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DIDÁTICA E TRABALHO DOCENTE Didática e Trabalho Docente Equipe de Elaboração ZAYN - Instituto Mineiro de Formação Continuada Coordenação Geral Ana Lúcia Moreira de Jesus Gerência Administrativa Marco Antônio Gonçalves Professor-autor Me. Márcio Antônio Rodrigues Diagramação e Projeto Gráfico Cláudio Henrique Gonçalves Revisão Ana Lúcia Moreira de Jesus Mateus Esteves de Oliveira ZAYN –Instituto Mineiro de Formação Continuada Avenida Amazonas, 491 – Centro Belo Horizonte – MG CEP: 30.180-001 TEL: (31) 3272-6646 contato@institutozayn.com.br Didática e Trabalho Docente Boas-vindas Olá! É com grande satisfação que o ZAYN – Instituto Mineiro de Formação Continuada agradece por escolhê-lo para realizar e/ou dar continuidade aos seus estudos. Nós do ZAYN estamos empenhados em oferecer todas as condições para que você alcance seus objetivos, rumo a uma formação sólida e completa, ao longo do processo de aprendizagem por meio de uma fecunda relação entre instituição e aluno. Prezamos por um elenco de valores que colocam o aluno no centro de nossas atividades profissionais. Temos a convicção de que o educando é o principal agente de sua formação e que, devido a isso, merece um material didático atual e completo, que seja capaz de contribuir singularmente em sua formação profissional e cidadã. Some-se a isso também, o devido respeito e agilidade de nossa parte para atender à sua necessidade. Cuidamos para que nosso aluno tenha condições de investir no processo de formação continuada de modo independente e eficaz, pautado pela assiduidade e compromisso discente. Com isso, disponibilizamos uma plataforma moderna capaz de oferecer a você total assistência e agilidade da condução das tarefas acadêmicas e, em consonância, a interação com nossa equipe de trabalho. De acordo com a modalidade de cursos on- line, você terá autonomia para formular seu próprio horário de estudo, respeitando os prazos de entrega e observando as informações institucionais presentes no seu espaço de aprendizagem virtual. Por fim, ao concluir um de nossos cursos de pós-graduação, segunda licenciatura, complementação pedagógica e capacitação profissional, esperamos que amplie seus horizontes de oportunidades e que tenha aprimorado seu conhecimento crítico a cerca de temas relevantes ao exercício no trabalho e na sociedade que atua. Ademais, agradecemos por seu ingresso ao ZAYN e desejamos que você possa colher bons frutos de todo o esforço empregado em sua atualização profissional, além de, pleno sucesso na sua formação ao longo da vida. Didática e Trabalho Docente “O grande segredo da educação consiste em orientar a vaidade para os objetivos certos.” Adam Smith Didática e Trabalho Docente Didática e Trabalho Docente ZAYN EMENTA: Matrizes epistemológicas da Psicologia. Escolas psicológicas que fundaram a Psicologia como ciência As concepções de Desenvolvimento, Inatismo, Comportamentalismo e Cognitivismo, e suas implicações para a Educação. Inserção Histórica da Psicologia da Educação no Brasil. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO UNIDADE I: PLANEJAMENTO DE ENSINO: PECULIARIDADES SIGNIFICATIVAS UNIDADE II: TENDÊNCIAS DO PROCESSO DIDÁTICO- PEDAGÓGICO NO ENSINO SUPERIOR NA CONTEMPORANEIDADE UNIDADE III: DO ENSINO DE CONTEÚDOS AOS SABERES DO PROFESSOR: MUDANÇA DE IDIOMA PEDAGÓGICO? 1 Didática e Trabalho Docente CARACTERIZAÇÃO DA DISCIPLINA Disciplina: Didática e Trabalho Docente EMENTA: Planejamento de ensino: peculiaridades significativas. Tendências do processo didático-pedagógico no ensino superior na contemporaneidade. Do ensino de conteúdos aos saberes do professor: mudança de idioma pedagógico?Tendências da produção intelectual sobre formação de professores no Brasil. OBJETIVOS Definir e conhecer os principais conceitos sobre planejamento de ensino, o processo didático-pedagógico no ensino superior e produção intelectual sobre formação de professores no Brasil. Caracterizar as tendências do processo didático-pedagógico no ensino superior na contemporaneidade. Descrever como ocorre o processo do ensino de conteúdos aos saberes do professor. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO UNIDADE I: PLANEJAMENTO DE ENSINO: PECULIARIDADES SIGNIFICATIVAS UNIDADE II: TENDÊNCIAS DO PROCESSO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO NO ENSINO SUPERIOR NA CONTEMPORANEIDADE UNIDADE III: DO ENSINO DE CONTEÚDOS AOS SABERES DO PROFESSOR: MUDANÇA DE IDIOMA PEDAGÓGICO? Bibliografia ARROYO, M. G. Ofício de mestre. Imagens e auto-imagens. Petrópolis: Vozes, 2000. GASPARIN, J. L. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. 3. ed. Campinas: Autores associados, 2005. MASETTO, M. T. Docência Universitária: repensando a aula. In: TEODORO, A.; VASCONCELOS, M. L. (Org.). Ensinar e aprender no ensino superior: por uma epistemologia da curiosidade na formação universitária. São Paulo: Mackenzie, Cortez, 2003. p. 79-108. PIMENTA, S. G.; ANASTASIOU, L. das C. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2002. 2 Didática e Trabalho Docente SUMÁRIO UNIDADE I - Planejamento de Ensino: peculiaridades significativas ................. 3 UNIDADE II - Tendências do processo didático-pedagógico no Ensino Superior na contemporaneidade .......................................................................... 10 UNIDADE III - Do ensino de conteúdos aos saberes do professor: mudança de idioma pedagógico? ............................................................................................... 21 3 Didática e Trabalho Docente UNIDADE I PLANEJAMENTO DE ENSINO: PECULIARIDADES SIGNIFICATIVAS Regina Barros Leal Planejar e pensar andam juntos. Ao começar o dia, o homem pensa e distribui suas atividades no tempo: o que irá fazer, como fazer, para que fazer, com o que fazer etc. Nas mais simples e corriqueiras ações humanas, quando o homem pensa de forma a atender suas metas e seus objetivos, ele está planejando, sem necessariamente criar um instrumental técnico que norteie suas ações. Essas observações iniciais estão sendo expressas, apenas para chamar atenção sobre o aspecto cotidiano da ação de planejar e como o planejamento faz parte da vida. Aquele que não mais planeja, talvez já tenha robotizado suas ações, portanto, quem sabe, não tem a consciência do que está fazendo, nem se ainda pode construir alguma coisa. Alguns até dizem: “Nem preciso mais pensar, vou fazendo o que me mandam fazer... Eu não necessito planejar, já vou fazendo, porque sei onde vai dar...”. E assim por diante. Nessa circunstância, parece estar presente a alienação do homem como sujeito, na medida em que assume a atitude de dominado, fazedor dócil e outras tantas denominações que podem ser imprimidas no sujeito, quando este se torna objeto nas mãos de outrem. Todavia, o objetivo deste estudo não é discutir tais questões, muito embora elas estejam presentes nas atividades habituais do homem. O planejamento é um processo que exige organização, sistematização, previsão, decisão e outros aspectos na pretensão de garantir a eficiência e eficácia de uma ação, quer seja em um nível micro, quer seja no nível macro. O processo de planejamento está inserido em vários setores da vida social: planejamento urbano, planejamento econômico, planejamento habitacional, planejamento familiar, entre outros. Do ponto de vista educacional, o planejamento é um ato político-pedagógico porque revela intenções e aintencionalidade, expõe o que se deseja realizar e o que se pretende atingir. Mas o que significa planejamento do ensino e suas finalidades pedagógicas? O que é o planejamento docente? O plano de aula? O projeto de disciplina? A programação semestral? O projeto pedagógico? Esses conceitos, atualmente, foram redefinidos, não só por conta da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, mas também como resultante do novo modelo de sociedade, 4 Didática e Trabalho Docente onde alguns denominam de sociedade aprendente, outros, sociedade do conhecimento. O que é importante, do ponto de vista do ensino, é deixar claro que o professor necessita planejar, refletir sobre sua ação, pensar sobre o que faz, antes, durante e depois. O ensino superior tem características muito próprias porque objetiva a formação do cidadão, do profissional, do sujeito enquanto pessoa, enfim de uma formação que o habilite ao trabalho e à vida. Voltemos a questão inicial. O que significa o planejamento de ensino? Por que o professor deve planejar? Quais os procedimentos, os instrumentos, as técnicas, os métodos, os recursos e as finalidades pedagógicas do planejamento de ensino? Um ato político pedagógico? Uma carta de intenção? Uma reflexão sobre o saber fazer docente? Antes de