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0 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO ORIANA LAURENTINA DA SILVA MELO A INCLUSÃO ESCOLAR DE UMA ALUNA COM SÍNDROME DE DOWN: UM ESTUDO DE CASO Natal-RN 2015 1 ORIANA LAURENTINA DA SILVA MELO A INCLUSÃO ESCOLAR DE UMA ALUNA COM SÍNDROME DE DOWN: UM ESTUDO DE CASO Monografia apresentada como requisito parcial para a conclusão do curso de graduação em Pedagogia, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lúcia de Araújo Ramos Martins Natal-RN 2015 2 Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Melo, Oriana Laurentina da Silva. A inclusão escolar de uma aluna com síndrome de down: um estudo de caso/ Oriana Laurentina da Silva Melo. - Natal, RN, 2015. 80f. Orientador (a): Profa. Dra. Lúcia de Araújo Ramos Martins. Monografia (Graduação em Pedagogia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Educação. Departamento de Educação. 1. Educação inclusiva - Síndrome de down - Monografia. 2. Prática pedagógica – Monografia. 3. Inclusão escolar – Monografia. I. Martins, Lúcia de Araújo Ramos. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 376 3 ORIANA LAURENTINA DA SILVA MELO A INCLUSÃO ESCOLAR DE UMA ALUNA COM SÍNDROME DE DOWN: UM ESTUDO DE CASO Monografia apresentada como requisito parcial para a conclusão do curso de graduação em Pedagogia, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lúcia de Araújo Ramos Martins Aprovada em ____/_____/_____ BANCA EXAMINADORA ______________________________________ Prof.ª Dr.ª Lúcia de Araújo Ramos Martins Presidente ______________________________________ Prof.ª Dr.ª Katiene Symone de Brito Pessoa da Silva Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN ______________________________________ Prof.ª Dd.ª Érika Soares de Oliveira Araújo PPGEd Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN 4 Dedico este trabalho a todos aqueles que lutam pela construção de uma escola inclusiva, em que todas as crianças, dentre estas as que apresentam a Síndrome de Down, podem conviver e aprender juntas, sem nenhuma distinção. 5 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por todos os benefícios que ele tem me concedido durante estes anos de estudos no curso de Pedagogia. Pela sabedoria concedida nos momentos difíceis e a força necessária para vencer os obstáculos. Aos meus familiares pelo apoio e incentivo para continuar nesta jornada de estudos, sem jamais desistir dos meus objetivos. Ao meu esposo pelo apoio e paciência em compreender muitas vezes minhas ausências, em muitos momentos importantes das nossas vidas e dos nossos amigos, em virtude da minha dedicação aos estudos. Aos amigos, especialmente a Leila, Jeine e Luciene, colegas de curso que sempre acreditaram neste trabalho e me incentivaram a continuar e acreditar que vencer as dificuldades que surgem no caminho, somente depende de cada um de nós. Aos professores do curso de Pedagogia pelos conhecimentos ensinados durante os anos de estudos, que muito contribuíram para a minha formação profissional. A Prof.ª Dr.ª Lúcia de Araújo Ramos Martins por acreditar no meu potencial, e sempre me incentivar a estudar e me aprofundar na área da educação inclusiva. Pelos seus ensinamentos, conselhos e sugestões que tanto contribuíram para que este trabalho monográfico se tornasse possível e real. 6 RESUMO A inclusão escolar de alunos com deficiência é uma realidade, que tem levado as escolas a repensarem sua prática pedagógica e sua função social. Este trabalho de pesquisa teve como objetivo estudar os fatores que contribuem para a inclusão e a aprendizagem de uma aluna com Síndrome de Down, numa turma do primeiro ano do Ensino Fundamental I, de uma escola da rede estadual de ensino, na cidade de Natal/RN. Para a realização desta pesquisa foi utilizado o método do Estudo de Caso, buscando compreender como este fenômeno se processa no cotidiano escolar. Para o levantamento dos dados foram realizadas entrevistas, observação direta e, também, uma pesquisa documental, tendo por alvo o Projeto Político Pedagógico (PPP) da instituição de ensino, campo de investigação. Os dados analisados apontam para alguns fatores que contribuem para a inclusão e a aprendizagem da aluna com Síndrome de Down, tais como: o trabalho colaborativo entre a comunidade escolar e a família; as relações que se estabelecem no convívio escolar da aluna com a professora e seus colegas. Necessário se faz, porém, que a escola como um todo invista mais na formação continuada dos profissionais ali atuantes, para que estes sejam desafiados a resignificar a sua prática pedagógica, visando à construção de uma escola efetivamente inclusiva. Palavras-Chaves: Inclusão escolar. Síndrome de Down. Prática Pedagógica. 7 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS QI Quociente de Inteligência UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura DM Deficiência Mental PPP Projeto Político Pedagógico UTI Unidade de Terapia Intensiva CRI Centro de Reabilitação Infantil LIBRAS Língua Brasileira de Sinais AEE Atendimento Educacional Especializado SRM Salas de Recursos Multifuncionais PC Paralisia Cerebral SD Síndrome de Down 8 SUMÁRIO 1 INTRODUCÃO ....................................................................................................... 10 2 PASSOS DA PESQUISA ....................................................................................... 19 2.1 Motivos e Questionamentos ................................................................................ 19 2.2 Caminhos da Investigação .................................................................................. 20 2.2.1 Escolha dos Sujeitos ........................................................................................ 21 2.2.2 Caracterização dos Sujeitos ............................................................................. 22 3 SÍNDROME DE DOWN .......................................................................................... 24 3.1 Causas ................................................................................................................ 25 3.1.1 Trissomia Simples ............................................................................................ 26 3.1.2 Trissomia por Translocação ............................................................................. 27 3.1.3 Mosaicismo ...................................................................................................... 28 3.2 Características Físicas ........................................................................................ 29 4 A FAMÍLIA DIANTE DO FILHO COM SÍNDROME DE DOWN ............................. 34 4.1 Reações Iniciais .................................................................................................. 34 4.2 O Nascimento do Filho com Síndrome de Down: os primeiros passos ............... 41 4.3 O Papel da Família na Vida Escolar do Filhocom Síndrome de Down ............... 44 5 A EDUCACAO INCLUSIVA DE UMA ALUNA COM SÍNDROME DE DOWN ...... 47 5.1 Princípios Legais ................................................................................................. 47 5.2 O Cenário da Investigação .................................................................................. 51 5.2.1 A Caracterização da Escola ............................................................................. 51 5.2.2 A Caracterização da Turma .............................................................................. 54 5.3 Análise da Realidade da Escola .......................................................................... 54 5.3.1 Analisando Alguns Aspectos Relativos à Aluna com Síndrome de Down ........ 60 5.3.2 Análise da Entrevista com a Professora ........................................................... 70 6 ALGUMAS CONSIDERACÕES ............................................................................. 73 9 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 76 APÊNDICES ............................................................................................................. 79 1 INTRODUÇÃO 10 Nas últimas décadas, tem surgido um movimento mundial de luta pela inclusão em favor de vários segmentos da sociedade que, por muito tempo, ficaram excluídos, marginalizados e não tiveram seus direitos respeitados, como o direito a uma educação de qualidade, o direito à cidadania e ao trabalho. Dentre estes segmentos está o das pessoas com deficiência, a quem, por muito tempo, foi negado o direito de viver e de conviver em sociedade, pois não se adequavam aos padrões de normalidade, sendo vistos como incapazes de sobreviver do seu próprio trabalho, conforme destaca Sassaki (2002, p.31): A exclusão ocorria em seu sentido total, ou seja, as pessoas portadoras1 de deficiência eram excluídas da sociedade para qualquer atividade porque antigamente elas eram consideradas inválidas, sem utilidade para a sociedade e incapazes para trabalhar, características estas atribuídas indistintamente a todos que tivessem alguma deficiência Esta realidade de exclusão das pessoas com deficiência aconteceu em diferentes épocas da história da humanidade e trouxe consequências negativas para as mesmas, como o abandono, a marginalização, o estigma e o preconceito. O movimento pela inclusão surge como uma mudança deste paradigma existente, de uma sociedade ainda muito excludente, segregadora e indiferente à diversidade cultural, social e humana existente em seu meio, para a construção de uma sociedade mais justa, onde todos podem participar e conviverem juntos. Para que ocorra uma mudança de uma sociedade segregadora para uma inclusiva é necessário o respeito à diversidade existente em seu meio, e que todos possam ter as mesmas oportunidades de acesso aos sistemas educacional e social. Para isso, a sociedade também precisa se reorganizar para se adequar às especificidades de todos os sujeitos que a constitui, não somente das pessoas com deficiência. A inclusão de pessoas com deficiência em todas as áreas da sociedade, também envolve mudanças significativas de pensamentos e de atitudes sobre o significado construído socialmente de deficiência e da pessoa com deficiência. Se anteriormente, a pessoa com deficiência era marginalizada, excluída e vista como 1 Termo então utilizado, mas que hoje encontra-se em desuso, sendo substituído por pessoas com deficiência. 