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O homem quem é ele - Batista Mondin

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0 HOMEM, 
QUEM É ELE?
Elementos de 
Antropologia Filosófica
PAULU5
Coleção FILOSOFIA
• O homem. Quem é ele? - elementos de antropologia filosófica, B. Mondin
• Introdução à filosofia - problemas, sistemas, autores, obras, B. Mondin
• Curso de filosofia (3 vols.), B. Mondin
• História da filosofia (3 vols.), G. Reale e D. Antiseri
• Filosofia da religião, U. Zilles
• Os sofistas, W. K. C. Guthrie
• Quem é Deus? - elementos de teologia filosófica, B. Mondin
• Os filósofos através dos textos - de Platão a Sartre, VV.AA.
• Tomismo no Brasil, F. A. Campos
• A filosofia na antigüidade cristã, C. Stead
• A educação do homem segundo Platão, E. F. B. Teixeira
• Léxico de metafísica, A. Molinaro
• Filosofia para todos, G. Morra
• Realidade e existência: Lições de Metafísica - Introdução e Ontologia, I. Kant
• Metafísica: Curso sistemático, A. Molinaro
• Introdução à filosofia de Aristóteles, M.-D. Philippe
• Filosofia, encantamento e caminho: Introdução ao exercício do filosofar, V. de Paiva
• Corpo, alma e saúde: O conceito de homem de Homero a Platão, G. Reale
• Cristo na filosofia contemporânea: de Kant a Nietzsche - Vol. I, S. Zucal (org.)
• Cristo na filosofia contemporânea: O século X X - Vol. II, S. Zucal (org.)
• O argumento ontológico: A existência de Deus de Anselmo a Schelling, F. Tomatis
• Deus nas tradições filosóficas (2 vols.), J. A. Estrada
• O fenômeno religioso: A fenomenologia em Paul Tillich, T. A. Goto
• Filosofia social: A responsabilidade social do filósofo, A. Berten
• Filosofia política, A. Berten
• Aventura pós-moderna e sua sombra, E. B. Teixeira
• Teoria do conhecimento e teoria da ciência, U. Zilles
• Silêncio e contemplação: Uma introdução a Piotino, Gabriela Bal
• I ôgic.n o dinlótica, Mário Ferreira dos Santos
• I ilouo lu t d l i com tin icnç ilo , .Ioíim M.irc I otry
B A T T IST A M O N D IN
O HOMEM, 
QUEM É ELE?
Elementos
de Antropologia Filosófica
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Mondin, Battista, 1926.
M /49h O homem: quem é ele? : elementos de antropologia filosófica / Battista Mondin; 
(traduziram R. Leal Ferreira e M. A. S. Ferrari], — São Paulo: Paulus, 1980. 
(Coleção Filosofia)
Bibliografia.
1. Antropologia filosófica 2. Homem I. Título.
HO-OÜ48 CDD-128
índices para catálogo sistemático:
1. Antropologia filosófica 128
2. Homem: Metafísica: Filosofia 128
Título original
/ 'nano : chi è? Elementi d i antropologia filosofica, 2a ed., revista e aumentada 
© Editrice Massimo, Milão, 1977
Tradução 
R. Leal Ferreira e M. A. S. Ferrari
Impressão e acabamento 
PAULUS
13a edição, 2008
© PAULUS - 1980 
Rua P rnncisco Cruz, 229 • 04117-091 São Paulo (Brasil) 
F nx (11) 5579-3627 • Tel. (11) 5087-3700 
www pnulus com br • oditorial@ paulus.com.br
ISMN § / t \ II!» 'MU OH?) I /
mailto:oditorial@paulus.com.br
PREFÁCIO Á EDIÇÃO BRASILEIRA
O hom em . Q u em é ele?
Esta é a grande, a m áxim a interrogativa, a interrogativa das 
interrogativas. São infinitos os quesitos que se juntam em nossa mente; muitos 
roçam problemas de grande interesse, mas nenhuma questão a precede em 
ordem de importância, urgência e gravidade. Com efeito, a interrogativa “O 
homem, quem é ele ?” não se refere a qualquer fato, coisa, pessoa estranha ou 
afastada de nós, mas toca diretamente a nós mesmos, a todo nosso ser, a 
nossa origem e nosso destino. Frente a tantas outras interrogações, podere­
mos ficar indiferentes e deixar que outros se preocupem em achar a resposta 
conveniente. Ante a pergunta “O homem, quem é ele?” não podemos adotar 
uma atitude de indiferença ou superficialidade, posto que o encaminhamen­
to de nossa vida depende dessa solução, seja individual seja social, bem 
como nossa conduta, nossas relações com outrem e com o mundo.
“O homem, quem é ele?” constitui, por conseguinte, um problema im ­
portantíssimo, mas, infelizmente, também um problema muito difícil, dada 
a enorme complexidade de nosso ser, o nosso grande dinamismo, as fortes e 
elevadas aspirações, as múltiplas expressões do bem e do mal, do ódio e do 
amor, da generosidade e da perversidade, do progresso e do retrocesso de 
que somos capazes. Que a questão do homem seja problema difícil, atesta-
o claramente a história: realmente o homem tem sido objeto de pesquisa e 
de estudo, desde os primórdios da filosofia grega. A questão que importava 
a Sócrates precipuamente era: “Conhece-te a ti mesmo”. Todos os grandes 
filósofos da Antigüidade (Platão e Aristóteles), da Idade M éd ia (Santo 
Agostinho e São Tomás) e da época moderna (Descartes, Kant, Hegel, Marx, 
ll<’i.degger) esfudaram-na com paixão. Contudo, nenhuma de suas mais 
brilhantes solu^ix^s satisfaz-nos plenamente.