desenvolver algumas dessas questões, é imprescindível afirmar que existem diferentes abordagens sobre o assunto. Tais abordagens se diferenciam pela forma como tratam a temática, todavia se afinam quantos aos seus elementos constitutivos. Assim considerado, arrisca-se afirmar que o planejamento do ensino significa, sobretudo, pensar a ação docente refletindo sobre os objetivos, os conteúdos, os procedimentos metodológicos, a avaliação do aluno e do professor. O que diferencia é o tratamento que cada abordagem explica o processo a partir de vários fatores: o político, o técnico, o social, o cultural e o educacional. É essencial enfatizar que o planejamento de ensino implica, especialmente, em uma ação refletida: o professor elaborando uma reflexão permanente de sua prática educativa. Assim o planejamento de ensino tem características que lhes são próprias, isto, particularmente, porque lida com os sujeitos aprendentes, portanto sujeitos em processo de formação humana. Para tal empreendimento, o professor realiza passos que se complementam e se interpenetram na ação didático- pedagógica. Decidir, prever, selecionar, escolher, organizar, refazer, redimensionar, refletir sobre o processo antes, durante e depois da ação concluída. O pensar, a longo prazo, está presente na ação do professor reflexivo. Planejar, então, é a previsão sobre o que irá acontecer, é um processo de reflexão sobre a prática docente, sobre seus objetivos, sobre o que está acontecendo, sobre o que aconteceu. Por fim, planejar requer uma atitude científica do fazer didático- pedagógico. Mas como planejar? Quais as ações presentes e como proceder do ponto de vista operacional, uma vez que é entendido que o planejamento é um processo, um 5 Didática e Trabalho Docente ato político-pedagógico e, por conseguinte não tem neutralidade porque sua intencionalidade se revela nas ações de ensino. O que se pretende desenvolver? O cidadão que se deseja formar? A sociedade que se pretende ajudar a construir? Em primeiro lugar, as fases, os passos, as etapas, as escolhas, implicam em situações diversificadas, que estão presentes durante o acontecer em sala de aula, num processo de idas e vindas. Contudo, para efeito de entendimento, indica-se a realização de um diagnóstico aqui compreendido como uma situação de análise; de reflexão sobre o circunstante, o local, o global. Nesse contexto didático-pedagógico: averiguar a quantidade de alunos, os novos desafios impostos pela sociedade, as condições físicas da instituição, os recursos disponíveis, nível, as possíveis estratégias de inovação, as expectativas do aluno, o nível intelectual, as condições socioeconômicas (retrato sócio-cultural do aluno), a cultura institucional a filosofia da universidade e/ou da instituição de ensino superior, enfim, as condições objetivas e subjetivas em que o processo de ensino irá acontecer. PLANEJAMENTO DE ENSINO: PECULIARIDADES SIGNIFICATIVAS Tal atitude do docente o encaminhará para uma reflexão de sua ação educativa naquela instituição e a partir desse diagnóstico inicial, relacionando com o projeto da universidade, poderá desenvolver uma prática formativa. De posse do Projeto de Ensino oficial5, o docente irá elaborar sua programação, adaptando-a às suas escolhas, inclusive, inserindo a pesquisa nos exercícios didáticos. Caso a instituição de ensino superior não apresente o projeto da disciplina, o professor deverá elaborar observando os seguintes componentes: a) EMENTA DA DISCIPLINA. Ementa é um resumo dos conteúdos que irão ser trabalhados no projeto. b) OBJETIVOS DE ENSINO. Elaborá-los na perspectiva da formação de habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos: habilidades cognitivas, sociais, atitudinais etc. Há níveis diferenciados de objetivos: objetivo geral, alcançável longo prazo; objetivo específico, o qual expressa uma habilidade específica a ser pretendida. Este deve explicitar de forma clara a intenção proposta. Os objetivos variam quanto ao nível, conforme o projeto. Por 6 Didática e Trabalho Docente exemplo; no Projeto da disciplina: objetivo geral e objetivos específicos para cada unidade do Projeto; no plano de aula pode comportar mais de um objetivo específico, dependendo do número de sessões (exemplo: 02 sessões no período da noite, horários A e B). É importante frisar que irá depender da estrutura pedagógica da instituição, a forma de elaborar projetos e planos. Há bastante flexibilidade, contanto que no projeto de ensino ou plano de aula, estejam presentes os seus elementos constitutivos. Portanto, não existem modelos fixos. Destaca-se ainda, que os objetivos, de uma maneira geral, para deixar claro a ação pretendida, devem iniciar com o verbo no infinivo porque irá indicar a habilidade desejada. Caso o professor desejar indicar outra habilidade no mesmo objetivo, deve usar o outro verbo no gerúndio. Exemplo: Avaliar as condições socioeconômicas do Nordeste, indicando os fatores determinantes da região. A formulação de objetivos está diretamente relacionada à seleção de conteúdos. c) CONTEÚDOS (saber sistematizado, hábitos, atitudes, valores e convicções). Quais são os conteúdos de ensino? Quais os saberes fundamentais? O professor deverá, na seleção dos conteúdos, considerar critérios como: validade, relevância, gradualidade, acessibilidade, interdisciplinaridade, articulação com outras áreas, cientificidade, adequação. Além do conhecimento da ciência, o professor, por exercer uma função formadora, deve inserir outros conteúdos: socialização, valores, solidariedade, respeito, ética, política, cooperação, cidadania, etc. d) METODOLOGIA (procedimentos metodológicos). Metodologia é o estudo dos métodos. Metodologia de ensino significa o conjunto de métodos aplicados a situação didático-pedagógica. Método de ensino é o caminho escolhido pelo professor para organizar as situações ensino-aprendizagem. A técnica é a operacionalização do método. No planejamento, ao elaborar o projeto de ensino, o professor antevê quais os métodos e as técnicas que poderá desenvolver com seu aluno em sala de aula na perspectiva de promover a aprendizagem. E, juntamente com os alunos, irão avaliando quais são os mais adequados aos diferentes saberes, ao perfil do grupo, aos objetivos e aos alunos como sujeitos individuais. Nesse processo participativo o professor deixa claro suas possibilidades didáticas e o que ele pensa e o que espera do aluno como sujeito aprendente, suas possibilidades, sua capacidade para aprender, sua individualidade. Quando o7 Didática e Trabalho Docente professor exacerba um método ou uma técnica, poderá estar privilegiando alguns alunos e excluindo outros, e, mais ainda, deixando de realizar singulares experiências didáticas que o ajudariam aperfeiçoar sua prática docente e possibilitar ao aluno variadas formas de aprender. Ainda arriscar a trabalhar o saber de diferentes formas, percorrendo criativos trajetos em sala de aula. O medo de mudar, às vezes, impede o professor de arriscar novos caminhos pedagógicos. Daí o significado didático-pedagógico na formação do professor. Os paradigmas das experiências anteriores podem ser as referências de muitos professores. Assim posto, é válido para o docente buscar novas técnicas, desbravar novos caminhos, numa investida esperançosa de quem deseja fazer o melhor, do ponto de vista metodológico e didático. Tal atitude implica em estudar sobre a natureza didática de sua prática educativa. Donald Schon tem sido uma referência teórico-metodológica dos profissionais que atuam na área de formação de professores por afirmar que os bons profissionais utilizam um conjunto de processos que não dependem da lógica, da racionalidade técnica, mas sim, são manifestações de sagacidade, intuição e sensibilidade artística. Schon orienta para que se observe estes professores para averiguarmos como desenvolvem suas práticas, como fazem e o que fazem, para colhermos lições para nossos programas de formação. (O saber fazer-docente, 2002). O professor deve refletir didaticamente sobre sua prática, pensar no cotidiano sobre o saberfazer em sala de aula, para não escorregar na mesmice metodológica de utilização dos mesmos recursos e das invariáveis técnicas de ensino. É importante que o professor estude sobre essa temática, uma vez que há uma diversidade metodológica que pode ser trabalhada em sem sala de aula e/ou numa situação didático-pedagógica. Exemplo: exposição com ilustração, trabalhos em grupos, estudos dirigidos, tarefas individuais, pesquisas, experiências de campo, sociodramas, painéis de discussão, debates, tribuna livre, exposição com demonstração, júri simulado, aulas expositivas, seminários, ensino individualizado. f) RECURSOS DE