11 incapaz, na sociedade inclusiva ela é entendida como pertencente à mesma, devendo conviver com as demais pessoas em todos os espaços sociais. Essa nova perspectiva “[...] enfatiza a importância do pertencer, da convivência, da cooperação e da contribuição que todas as pessoas podem dar para construírem vidas comunitárias mais justas [...]” (SASSAKI, 2002, p. 164), Pelo modelo social da deficiência compreende-se que o termo incapacidade, muitas vezes ainda relacionado à deficiência, está também relacionado às próprias barreiras criadas pela sociedade, que impedem as pessoas com deficiência de participarem ativamente, como as demais que não possuem deficiência, das atividades produtivas existentes na sociedade, em seus diferentes espaços de socialização e aprendizagem, tais como: na escola; no trabalho; e na sua vida diária. De acordo com Martins (2011, p. 25): Podemos citar, como exemplos: a incapacidade de uma pessoa cega para ler textos que não estejam escritos em Braille (quando ela domina esse tipo de leitura e escrita); a incapacidade de uma pessoa com baixa visão para ler textos impressos em letras muito pequenas; a incapacidade de uma pessoa em cadeira de rodas para ter acesso a um ambiente quando existem degraus e não uma rampa; a incapacidade de uma pessoa com deficiência intelectual para entender explicações abstratas, conceituais, dadas em sala de aula; a incapacidade de uma pessoa surda para compreender o que se fala, especialmente se as pessoas não utilizam a língua de sinais. Estas barreiras físicas, atitudinais, curriculares, pedagógicas existentes na sociedade, que impossibilitam ou dificultam a locomoção, a autonomia, a aprendizagem, o desenvolvimento e a socialização das pessoas com deficiência, estão relacionadas a uma resistência da própria sociedade em se reestruturar para que possa se adequar às necessidades específicas das pessoas com deficiência e oferecer os serviços de qualidade, garantindo a esta população, autonomia e independência na sociedade, a sua aprendizagem e desenvolvimento na escola. No entanto, “[...] o modelo médico da deficiência tem sido responsável, em parte, pela resistência da sociedade em aceitar a necessidade de mudar suas estruturas e atitudes para incluir [...]” (SASSAKI, 2002, p. 29). Na concepção inerente a esse modelo, a pessoa com deficiência é vista como doente, que necessita de cuidados médicos, de serviços especializados que promovam a sua reabilitação ou cura, com vistas à adequação à sociedade. Embora, se reconheça a 12 necessidade de um acompanhamento médico para o atendimento das pessoas com deficiência, este serviço não garante o pleno desenvolvimento pessoal, social, educacional e profissional destes indivíduos (VOIVODIC, 2004). Este modelo médico de deficiência criou estereótipos para as pessoas com deficiência, principalmente para aquelas com deficiência intelectual, por considerá-la uma patologia que necessitava de um tratamento médico adequado, com o objetivo de que essas pessoas pudessem ‘melhorar’, ou seja, serem curadas para se adequarem a um padrão de normalidade (VOIVODIC, 2004). Assim, não era levado em consideração, aspectos educacionais para esta população, buscava-se apenas o diagnóstico e o tratamento da doença. Uma síndrome relacionada à deficiência intelectual, que por muito tempo foi considerada uma patologia e não uma condição do sujeito decorrente de uma alteração genética, foi a Síndrome de Down. Isso acarretou para estas pessoas o estigma e o preconceito, de que são incapazes de aprender e de atuar em sociedade. Assim, as pessoas com deficiência intelectual, dentre elas as que apresentam a Síndrome de Down foram consideradas ineducáveis, ou seja, não se pensava em uma educação no sentido da aprendizagem dos conhecimentos acadêmicos de forma competente, por entenderem que nem por meio do adestramento ou da educação poderia se alterar os efeitos da deficiência mental (CUNNINGHAM apud MARTINS, 2008). Acreditava-se que essas pessoas em virtude das suas limitações intelectuais e cognitivas não iriam aprender, portanto não eram estimuladas como asdemais crianças de sua faixa etária com atividades que as auxiliassem em sua aprendizagem. Como também se entendia que a deficiência mental2 interferia em seu comportamento social, a educação destinada a estas pessoas se desenvolveria por meio da memorização de atividades da vida diária. De acordo com Martins e Dantas (2011, p. 11), no tocante [...] ao paradigma pedagógico, o mesmo era centrado no treino das atividades de higiene, nas habilidades manuais, em detrimento do ler, escrever, do contar, ou seja, todo o processo se baseava em treinos repetitivos de rotina, em detrimento da realização de atividades voltadas para enfatizar o desenvolvimento das funções 2 Como, então, era denominada a deficiência intelectual. 13 cognitivas mais complexas, como a linguagem e o pensamento, a atenção e a memória. Essa diferenciação da educação de crianças com deficiência intelectual daquelas consideradas ‘normais’, é compreendida pela forma como a sociedade percebia esta população em seus aspectos intelectuais, cognitivos e comportamentais. Compreendia-se que as crianças com deficiência intelectual possuíam comportamento social e cognitivo diferente das crianças sem deficiência de mesma faixa etária, o que as tornava seres diferentes, devido ao seu Quociente de Inteligência (QI), estar abaixo do padrão comumente encontrado nas crianças denominadas ‘normais’, demonstrando a existência de um dano neurológico nas crianças com deficiência intelectual (LAMBERT apud FIGUEIREDO, 2012). Atualmente, sabe-se que o desenvolvimento da inteligência e do comportamento social das pessoas com deficiência intelectual, especificamente com Síndrome de Down variam entre si, como também acontece com as crianças denominadas ‘normais’, e este desenvolvimento está relacionados à carga de material genético e, principalmente, a fatores ambientais e familiares, tais como: estimulação pela família desde cedo, a educação recebida por estas crianças na escola, que influenciam a conduta e o caráter das crianças com síndrome de Down e de crianças sem deficiência (MARTINS, 2008; SCHWARTZMAN, 2003). Apesar de ter ocorrido uma mudança do paradigma médico para o educacional, o ensino a elas destinado por muito tempo foi diferenciado daquele direcionado às pessoas sem deficiência. Assim, baseado ainda no modelo médico da deficiência, surgem às escolas especiais. Tais escolas, bem como as instituições de reabilitação, ofereceriam um atendimento especializado nos diversos tipos de deficiências existentes, desde serviços de reabilitação, de tratamento a uma educação diferenciada das escolas regulares, já que a sociedade não queria oferecer estes serviços a esta população. Na década de 1960, houve o surgimento de inúmeras instituições especializadas por todo o Brasil (SASSAKI, 2002). Os serviços oferecidos por estas instituições tinham, ainda, em sua maioria, um cunho assistencialista, o que dava continuidade ao processo de exclusão social dessas pessoas com deficiência. Embora o atendimento nestas instituições acarretasse êxito para algumas pessoas com deficiência, para outras não correspondia às suas reais necessidades de 14 aprendizagem, que iam além do que o serviço especializado poderia oferecer. Do final da década de 1960 à década de 1980, surge o movimento de integração social, que buscou inserir as pessoas com deficiência nos diferentes espaços da sociedade. Segundo Sassaki (2002, p. 34), a “[...] integração tinha e tem o mérito de inserir o portador de deficiência na sociedade, sim, mas desde que ele esteja de alguma forma capacitado a superar as barreiras [...] nela existentes [...]”