A í/í/i stim pina, /orna a apresentar-se e <t impor-se com reiterada ur- 
^eneiti. iinni tiiiftftin une, <omu se riu, não podemos nem evitar, nem
6 O Hom em : quem é ele?
contornar, nem passar aos outros. Devemos enfrentá-la, pois, com empe­
nho e até com humildade, sem a pretensão de obter resultados portentosos 
sobre um argumento em que as mentes mais geniais, nem de perto, balbu- 
ciaram miseravelmente.
Procederemos com bastante prudência, submetendo a uma análise 
atenta, ampla, possivelmente completa todas as manifestações (fenôme­
nos) mais significativos do ser humano: desde a corporeidade à vida, do 
conhecimento à liberdade, da cultura à linguagem, da sociabilidade à arte, 
da técnica até a religião. Exploraremos o ser do homem de todos os pris­
mas principais para entrever, se épossível, de que coisa se trata, ou melhor,
o que eles sejam efetivamente. Somente após uma vasta fenomenologia da 
aparência (dos fenômenos) ousaremos tentar compreender e explicar o que 
cies sejam no seu ser mais profundo e no seu destino último. Fá-lo-emos 
com a esperança de chegar a uma solução satisfatória, embora não perfei­
tamente adequada, sendo o homem um mistério muito grande para o pró ­
prio homem.
Roma, Páscoa de 1979
O A u t o r
INTRODUÇÃO GERAL
NATUREZA E TAREFAS 
DA ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA
I . Im portân cia e a tua lidade do p rob lem a antropológico
Sublinham os já no prefácio a importância que cabe ao estudo da an ­
tropologia. Sobre esse ponto existe hoje um consenso que podemos chamar 
universal. Existencialistas e estruturalistas, m arxistas e tomistas, evolu- 
cionistas e espiritualistas, ateus e cristãos estão todos de acordo em at,n 
buir ao estudo do homem um a importância capital. E is alguns testemu 
uhos autorizados a esse respeito.
O evolucionista inglês T. H. Huxley escreve: “A interrogação de todas 
as interrogações para a humanidade — o problema que subjaz a todos os 
outros e que mais do que qualquer outro suscita o nosso interesse — ó a 
determinação do lugar que o homem ocupa na natureza e das suas rela 
cões com o universo das coisas. De onde provém a nossa espécie; quais Sió 
os limites de nosso poder sobre a natureza e do poder da natureza sobre 
nos; qual é o fim para o qual caminhamos; esses são os problemas que 
depara novamente e com imutável interesse cada homem que vem ao 
mundo.”1
O mesmo pensamento é expresso pelo fenomenólogo M ax Scheler nos 
seguintes termos: “Em certo sentido todos os problemas fundamentais da 
lilosofia podem reconduzir-se à questão seguinte: que é o homem t* (|u<' 
lugar e posição metafísica ele ocupa dentro do ser, do mundo, de Deus.”'’ 
I )a í a importância da filosofia: “Se há um problema filosófico cuja solução
o requerida com urgência pela nossa época, este problem a é o da antropo­
logia filosófica. Entendo por isso um a ciência fundam ental acerca da cs 
sência e da estrutura da ética do homem; da sua relação com o» reinos da 
natureza (minerais, plantas e animais) e com o princípio de todas as cai
1 T I! Kuxloy, Munn f>htiv m nttfurr and othvr rsMtys, l,on<ltvH, 1903» p f>2
J M ScIidIwi1, "Vuiii I lim#l m /. dm* Wmiím”, íii < ífm tm /nfltr Wrrtr, III, Hiflô, p I V*4
M I n h i i d i i ^ ú o R v r u l
was; da sua errigern essencial metafísicae ao seu início finico, psíquico v 
espiritual no inundo; das forças e potências que agem sobre ele e aquelas 
sobre as quais ele age; das direções e das leis fundam entais do seu desen­
volvimento biológico, psíquico, espiritual e social, consideradas nas suas 
possibilidades e realidades essenciais. Os problemas da relação entre alma 
e corpo (entre psíquico e físico) e a relação entre o espírito e vida estão 
compreendidos em tal antropologia, somente a qual poderia dar um válido 
fundamento de natureza filosófica e, juntam ente, finalidades determina­
das e seguras à pesquisa de todas as ciências que têm por objeto o homem: 
ciências naturais e médicas, pré-história, etnologia, ciências históricas e 
sociais, psicologia norm al e evolutiva, caracteriologia.”3
M artin Heidegger, expoente máximo do existencialismo e autor de um a 
das mais agudas e influentes análises fenomenológicas do homem, exprime- 
se da seguinte m aneira a respeito da atualidade e complexidade do pro­
blem a do homem: “Nenhum a época teve noções tão variadas e numerosas 
sobre o homem como a atual. Nenhum a época conseguiu, como a nossa, 
apresentar o seu conhecimento acerca do homem de modo tão eficaz e fasci­
nante, nem comunicá-lo de modo tão fácil e rápido. M as também é verdade 
que nenhum a época soube menos que a nossa o que é o homem. Nunca o 
homem assum iu um aspecto tão problemático como atualm ente”4.