ENSINO. Com o avanço das novas tecnologias da informação e comunicação-NTIC, os recursos na área do ensino se tornaram valiosos, principalmente do ponto de vista do trabalho do professor e do aluno, não só em sala de aula, mas como fonte de pesquisa. Ao planejar, o professor deverá levar em conta as reais condições dos alunos, os recursos disponíveis pelo aluno e na instituição de ensino, a fim de 8 Didática e Trabalho Docente organizar situações didáticas em que possam utilizar as novas tecnologias, como: datashow, transparências coloridas, hipertextos, bibliotecas virtuais, Internet, E.mail, sites, teleconferências, vídeos, e outros recursos mais avançados, na medida em que o professor for se a aperfeiçoando. g) AVALIAÇÃO. A avaliação é uma etapa presente quotidianamente em sala de aula, exerce uma função fundamental, que é a função diagnóstica. O professor deverá acolher as dificuldades do aluno no sentido de tentar ajudá-lo a superá-las, a vencê-las. Evitar a função classificatória, comparando sujeitos entre sujeitos. A avaliação deverá considerar o avanço que aquele aluno obteve durante o curso. Há muito que estudar sobre avaliação. Um das dicas é a de realizar as articulações necessárias para que se possa promover testes, provas, relatórios, e outros instrumentos a partir de uma concepção de avaliação que diz respeito ao aluno como sujeito de sua aprendizagem, uma vez que planejar é uma ação dinâmica, interativa, e acontece antes de se iniciar o processo de ensino, durante e depois do processo. É uma ação reflexiva, que exige do professor permanente investigação e atualização didático- pedagógica. Bibliografia ALARCÃO, I.: Formação reflexiva dos professores, Estratégias de Supervisão, Porto Editora, 1996. CARVALHO, A. D.: Novas metodologias em educação, Coleção Educação, São Paulo, Porto Editora, 1995. CASTRO, Amélia A.: O professor e a didática, Revista Educação, Brasília, 1981. CUNHA, Maria Isabel: O bom professor e sua prática, Campinas, Papirus, 1989. FREIRE, Paulo: Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997. GARCIA, M. Maria: A didática do ensino superior, Campinas, Papirus, 1994. GENTILI, P. A. A.: Qualidade total na educação, Ed. Mundo Novo, 1995. GODOY: A didática do ensino superior, São Paulo, Iglu, 1998. LEITE, D., y MOROSINI, M. (orgs.): Universidade futurante: Produção do ensino e inovação, Campinas, Papirus, 1997. 9 Didática e Trabalho Docente LIBÂNEO, José Carlos: Didática, São Paulo, Cortez, 1994. MERCADO, Luiz Paulo Leopoldo: Formação continuada de professores e novas tecnologias, Maceió, EDUFAL, 1999. MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoltte et.: Aprendizagem da docência: processos de investigação e formação, São Carlos, EdUFSCar, 2002. MORRISA, W.: O ensino superior: teoria e prática, Rio de Janeiro, Zahar, 1972. MORAES, V. R. P.: Melhoria do ensino e capacitação docente, Porto Alegre, Editora da Universidade, 1996. OLIVEIRA, M. R. N. S. (orgs): Confluências e divergências entre didática e currículo, Campinas, Papirus, 1998, 176 pp. NÓVOA, Antônio (coord.): Os professores e sua formação, 2.ª ed., Lisboa, Nova Enciclopédia, 1994. PERRENNOUD, Philippe: Dez competências para ensinar, Porto Alegre, Artmédicas, 2002. PIMENTA, S. G.: A didática como mediação na construção da identidade do professor: uma experiência de ensino e pesquisa na licenciatura, in PIMENTA, S. G.: O estágio na formação de professores: unidade teoria e prática, São Paulo: Cortez, 1995, pp. 37-69. SANTANNA, I. M.: Didática: aprender a ensinar, São Paulo, Loyola, 1989. SAVIANI, D.: Tendências e correntes da educação brasileira, in MENDES, D. T.: Filosofia da educação brasileira, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1983, pp. 19-47. SEVERINO, A. J.: Interdisciplinaridade: para além da filosofia do sujeito. São Paulo, Vozes, 1996. TUGENDHAT, E.: Lições sobre Ética, Petrópolis, Vozes, 1996. VASCONCELOS, Celso dos S.: Construção da disciplina consciente e interativa na sala de aula e na escola, 3a ed., Libertad, 1994. VASCONCELOS, Celso dos S. A construção do conhecimento em sala de aula, São Paulo, Libertad, 1994. VEIGA, Ilma (coord.): Panejamento do ensino numa perspectiva crítica de educação, in LOPES, Antonia: Repensando a Didática, Campinas, Ed. Papirus, 2.a ed. 10 Didática e Trabalho Docente UNIDADE II TENDÊNCIAS DO PROCESSO DIDÁTICO-PEDAGÓGICO NO ENSINO SUPERIOR NA CONTEMPORANEIDADE Na sociedade contemporânea, as rápidas transformações no mundo do trabalho, o avanço tecnológico configurando a sociedade virtual e os meios de informação e comunicação, invadem fortemente a instituição de Ensino Superior, aumentando os desafios para torná-la uma conquista democrática efetiva na contemporaneidade. Portanto, o presente estudo teve como objetivo identificar aspectos relevantes da didática no Ensino Superior, tendo, como pressupostos teórico-práticos, tendências pedagógicas contemporâneas de educação e ensino. Para tanto, optou-se por uma pesquisa bibliográfica, pautada em análise, leitura e fichamento de obras pertinentes ao assunto abordado. Os dados da pesquisa revelam que, na perspectiva contemporânea de educação e ensino superior, a docência se apresenta como uma atividade complexa, pela convergência concomitante de questões teóricas e práticas, com origens no enfrentamento do cotidiano, envolvendo o professor na sua totalidade. Nesse sentido, sua prática é resultado do saber e do fazer e, sobretudo, do ser, significando um compromisso consigo mesmo, com o aluno, com o conhecimentoe com a sociedade em transformação. No contexto brasileiro, a Lei 9.394/96 define as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e o Decreto 2.207/97 regulamenta o Sistema Federal de Ensino, fazendo referência explícita à necessidade de preparação pedagógica para o exercício da docência no Ensino Superior, exigindo que as instituições tenham professores titulados em nível de Pós-Graduação, conforme art. 66: “A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente, em programas de mestrado e doutorado”. Em seu parágrafo único evidencia que o “notório saber, reconhecido por universidade com curso de doutorado em área afim, poderá suprir a exigência de título acadêmico”. Como podemos observar, a Lei não concebe a docência universitária como um processo de formação, mas como preparação para o exercício do magistério superior, que será realizada, prioritariamente, em pós-graduação stricto sensu. Esta questão tem sido considerada, tanto no âmbito da pesquisa sobre os processos de formação, como nas formulações das políticas de Ensino Superior, no que se refere 11 Didática e Trabalho Docente ao ensino e à pesquisa, como exigências que caracterizam o exercício da profissão em geral. Merece destaque o fato de que, ao consolidar a condição humana, a educação é atravessada por uma intencionalidade teórica, sendo uma prática simultaneamente técnica, ética e política. O ensino na universidade se constitui um processo de busca, de construção científica e de crítica ao conhecimento produzido. Este é, portanto, o papel da universidade na construção da sociedade. De acordo com Morin (2000, p. 9-10), “a universidade conserva, memoriza, integra e ritualiza uma herança cultural de saberes, idéias e valores, que acaba por ter um efeito regenerador, porque a universidade se incumbe de reexaminá-la e transmiti-la”. O educador tem função importante nesse processo, pois as práticas pedagógicas devem permitir aos alunos não somente acessar o conhecimento, mas também transformá-los, inová-los. Parafraseando Libâneo (1998), a característica mais importante da atividade profissional do professor é a mediação entre o aluno e a sociedade, entre as condições de origem do aluno e sua destinação social na sociedade, papel que cumpre provendo as condições e os meios (conhecimentos, métodos, organização do ensino) que assegurem o encontro do aluno com as matérias de estudo. Para isso, planeja, desenvolve suas aulas e avalia o processo de ensino. Nessa perspectiva, o docente deve estar atento aos aspectos acima enunciados, a fim de planejar uma ação educativa capaz de conduzir o acadêmico a um discernimento quanto aos valores e concepções de vida, de homem e de sociedade. Sintetizando, é necessário que o docente do Ensino Superior considere fundamentalmente a educação um processo de ação da sociedade sobre o aluno, visando integrá-lo, seguindo seus padrões sociais, econômicos, políticos e seus interesses. Embora a Didática se preocupe primordialmente com o “como ensinar”, ou seja, com os métodos e técnicas de ensino, antes de estudá-los, julgamos importante refletir sobre o seu fundamento, sobre as raízes do seu emprego e sobre os fatores que intervêm em