. Por este paradigma, os alunos eram inseridos em classes especiais dentro do sistema do ensino regular, com o objetivo de lhes proporcionar ambientes menos restritivos possíveis de educação. Para tanto, deveriam superar as barreiras existentes na aprendizagem, avançando nos níveis de ensino. Para isso, necessitavam atingir um nível de competência aproximado ao padrão da turma, para ingressarem e permanecerem nas classes comuns. Caso contrário, eram encaminhados para as classes especiais, ou, em casos mais severos, retornavam para as instituições de Educação Especial. Este avanço seguia uma hierarquia de serviços, também conhecida como sistema de cascata, em que se dava por meio da adaptação dos serviços educacionais para atender às necessidades de aprendizagem dos alunos, como forma de integrá-lo no sistema de ensino regular (MARTINS, 2008; SASSAKI, 2002). Poucos alunos obtinham sucesso, muitos continuaram excluídos e segregados. No entanto, a integração pode ser considerada como um passo significativo para a mudança de paradigma, por reconhecer que o ensino ministrado na escola regular é excludente não só para os alunos com deficiência, mas até mesmo para muitos considerados sem deficiência, aspecto comprovado pelo número enorme de alunos fora da escola, pelos altos índices de repetência, de analfabetismo existente na sociedade, e em dados colhidos pela UNESCO, na década de 1990. A Declaração Mundial de Educação para todos, no ano de 1990, detalha uma estimativa de 960 milhões de adultos analfabetos e de 100 milhões de crianças e jovens que estavam fora da escola, sem contar com a população de pessoas com deficiência, que não recebiam nenhum tipo de atendimento (NUNES, 2013). No ano de 1994, a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade, realizada em Salamanca, na Espanha, foi um importantíssimo marco histórico para se pensar em políticas públicas, em países dos vários continentes, na busca de garantir a todas as pessoas anteriormente excluídas 15 do processo educativo – dentre elas as pessoas com deficiência – o direito à educação, e que os países oferecessem a estas uma educação de qualidade. Para tanto, necessário se fazia que os sistemas educacionais se reorganizassem para atender às necessidades de aprendizagem de cada uma delas, independente de sua condição social, linguística, afetiva, de deficiência, de etnia. O Estado deveria oferecer uma educação de qualidade para todos e a educação especial perpassaria os diferentes níveis de ensino. Em alguns casos, as pessoas com deficiência mais severas poderiam continuar sendo atendidas nas escolas especiais, mas estas não mais ofereceriam uma educação formal e, sim, poderiam funcionar como um sistema de apoio para os professores das classes regulares, visando um melhor atendimento a esses alunos (MILLS in SCHWARTZMAN, 2003; MARTINS, 2008) Segundo Martins (2011, p.39), a [...] inclusão, portanto, questiona as políticas e práticas educacionais por muito tempo desenvolvidas e propõe que todos os alunos sejam incluídos na classe regular, onde tenham as suas necessidades educacionais reconhecidas e atendidas. Para que isso ocorra é necessário que a escola se reorganize em vários aspectos, tais como: flexibilização do currículo, mudanças arquitetônicas, programáticas, pedagógicas, participação coletiva, relação família - escola, formação inicial e continuada de seus profissionais do ensino e principalmente, mudanças atitudinais, de respeito às diferenças existentes em seu meio. Conforme Mills (in SCHWARTZMAN, 2003, p. 257-258): O mérito da escola inclusiva não é apenas proporcionar educação de qualidade a todos. Sua criação constitui passo decisivo para eliminar atitudes discriminatórias, criar comunidades escolares que acolham todos e conscientizar a sociedade. Implica, portanto, num processo de mudança que consome tempo para as necessárias adaptações e requer providências indispensáveis para o bom funcionamento do ensino inclusivo [...] Numa escola inclusiva, a aprendizagem não é mais compreendida de maneira homogênea, em que todos aprendem da mesma maneira,agora, são 16 levadas em consideração as especificidades e necessidades dos sujeitos que ali estão. Portanto, não existe ninguém ineducável, todos podem aprender e conviver juntos. Assim, quando um aluno não está aprendendo determinado conteúdo, o professor precisa conhecê-lo para saber quais são as suas reais dificuldades e como trabalhar com elas, conhecer o seu contexto social e familiar, que também interfere em sua aprendizagem (MARTINS, 2011). Para as crianças com deficiência intelectual, especificamente com Síndrome de Down, é necessário elaborar uma proposta educativa que atenda às suas especificidades, para que estes possam ter uma aprendizagem significativa. Conforme Voivodic (2004, p. 18): É evidente que devido às suas características específicas, oriundas de sua deficiência, as crianças com SD necessitam de uma ação educativa adequada para atender suas necessidades educativas especiais. Não há como implementar processos de inclusão que visem de fato a uma escolarização de qualidade, sem levar em conta as características da criança com deficiência. Dentre este repensar da escola sobre seu papel na sociedade para acolher estes alunos, está o de promover espaços de formação e de estudos para seus educadores, bem como uma reformulação e reavaliação da sua proposta pedagógica para que atenda às reais necessidades de aprendizagem dessas crianças, através do respeito ao ritmo dos educandos, da adequação dos conteúdos e do uso de recursos pedagógicos adequados, com vistas à promoção de atividades que sejam significativas para esses alunos, contribuindo para o seu desenvolvimento. A pesquisa realizada teve como objetivo compreender, quais são os fatores que contribuem para a inclusão e a aprendizagem de uma aluna com Síndrome de Down em uma turma do 1º ano do Ensino Fundamental I, de uma instituição pública da rede estadual de ensino, na cidade de Natal/RN. Para isso empreendemos uma pesquisa de cunho descritivo, utilizando o método do Estudo de Caso, por permitir ao pesquisador estudar fenômenos atuais que se processam na realidade. Para a construção dos dados, realizamos: pesquisa documental, tomando por base o Projeto Político Pedagógico da escola, campo de investigação; 17 entrevistas estruturadas com a mãe da aluna e com a professora da classe regular onde estava matriculada, uma observação sistemática da prática pedagógica desenvolvida em sala de aula e em outros espaços do ambiente escolar. Para uma melhor compreensão do trabalho desenvolvido durante esta pesquisa, este foi estruturado em 6 capítulos, que visam proporcionar uma visão detalhada das questões e reflexões que foram estudadas nesta pesquisa. No Capítulo 1 procuramos realizar uma apresentação sobre o trabalho de pesquisa desenvolvido, em que abordamos, a título introdutório, alguns aspectos sobre o paradigma inclusivo, as ideias que o respaldam e como estas podem ser efetivadas e construídas na sociedade. Explicamos os passos e motivos da pesquisa, a metodologia adotada para a sua execução e de como este trabalho está apresentado ao longo dos capítulos propostos. Por sua vez, no Capítulo 2, que denominamos Os Passos da Pesquisa, foram apresentados os motivos que levaram ao desenvolvimento desta pesquisa, bem como a metodologia a ser utilizada e o detalhamento dos instrumentos que serviram para o levantamento dos dados, situando o campo de investigação em que foi realizada a pesquisa, bem como os seus participantes. No Capítulo 3, intitulado Síndrome de Down, levantamos alguns aspectos considerados importantes referentes à Síndrome de Down e às pessoas que a apresentam, suas causas, os fenótipos inerentes à síndrome. Ressaltamos, também, a importância do diagnóstico e do prognóstico para as famílias e para as crianças que nascem com a Síndrome de Down, para que estas famílias possam buscar o apoio e o atendimento adequado para seus filhos, em prol de seu desenvolvimento e da sua aprendizagem, através de programas de estimulação essencial, que atendam às especificidades destas crianças. No Capítulo 4, que intitulamos A Família diante do filho com Síndrome de Down, abordamos questões inerentes às reações iniciais da família frente ao diagnóstico de Síndrome de Down para seu filho, assim como a maneira que esta notícia é transmitida interfere no processo de aceitação e de superação dos conflitos internos e externos que surgem nas famílias após o diagnóstico. Descrevemos, também, a importância do contato inicial da mãe, da família com a criança após o nascimento, do estabelecimento de laços maternais e da orientação com vistas a possibilitar que esta família comece a buscar informações e atendimentos adequados ao seu filho, contribuindo para o seu desenvolvimento integral. Também 18 enfatizamos a importância da família na vida escolar do filho com Síndrome de Down. Neste capítulo também é realizado uma análise dos dados construídos durante a entrevista realizada com a mãe da aluna com Síndrome de Down. No Capítulo 5, intitulado de Educação Inclusiva de uma aluna com Síndrome de Down, detalhamos alguns documentos e princípios legais que asseguram e garantem a inclusão escolar de alunos com deficiência nas escolas regulares de ensino. Aspectos relativos à análise do Projeto Político Pedagógico da escola, dos dados construídos a partir da entrevista com a professora e da observação realizada durante a pesquisa. Por fim, no Capítulo 6, tecemos algumas considerações sobre a pesquisa realizada, acerca da inclusão e aprendizagem de uma aluna com Síndrome de Down na escola regular, como este processo está sendo desenvolvido nesta instituição, que aspectos importantes a escola ainda necessita rever. 