tempos. Correto? Sim. O através não trai a origem. Significa atravessar o tempo (ao longo dos anos, o belo foi adquirindo significados diferentes). Não use através de no lugar de mediante, por meio de, por intermédio de, graças a ou por: Falei com ele pelo telefone. O acordo será aprovado mediante acordo de líderes. A nomeação foi feita por decreto. Algumas expressões também pegam. Viram moda. Espalham-se. Os jornais Módulo II Português: A Língua Padrão 63 as escrevem. A tevê as bombardeia. O personagem da novela as repete. Enfim, caem na língua do povo. Uma delas é a nível de. Essa praga não existe. Mas, de tanto ser ouvida, parece ter carne e osso. Enganadora, dá a impressão de que é certa. Só para pegar os desavisados, que caem como patos: A nível nacional, os grevistas decidiram continuar a paralisação. O acordo foi feito a nível de papel. A disputa já está a nível de briga. Não caia na esparrela. Guarde bem isto: a nível de não existe. O que há é em nível de e ao nível de. Em nível de quer dizer no âmbito de. Mas é modismo desgastado. Sobra no texto. Como tudo que sobra, sobrecarrega a frase. Podemos muito bem viver sem ele. Quer ver? Faço um curso em nível de pós-graduação. (Curso em nível de pós-graduação é de pós-graduação, certo?) A decisão foi tomada em nível de diretoria. (Decisão em nível de diretoria? É nada mais, nada menos que decisão de diretoria ou tomada pela diretoria.) E ao nível de? Significa
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