sua aplicação, com base na seguinte indagação: Qual a tendência do processo didático-pedagógico no Ensino Superior na contemporaneidade? Pressupõe-se que o trabalho docente constitui o exercício profissional do professor e este é o seu primeiro compromisso com a sociedade, haja vista que sua 12 Didática e Trabalho Docente principal tarefa é preparar os acadêmicos para se tornarem cidadãos ativos e participantes na família, no trabalho, nas associações de classe, na vida cultural e política. É uma atividade fundamentalmente social, porque contribui para a formação cultural e científica do povo, tarefa indispensável para outras conquistas democráticas. O desafio é educar as pessoas, proporcionando-lhes um desenvolvimento humano, cultural, científico e tecnológico, de modo que adquiram condições para enfrentar as exigências do mundo contemporâneo. Assim sendo, justifica-se um trabalho como esse, dado ao grande desafio que a ação docente vem enfrentando na busca pela qualidade do Ensino Superior na contemporaneidade. Os cursos de formação de professores vêm sofrendo inúmeras e severas criticas, pois não têm atendido suficientemente às necessidades da sociedade brasileira. Estamos vivendo uma crise de identidade dos modelos econô- micos e políticos. A educação pode ser entendida a partir da ação de seus diversos agentes e, por consequência, pode exprimir a concepção que se tem a seu respeito. Dessa forma, torna-se fundamental compreender como o docente pode construir suas práticas de educação e Ensino Superior, isto é, como planejar ações pedagógicas a partir de uma tendência contemporânea. Portanto, este artigo tem como objetivo estudar aspectos relevantes da didática no Ensino Superior, tendo como pressupostos teórico-práticos a tendência pedagógica contemporânea de ensino e educação. A metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa é basicamente bibliográfica, pautada na análise, leitura e fichamento de obras pertinentes ao assunto em pauta. Educação e ensino superior na contemporaneidade A Educação Superior, até bem pouco tempo, tinha um caráter humanístico, era privilégio de poucos, quase todos provenientes de famílias dominantes no cenário político e econômico do país. Seus estudantes buscavam mais um “aprimoramento pessoal” do que uma profissão. Mas, as questões relativas à im- portância dada à ciência, tecnologia e comunicação, no mundo globalizado, provocam sensíveis transformações nas sociedades contemporâneas em todos os sentidos, sinalizando a construção de uma nova sociedade, uma nova realidade social, obrigando a educação escolar a vincular-se às práticas sociais e ao mundo 13 Didática e Trabalho Docente do trabalho e, ao mesmo tempo, provocando mudanças significativas na Educação Superior brasileira. No que se refere à formação de professores para o Ensino Superior, as pesquisas recentes na área da educação mostram que os docentes são pro- fissionais essenciais nos processos de mudança das sociedades. Por conseguinte, é preciso investir em sua formação e desenvolvimento profissional. Acredita-se que, como a Educação Superior está inserida no contexto social global, faz-se necessário situá-la, analisá-la e criticá-la como instituição social que tem compromissos historicamente definidos. Diante desse quadro, a relação professor-aluno se funda na criatividade epistemológica, no compromisso com o rigor metódico e ético com os sujeitos que interagem a teia de relações que envolvem o conhecimento como categoria nos processos de ensinar e aprender. Há um entendimento similar entre autores como Arroyo (2000); Pimenta; Anastasiou (2002); Souza (2003); Gasparian (2005); Zabal- za (2004); Passos et al. (2006), entre outros, de que o ato de aprender a aprender é uma das principais funções do ato de ensinar, ou melhor, do ato de educar. O educador democrático não pode negar-se ao dever de, na sua própria prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, suas tarefas primordiais, e trabalhar junto aos mesmos a rigorosidade metódica com que devem se “aproximar dos objetivos cognoscíveis” (FREIRE, 1997, p. 28). Portanto, entendendo a Didática como um campo de conhecimentos e saberes de pluridade epistêmica, em que questões de teoria e prática, ensino e aprendizagem, conteúdo e forma estão relacionadas, espera-se do professor universitário uma postura diferenciada de diálogo entre estas questões, em contínuo movimento de construção social e cultural. Assim, visualiza-se uma prática pedagógica corporificada nos sujeitos que a fazem, professores euniversitários, ensinando e aprendendo, nos processos de ensinar e aprender, situando-se nos conhecimentos plurais de seu campo em suas especificidades e nos diálogos que fazem com outras ciências, numa perspectiva interdisciplinar e dialógica. Na visão de Zabalza (2004), o docente universitário deve ser inovador e criativo, devendo tratar os conteúdos de forma coerente com os seus objetivos, rompendo com a fragmentação na sua ação didática. 14 Didática e Trabalho Docente Tais reflexões nos fazem perceber como é importante o professor universitário determinar, de início, o que o universitário será capaz de fazer ao final do aprendizado. Autores como Freire (1996); Libâneo (1999); Pimenta; Anastasiou (2002); Massetto (2003); Alarcão (2003); Zabalza (2004); Veiga; Araújo; Kapuziniak (2005); Passos et al. (2006), entre outros, comentam acerca da necessidade de que o professor universitário tenha a habilidade de construir o próprio processo pedagógico, articulando o ensino e a pesquisa, de acordo com os avanços científico- tecnológicos e as necessidades e capacidades dos universitários. Na realidade, o professor universitário deve estar atento ao fato de que o sistema social faz exigências ao sistema educacional, que acaba por determinar os fins da educação. A partir daí, cabe-lhe a importante missão de refletir sobre tais exigências, identificando aquelas que devem ser satisfeitas e aquelas que devem sofrer influências transformadoras por parte do seu trabalho. Posteriormente, deverá pensar na formulação de objetivos, seleção e planejamento de conteúdos e metodologias adequadas para o desenvolvimento do processo de ensino- aprendizagem. Reportamo-nos a autores como Mello (1994); Freire (1996); Libâneo (1999); Arroyo (2000) Pimenta; Anastasiou (2002); Massetto (2003); Alarcão (2003); Zabalza (2004); Veiga (2005); Passos et al. (2006), ao enfatizarem a necessidade de levar em conta o contexto da educação e suas relações com a sociedade, para a melhoria dos cursos de formação. Os autores concordam com o fato de que o espaço ins- titucional que o professor ocupa é dinâmico, atravessado por tensões, onde acontece um intensivo jogo de poder gerador de conflitos e lutas. Não é neutro e reflete carências, expectativas, desejos, fragilidades, pensamentos, dependência, enfim, tudo o que afeta o professor como profissional e pessoa. Vale destacar que, enquanto sujeito histórico, cultural, o professor se faz a partir das idéias e dos valores predominantes em cada época. Assim, o professor parece caminhar muito vagarosamente e com dificuldade para incorporar as mudanças sociais. Atualmente, o que tem se observado nas instituições de ensino, sobretudo superior, é a tendência de o professor manter-se cativo aos conhecimentos que construiu durante toda sua “vida de aluno” e incluindo-se aí o período do curso de formação. 15 Didática e Trabalho Docente O conhecimento que foi adquirido pelo docente pode tornar-se algo estático e dogmático, levando-o a reprimir a sua criatividade e não ousar adentrar por novos caminhos, apoiando-se num caráter repetitivo e mecânico nas suas ações. Por conta destas considerações, Cavaco (apud NÓVOA, 1991, p.166) questiona: Fazer, construir as aulas ou dar aulas? Não se continua a esperar do professor, principalmente, que dê aulas e, assim, a condicionar a sua actu- ação? O que significa dar uma aula para além de transmitir, passar qualquer coisa definitiva, acabada, morta? Que limites impõe à profissão a imagem feita de dar aulas, como correspondendo à função de professor? Estas interrogações provocativas reforçam a necessidade de se pensar um professor que, a partir de uma visão de totalidade e de uma tentativa de reflexão cuidadosa, possa rever conceitos e tomar decisões transformadoras que dirijam o seu trabalho. As instituições de ensino da forma como estão estruturadas, além de não estimular, até dificultam práticas inovadoras. São raros os espaços cedidos aos docentes, para que eles possam ter encontros periódicos com os seus pares, a fim de refletirem sobre o trabalho que desenvolvem. Silva (1992) se refere à dicotomia entre “saber o que” e “saber como”, ou seja, saber