A importância do estudo do homem é obviamente sublinhada pelos 
m arxistas, para os quais não há no universo um ser maior do que o ho­
mem. Entre eles, podemos colher muitíssimos testemunhos, mas não acres­
centariam muito ao que foi dito pelos autores acima citados. Limitar-nos- 
emos, portanto, a referir um passo significativo tirado de Dieter Uller. Ele 
diz: “O interrogar-se sobre o homem, sobre a sua posição presente e futura 
no mundo, faz parte dos problemas centrais da filosofia. N a conjuntura da 
passagem mundial da hum anidade do capitalismo ao socialismo e do pro­
cesso de radicais m udanças técnico-científicas, essa questão ganhou em 
atualidade. A sua solução são dirigidos também os esforços dos represen­
tantes da filosofia burguesa, da sociologia e da cultura, de m aneira sem­
pre mais intensa”5. Praticamente todos estão, portanto, de acordo em re­
conhecer a importância capital de estudo profundo do homem. M as como 
realizá-lo? De onde começar? Que aspecto examinar? Qual método a ser 
seguido, o da ciência experimental ou o da psicanálise, o da sociologia ou o
3 M. Scheler, “Mensch und Geschichte”, in Ph ilosoph ische Weltanschauung, Berna, 1954, p. 48.
4 M. Heidegger, K ant and das P rob lem der M etaphysik, § 37.
5 D. Uller, “Zum M enschenbild der bürgerlichen Kulturanthropologie” , in Deutsche Ze itsch rift fü r 
Ph ilosoph ie, 1968, p. 799. Outro m arxista de grande prestígio, L. Goldmann, escreve: “Objeto princi­
pal de qualquer pensamento filosófico é o homem, sua consciência e comportamento. Enfim toda filo ­
sofia á antropologia” (I,. (ioMnm nn, h< Dicu caché, Paris, 1959, p. 16).
N . i t i i r e . t i r t n r u j T L n t l t i l g h . i r o p O i O g i ( i / u u n o n i r u
iln 11n • l n 11micn? Cm o u t r a s palavra», pare a lc a n ç a i urcif nn»po»ta ro n e lu s i 
pi n m l i n o ^ a ç a o : “Qiujm 4 O h o m r m ? ” q u e t ip o d® AlitTOpologia S© d<vi 
ImIhii m\ n < i#BLfEica, a fenomenológica ou a filosófica?
<) iisii </o termo “antropolog ia ”
Ali* iIdih séculos atrás, ou seja, até Wolff, o estudo do homem era cfcia
..... In [)<’ ànifna. E ra estudo ao mesmo tempo experim ental e metafísico,
I>• >t ■ i) mais o segundo do que o primeiro.
Wolff ioi o primeiro a distinguir os dois tipos de pesquisa, e as chama
■ a i i>M|)(‘ctivaniente: Psychologia empírica (Frankfurt, 1732) ePsycholo^ni 
i tifionalis ( Frankfurt, 1734).
Kkhii distinção, depois, assumiu caráter definitivo.
Iln|c se tende a substituir o termo “Psicologia” por “Antropologin”, 
i| iim< mms apto a indicar o conteúdo da pesquisa filosófica: ela diz respeito 
n Imlo o homem e não só à alma.
<) termo “antropologia” afirmou-se por mérito de Kant, que intitulou
.....a de suas obras Anthropologie in pragmatiscer Hinsicht (1798). Nela
ili'lmi‘ essa ciência como: “U m a doutrina do conhecimento do homem or- 
ili nada sistematicamente”.
( ) termo “antropologia”, porém, não foi cunhado por Kant. Ele tem 
n u m história mais longa. O hum anista O. Casm ann publicou em 1596 um 
viihimo intitulado Psychologia anthropologica na qual se propõe expor 
iloH.nna geminae natural hum anae”, ou seja, da alm a e do corpo.
0 uso filosófico do termo tem, pois, um a tradição muito sólida, tam 
hrm se do século X IX em diante o termo foi usurpado e monopolizado por 
outros campos.
1 foje ele é adotado para denominar três disciplinas bem diferentes:
a) o estudo do homem do ponto de vista físico-somático: Antropologia 
física.
b) o estudo do homem do ponto de vista da sua origem histórica: A n ­
tropologia etnológica ou cultural.
c) o estudo do homem do ponto de vista dos seus princípios últimos: 
Antropologia filosófica.
G. Durand, na Encyclopedia universalis, no verbete “Antropologia" 
( vol. II, pp. 50-51) oferece a seguinte divisão:
I. Antropologia biológica, que se subdivide em:
— física (ou anatômica)
— fisiológico (conservação e crescimento do homem)
— patológico
(I I n t i i i i l n ç ú d g t r t i l
t'coli)(jicii (i'claç£ó entro «> liomodn <• om animais) 
paleontnlógica.
II. Ant ropologia mental, t|nc* SG subdivide ora: 
psicológica
— social e cultural.
i. H istória da antropologia filosófica
Enquanto o termo antropologia aparece na história da filosofia em 
i-mpos um tanto recentes, o que designa foi sempre objeto de estudo em 
udos os períodos da história. O homem foi estudado pela filosofia grega, 
issim como pela cristã, pela filosofia moderna como pela contemporânea. 
■Jáo foi, porém, estudado sempre do mesmo modo, do mesmo ponto de 
ista, do mesmo ângulo.
N a filosofia clássica grega o homem foi estudado a partir de perspec- 
iva cosmocêntrica; na filosofia cristã, de perspectiva teocêntrica; na filo- 
;ofia moderna e contemporânea, de perspectiva antropocêntrica.
E lógico que destas diversas perspectivas se obtiveram imagens do 
tomem profundamente diferentes.
As antropologias mais significativas elaboradas num a perspectiva 
•osmocêntrica são as de Platão, Aristóteles e Plotino.
Pa ra P latão o homem é essencialmente alma: alm a espiritual, in- 
■orruptível, e portanto, certamente imortal; a imortalidade da alm a para 
Matão não constitui verdadeiram ente problema: o único verdadeiro pro- 
ilema para ele é libertar a alm a da prisão do corpo6.