19 2 PASSOS DA PESQUISA 2.1 Motivos e Questionamentos A pesquisa realizada surgiu de reflexões e questionamentos, originados no decorrer da graduação em Pedagogia, especificamente durante as disciplinas ofertadas pela grade curricular do curso, que enfocam a área da Educação Especial, tais como a disciplina de Introdução à Educação Especial numa perspectiva inclusiva e duas disciplinas optativas cursadas, como a disciplina de Tecnologia Assistiva e de Metodologia do Ensino para Pessoas com Necessidades Especiais I (DM), que enfocaram aspectos relativos à importância da inclusão social e escolar de pessoas com deficiência, que, por tanto tempo, foram excluídas das práticas sociais e educacionais existentes na sociedade. Foram suscitadas reflexões sobre as ações educacionais a serem realizadas na escola para que se promovam um ambiente inclusivo, em que todas as crianças, sem distinções, possam ter o direito assegurado a uma educação de qualidade, em que o respeito às diferenças seja exercitado desde a mais tenra idade. A pesquisa realizada buscou descrever os fatores que contribuem para a inclusão e a aprendizagem de uma aluna com Síndrome de Down numa turma de 1º ano do Ensino Fundamental de uma escola estadual, na cidade de Natal/RN. Para isso, foram levantadas algumas questões norteadoras, necessárias para se compreender a realidade vivenciada: ● Quais as estratégias pedagógicas e recursos que a professora da sala de aula utiliza para atender às necessidades educacionais da aluna com Síndrome de Down? ● Quais as dificuldades e avanços da aluna em sua aprendizagem? ● Quais os benefícios da inclusão para a aluna com Síndrome de Down e os demais alunos? ● Como se dá essa relação da aluna com seus colegas? ● Como acontece o processo de inclusão desta aluna na escola? ● Quais ações a escola realiza em prol dessa inclusão? 20 ● Qual o papel da família no processo de inclusão? ● Como acontece esta relação família-escola? Portanto, a pesquisa teve como objetivo analisar os fatoresque contribuem para a inclusão e a aprendizagem de uma aluna com Síndrome de Down, envolvendo as estratégias adotadas pela escola. De maneira específica, procuramos conhecer aspectos ligados às mudanças atitudinais, à participação dos que fazem parte da escola, às reorganizações estruturais e pedagógicas empreendidas na escola, bem como o papel da família no processo de inclusão. 2.2 Caminhos da Investigação A pesquisa empreendida foi de cunho descritivo, utilizando o método do Estudo de Caso, por permitir ao pesquisador estudar fenômenos atuais que se processam na realidade. Conforme Rampazzo (2005, p. 53), a “[...] pesquisa descritiva procura, pois, descobrir, com a precisão possível, a frequência com que um fenômeno ocorre, sua relação e sua conexão com outros, sua natureza e suas características.” Por fenômeno entende-se fatos postos na realidade e que são observados pelo investigador. Assim, um mesmo fato pode ser percebido de diferentes formas, dependendo de quem o observa. Como a pesquisa utilizou do método do Estudo de Caso, foram realizadas para a construção dos dados, a entrevista, a observação e a pesquisa documental, com vistas a compreender quais os fatores que contribuem para a inclusão e aprendizagem de uma aluna com Síndrome de Down, no ambiente escolar. De acordo com Yin (2005, p. 32) “[...] a clara necessidade pelos estudos de caso surge do desejo de se compreender fenômenos sociais complexos […]”. A pesquisa visou, portanto, estudar sobre o processo de inclusão escolar e as possibilidades de aprendizagem de uma aluna com Síndrome de Down, com vistas a compreender como este fenômeno se processa dentro da escola, como é percebido e trabalhado pelos vários segmentos da instituição escolar e quais as estratégias pedagógicas desenvolvidas para favorecer esta inclusão. Foi realizada, neste sentido, uma observação direta, sistemática, estruturada, com alguns pontos importantes a serem observados, tais como: a flexibilização do currículo escolar para esta aluna; como se dá a prática pedagógica 21 em sala de aula; quais os recursos e adaptações que a professora desenvolve para promover a participação da aluna e dos demais alunos nas atividades propostas; as interações entre a aluna e a professora, colegas e demais profissionais da escola. Para compreender este fenômeno social da inclusão, neste determinado ambiente escolar, ao analisar um caso específico, “[...] é muito importante o registro que se faz da observação. Nele deve haver grande fidelidade, anotando-se realmente os fatos que foram observados […]” (RAMPAZZO, 2005, p. 107). Os registros foram escritos mediante a observação realizada durante os momentos de aula, de atividades extracurriculares, no horário do recreio, nos diversos espaços da escola em que a aluna estivesse participando. Na pesquisa também utilizamos a entrevista não estruturada, em que os entrevistados ficaram livres para sua resposta, mas seguindo um roteiro elaborado previamente pelo pesquisador. As entrevistas foram feitas com a professora da sala de aula e com a mãe da aluna, no período da tarde, em horários estabelecidos com os entrevistados, conforme a sua disponibilidade. De acordo com Rampazzo (2005, p. 110): A entrevista é um encontro entre duas pessoas a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza profissional. Trata-se, pois, de uma conversação efetuada face a face, de maneira metódica; proporciona, verbalmente, a informação necessária. A entrevista é importante em vários campos do conhecimento: nas ciências sociais, na psicologia, na psicopedagogia, no jornalismo, na pesquisa de mercado etc. No tocante à investigação também foi realizada uma análise documental, através de levantamento de informações obtidos em documentos existentes na escola, como o Projeto Político Pedagógico (PPP), para compreender como a escola pensa sobre a sua função social e sobre a inclusão de alunos com algum tipo de deficiência. A análise dos dados construídos na pesquisa teve como base teórica autores que estudam o desenvolvimento e a aprendizagem de crianças com Síndrome de Down e, também, sobre a importância da inclusão escolar para os alunos com deficiência, bem como dos demais alunos. 2.2.1 Escolha dos Sujeitos 22 Para iniciarmos a pesquisa, inúmeras dificuldades foram encontradas durante o seu percurso, uma dessas foi encontrar uma escola, campo de investigação, para que fosse possível a sua realização. Em algumas instituições que visitamos os alunos que possuíam Síndrome de Down não tinham boa assiduidade às aulas, o que poderia dificultar a pesquisa; em outras escolas o (a) aluno (a) não frequentava a escola por não ter uma auxiliar de sala ou estagiário que ficasse com esse aluno (a); algumas instituições não possuíam alunos matriculados nesta condição ou, até mesmo, outras tinham alunos matriculados com Síndrome de Down, mas a escola ou os professores demonstraram um certo receio em se desenvolver a pesquisa, pois os mesmos estariam sendo observados em sua prática pedagógica. Após várias visitas a algumas instituições escolares, conseguimos encontrar uma escola, em que finalmente conseguimos realizar a pesquisa. No primeiro contato, conversamos com a gestora, a coordenadora pedagógica e a professora da aluna com Síndrome de Down da turma do 1º ano do Ensino Fundamental do turno matutino. A escola tem outra aluna matriculada nesta condição na turma do 3º ano, também no mesmo turno, mas conversando com a sua professora, a escola decidiu que seria melhor realizar a pesquisa com a aluna do 1º ano, pois a mesma já possui inúmeros avanços em seu comportamento e aprendizagem, diferentemente da aluna do 3º ano. Então, em concordância com a escola, iniciamos a pesquisa com a turma do 1º ano, após um mês de observação, através da professora da turma, mantivemos o primeiro contato com a família da aluna para que fosse possível a realização da entrevista com a sua genitora. A entrevista aconteceu na residência da mãe da aluna, em horário e dia estabelecido por ela, de acordo com a sua disponibilidade. A entrevista teve duração de 40 minutos e foi realizada em um único dia. O registro da entrevista deu-se de maneira escrita e através de gravação em áudio, autorizada pela entrevistada, em que a mesma ficou livre para responder aos questionamentos feitos. Ao final da pesquisa realizamos a entrevista com a professora da aluna também no horário da tarde, conforme a sua disponibilidade. Os registros também aconteceram mediante anotações, não foi possível a gravação em áudio da entrevista. 23 2.2.2 Caracterização dos Sujeitos Os sujeitos da pesquisa receberam nomes fictícios. A genitora da criança com Síndrome de Down foi denominada de Girassol3. Ela possui 47 anos de idade, exerce a profissão de Técnica em Nutrição, tem dois filhos, os quais denominamos: Cravo - primeiro filho, atualmente com 28 anos de idade; Gérbera – segunda filha, tem 8 anos de idade e apresenta a Síndrome de Down. A professora titular da sala de aula recebeu o nome de Lírio, tem 25 anos de idade, possui Graduação em Pedagogia e Especialização em Psicopedagogia e, recentemente, está fazendo uma Especialização em Alfabetização. Possui 6 anos de tempo de exercício da profissão. ‘ 3 Os sujeitos participantes da pesquisa receberam nomes fictícios para preservar a sua identidade. 