um determinado conteúdo e como ensiná-lo. Muitas vezes, o professor usa da metodologia (recursos audiovisuais, TV, informática), para mascarar a própria ignorância da matéria que lhe compete ensinar. O autor evidencia que o docente ainda tem utilizado a nota como instrumento de coerção e controle dos alunos, predominando, portanto, a avaliação classificatória e não diagnóstica, porquanto: A avaliação educacional, a partir da segunda metade do século XIX, sob influência do positivismo, foi se afastando do seu caráter diagnóstico, ou seja, de suas finalidades de estimar o valor do conhecimento, e assumindo um papel de instrumento de seleção/classificação, buscando a objetividade e a quantificação. Avaliar, nesse contexto, passou a se identificar com medir (MACHADO, 1992, p.62). Também não é habitual avaliar o trabalho do ano anterior, mas, na maioria das vezes, os planos de ensino de anos anteriores são copiados. Assim, não há mudanças, correções ou adaptações, uma vez que, na prática, cada um faz o que bem entende, não cumprindo com qualquer planejamento. Temos consciência de que essa generalização é forte, mas é o que se observa com frequência. Isso tudo é muito preocupante, pois no entendimento de Luckesi (1996), determinadas formas de avaliar e certos usos da avaliação podem se constituir mecanismos de exclusão 16 Didática e Trabalho Docente de determinados alunos e/ou grupos de alunos; por exemplo, privilegiar objetivos, conteúdos e formas de ensino mais adequados ao trabalho do professor, em detrimento da qualidade do processo avaliativo. Observa-se que os conteúdos são ultrapassados e desarticulados do contexto, desvinculados da realidade, não contribuindo, deste modo, para a transformação. São conteúdos acríticos, ideológicos, fragmentados, sem integração interdisciplinar, apenas para cumprir o programa – o conteúdo pelo conteúdo. São relevantes as considerações de Coll (1991), ao evidenciar que: A aprendizagem escolar não deve ser entendida como uma recepção passiva de conhecimento, mas como um processo ativo de elaboração. Ao longo desse processo, podem ocorrer assimilações de conteúdos incompletas ou mesmo defeituosas que são, no entanto, necessárias para que o processo continue com êxito. O ensino deve se realizar de tal modo que favoreça as múltiplas interações entre o aluno e os conteúdos (COLL, 1991, p.35). Desconsiderar a linguagem do aluno, suas experiências e saberes impedem sua participação ativa no processo ensino-aprendizagem. A não preocupação com o planejamento gera, também, a nível curricular, a não integração dos professores das diversas áreas, e entre os diferentes cursos ou períodos. É importante salientar que o domínio das habilidades didáticas opõe-se ao espontaneísmo e ao amadorismo, havendo, assim, a necessidade do resgate da técnica, enquanto recurso de organização e condução da atividade fundada na ciência. O domínio das relações situacionais implica a compreensão, por parte dos sujeitos, de si mesmo, dos outros, de suas relações recíprocas, da sua pertinência ao grupo social e à humanidade como um todo. Refletindo sobre a prática pedagógica universitária, observa-se que trata da metodologia do Ensino Superior, da prática pedagógica e das didáticas, da epistemologia da prática profissional, da sala de aula universitária e de sua gestão pedagógica, e da inovação na educação, entre outros. “Trata-se de um campo de possibilidades infinitas, em que o diálogo com os professores é fundamental” (GUSDORF, 1967, p. 56). O que se coloca ao analisar as concepções de autores como Freire (1996) e Busmann e Adudd (2002) diz respeito à importânciada percepção dos educadores em relação à ação de ensinar como oportunidade de ressignificação dos saberes. Nessa direção, temos a compreensão de que: 17 Didática e Trabalho Docente [...] não se pode falar em uma pedagogia universitária, mas sim pedagogias universitárias, quanto em relação aos diferentes campos profissionais. Vive- se, assim, uma tensão constante entre o específico e o geral, entre o indivíduo e o coletivo, que interagem em processos em decisões peda- gógicas na instância de cada curso e que adentram na formação do professor e nas suas práticas pedagógicas, sem que, na maioria das vezes, se tenha consciência dessas tensões e arbitrariedades presentes na estrutura de poder de cada profissão (FERNANDES, 1999, p. 3). Isso implica a necessidade de promover um permanente “diálogo epistêmico” entre o conteúdo específico de cada campo do conhecimento e o conteúdo pedagógico. Busca-se, assim, a construção de uma epistemologia que produza, dissemine e ressignifique a formação de professores e a docência como um campo profissional, com conhecimentos próprios, interagindo com o espaço-tempo que está sendo vivido e por viver. Tais pressupostos constituem o cerne da pedagogia universitária. Pensar a prática pedagógica e investigativa como um processo ativo e crítico conduz à aprendizagem de como fazê-la, favorecendo a formação de uma nova cultura organizacional (NÓVOA, 1992), que produz a vida do professor, na perspectiva de desenvolvimento pessoal; a profissão docente, na perspectiva de desenvolvimento profissional; a universidade, na perspectiva de desenvolvimento organizacional. Nesse tipo de comunidade, concretiza-se a investigação-formação mobilizadora da experiência, além da dimensão pedagógica, para a produção de saberes, por meio da criação de autoformação participada, decisiva para o profissional docente, para a socialização profissional e para a afirmação da própria profissão docente (NÓVOA, 1992). A universidade, na perspectiva de desenvolvimento organizacional, por sua vez, consolida-se como espaço de formação, na articulação pela investigação e participativa. CONSIDERAÇÕES FINAIS Na perspectiva contemporânea de educação e ensino superior, a docência apresenta-se como uma atividade complexa pela convergência concomitante de questões teóricas e práticas, com origens no enfrentamento do cotidiano, envolvendo o professor na sua totalidade. Nesse sentido, sua prática é resultado do 18 Didática e Trabalho Docente saber e do fazer e, sobretudo, do ser, significando um compromisso consigo mesmo, com o aluno, com o conhecimento e com a sociedade em transformação. Nas sociedades contemporâneas, as atribuições do ensino universitário exigem uma ação docente na qual o professor universitário precisa atuar como profissional reflexivo, crítico, responsável e competente no âmbito de sua disciplina, diferentemente do que ocorria no passado. Além disso, ele precisa ter capacidade para exercer a docência e realizar atividades de investigação. A aprendizagem deve estar voltada para o aluno, utilizando métodos que contribuam para o entendimento do que está sendo ensinado. Cabe ao professor ter consciência do seu papel no contexto educacional, para que possa ser um agente transformador da sociedade, defensor do Ensino Superior para todos, como garantia de um país melhor e mais desenvolvido no seu aspecto social, cultural, econômico e político. Assim, acredita-se ser possível abandonar a exclusividade atribuída à técnica, e os professores universitários podem se mostrar favoráveis à prática que implica um professor acolhedor, confiante, dialógico, questionador e provocador. Em relação à disciplina ministrada, pode surgir uma proposta mais global, relacionada a conteúdos, sentimentos, cooperação, participação e/ou incertezas. Referências Bibliográficas ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2003. ARROYO, M. G. Ofício de mestre. Imagens e auto-imagens. Petrópolis: Vozes, 2000. BUSSMANN, A. C.; ABBUD, M. L. M. Trabalho docente. In: BRZEZINSKI, I. (Org.). Profissão professor: identidade e profissionalização docente. 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Porto Alegre: Artmed, 2004. 