Ao contrário, para Aristóteles o homem é essencialmente constituído 
ie alm a e corpo, como todos os outros seres deste mundo. No homem, a 
ilma desempenha o papel de forma, e justam ente por isso, e não obstante 
i evidente superioridade com relação ao corpo, não parece em condições 
le escapar da corrupção e portanto da morte7.
Plotino retoma a concepção de Platão: dicotomia entre alm a e corpo; a 
Voesis (ou seja, o conhecimento intelectivo) pertence exclusivamente à 
ilma; enquanto todas as outras operações do conhecimento são realizadas 
pelo corpo enformado pela alm a8.
6 Mesmo tendo toda a filosofia platônica caráter humanístico, o aspecto antropológico é estudado 
nos seguintes diálogos: Fédon, Fedro, República.
7 Cf. o P e r i Psychés (sobre a alm a), o prim eiro tratado escrito de antropologia. Ele introduz no 
I ratam ento a ordem típica da filosofia aristotélica: do ser, da alm a às suas atividades. Portanto, pri­
meiro o estudo da natureza da alm a e depois aquele das suas faculdades.
H C f sobretudo a prim eira e a quarta Enneada.
t \>m o ei isl nmiHimi u-hr* se para o homem (e portanto lambem pura a 
n lli xao anlropotfitficu) uma n<JVa perspectiva. ( ) fundo sobre o qual se 
i|i'twiivolvt> a vida humana não é mais o da natureza, do cosmos, como 
I ii11 ,i os mas sim aquele da história dasalvação, ou seja, a história
il ralações entre Deus e a Hum anidade. Por conseguinte, a reflexão an- 
i jvrpalógica dos autores cristãos tem como ponto de referência constante o 
jjritorio Deus: é reflexão evidentemente teocêntrica.
Entre uh inumeráveis antropologias delineadas pelos pensadores cris- 
Iikim durante a época da patrística e da escolástica, duas se distinguem 
abra todas as outras pela originalidade e profundidade: a de Agostinho e 
M d< Tomás.
Santo Agostinho estudou o homem com um a paixão extraordinária;
i m k le-se mesmo dizer que toda a obra agostiniana é essencialmente centrada 
lumbi-m no homem, além de em Deus. N os Solilóquios ele declara querer 
ivilndar sobretudo dois temas: a alm a e Deus, e se propõe iniciar com o 
i" udo da alma, porque é nela que Deus se m anifesta mais limpidamente. 
\ luz da revelação cristã, na reflexão de Santo Agostinho ganham relevo, 
imc/oes e problem as que o pensamento grego não havia ainda sabido, ou 
podido, aprofundar, como o mal, o pecado, a liberdade, a pessoa, autotrans- 
im dencia, etc. No De anima et eius origine o bispo de Hipona enfrenta o 
i' pinhoso problema da origem da alma: por quem foi ela produzida, por 
I (eus ou pelos pais? Agostinho ai discute as duas soluções opostas: cria-
i imiismo e traducianismo9. N as linhas fundamentais, de qualquer manei- 
ni, a antropologia de Agostinho se inspira em Platão: a mesma dicotomia 
cfitre a alm a e corpo, a redução do homem essencialmente à alma, a com­
pleta autonomia do conhecimento intelectivo com respeito a qualquer con- 
I l ibuição do corpo.
Santo Tomás, embora operando sempre num a perspectiva teocêntrica, 
<-ja no estudo do homem como de qualquer outra realidade, faz uso mais 
rigoroso e sistemático da análise filosófica dos outros autores cristãos, in­
clusive Agostinho. No que concerne à antropologia, ele está certo, por um 
lado, que Platão oferece um a solução que está substâncialmente de acordo 
com a fé, mas acha-a filosoficamente fraca. Por outro lado, vê que Aristóteles 
l >õe à sua disposição um a concepção do homem muito mais sólida, mas sob 
dguns pontos incompatível com a revelação cristã, pelo menos para aque­
les que aceitavam a concepção averroísta do pensamento do Estagirita. 
l’or esses motivos, Santo Tomás elabora um a nova antropologia filosófica,
9 O criacionismo afirm a que a alm a de cada homem é criada d iretam ente por Deus. Ao invés, o 
traducianismo ensina que a alm a é transm itida (traducere) do pai para o filho, como a chama de um 
archote para outro. Cf. B. Mondin, I filoso fi delUoccidente, Coines-Massimo, Roma, 1973, v. I, pp. 172- 
173 (trad. bras. H is tória da F ilosofia , vol. I, Edições Paulinas, S. Paulo).
12 I n t n u h i ç d o g e r a i
que tem como pontos característicos os seguintes: o homem e composto 
essencialmente de alm a e corpo; a alma não subjaz ao corpo, mas o contrá­
rio; aquela possui o ser diretamente, ou seja, tem o seu próprio ato de ser 
e dele faz participar o corpo. Há, portanto, um a unidade profunda, subs­
tancial entre alm a e corpo justam ente porque é único o seu ato de ser. M as 
ao mesmo tempo tendo a alm a um a relação prioritária no ato de ser, a 
morte do corpo não pode implicar na sua morte. A alm a é, portanto, de 
direito im ortal.10
Com o início da época moderna a pesquisa antropológica abandona o 
enquadram ento cosmocêntrico dos filósofos gregos e a teocêntrica dos au ­
tores cristãos e se dirige para o enquadramento antropocêntrico: o homem 
constitui o ponto de partida de onde se origina e em torno do qual fica 
constantemente polarizada a pesquisa filosófica. A investigação crítica, 
que, em Descartes, é o ponto necessário de partida de todo reto filosofar, 
tem por objeto o homem. N a Ethica, Spinoza não se propõe outro objetivo 
do que estabelecer cientificamente qual seja o escopo da vida hum ana e os 
meios para o conseguir. Hum e (em Treatise on Hum an Nature ) pretende 
oferecer um quadro definitivo do homem como indivíduo; Comte e M arx 
pretendem apresentar um quadro completo do homem como ser social; 
Freud estuda o homem como um complexo de instintos; Heidegger e Bloch 
como um a m ina de possibilidades; Gehlen como um anim al não ainda 
especializado etc.