24 3 SÍNDROME DE DOWN A Síndrome de Down é uma condição decorrente de uma alteração cromossômica no par 21, também conhecida como trissomia do 21. Segundo, Assumpção (1990 apud MARTINS, 2011, p.16) “[...] É considerada a patologia mais frequente, associadaà deficiência intelectual, sendo responsável por cerca de 18% a 20% dos casos de déficits intelectuais existentes”. A Síndrome de Down está associada a deficiência intelectual, devido ao excesso de material genético proveniente de um cromossomo a mais no par 21, trazendo para a criança uma limitação na função intelectual. (PUESCHEL, 1993). No entanto, estudos comprovam que não necessariamente seja o cromossomo extra inteiro o responsável pelo mau funcionamento do organismo, que acarreta em sérios problemas observados em crianças com Síndrome de Down, mas sim parte do braço longo deste segmento (PUESCHEL, 1993). Segundo Martins (2011, p.27), “A deficiência intelectual não se constitui em um grupo homogêneo, mas em um complexo conjunto de síndromes [...], decorrentes de fatores pré-natais (genéticos e congênitos), perinatais e pós-natais”. Os fatores pré-natais são aqueles ocorridos desde a concepção e até o início de trabalho de parto, a síndrome de Down está inserida dentro desse grupo, é causada por uma falha genética durante a concepção da criança, e pode ter origem na mãe, no pai ou durante a primeira divisão celular (MARTINS, 2011; PUESCHEL,1993). Para compreender como esta alteração ou falha genética acontece no cromossomo de par 21, é importante conhecer que cada célula humana possui, normalmente, em seu núcleo 46 cromossomos, que são distribuídos em 23 pares, sendo que destes, 22 são idênticos, tanto para o homem, quanto para a mulher e são numerados de 1 a 22, obedecendo uma ordem decrescente, em relação ao seu tamanho, e são denominados de cromossomos autossômicos. Os cromossomos 25 restantes são os sexuais, que são identificados pelas letras X e Y, sendo que XX para a mulher e XY para o homem (MARTINS, 2008; PUESCHEL, 1993). Uma criança ao ser concebida, normalmente, recebe 23 pares de cromossomos do pai e 23 pares de cromossomos da mãe, que transportam o material genético (genes) que darão formas as características físicas, orgânicas, emocionais e intelectuais. Esta união acontece quando o óvulo e o espermatozóide se encontram, nas trompas de falópio, dando origem a uma primeira célula, chamada de célula-ovo, o futuro embrião. Em geral, esta célula-ovo migra até o útero e lá se fixa, dando início ao desenvolvimento deste novo ser, num processo chamado de nidação. Esta célula começa, então, a se dividir e a se multiplicar sucessivamente, originando novas células idênticas entre si, em um processo biológico chamado de mitose, em que cada célula formada terá em seu núcleo um total de 46 cromossomos (MARTINS, 2008; MUSTACCHI in WERNECK, 1995; PUESCHEL, 1993). Essa divisão e multiplicação celular é fundamental para o bom desenvolvimento deste novo ser. No entanto, quando ocorrem falhas ou alterações genéticas durante esta divisão e multiplicação celular, resultam em danos sérios para o novo ser, como o desenvolvimento de síndromes ou de alguma deficiência, e, até mesmos, em alguns casos, ao aborto espontâneo dos fetos. Com a Síndrome de Down é ocasionada de uma falha genética, não deve ser considerada como uma doença e as possíveis causas biológicas ainda são desconhecidas pela ciência. Alguns estudos se referem a fatores ambientais ou exógenos e também a fatores endógenos, como umas das possíveis causas a idade materna (MARTINS, 2008; VOIVODIC, 2004). Hoje reconhece-se que as síndromes existentes são decorrentes de falhas ou alterações genéticas em algum par de cromossomos, podendo ser no par 1, no par 2, no par 3 e assim sucessivamente e que quanto maior for o número do par de cromossomo atingido, maiores serão os problemas orgânicos, intelectuais, físicos para este novo ser. As falhas podem ser observadas quando os cromossomos se quebram ou ficam grudados em algum momento da concepção deste novo ser e, que no caso da Síndrome de Down, ocorre uma união de 3 cromossomos no par 21, revelando assim a Trissomia do 21. Nascem todos os anos cerca de 150.000 crianças com Síndrome de Down. A estimativa está em torno de 1 para cada 600 26 nascimentos ou 1 para cada 800 nascimentos de bebês em todo o mundo (MARTINS, 2008; MUSTACCHI in WERNECK, 1995; SCHWARTZMAN, 2003). 3.1 Causas Existem três tipos de falhas genéticas que ocorrem em pessoas com a Síndrome de Down: a trissomia simples, trissomia por translocação e mosaicismo. 3.1.1 Trissomia Simples Segundo Pueschel (1993, p. 58), “[...] Este processo de falha na separação de cromossomos é denominado de ‘não-disjunção’, porque os dois cromossomos não se ‘disjuntam’, ou separam, como se espera, durante a divisão celular normal”. Nesse caso, os pais possuem em suas células um total de 46 cromossomos. No momento da divisão celular, os cromossomos de par 21 recebidos tanto do pai e da mãe não se separam, ficando colados entre si, é nesse momento que acontece a falha genética, que ainda não é explicada pela ciência, mas que apontam possíveis causas biológicas para que isso venha a ocorrer. No que diz respeito ao par de cromossomos de número 21, ao não se separar, esse processo é chamado de não- disjunção, e 1 cromossomo extra passa a se juntar a este par 21, causando a trissomia do par 21. Os três cromossomos ficam separados entre si, por isso é chamada de trissomia simples ou não-disjunção. O cromossomo que ficou só, ao formar uma nova célula, se tornará inviável, e a outra célula formada ficará com o total de 3 cromossomos, e, assim, sucessivamente, as demais células a serem formadas serão trissômicas. Segundo Mustacchi (in WERNECK, 1995, p. 75), “[...] A trissomia livre é responsável por cerca de 96 por cento dos registros da síndrome’’. As possíveis causas biológicas que ocasionem este tipo de trissomia do 21, é a idade materna, a idade paterna e estudos também apontam para outros fatores, como abuso excessivo de drogas, exposição excessiva ao Raio-X, infecções virais. Embora estes fatores possam, de alguma maneira, influenciar no desenvolvimento do novo ser, estudiosos apontam que não existem evidências concretas de que estes fatores 27 sejam responsáveis pela Síndrome de Down (PUESCHEL, 1993; MUSTACCHI in WERNECK, 1995; MARTINS, 2008). Estudos apontam que o risco de uma mulher ter um filho com Síndrome de Down dobra a cada dois anos e meio, após os 35 anos de idade. A incidência é de cerca de 1 em 200 a 1 em 300 nascidos vivos (PUESCHEL, 1993). A idade materna é considerada um fator propício à gestação de uma criança com Síndrome de Down, devido ao envelhecimento de seus óvulos (células germinativas femininas), que acompanham a idade da mulher, como bem descreve Schwartzman (2003, p. 20- 21): [...] A razão pela qual as mulheres mais velhas apresentam risco maior de terem filhos trissômicos se prende, possivelmente, ao fato de que seus óvulos envelhecem com elas, pois a mulher já nasce com todos os óvulos nos ovários. Desta forma, os óvulos de uma mulher de 45 anos são mais velhos do que os de uma de 20 anos[...] Esta maior incidência atribuída à idade materna, diz respeito também ao fato de que em algumas sociedades, as mulheres venham a ser mães em idade mais avançadas do que as mulheres mais jovens (SCHWARTZMAN, 2003). Muitas mulheres, principalmente nos países mais desenvolvidos, adiam para mais tarde o sonho de serem mães, ao buscarem primeiro uma carreira profissional. Em virtude dessa decisão, muitas se tornam mães em idade avançada. No entanto, muitas mulheres são mães de crianças nessa condição ainda muito jovens, contrariando esta afirmativa de que somente mulheres mais idosas podem gerar filhos com Síndrome de Down, pois a probabilidade é bem maior e “[...] como 1:800/1.000 nascidos vivos terá a SD, obviamente a maior parte das crianças com SD provém de mães mais jovens” (SCHWARTZMAN, 2003, p. 21). Segundo Mustacchi (in WERNECK,1995, p.77-78), “[...] Calcula-se que homens commais de 55 anos (há estudiosos que já falam em 35-38 anos) contribuem, de alguma forma, para a trissomia simples […]”. Embora, atualmente tenha-se conhecimento de que a probabilidade é considerada menor em relação a idade materna, já que as células germinativas masculinas são constantemente renovadas a cada 72 horas, a partir da adolescência e, portanto, não deveriam envelhecer. Estima-se que 20% a 30% dos casos de trissomia simples ocorreram falhas genéticas nos espermatozóides, ou seja, o acidente genético ocorreu nas 28 células germinativas do pai (MUSTACCHI in WERNECK, 1995; PUESCHEL, 1993; SCHWARTZMAN, 2003) 3.1.2 Trissomia por Translocação Neste tipo de trissomia do 21 por translocação, a criança possui um total de 46 cromossomos, mas ocorre uma falha genética no momento da divisão celular, e esta passa a ter 3 cromossomos no par 21, denominando a trissomia do 21, sendo que os cromossomos não estão livres, como no caso da trissomia simples, o cromossomo extra está translocado ou grudado a um outro par de cromossomos, geralmente os cromossomos são os de par 14, 21 ou 22. A translocação acontece quando o cromossomo de par 21 ou o outro a qual está ligado sofre uma quebra na região central. Acontece uma união dos braços longos e uma perda dos braços curtos, produzindo um cromossomo que não corresponde ao tamanho adequado estabelecido pela ordem decrescente do tamanho dos pares de cromossomos. Estudos comprovam que não é necessariamente o cromossomo extra inteiro o responsável pela síndrome de Down e as características físicas inerentes à síndrome, mas a parte deste, localizado no segmento do braço longo, que determina a trissomia do 21 (PUESCHEL, 1993; VOIVODIC, 2004; MUSTACCHI in WERNECK,1995; MARTINS, 2008). Este tipo de trissomia por translocação pode ser herdada dos pais, ou seja, um dos pais, pode ser portador de uma translocação equilibrada, também conhecida como portador balanceado ou portador de translocação. Neste caso, um dos cromossomos de par 21 está sobreposto a um outro par de cromossomo, geralmente no par de cromossomo 14, 21 ou 22, totalizando 45 cromossomos ao invés de 46, já que os cromossomos de número 21 não estão pareados. Há uma probabilidade de risco de 50% de que tanto o pai quanto a mãe transmita este cromossomo 14-21 para o seu filho. No caso, em que um dos pais apresentar translocação do cromossomo 21-21, existe 100% de chance de terem um filho com síndrome de Down, mas se a mãe que é portadora da translocação 14-21, as chances variam entre 8% a 10% de gerar um filho com síndrome de Down, se é o pai o portador o risco é menor (op. cit; PUESCHEL, 1993). Portanto, é importante os pais terem acompanhamento de um geneticista para estudarem as possíveis causas da trissomia do 21, mas é necessário explicitar que nenhuma atitude tomada, 29 durante ou antes da gestação pode evitar de um possível acidente genético durante a concepção de um bebê. O que a ciência pode fazer é realizar um estudo minucioso do cariótipo dos pais e especificar as possibilidades de terem um filho com síndrome de Down. Este tipo de trissomia atinge cerca de 3% a 4% das crianças com síndrome de Down e não possuem diferenças entre estas e as com trissomia simples (PUESCHEL, 1993; MUSTACCHI in WERNECK, 1995; VOIVODIC, 2004). 