21 Didática e Trabalho Docente UNIDADE III DO ENSINO DE CONTEÚDOS AOS SABERES DO PROFESSOR: MUDANÇA DE IDIOMA PEDAGÓGICO? Isabel Alice Lelis4 Assistimos na última década ao aparecimento de uma literatura internacional bastante fértil no campo da formação de professores, em especial sobre os conhecimentos incorporados e atualizados pelos professores em seus processos de vida, de trabalho e de formação. Sob matrizes diversas, o que parece ser consenso é a valorização da prática cotidiana como lugar de construçãode saberes. Em que pese a fertilidade da produção acadêmica há, contudo, zonas de sombra que precisam ser desvendadas, se considerarmos os desafios de uma escola de massa e o lugar que nela desempenha o trabalho do professor, especialmente em sociedades como a nossa que não equacionaram o problema da desigualdade social e escolar. Se é verdade que a problemática específica do saber escolar e do saber docente, enquanto tal, só muito recentemente passou a se constituir em objeto de pesquisa no Brasil, também é verdade que velhos temas já trabalhados desde a década de 1980 reapareceram travestidos com nova roupagem, sugerindo um retorno a questões que não foram ainda equacionadas pelas políticas e práticas de formação de professores como, por exemplo, os conhecimentos de que devem ser portadores os professores e que se atualizam na ação pedagógica. Uma hipótese é a de que esse retorno não parece significar mera reprodução de perspectivas de análise já formuladas em outros contextos, mas redimensionamento de questões que estão no centro da problemática do trabalho docente como, por exemplo, o papel da teoria e da prática nos processos de formação de professores, os modos como os professores se relacionam com os saberes. Neste movimento, o que parece estar em questão é o processo de produção de discursos com impacto no campo intelectual e que “exprimem maneiras diversas de definir quais são os „problemas‟ e consequentemente o leque de soluções disponíveis para combatê- los” (Almeida e Perosa, 1999, p.1). Dentro dos limites do texto, é nossa intenção analisar algumas das tendências do debate sobre formação de professores nessas últimas duas décadas no Brasil, buscando entender as lógicas de pensamento que fundamentaram e ainda fundamentam algumas propostas presentes na literatura educacional. Trabalhamos 22 Didática e Trabalho Docente na perspectiva de que, sob determinadas condições de produção, foram elaborados “idiomas pedagógicos” sobre a formação e trabalho docente na perspectiva de responder aos desafios postos aos sistemas públicos de ensino. Trata-se de uma tentativa de reconstruir, de certa forma, uma trajetória intelectual nas continuidades e rupturas que apresenta. Em uma pedagogia dos conteúdos, qual a relação do professor com o saber? Em contrapartida à segunda metade dos anos de 1970, marcada pela crítica ao papel da escola na reprodução da estrutura de classes, florescem trabalhos voltados para o conhecimento dos fatores intra-escolares, como mecanismos de exclusão dos setores populares, considerando-se a “rede de expectativas e contradições que permeiam a prática pedagógica” (Souza, 2000, p. 43). Sob diferentes ângulos, é analisada a situação do magistério na tentativa de encontrar explicações para as precárias condições de funcionamento dos sistemas públicos de ensino, expressas em altas taxas de exclusão escolar, principalmente entre segmentos das camadas populares. Em um texto que se tornou referência no campo dos educadores, Mello (1982) parte do caráter mediador da escola para estudar as representações e expectativas do professor face à escola, ao aluno e aos papéis que desempenha. Trabalhando sobre o conceito de “representação” de Moscovici, bastante utilizado na investigação educacional, a autora busca dar conta tanto da forma singular como um corpo de idéias se processa no indivíduo, respeitando a sua contextura psicológica autônoma, como das condições sociais reais de sua produção (Lelis e Nunes, 1999). A tese central de Mello passa, nesse momento, pela defesa da competência técnica do professor vista como mediação através da qual se realizaria o sentido político da educação escolar. Nestes termos, a competência técnica envolveria tanto o domínio dos conteúdos de ensino pelo professor como o seu entendimento a respeito das relações entre os vários aspectos da escola, incluindo-se o peso da formação sobre o modo como percebe a organização da escola e os resultados de sua ação. Bem diversa da tendência tecnicista dos anos de1970, Mello denuncia ainda a lógica subjacente à organização do trabalho no interior da escola que acabara por fazer com que o professor perdesse seus instrumentos de trabalho: do conteúdo (saber) ao método (saber fazer), restando uma técnica sem competência. Na busca por mapear as causas da precariedade da prática docente, estaria a dificuldade do professor em se perceber como parte do problema do ponto de vista das deficiências de sua formação (Mello, 1982). De certa 23 Didática e Trabalho Docente forma, essa tese provoca impacto e gera um debate intelectual, na medida em que faz emergir uma polêmica em torno do significado de uma suposta concepção universal sobre competência, acima dos interesses de classe. Independente das críticas recebidas, o texto de Mello torna-se paradigmático e representa uma forma de pensar o trabalho docente no que ele era mas também no que deveria ser, surgindo com força a noção de que a escola e, nela, o professor teriam um papel chave na transmissão do saber elaborado, sistematizado, erudito de forma a garantir à população a possibilidade de expressar de maneira elaborada os conteúdos da cultura popular que correspondem a seus interesses (Saviani, 1985). Trabalhando nas diferenças entre o cientista e o professor do ponto de vista da relação com o saber, Saviani ajuda-nos a entender a constituição de um idioma pedagógico, onde o professor seria transmissor do saber e não produtor: Enquanto o cientista está interessado em fazer avançar a sua área de conhecimento, em fazer progredir a ciência, o professor está mais interessado em fazer progredir o aluno. O professor vê o conhecimento como um meio para o crescimento do aluno; enquanto para o cientista o conhecimento é um fim, trata-se de descobrir novos conhecimentos na sua área de atuação. (Saviani, 1985, p.19) Nessa perspectiva, o conhecimento viria de “fora para dentro”, tendo uma dimensão instrumentalizadora do ponto de vista político social. Ao professor, caberia a organização dos processos, de métodos, de modo a garantir a apropriação pelos alunos. (...) um professor de história ou de matemática; de ciências ou estudos sociais, de comunicação e expressão ou literatura brasileira etc., tem cada um, uma contribuição específica a dar em vista da democratização da sociedade brasileira, do atendimento aos interesses das camadas populares, da transformação estrutural da sociedade. Tal contribuição se consubstancia na instrumentalização, isto é, nas ferramentas de caráter histórico, matemático, científico, literário, etc. que o professor seja capaz de colocar de posse de alunos. (Saviani, 1982, p. 83). No horizonte de pensar a formação do educador, Saviani afirmava a necessidade de que o curso de Pedagogia fornecesse uma fundamentação teórica que permitisse uma ação coerente, o desenvolvimento de uma consciência aguda da realidade em que os futuros professores iriam atuar e uma instrumentalização técnica que permitisse uma ação futura eficaz (Saviani, 1980, p. 60). Como forma de garantir o cumprimento dessas finalidades, cada disciplina do curso de Pedagogia deveria ser trabalhada de modo que os alunos chegassem a uma teoria geral de 24 Didática e Trabalho Docente educação “no nível atitudinal („o que o educador precisa viver‟), no nível crítico- contextual („o que o educador precisa fazer‟), no nível cognitivo („o que o educador precisa saber‟), no nível instrumental („o que o educador precisa fazer‟)” (Saviani, 1980, p. 61). Sua proposta conferia ao conhecimento científico e à reflexão filosófica uma centralidade enquanto instrumentos-chave, capazes de transformar positivamente os atributos negativos do senso comum em elementos característicos de uma consciência crítica (Bonamino, 1989). Em uma filosofia da educação que se afirmava radical,rigorosa e de conjunto, Saviani encontrava o fermento para uma educação revolucionária. Analisando o pensamento político pedagógico de Saviani, Bonamino chama a atenção para o caráter problemático do papel emancipador conferido ao saber elaborado, dada a natureza iluminista que poderia estar contida nessa formulação: a escola não educa a consciência social apenas através dos conteúdos críticos devidamente sequenciados e dosados que transmite. A consciência da criança não se desenvolve tão somente através de conceitos que ela assimila em seu contato com os detentores da cultura elaborada, mas as condições para o desenvolvimento desta consciência crítica são criadas pela participação da criança na experiência social coletiva, a qual se compõe, em parte, das experiências práticas que a escola propicia através de sua organização interna e do sentido que assumem suas relações internas. (Bonamino, 1989, p. 205-206) Em que pese o investimento intelectual por pensar uma pedagogia crítico-social dos conteúdos7 e, nela, o papel do educador,8 o que deve ser registrada é a influência desta tese sobre o campo dos educadores, provocando “discursos sobre teoria”, expressões de um “abstracionismo pedagógico”, “na obsessiva preocupação em descrever a escola e explicar os