Pode-se observar, todavia, que embora todos partam de perspectiva 
antropocêntrica, os filósofos modernos, num primeiro estágio, continuam 
ainda a elaborar antropologias de cunho metafísico, que se inspiram ge­
ralmente em Platão. Assim , por exemplo, as antropologias de Descartes, 
Pascal, Spinoza, M alebranche, Vico, Leibnitz. U m novo modo de estudar o 
homem impõe-se só depois de Kant, ou seja, depois que o autor da Crítica 
da Razão Pura procurou provar a absurdidade das pretensões da meta­
física. Segundo Kant, a mente hum ana não pode adquirir um saber abso­
luto nem do mundo, nem do homem, nem de Deus; ela pode atingir so­
mente um conhecimento de caráter prático, moral. Coerente com essas 
convicções, Kant tentou elaborar um a antropologia de índole prática, mos­
trando que o homem é ser diferente dos outros no seu valor, na sua digni­
dade, na sua condição de pessoa, e que a essas características deve 
corresponder comportamento adequado. Kant reuniu essas reflexões na 
obra Anthropologie in pragmatischer Hinsicht (Antropologia de ponto de 
vista pragmático), publicada pela prim eira vez em 1778.
10 Cf. “ I)c anim ii” , Conient. in De anim a, summ a contra gentes, v. II, cc. 50-100; Sum m a Theologiae, 
v. I. <|<|. 7í>-*r>.
Qium lo ;LD lugar devido à antropologia 110 âmbito das disciplinas filo 
>11. n:i, Kant, o lixa na introdução à Logica ( ‘2-1 A ) do suguinte mudo: “O
■ 1111><i da I dosolla pode ser encerrado nas seguintes questões: 1) Que pos 
in ilici? 2) Que devo fazer? 3) Que posso esperar? 4) Que é o homem? 
iW'11* imI dei' Mensch?)”.
A |>inm-ira pergunta refere-se à metafísica, a segunda à moral, a ter
ii n ii religião, a quarta à antropologia. O próprio Kant, porém, observa
• 11h um (71 imeiras três podem ser reduzidas à últim a questão, um a vez que 
11H11' m i * IYmda no homem: “No fundo, tudo isto poderia reduzir-se à ant n>
lmilícia porque as três primeiras perguntas se referem à ultim a”11.
A cntu a kantiana à metafísica, os progressos da ciência, a emersao 
.1 i i Hiiiiriònc.ia histórica e outros fatores já no século X IX e, depois, mais 
i! < rjtdam ente ainda no século XX, deram uma reviravolta decisiva im
i m \ i ■ i i«n<;So antropológica: abandona-se o terreno metafísico no qual, como
ii viu. os filósofos haviam trabalhado até Kant, para se colocarem cm 
utn>*i terrenos: o da história, da ciência, da cultura, da fenomenologia, da
....... mnlise, da religião etc.
I >< uso modo obtém-se toda uma série de novas imagens do homem,
11m*if'rn s que freqüentemente suscitaram grande interesse, como os s< 
i 'n ml es:
liomem econômico: M arx 
liomem instintivo: Freud 
homem angustiado: K ierkegaard 
homem utópico: Bloch 
homem existente: Heidegger 
liomem falível: Ricoeur 
liomem hermenêutico: Gadam er 
homem problemático: Mareei 
liomum cultural: Gehlen 
liomem religioso Luckmann.
A ant ropologia filosófica, instruída tão abundantemente pela hislil 
i m esl.ii, hoje, em condições de desenvolver um discurso mais rico e mais
i nMipIcl.o a respeito do homem do que no passado. Adem ais, ultimamente 
ile muitas partes se apresentaram sérias reservas acerca da legitimidade 
iU uma investigação filosófica a respeito do homem. Antes de procedei ao 
no (mo est udo devemos, portanto, procurar dissipar essas dúvidas.
M K an l, 1 a>f ’ik 25 A.
1 * Kul l i' UH rrHiMtliiiri Imilm iciim < Irnni volva lan nobre a («voluçào (Ia antropologia, t rror
<l'in<mmi: M. IIiutíh, IJ vv a h u t im r i/•*/ iw n w rtn t in tn i fu t lò^m*, Hulouim, 1971; K. 1 * I h A l i in h H v o f 
I * » y* /<<>/»ijjv, I«oikIivh, l!Hi4, li <JioolliuyniMi, A n t i •*/»i»/i•/,*((# fih>nttfir<tt Nápoles, !!)(»{); (í. («íaiuiiiii, II
I m i l t l rn i t i ii/í/ro/íoM^fro, Um na. I Hltfi l * mim|m•imiíIh h* Ihilnin < In «Ir-irn volvi monto <ia anl mpolo^ia tl«*n
• l»> ou jn «* Mocrát Ícoh al á Hntil n Tmatt* di> -VpilMM J
/uluri jQ i' ta r r f i í i t i t t aiilm/inln/iiu filosô/icn l ! l
I n i l M n l u ^ ã i i K * n t l
IA-tfifunidade da anfropo/o^m filoso/ica
Até que Kant, nao pôs em dúvida a possibilidade de investigação 
ULu.ftsica das coisas, não havia aparecido suspeita sobre a legitimidade 
<■ mn estudo do homem de caráter filosófico. Hoje depois do empurrão 
iido pijJo autor da Crítica da Razão Pura, na especulação sobre a “coisa
iii ii", esta legitimidade não é mais tida como dada. Antes, muitos se per- 
uriUm se a investigação filosófica do homem não é supérflua; se não bas- 
iiLÍT iih disciplinas científicas, as várias antropologias experimentais para
ii. “i nos conhecer quem é o homem.