3.1.3 Mosaicismo O terceiro tipo da trissomia do 21 é o Mosaicismo. Segundo Pueschel (1993, p. 61) “[...] o mosaicismo geralmente ocorre em torno de 1% das crianças [...]”. Neste tipo de trissomia, a criança possui células com 46 cromossomos e outras com 47 cromossomos, diferentemente das crianças com os outros tipos de trissomia, em que todas as células são trissômicas. Por isso, o termo Mosaicismo, pois está organizado como um quadro em mosaico. As células que possuem 45 cromossomos se tornam inviáveis. Alguns estudiosos, afirmam que a falha ocorre em umas das primeiras divisões celulares, em que os cromossomos não se separaram, resultando em células com 46 cromossomos, outras com 47 cromossomos. Embora, alguns estudiosos apontem que existem diferenças intelectuais entre crianças com este tipo de trissomia em relação a aquelas com Trissomia Simples e por Translocação, é necessário um cuidado em relação a estas informações da parte dos profissionais que trabalham diretamente com as crianças com Síndrome de Down, bem como da família, para realizar um acompanhamento cuidadoso com as mesmas (MUSTACCHI in WERNECK, 1995; PUESCHEL, 1993; GOLLOP apud MARTINS, 2008). 3.2 Características Físicas O diagnóstico da Síndrome de Down pode ocorrer ainda no período de pré- natal, e após o nascimento do bebê ou através de um acompanhamento genético com os pais ou com a própria criança. Este último é considerado o diagnóstico definitivo da Síndrome de Down e é realizado através do estudo detalhado do cariótipo da criança e também através de um acompanhamento genético com os 30 pais também pelo estudo do cariótipo de ambos. O exame realizado têm como objetivo informar a família sobre a probabilidade de gerarem outro filho com a Síndrome de Down e, em alguns casos, em que pais que estão passando pela fase da negação de que seu filho tenha Síndrome de Down, esta fase é bem delicada para a família e necessita de um apoio especializado no seu acompanhamento. O exame realizado é conhecido como cariograma, em que são analisadas as células cromossômicas dos pais ou da criança, através de amostra de sangue ou de amostra da placenta. De acordo com Mustacchi (in WERNECK, op. cit, p. 74): Os cromossomos são, então, fotografados, recortados e colados com seus pares organizados de lado a lado, por ordem de tamanho, do maior para o menor. Estes pares são numerados de 1 a 22, sendo que o par de cromossomos sexuais recebe as letras XX, no caso das mulheres e, XY, quando se trata de homem. A esta arrumação dos cromossomos dá-se o nome de cariograma, que é determinado pelo cariótipo montado. Os cromossomos são, ainda, separados em sete grupos de letras A, B, C, D, E, F e G. Existem duas técnicas usadas na leitura desses cromossomos recortados. Uma delas apenas os conta, analisando tamanho e forma. A outra, mais sofisticada, é conhecida como de bandeamento. Permite uma verificação bem detalhada de cada par de cromossomos, analisando alguns dos setores em que se dividem (são as bandas). Este diagnóstico realizado retira possíveis dúvidas se a criança possui Síndrome de Down ou não. No diagnóstico pré-natal, as crianças que apresentam indícios de ter Síndrome de Down possuem características físicas que são inerentes à própria síndrome, mas que podem ser confundidas durante o exame de pré-natal, já que são situações que ocorrem em inúmeros bebês ainda em formação, e podem ser, portanto, identificadoras de outras síndromes ou não. Várias alterações fenotípicas podem ser observadas através de exames menos invasivos, como os exames de ultrassonografia ou por meio de outros tipos de exames com maiores riscos de vida para o bebê, bem como para a mãe, como: a amniocentese, amostra de vilocorial. Pelo exame de ultrassom o médico pode identificar, ainda na gestação, alguns fatores que podem indicar se a criança que está sendo formada possui Síndrome de Down ou não, como defeitos cardíacos átrio-ventriculares, aumento da prega cutânea da nuca, dismorfismos da face e dos membros, dentre outros. Pelo exame de amniocentese, o médico insere uma agulha na cavidade amniótica, aspirando uma amostra do líquido amniótico, com a ajuda de um aparelho de ultrassom que especifica o local adequado para o procedimento, 31 este exame é realizado entre a 14 e a 16 semanas de gestação. O liquido depois será analisado, observando as células existentes para se identificar possíveis alterações cromossômicas. Este tipo de exame pode provocar o abortamento, danos ao feto ou infecções materna.No exame de amostra de vilocorial, é retirado parte do tecido da placenta para posterior estudos de alterações cromossômicas. Este exame pode ocorrer entre a 8 e 10 semanas de gestação, trazendo resultados mais rápidos para o possível diagnóstico, os riscos são quase os mesmos da amniocentese (PUESCHEL, 1993; SCHWARTZMAN, 2003). As observações realizadas através de exames de ultrassom não podem ser analisados de maneira isolada, pois podem ocorrer erros no diagnóstico da síndrome de Down, é importante que sejam analisados diversos fatores em conjunto que identifiquem se a criança possui síndrome de Down ou não. O diagnóstico é importante para que se comece um atendimento adequado a esta criança desde os primeiros momentos de vida. Segundo Schwartzman (2003, p. 26), “Vários sinais clínicos foram descritos em recém-natos afetados pela SD [...] o peso de nascimento de crianças com SD é, em média, 400 g menor do que o de crianças não- Down [...]”. Estas crianças ao nascerem precisam ter um cuidado maior, por isso a importância do diagnóstico pré-natal. Outras crianças com Síndrome de Down nascem com problemas cardíacos que em alguns casos necessitam de intervenção cirúrgica nos primeiros dias de vida. Segundo Schwartzman (2003, p.90-91), “A incidência estimada de defeitos cardíacos congênitos na SD é de 1:2 nascidos vivos em contraste com 1:120 a 1: 140 na população em geral [...]”. O diagnóstico realizado após o nascimento das crianças com Síndrome de Down também tem os mesmos objetivos, orientar os pais sobre como cuidar do bebê desde os primeiros momentos de sua vida, mas também está relacionado à maneira como este diagnóstico e prognóstico será transmitido aos pais. Por muito tempo, como a criança com Síndrome de Down foi vista como inferior, ineducável, muitos pais tem um pensamento preconcebido em relação à Síndrome de Down. De acordo com Voivodic (2004, p. 50), a [...] SD foi associada, por mais de um século, à condição de inferioridade. Apesar do conhecimento acumulado sobre a síndrome de Down e das informações acessíveis, o estigma ainda está presente e se reflete tanto na imagem que os pais constroem de sua criança com SD como em sua reação a ela. Os pais, pertencentes à cultura na qual a pessoa com SD é estigmatizada, têm de seu filho 32 com SD uma imagem carregada de preconceitos presentes nesse estigma. Assim, sua forma de relacionar-se com seu filho é determinada pela reação a essa imagem, em vez de ser fruto da sua própria percepção. A notícia de que o filho possui Síndrome de Down se não for transmitida de maneira correta e por profissionais especializados no assunto, os problemas podem ser inúmeros para essa família e para o bebê, já que as crianças com Síndrome de Down necessitam de estímulos adequados para o seu desenvolvimento sensório- motor, e a família precisa de um apoio profissional para saber cuidar e estimular o seu filho desde os primeiros dias de vida. A estimulação desenvolvida com a criança com síndrome de Down pode ser iniciada logo após o nascimento e se estender aproximadamente até os 3 ou 4 anos de idade cronológica. Tem por objetivos básicos a maximização do potencial de desenvolvimento da criança, a prevenção do desenvolvimento de problemas secundários ou atrasos no desenvolvimento, o oferecimento de apoio e informações aos pais e familiares (VILLANUEVA apud MARTINS, 2008, p. 58). Esta estimulação essencial, desde os primeiros momentos de vida, é importante para trabalhar com as crianças com Síndrome de Down, as limitações decorrentes da própria síndrome, como: hipotonia muscular, que irá interferir no desenvolvimento motor da criança, no sentar, andar, engatinhar. Também influência na alimentação. Segundo Schwartzman (2003, p. 27), “[...] podem ter dificuldades pronunciadas na sucção e deglutição, e estas funções podem estar, inclusive, totalmente ausentes [...]”