problemas educacionais a partir de hipotéticas relações do processo educativo com outros processos socioeconômicos” (Azanha, 1992, p. 46), em um claro superdimensionamento da teoria em detrimento da empiria. Do ponto de vista da prática de pesquisa, os anos de 1980 ficaram a nos dever, em termos do conhecimento sobre as práticas pedagógicas efetivas que estavam acontecendo na sala de aula. Fiorentini et al. (1998) reforçam essa crítica ao afirmarem que as pesquisas sobre ensino e formação de professores passaram a priorizar o estudo de aspectos políticos e pedagógicos amplos. Os saberes escolares, os saberes docentes tácitos e implícitos e as crenças epistemológicas, como destaca Linhares (1996), seriam muito pouco valorizados e raramente 25 Didática e Trabalho Docente problematizados ou investigados tanto pela pesquisa acadêmica educacional como pelos programas de formação de professores. (Fiorentini et al., 1998, p. 314) Na busca por efetuar um balanço da pedagogia crítico-social dos conteúdos, Libâneo (1999), quinze anos depois, procura atualizar o “conteudismo”, chamando a atenção para as interpretações equivocadas que esvaziavam a abordagem, na identificação mecânica entre “conteúdo” e “matéria”: conteúdos são os conhecimentos sistematizados, selecionados das bases das ciências e dos modos de ação acumulados pela experiência social da humanidade e organizados para serem ensinados na escola; são habilidades e hábitos, vinculados aos conhecimentos, incluindo métodos e procedimentos de aprendizagem e de estudo; são atitudes e convicções envolvendo modos de agir, de sentir e de enfrentar o mundo. Mesmo alargando-se o sentido do que entendemos por “pedagogia dos conteúdos”, permanece o desafio de pensar nas relações que o professor estabelece com os saberes, considerando-se que na ação prática, saberes de diferentes ordens (entre os quais situam-se os conteúdos de ensino) são por ele mobilizados. Considerando-se que uma pedagogia fundada em conteúdos tinha como justificativa a transformação política da escola e da sociedade e colocava como necessidade o recurso aos conhecimentos universais, ao que assistimos foi “o florescimento de um discurso de culpabilização do professor, dramaticamente similar ao discurso de culpabilização dos alunos que florescera nos anos 60 e 70” (Almeida e Perosa, 1999, p. 5). Para as autoras, é neste quadro que a formação de professores torna-se um problema a ser resolvido fora dos espaços desvalorizados da formação regular. À maneira dos programas de educação compensatória da década de 70, as práticas de formação dos professores serão também definidas como oportunidade para o professor “compensar” a má formação recebida nos cursos regulares. (Idem, p. 6) Na crítica à formação de professores, o primado da lógica relacional No interior do debate sobre a formação de professores, vão sendo aprofundados os problemas crônicos enfrentados pelas instituições formadoras: falta de articulação entre teoria e prática educacional, entre formação geral e formação pedagógica, entre conteúdos e métodos. Em texto escrito em 1983, Candau e Lelis trabalham a relação teoria e prática no sentido de identificar, nas práticas de formação de especialistas e professores, as concepções que estariam informando aquela relação. Denunciando a perspectiva positivista que caracterizaria a dicotomia entre teoria e prática, muito presente nos 26 Didática e Trabalho Docente currículos dos cursos, as autoras buscam na filosofia da práxis formulada por Vazquez (1977) um recurso para pensar uma visão de unidade entre os dois pólos na perspectiva de uma teoria revigorada, porque formulada a partir das necessidades da realidade educacional: A teoria em si não transforma o mundo. Pode contribuir para sua transformação, mas para isto tem que sair de si mesma, e, em primeiro lugar, tem que ser assimilada pelos que vão ocasionar, com seus atos reais, efetivos, tal transformação. Entre a teoria e a atividade prática transformadora se insere um trabalho de educação das consciências, de organização de meios materiais e planos concretos de ação: tudo isso como passagem indispensável para desenvolver ações reais e efetivas. Nesse sentido, uma teoria é prática na medida em que materializa, através de uma série de mediações, o que antes só existia idealmente, como conhecimento da realidade ou antecipação ideal de sua transformação. (Vazquez, 1977, p. 206) Se essa via hoje parece ser problemática, dada a supervalorização da teoria em detrimento da atividade cotidiana prática, considerando-se a infinitude do real e dos processos de expansão e de revisão do conhecimento, postos pelo fim do leninismo e a derrocada da União Soviética entre outros acontecimentos, o tema da práxis (que não se confunde com prática utilitária) pode ainda ajudar a pensar as relações entre conhecimento científico, prática social e saber docente, apesar da distância de tempo e dos novos desafios para a formação de professores no Brasil, até porque hoje somos menos arrogantes quanto ao poder da teoria na explicação e transformação do real. Considerando que até a primeira metade da década de 1980, a literatura educacional produzida está bastante marcada pela influência do marxismo nas leituras efetuadas por Kosik, Gramsci, Vazquez, entre outros, assistimos na segunda metade dessa década ao esforço de pensar a formação de professores para além das categorias de classe social, trabalho manual e trabalho intelectual, infra-estrutura e superestrutura, até porque o pessimismo pedagógico não havia estimulado a elaboração de trabalhos que apontassem “formas de organização escolar e práticas de sala de aula que pudessem favorecer a aprendizagem dos alunos de origem social desfavorecida” (Mello, 1993, p. 116). Alguns textos são expressões desse esforço por superar uma perspectiva conteudista stricto sensu como, por exemplo, a reflexão desenvolvida por Candau (1997) em torno aos novos rumos dos cursos de licenciatura.Trabalhando sobre algumas experiências desenvolvidas em unidades responsáveis pelo ensino da 27 Didática e Trabalho Docente física, da história/geografia e da língua portuguesa, integrantes de instituições de ensino superior e médio de prestígio no Rio de Janeiro, Candau (1997) chama a atenção para os obstáculos que as universidades brasileiras precisam enfrentar na função de preparar consistentemente os professores para os sistemas de ensino: separação entre atividades de ensino e pesquisa, predomínio da lógica disciplinar em detrimento de uma práticainterdisciplinar, supervalorização do lugar ocupado pelas faculdades de Educação em detrimento das unidades responsáveis pelo conteúdo específico. Pensando alternativas para os cursos de licenciatura, Candau defende o primado do conteúdo específico sobre o conteúdo pedagógico na formação do professor: A competência básica de todo e qualquer professor é o domínio do conteúdo específico. Somente a partir deste ponto é possível construir a competência pedagógica. Esta afirmação não implica a existência de uma relação temporal de sucessão, e sim de uma articulação epistemológica. É a partir do conteúdo específico, em íntima articulação com ele, que o tratamento pedagógico deve ser trabalhado. Enquanto as unidades específicas não assumirem como responsabilidade própria a formação de professores, muito pouco poderão fazer as unidades de educação. O que se propõe é uma nova concepção e uma reestruturação das relações de poder presentes nas licenciaturas. Do ponto de vista conceitual, parte-se do conteúdo específico para trabalhar a dimensão pedagógica em íntima relação com ele. Assume-se que a liderança deve ser da área específica com a colaboração íntima das unidades de educação. A responsabilidade deverá ser partilhada intimamente, mas o primado é da área de conteúdo específico. Somente a partir desta mudança de eixo, que suscitará certamente muitas resistências, será possível construir uma nova perspectiva para os cursos de licenciatura. (Candau, 1997, p. 46). Essa tomada de posição é importante porque revela a importância de se investir no saber disciplinar, sem o qual não se efetiva a atividade de transmissão de conhecimento, mesmo considerando-se que o que ensinar teria a primazia sobre o como ensinar. Levando-se em conta que, até então, a formação de professores vinha sendo analisada no plano político-pedagógico em sentido mais genérico, a proposta é provocadora, nesse momento, por duas razões. Primeiro, por deslocar o “centro de gravidade” da formação de professores para as unidades específicas, obrigando-nos a pensar em uma outra lógica que articula saber disciplinar e saber 28 Didática e Trabalho Docente pedagógico, sugerindo que a natureza