A essa pergunta muitos estudiosos responderam que não basta reivin- 
I ii iii* a legitimidade da antropologia filosófica, seja quando a filosofia ve- 
ilm ii ser concebida como disciplina aporética ou como disciplina teórica. 
nJii primeiro caso, a antropologia filosófica se propõe desm ascarar a auto- 
iiif i> ii ncia do saber científico e mostra que a realidade hum ana traz pro- 
ilfiims que a razão de per si não consegue resolver. No segundo caso, ela
• in piir objetivo levar avante e completar o conhecimento do homem em-
iiit ih Iu Io, mas desenvolvido apenas setorialmente pelas várias ciências.
< 'mn efeito, cada um a das disciplinas científicas nos oferece só um 
niiliivuuento parcial e superficial do homem. Nenhum a abarca o quadro 
nTTipletO e nenhum a se propõe responder à pergunta: “Quem é o homem 
•in|iiniito tal?” E certo que também o biólogo, o flsiólogo, o médico, o antro- 
puogQ, <> historiador interrogam-se a respeito do homem. M as nenhum 
li-li h tem a pretensão de dar resposta completa13. Por sua vez o filósofo, 
lindamente porque é filósofo, se empenha em buscar resposta total, com­
pleta, exaustiva, última, resposta em condições de esclarecer plenamente 
n (|in seja o homem tomado globalmente, em seu todo, o que ele seja efeti­
va mriite além e sob as aparências, o que seja em si mesmo afora as dife- 
i n i^as causadas pelo ambiente, pela idade, pela educação, pelo sexo.
“( ) homem nos interessa na sua totalidade, não por esse ou aquele de 
MiMii* aspectos. As ciências especializadas (antropologia, lingüística, flsiolo- 
p.ni, medicina, psicologia, sociologia, economia, ciências políticas), malgrado 
um seus esforços, tendem a limitar a totalidade do indivíduo, considerando-
11 N ao só do homem em geral, m ás nem das suas partes singulares a ciência pode oferecer um a 
inm pieensáo adequada: nem do olho e nem da mão: “L’oculiste qui examine la vue d’un patient 1’objetive’, 
v ii|>|>1 i<|ui- hoii snvoir; par là mème il laisse fu ir le regard vivant qui ne peut être object de Science. Le 
c 1111 urjMrn pyut sa isir le globe oculaire avec les doigts ou de pinces: le regard se derobe toujours, plus 
iMvmcililc‘Mii'iil. <iu’une poutte de vif-argent” (E . Barbotin , H u m a n i t é d e Uhom m e, Aubier, Paris, 1970, 
p
Kkmii insuficiência 6 freqüentem ente evidenciada por Barbotin . O autor, a propósito do tempo e do 
<lc> modo couio sao percebidos pelo homem revela bem a profunda diferença que existe entre as 
nM icg cienl.ificiiH ileHHiis renlidadi-s^! a realidade vivida. P a ra o espaço essa distinção é posta em 
okiiiiii iimw pp '/D, .11 k m , íi t 1‘ara o lem po nas pp. 87-88 95, 108-109.
N a t i í f v i a c I t i i f / t i ( I n n n t i o / m i n u t a f i l o h ò f C c d 1.1
o rio ponto de vinlii ili tiiiiii 1'unçâo ou de um impulso particular. O cunho 
conhecimento do homem resulta fragmentado: muito freqüentemente to­
mamos um a parte pelo todo. E esse erro que nos propomos evitar”14.
Portanto existe lugar para pesquisa diferente, independente da cien­
tífica, de caráter filosófico, que tem por objetivo responder à questão: “Quem 
é o homem?”
5. Estatuto epistem ológico da antropologia
M as, dada a legitimidade e a necessidade de um a antropologia filosó­
fica não foi ainda dita a últim a palavra sobre a sua possibilidade; antes, 
ela permanece por ser demonstrada.
Sua possibilidade, como já foi visto, foi contestada desde quando Kant 
deu valor teórico somente às ciências matemáticas e físicas. Este dogma 
kantiano encontra ainda apoio de numerosos estudiosos, os quais susten­
tam que não se pode dar outra forma ao saber que não seja o científico e 
nenhuma outra forma de verdade que não aquela descoberta pela ciência.
M as desde o início de nosso século, há toda um a falange de filósofos, a 
qual compreende entre outros Bergson, James, Dilthey, Scheler, Mannheim,
I leidegger, Gadamer, Ricoeur, Barbotin, Polanyi, que além da forma cien­
tífica do saber reconhecem a existência de formas extracientíficas.
Hoje, seguindo o exemplo de Dilthey se costuma distinguir, nas discus­
sões filosóficas entre o “explicar” (erklaren) e o “compreender” (verstehen).
“A explicação dos fenômenos físicos se contrapõe como m aneira fun­
dam ental diferente do conhecer humano à ‘compreensão histórica’ ”15.
Reconhece-se que para a natureza pode dar-se um a explicação; mas 
afirma-se que a vida pode ser somente “compreendida”.