. É importante, a mãe ter um acompanhamento de um profissional nesses primeiros momentos da amamentação do bebê. Um acompanhamento com fisioterapeuta é necessário nesses primeiros anos de vida da criança com Síndrome de Down. O diagnóstico da Síndrome de Down, após o nascimento da criança, leva em consideração algumas informações fenotípicas referentes a Síndrome de Down, tais como: cabeça pequena, o nariz pequeno; as pálpebras são oblíquas e estreitas, com pregas epicânticas, a boca pequena e língua protusa ou sulcada, podendo se projetar um pouco para fora, pescoço curto, nos bebês, dobras soltas de pele são observadas, única prega palmar, as orelhas são pequenas e a borda superior da orelha (hêlix), é muitas vezes dobrada, os dedos dos pés geralmente são curtos, e existe uma distância entre o 1 e o 2 dedo dos pés, possuem hipotonia muscular, 33 membros curtos, lentidão no crescimento, risco de desenvolver obesidade, baixa estatura. Embora, estas crianças possuam características físicas inerentes à síndrome, estas se diferem umas das outras e são mais semelhantes do que diferentes de outras crianças que não possuem a Síndrome de Down. Como estas crianças carregam os genes de seus pais, estes irão determinar a cor dos olhos, dos cabelos, como estrutura corporal. (PUESCHEL, 1993; SCHWARTZMAN, 2003; MARTINS, 2008). Estas características físicas decorrentes da Síndrome de Down não impossibilitam que elas se desenvolvam ou aprendam e não interferem na sua saúde, a não ser em casos de problemas cardíacos, que necessitem de uma intervenção cirúrgica. Algumas dessas características físicas podem dificultar o desenvolvimento, tornando-o mais lento, mas cada criança possui o seu próprio tempo e ritmo de desenvolvimento. Os profissionais, tanto da área da saúde, quanto da educação, precisam ter conhecimento sobre a Síndrome de Down e saber quais programas podem ser desenvolvidos por aquela criança em específico, já que um programa de estimulação essencial e intervenção pedagógica funcionará de maneira diferente para cada criança, embora elas tenham em comum os aspectos inerentes à referida síndrome. A importância de um prognóstico adequado auxilia os pais e familiares, a acreditarem nas potencialidades de desenvolvimento de seus filhos e passem a investir no desenvolvimento de sua autonomia, na sua educação, na sua profissionalização, respeitando os seus próprios interesses e limitações. Conforme aponta Martins (2008, p. 60): O programa de atendimento a essas crianças objetiva desenvolver as áreas sensório-perceptiva, motora, cognitiva, social, de comunicação e de aquisição de hábitos da vida diária. As tarefas devem ser bem planejadas, diversificadas, realizadas de forma sistemática mas, ao mesmo tempo, natural e prazerosa para a criança. É importante que sejam feitas num ambiente em que exista calor humano e estímulos (porém sem excesso para não desviar atenção da criança das atividades), bem como que sejam de fácil aplicação e passíveis de repetição no lar pelos familiares. As crianças com Síndrome de Down devem ser estimuladas desde a mais tenra idade, em ambientes acolhedores e por profissionais capacitados e estas atividades devem ser estendidas aos familiares, pois cada criança possui suas próprias necessidades de desenvolvimento e de aprendizagem. Esses programas de 34 atendimento irão realizar atividades que promovam a estimulação cognitiva, motora, a estimulação tátil, atrelada a estimulação auditiva e visual, tais como: os pais brincarem com seus filhos, mostrando os ambientes e interagindo com eles, conversando com seus filhos, a criança começará a compreender situações como: tomar banho, se alimentar. Segundo Zausmer (in PUESCHEL ,1993, p.120), “[...] experiências precoces agradáveis deixam uma impressão favorável e podem contribuir para o bem-estar físico e emocional futuro da criança”. O uso de brinquedos sonoros estimula a criança a reconhecer os sons, a trabalhara atenção. A mãe, ao conversar com o filho e chamá-lo, possibilita que ele reconheça a sua voz e se direcione para o lado em que ela se encontra. São situações como estas que os pais podem dar continuidade em casa, de maneira que seja uma atividade prazerosa para ambos e que a criança se sinta acolhida e feliz (ZAUSMER in PUESCHEL, 1993; MARTINS, 2008). 4 A FAMÍLIA DIANTE DO FILHO COM SÍNDROME DE DOWN O nascimento de um filho geralmente é muito aguardado, festejado e celebrado pelos pais e amigos. Criam-se muitas expectativas, projetos em torno da chegada desse novo membro na família, já que também este novo ser é a concretização da relação afetiva entre o pai e a mãe e de continuidade familiar para gerações futuras. 4.1 Reações Iniciais A família, ao receber a notícia da gravidez, começa a preparar todo o ambiente para acolher e cuidar desse bebê, como a compra do enxoval, de mobiliários e, principalmente, de que este possa se sentir protegido, amado junto à família. Embora o momento da gravidez seja bastante comemorado pela família, principalmente pelos pais, estes em alguns momentos também ficam apreensivos em relação à saúde do bebê, levantando questionamentos a respeito de se nascerá com saúde, se a gravidez transcorrerá bem, entre outros. Essas são situações que preocupam os pais durante os meses de gestação ou a cada nova consulta de pré- 35 natal, mas logo essa preocupação passará, caso não seja identificado nenhum problema com a criança ou que na família não tenha nenhum membro com deficiência (MURPHY in PUESCHEL, 1993). No entanto, para algumas famílias essas consultas de pré-natal tornam-se um evento triste, ao ser constatado que o filho que esperam possui algum tipo de deficiência4. E esse sentimento inicial de alegria, de comemoração se transforma em sentimentos de luto, de medo, de insegurança, de tristeza. Os pais se preparam emocionalmente, para receber esse filho e apresentá- lo aos amigos, à sociedade, e a partir desta notícia inesperada começam a surgir muitos questionamentos sobre o futuro deste filho, assim como outros sentimentos também surgem atrelados ao de tristeza, ao luto, ao medo e à insegurança, tal como o de vergonha. Interrogam-se, muitas vezes, sobre como irão apresentar esta criança à família e aos amigos, ao levar para casa uma criança “diferente” do padrão estabelecido socialmente e pela qual não esperavam. Então, um evento que deveria trazer alegria, transforma-se no algo triste e os pais precisam, a partir desse momento, se reestruturar emocionalmente. De acordo com Buscaglia (1997, p. 113): [...] A maioria dos pais precisará de ajuda para distinguir seus sentimentos, para determinar o que é real e o que é desejado ou imaginado. É importante compreender que a simples informação nessa hora não é a resposta. Ela certamente será uma necessidade vital e esclarecerá muitos pontos obscuros e confusos, mas em si mesma só pode ser um começo [...]. Os pais precisarão estudar seus sentimentos, medos, desejos e ansiedades. Isso não significa um estudo do tipo ‘lições práticas e rápidas’, mas exigirá deles que ‘trabalhem os sentimentos’ ao longo dos anos. Trata-se de uma tarefa longa e árdua. Dois pais não reagirão da mesma forma, não trabalharão os sentimentos do mesmo modo ou terão os mesmos insights [...]. Existem muitos pais, principalmente mães, que adentram num período de depressão durante a gestação ou após o nascimento da criança diferente. Algumas causas estão associadas ao próprio processo de conflitos internos que surgem após o diagnóstico e outras estão relacionadas com a própria autoestima da mãe ou com a sua história de vida, inicialmente em não saberem como lidar com a gravidez e, depois, como realizar os primeiros cuidados com o filho. 4 E isto atualmente torna-se cada vez mais possível, em decorrência dos avanços científicos. 36 Atualmente, é comum muitas mulheres adiarem a maternidade em virtude de uma carreira profissional ou por outras prioridades e, ao receberem a notícia da gravidez, sentirem-se perdendo o controle sobre suas vidas, pois precisam se reorganizar para este novo papel, de mães, e de terem de enfrentar novos desafios no cuidado e na educação do filho que está gerando e que está sob sua responsabilidade. A gravidez geralmente é vivenciada de forma positiva, é uma confirmação, e é mesclada com o significado do momento específico em que acontece; mas, mesmo a gravidez desejada, comporta alguma ambivalência, isto é, ao lado do sentimento positivo, de criação, existe um sentimento negativo, difícil de ser admitido. Da mesma forma que a gravidez é uma expressão de criatividade, ela pode também ser vivenciada pela mulher como uma invasão [...] A importância de cada um desses sentimentos está ligada ao momento e história de vida da mulher (RAPHAELLEFF apud SCHWARTZMAN, 2003, p. 265). Girassol, em seu depoimento, relatou aspectos deste período doloroso que teve de enfrentar, ao receber a notícia da sua gravidez, após 20 anos em que ela tinha sido mãe de seu primeiro filho. Era uma gravidez pela qual não esperava, pois não considerava a sua idade - à época estava com 39 anos - propícia para ser mãe novamente. Sentimentos surgiram mediante este novo momento, como de vergonha, de culpa e negligência por ter começado o pré-natal após 4 meses de gestação, já que não sabia de sua gravidez. [...] Já tinha um filho com 20 anos. Passei algum tempo evitando ter filhos [...] Tirei férias do trabalho e fui fazer exames de rotina, o médico me falou que não poderia fazer porque estava grávida. Fiquei assustada, fiquei com vergonha do meu filho, do meu esposo, fiquei com vergonha do mundo, na verdade, pois me achava muito velha. Hoje, isso já passou, graças a Deus. Tive depressão. Passei 1 semana no meu quarto, fiquei doente. Como não sabia que estava grávida, comecei o meu pré-natal com 4 meses. Fazia extravagância, não sabia que estava grávida. Não tomei vacina [...]