da formação é multidisciplinar e, portanto, mais complexa do que se supunha nas análises anteriores. Significou pensar o saber do professor como sendo proveniente de duas fontes (Tardif, Lessard e Lahaye, 1991) – conhecimento do conteúdo e conhecimento pedagógico –, embora sem a clareza do significado e do conteúdo do que se estava nomeando como conteúdo pedagógico. A segunda razão está na defesa da interdisciplinaridade ao enfatizar uma integração interna que, partindo do conteúdo específico em direção ao pedagógico, garantisse a articulação a partir de núcleos temáticos (Candau, 1997). Considerando que a formação de professores em cursos de licenciatura se constituiu historicamente em um esquema onde predominava uma total separação entre formação geral e formação pedagógica, a idéia de núcleos temáticos parece promissora, pois pode vir a romper com os “guetos” institucionais, muito fortes na estrutura universitária até hoje. E, mais, ao introduzir a dimensão epistemológica como eixo instituinte da formação de professores na premissa de que “o domínio consistente de uma área específica supõe uma adequada compreensão da construção do seu objeto, dos diferentes enfoques metodológicos possíveis e suas respectivas bases epistemológicas, de sua lógica e sua linguagem” (idem, p. 46). Mesmo se considerarmos que a afirmação do primado do conteúdo específico sobre o conteúdo pedagógico poderia estar representando a hierarquização entre os campos do conhecimento, derivando-se o pedagógico de uma ciência básica, o trabalho teve o mérito de chamar a atenção para as relações de poder existentes no interior da universidade entre os que pesquisam e os que ensinam, destacando a importância e a necessidade da investigação sobre o ensino no horizonte da superação de uma visão intuitiva ou meramente política sobre a transmissão/apropriação do conhecimento. Partindo da idéia de que a universidade de pesquisa admitiu formar professores como “espécie de tarifa que ela paga para poder fazer ciência em paz” (Menezes, 1986, p. 120), pensar a formação prévia de professores pela via da pesquisa empírica, na ótica disciplinar, representou um avanço, se considerarmos as resistências e problemas com que nos defrontamos institucionalmente na universidade. Considerando ainda que perspectivas de análise têm uma história, identifico nesse trabalho coordenado por Candau (1997), com os problemas que provoca – de natureza epistemológica, política, pedagógica – o fermento para pensar as políticas 29 Didática e Trabalho Docente de formação de professores sem o “discurso sobre a teoria” tão freqüente entre os educadores. No balanço efetuado, contudo, com algumas exceções, chegamos à década de 1990 sem avançarmos sobre o conhecimento dos processos de ensino, de formação, presos a uma concepção de competência que pouco avançou sobre quem são os professores, o que sabem, o que não sabem, como ensinam, como aprendem, que problemas enfrentam no cotidiano de sua prática profissional. Talvez porque hoje sabemos que sabemos menos e essa consciência nos fez menos arrogantes, mas mais cuidadosos em definir, indicar um projeto para formação de professores, sem as fórmulas teóricas abrangentes que invadiram o campo da educação até bem pouco tempo. O significado da prática cotidiana na constituição dos saberes do professor Na perspectiva de que “a constituição de um grupo de incompetentes implica a constituição simultânea de um grupo de competentes” (Almeida, 1999, p. 6), assistimos, desde meados da década de 1980, à expansão de programas de formação continuada no pressuposto de que, através de conhecimentos provenientes da universidade, os docentes se equipariam de ferramentas teórico- metodológicas que lhes permitiriam refletir e modificar suas práticas (Lelis e Nunes, 2000). Sob a forma de cursos de rápida duração, de oficinas, esses cursos representaram a cisão entre os conhecimentos universitários e os saberes dos professores pois, salvo exceções, partiam (e chegavam) a uma perspectiva fragmentada do conhecimento, ao estabelecerem uma fratura entre a teoria (que passou a discurso) e a prática (substituída pela técnica) (Kramer, 1995). Herdeiros de uma pedagogia centrada na transmissão do saber elaborado, representaram um modelo “clássico” de formação, fundado na hegemonia teórica enquanto a explicação do real, sendo a teoria confundida com a verdade (Brandão, 1992), com o agravante de se fazer discurso sobre a teoria. Entretanto, na contramão desta tendência, sofremos também o impacto de uma literatura internacional que nos chegou nos primeiros anos da década de 1990, trazendo novos aportes à formação de professores. Seja pela via da ênfase na relação entre dimensão pessoal, profissional e organizacional da profissão docente (Nóvoa, 1992), seja pela via de que o saber docente provém de várias fontes e de que a prática cotidiana faz brotar o “saber da experiência” (Tardif, Lessard e Lahaye, 1991),12 ou ainda do habitus profissional como “gramática geradora de práticas” (Perrenoud, 1993),13 a fecundidade dessas propostas está, de um lado, na forte 30 Didática e Trabalho Docente crítica à razão instrumental e, de outro lado, na valorização da prática individual e coletiva como lugar de aprendizagem dos conhecimentos necessários à existência pessoal, social e profissional (Dominicé, 1990). De certa forma, é o texto de Tardif, Lessard e Lahaye em 1991 que vem complexificar a lógica conteudista, ao afirmar que a relação dos docentes com o saber não se reduz à transmissão de conhecimentos já constituídos, sendo a prática, expressão de múltiplos saberes, incorporadosem âmbitos, tempos, espaços de socialização diversos. Este texto contribuiu para a demarcação de um novo idioma pedagógico na consciência de que a prática profissional está marcada por uma trama de histórias, culturas que ultrapassam a dimensão pedagógica stricto sensu. Ou seja, sob ângulos diversos, estes autores ajudaram a pensar a constituição dos saberes dos professores, em um pauta diversa de uma pedagogia centrada no saber elaborado, ao refletirem sobre os limites da formação prévia e, nela, dos conhecimentos acadêmicos na constituição do saber docente; ao afirmarem a centralidade da instituição escolar enquanto locus de formação do magistério; ao revelarem a força da experiência escolar passada enquanto aluno no desenvolvimento da prática pedagógica; e, finalmente, ao assinalarem o caráter de improvisação a marcar o trabalho docente. De certa forma, esta produção efetuou a “curvatura da vara”, ao conferir à prática uma instância de produção do saber profissional, de outra latitude se comparado ao papel do conhecimento que provém da universidade. Ao problematizarem uma perspectiva centrada no saber acadêmico, estimulam o redimensionamento do sentido da teoria, tomando-a muito mais como hipótese, sendo a verdade considerada como processo, provisória e parcial (Brandão, 1992). Considerando que ainda não temos uma tradição em pesquisa acumulada sobre os saberes do professor, sobre a experiência cotidiana como lugar de construção de saberes, e que vivemos em um momento de clara hegemonia do projeto neoliberal no campo da educação, algumas questões colocam-se como desafiadoras: Que cuidados precisamos tomar para não privilegiarmos em excesso a realidade intra-escolar, micro-social, e perdermos com isto dimensões contextuais do trabalho docente no plano político social mais amplo? Como evitar o superdimensionamento do pedagógico, indiferente às diferenças sociais de gênero, classe social e etnia, tão fortes em nosso país? Como lidar com a dimensão cognitiva articulando-a à esfera das culturas com seus ritos, símbolos e mitos? Ou seja, trabalhar com a prática, social e profissional, como espaço de constituição dos 31 Didática e Trabalho Docente saberes do professor, implica não perder de vista o universo cultural dos diferentes agentes sociais que fazem histórica e culturalmente a escola. Mas há ainda outras questões trazidas por este idioma pedagógico. Que cuidados precisamos tomar para não resvalarmos para um praticismo em migalhas, na relativização quanto ao lugar ocupado pela teoria? Sob que critérios operaremos com a prática profissional, de modo a torná-la um espaço de construção de saberes rigorosos sem serem rígidos? Como o saber do mundo da experiência sensível pode ser transposto para uma razão que se quer dialógica e processual? Se estas questões podem contribuir como bússolas em nossas pesquisas, certamente será a experiência prática e concreta, com a ajuda das lições do passado, que nos ajudará a buscar novos objetos, novos problemas, novos idiomas pedagógicos. 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