Com base nessa distinção, conclui-se que a antropologia filosófica opera 
mediante conhecimento de tipo “compreensivo” antes que “explicativo”.
A antropologia filosófica cabe, portanto, um estatuto epistemológico 
propriamente seu, diferente do da ciência e parecido com o da arte, da 
religião e da história.
M as qual é, precisamente, o estatuto próprio da antropologia?
Neste ponto torna-se necessário enfrentar a questão do método da 
antropologia, porque somente na determinação de seu método acharemos 
a resposta à questão do seu estatuto epistemológico.
Passemos, portanto, ao problema do método da antropologia füesófiea.,
M A. H(*sch411, C hi <' 1'uonio?, Rusconi, M ilão, 1971, p. 15.
in W Winilt>llmml, lA 'hrhuch i l r r (f\schichW der Vliilotmphn , 'l\iliiii^t>n, 19/>7,/>.^b89.
(i I n l r o i h i ^ m i K « ' i C í
>O m étodo da antropologia, filosófica
( ) problema do método da antropologia filosófica foi o centro de mui- 
n* discussões neste século. Para resolvê-lo foram aventadas várias pro- 
ionI.mn. Ilusserl indicou o método fenomenológico, Heidegger e em geral 
imIos oh rxistencialistas seguiram-no; Gadam er, Ricoeur e outros usaram
........ hermenêutico; Fabro propôs o método da introspecção; Barbotin,
ida compreensão; Boros, o método fenomenológico-transcendental; Mareei, 
i i rflrxão transcendental; Polanyi, o método da validade (validation); Lévi- 
iln iuss, o método estrutural.
Parece-nos que em todos esses métodos tenta-se sublinhar excessiva- 
nirrite o aspecto específico da investigação antropológica, esquecendo o 
i |iir ria tem em comum com qualquer pesquisa que tenha em m ira a aqui- 
viftüo d<9 cognições de valor universal. A lém disso, para subtrair-se ao con- 
11-o ii |.o com a ciência, freqüentemente se tomam métodos que não dão ne­
nhuma garantia de atingir autêntico saber antropológico: é o caso do método 
fiínuTTienológico, do hermenêutico, do introspectivo e de outros ainda.
A nosso ver, a antropologia filosófica exige um método muito comple- 
kii no qual se possam distinguir duas fases principais: a fenomenológica e 
n 11 .iiiM-endental16.
Nn fase fenomenológica se recolhem todos os dados relativos ao ser do 
WiTm um, n a fase transcendental se busca revelar o significado último desses 
«IikIdh, ü üijínificado profundo que lhes dá um sentido e os torna possíveis.
( ) método da antropologia distingue-se do da ciência já na fase feno- 
mrnnlógica, porque compreende não apenas a observação objetiva, mas 
I iimhém a introspecção. A razão é bastante óbvia: visto que as atividades 
hum anas possuem dois aspectos essencialmente ligados e complementa- 
rrn, um físico e externo, outro psíquico e interno, não podem ser estudados 
dr outro modo a não ser valendo-sede dois procedimentos: o da observa­
d o objetiva de um lado, e o da observação introspectiva do outro17.
I lá mais, porém: também no nível da observação objetiva se pode res- 
Naltar diferença entre o método da antropologia filosófica e o das ciências 
i xprrunentais. Aobservação objetiva destas últimas é de fato um a obser- 
viiçiki objetivante, um a observação que reduz o objeto ao estado de coisa, 
passível de mensuração, de controle, de manipulação. Pelo contrário, a 
observação objetiva da prim eira não é objetivante. O antropólogo “trans-
111 Corno já é sabido são dados diversos tipos de fenomenologia, fenomenologia do espírito (H egel), 
liMiomiMiolo^a essencial (Husserl, Scheler), fenom enologia descritiva (H eidegger). No nosso estudo 
Hi<|{uin>in<>H o motodo da fenomenologia descritiva.
1' ( T. ( i. de Montpellier, Lapsychologie est-elle la Science du comportem entf, Revue Phil. de Louvam, 
Iti/li, |M> 174 192.
N i t t u r e . i i e t t m i l n n n t i ( i / k i / d ; ; / ! / f i l o s n / n </ 17
le n mi1 p a n i o i n i e n n r do p e n s a m e n to de o i i ln m , enlui<;ii ( p a ia v iv e Io 
d t d e n t r o , p í i ra cfljl-L/.Sl' SOU pWCU-CSQ e duspoviD m11n m ir a , . Ia nao $e ( r a t a 
dic dydu/JLTj m a s s im de in d u z i r ” 1*.
Mas a antropologia tílosótlca difere das ciem ias experimentais sobre
I udo no movimento transcendental. Enquanto, com efeito, o procedimento 
i lu antropologia científica ó horizontal: de fenômeno em fenômeno, classi- 
nCiKfflo dos fenômenos e formulações de leis que os regulam , o procedi­
mento da antropologia move-se em linha vertical: dos fenômenos às suas 
m usas, às suas últimas razões.
Portanto o ponto de partida das duas antropologias é idêntico, mas nao 
<> ponto de chegada. A antropologia experimental não pode tratar da alinn, 
ijiii* é, por sua vez, o argumento específico da antropologia filosófica11’.
O método transcendental, do modo como é entendido por nós, tem <> 
mesmo objetivo que lhe dava Kant: estabelecer as condições supremas <|ur 
tomaffl possível um conhecimento (ou um a coisa); mas segue um procedi 
ment.o diferente do de Kant.
No autor da Crítica da Razão Pura, o procedimento é dedutivo: justi 
In iim-se certos conceitos demonstrando a sua capacidade de tornar possi 
vel certo campo de subjetividade.