. Depois do parto tive depressão também, mas tive o apoio do meu filho, do meu esposo, da minha irmã que é enfermeira - até hoje ela me ajuda – e dos meus vizinhos [...] (Girassol). Pela sua fala, o sentimento de vergonha é decorrente da gravidez aos 39 anos e não do filho apresentar uma deficiência. Muitos pais, porém, desenvolvem este sentimento de culpa frente ao diagnóstico que recebem de que seu filho tenha algum tipo de deficiência e muitos 37 começam a se perguntar: por que isso aconteceu com eles? O que fizeram? Principalmente a mãe fica se perguntando, se ela fez algo de errado durante a gestação que originou essa deficiência, também se perguntam se saberão cuidar dessa criança, se serão bons pais. No caso da mãe entrevistada, até o momento da notícia da gravidez não sabia do diagnóstico da Síndrome de Down, o qual veio a tomar conhecimento após o seu nascimento, o que originou esse sentimento de culpa, por não ter tido um acompanhamento de pré-natal adequado para ela e para a filha em formação. Algumas famílias também colocam a culpa nos pais, questionando a respeito de algo que fizeram durante a gravidez, que prejudicou o bebê. Existem também aquelas famílias mais religiosas, que entendem o diagnóstico como um castigo por algum pecado cometido pelos pais. Portanto, os pais se veem em uma situação de conflito interno e externo e precisam começar aos poucos a lidar com esta nova realidade. Nessa perspectiva, o papel dos profissionais da saúde que dão a notícia aos pais é de fundamental importância para que este momento difícil seja compreendido da melhor forma possível e também para auxiliar aos pais a respeito de como cuidar do seu filho nos primeiros anos de vida. No entanto, não amenizam os sentimentos de angústia, de medo, de culpa que estão vivenciando. Conforme Buscaglia (1997.p. 98): Exercer a função de pais de uma criança deficiente é um papel novo e complexo. Para executar esta extraordinária tarefa, os indivíduos devem dispor de um diagnóstico médico compreensível, conforto no que se refere a sentimentos de culpa, incerteza e medo, alguma idéia vaga do que o futuro reserva para eles e os filhos e, principalmente muitas esperanças e encorajamento no sentido de ajudá-los a aceitar o desafio que têm pela frente. Independente de quantos profissionais os ajudem com palavras de conforto e explicações, na análise final, a responsabilidade maior cairá sobre eles, os pais. Girassol também demonstrou, por meio da sua fala, um sentimento de medo, de insegurança sobre como cuidar da filha após o seu nascimento. Sua filha Gérbera nasceu prematura, com 6 meses, numa gravidez de risco tanto para ela quanto para a sua mãe. Ficou hospitalizada por aproximadamente 2 meses em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), com cuidados intensivos, devido aos problemas de saúde decorrentes da síndrome e por seu nascimento prematuro. Destacou que o 38 apoio dos profissionais de saúde e de seus familiares foram fundamentais para que ambas (mãe e filha) pudessem vencer estes obstáculos: [...] Quando estava com 6 meses de gravidez, estava lavando uma casa da minha mãe, escorreguei, mas não cheguei a cair, com o susto, comecei a perder líquido, a ter sangramento e fui para a maternidade [...]. Fiquei em gravidez de risco, e depois de 5 dias a tive. Até então não sabia que ela tinha Síndrome de Down, só soube quando ela nasceu. Ela nasceu com sopro, de 6 meses, não tinha cílios, não tinha peitinho, não tinha nada. Ainda estava formando. Nasceu muito pequena. Então, ela foi para a UTI e eu fiquei no alojamento. Dei entrada na maternidade no dia 14/09 e sai no dia 21/11. Fiquei com ela 2 meses no hospital [...]. No momento, fiquei com medo de não saber cuidar dela, mas era a minha filha e tinha que cuidar dela [...]. Teve duas paradas cardíacas quando pequenininha na maternidade, aí foi reanimada, ficava roxinha. Então, tinha muito medo de vir pra casa, e acontecer alguma coisa e não dá tempo de chegar no hospital [...] (Girassol). Por muito tempo cobrava-se dos pais de crianças com deficiência, uma postura e atitude de super seres humanos, que estes deveriam estar preparados para lidar com seus sentimentos devastadores de medo, de culpa, de tristeza e, também, com sentimentos em relação aos seus filhos, sem nenhuma ou pouca orientação (BUSCAGLIA, 1997). Cabia aos médicos somente realizar o diagnóstico e transmiti-los a estes pais. A notícia era transmitida de maneira bastante formal e burocrática, com termos médicos de difícil compreensão por parte dos pais para transmitir o diagnóstico sem nenhum preparo mais humanizador para tal mensagem, o que somente aumentava ainda mais a angústia e o medo frente ao futuro do seu filho. Muitos são os relatos de pais que passaram por essa experiência negativa frente à notícia do diagnóstico de que seu filho tinha alguma deficiência e ao prognóstico de que as possibilidades deste se desenvolver seriam mínimas. (BUSCAGLIA, 1997). Nos últimos tempos, começa a se trabalhar com este diagnóstico e prognóstico de maneira mais humanizadora, a perceber que este pai ou mãe, antes de serem pais, são pessoas, e que, portanto, cada pessoa, cada casal reage às situações difíceis da vida de maneira diferente. De acordo com Girassol, foi o que aconteceu com a família, desde o primeiro momento, a partir da notícia do diagnóstico de Síndrome de Down da sua filha Gérbera: 39 [...] A pediatra chamou o meu esposo e disse que ela era especial. Eu fiquei com medo, porque já tinha visto no hospital, mas tem aquela coisa, é filho dos outros. Não tinha nenhuma informação, mas sabia de alguma coisa, porque via no hospital. Depois a geneticista me explicou que é um cromossomo que a criança tem a mais, que tanto pode vir da mãe quanto do pai[...] (Girassol). Foi informada, na ocasião, que a criança com Síndrome de Down necessita de acompanhamentos com especialistas, devido a algumas limitações decorrentes da síndrome, como hipotonia muscular, dificuldades na fala, dificuldades na alimentação, dentre outras situações que os pais irão enfrentar após o nascimento do seu filho, mas que estes serão vencidos gradualmente, se a família tiver o acompanhamento necessários com especialistas que estudem e trabalhem com crianças nesta condição. Assim, a família teve todo o suporte necessário para lidar com estes novos desafios e conflitos internos, sendo então encaminhada para o Centro de Reabilitação Infantil (CRI), sediado em Natal, no qual a filha passou a ser acompanhado por uma geneticista. Este acompanhamento permanece até hoje. É comum nesses casos que a família passe por uma reorganização do lar para acolher esta criança, por uma reorganização financeira, já que as despesas aumentam com as inúmeras idas aos consultórios médicos, por uma mudança na rotina do casal. Muitos casais irão necessitar de um acompanhamento psicológico. Por isso, é importante o apoio de familiares, de amigos, de especialistas, de outros pais e até mesmo a própria união existente entre o casal será determinante na superação dos obstáculos diários, que a vida e a sociedade impõem às crianças e aos adultos com deficiência. Assim, vale destacarmos que é também [...] importante para o bem-estar dos pais, assim como um direito deles, é a informação a respeito do futuro. É claro que os profissionais não são mágicos e que, portanto, não podem estar completamente seguros do prognóstico para a criança. Como este, no caso de cada deficiência, varia de acordo com diversos fatores individuais, físicos e emocionais, é impossível predizer, com uma margem real de acurácia, o que o futuro reserva para a criança [...] No entanto, esse é um dos maiores motivos de preocupação para os pais, que, na maioria dos casos, querem saber com precisão o que esperar em relação ao futuro do filho. Essa apreensão é natural e, como tal, deve ser trabalhada [...] (BUSCAGLIA, 1997, p. 120). 40 Gérbera, após o seu nascimento, teve inúmeros acompanhamentos com especialistas, tais como fonoaudiólogo, fisioterapeuta, oftalmologista, pediatra, geneticista e devido à hipotonia muscular teve dificuldades para andar. Com as sessões de fisioterapia, começou a dar seus primeiros passos com 3 anos de idade. Com a fonoaudióloga, também foi trabalhada em decorrência da hipotonia muscular, pois tinha dificuldades na fala, na pronúncia das palavras. Com as sessões também teve avanços significativos, como Girassol mencionou em sua fala: Eu tinha um acompanhamento no CRI de 15 em 15 dias, com uma geneticista que nos orientou, eu e meu esposo como cuidar dela, agir com ela, até hoje temos esse acompanhamento. Ela precisou fazer acompanhamento com fono, com fisioterapeuta, com oftalmologista. Mas não toma nenhuma medicação [...]. A geneticista explicou que ela tem o 1º grau da Síndrome de Down, que é mais leve. Ela falava algumas palavras, mas não dava para entender, por isso que ela teve esse acompanhamento com a fono, mas eu também tinha que trabalhar com ela em casa novas palavras e dar continuidade ao tratamento. O fisioterapeuta a acompanhava porque ela tinha dificuldade para andar, até hoje ela tem dificuldade com a coordenação motora [...]. Ela andou quando tinha 3 anos. Aí ela recebeu alta. Mas eu e meu esposo continuamos tendo esse acompanhamento [...]. Em muitos casos, embora os profissionais de saúde trabalhem de forma humanizadora ao emitir um diagnóstico e prognóstico da criança das reais possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem, e façam acompanhamentos com esta família, muitos pais devido aos conflitos internos e externos - estes últimos relacionados à busca por uma possível cura para a deficiência
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