No nosso caso, pelo contrário, o método transcendental tem caráter 
indutivo: move-se a partir dos fenômenos e os estuda profundamente com a 
HüaJidade de descobrir suas raízes últimas. No caso do homem, ele busca 
uma justificação última de todos os seus comportamentos, inferindo as con- 
ilit,-oes que os tornam possíveis. Como bem diz Boros: “o método transcen­
dental é o caminho para observar a penetração na esfera básica e a emersão 
das profundezas do ser, constantemente presente nos nossos atos”20.
Sem adotar o termo, o método transcendental já foi utilizado por Platão, 
Aristóteles, Agostinho e outros, e em particular por Blondel. Este último
111 R. Marbotin, H um anité de Vhomme, cit. pp. 10-11.
111 Sobre as relações entre antropologia experim ental e filosófica veja-se S. Strasser, The soul in 
nitlpuhyaicíd and em p irica l Psychology, Duquesne, U n iversity Press, Pittsburgh, 1962.
l ) autor reassume sua posição nos seguintes termos: “O psicólogo experim ental estuda a alnm 
iI iiiví-h das objetivações e das quase-objetivações. Apanha o espírito à medida que ele 6 mais ou 
mi nem alienado de si mesmo. Assim , é evidente que ele obtém um quadro negativo do espírito. ( )
I iiiicijI iiho experim ental descobrirá algumas probabilidades típicas, se bem que a essência do nosso alo
I I iin iirrndenlal seja a liberdade; aclm r-se-á defronte a um a unidade m ultiform e e complexa, não 
I' lante o lato de que a nossa inferioridade seja uma unidade .simples... Po r outro lado, essa siluaçrto
min mis d eve le v a r a ca ir em erro, purque iiúh hmIicimuh que o psicólogo ex per im en ta l e o seu co lega 
inr ln flu iu ), ao m enos em parlo , nrtn d( r revc iu n na min iihjrtn < >m seus ju ízos n ã o s ã o an l i te t i ros , mas 
i nm p lem cntares . O m e lylWiirii liiln dn nlmn, i'nipiiuilu u pr n nln^n exper im en ta l fala (le um ser an im a 
iln, o p r im e iro nos d iz o (|uc «i|<iim! n n t i«/il i n mmuiiihIu im lira noli </iud jo rnm torna-se corpo e
MiMiliict iva a si meHinn; u pi n n r i i<>M l l u im tn Ininni i iii/rnliil, n ne^iuiilii exam ina u iiti> l l <iii!iirntli‘n lid 
■'iii/mifi/o xr lo rm i m / ' I p V ' F
" ’ l, l l i i n n , M ynli'rn ilii íMi/rfm IJi iei l i l à m i l l i r m l i i 11MIII , p III
IK Introdução geral
(Inscreve o seu método de investigação antropológica assim: “Nós, tomando 
como ponto de partida os dados reais e os pensamentos concretos, devemos 
(ornar explícitos aquilo em que esses pensamentos e esses dados implicam,
0 que eles supõem, no sentido etimológico da palavra, o que os torna possí­
veis e sólidos... Implicar não significa inventar, deduzir; antes, significa 
descobrir aquilo que é já presente, mas não observado, não explicitamente 
conhecido e formulado”21.
Blondel chama o seu método “o método da implicação e da explicitação”.
Estabelecemos assim que a antropologia filosófica dispõe de objeto 
proprio e tam bém de método adequado para estudá-lo. Portanto, é lícito 
concluir que ela tem estatuto epistemológico válido que não pode ser posto 
tiin discussão senão fazendo insensatos atos de fé na ciência, ou cometen­
do monstruosos atos de cegueira nos confrontos da situação humana.
7. Disposições pa ra a frontar o estudo do hom em
Hoje é comum, no início de qualquer em presa científica, enum erar os 
postulados, os princípios, os “pressupostos” dos quais se pretende partir. 
Seguindo o modelo físico-matemático, em que, com efeito, cada sistema é 
elaborado com base em certos postulados ou “pressupostos”, afirma-se que 
t.ambém a antropologia filosófica procede necessariamente de certa “pers­
pectiva”, a qual é determinada por certos princípios.
Tam bém nós sustentamos que o estudo do homem requer certas con­
dições, mas nos recusamos a chamá-las “pressupostos”, “princípios”, “pos­
tulados”, porque as condições que se exigem no nosso caso não são de or­
dem diretamente gnosiológica, mas sim psicológica e moral.
Que um a ciência particular (matemática ou física) parta de certos 
postulados (princípios, pressupostos) é coisa natural, justam ente porque é 
ciência particular. Ora, esse não é o caso da antropologia filosófica: ela é 
saber universal (enquanto filosófico) e absolutamente primeiro (também 
a metafísica se constrói no interior da antropologia). Por isso, à guisa de 
princípio excluímos que a antropologia filosófica parta de pressupostos 
gratuitos e não controlados, que a tornariam discutível desde o começo.
M as, como ficou dito, o estudo do homem exige certas disposições psi­
cológicas e morais.
H á dois estados de espírito que são inimigos de autêntica investiga­
ção filosófica do homem.
■a •• f t i .w i r n nliilííHophititws du C hristian ism e, PUF, Paris, 1950, p. 71.
N a t u r e z a t t a r e f a s t J u a n t ^ A i i l t > n % à f i l o s a f u - a l ‘ )
a) 0 estado de espírito d « quem não quer admitir que o homem seja 
substancialmente diferente dos animais e que, por isso, recusa-se a reco­
nhecer que o homem constitua problema metafísico autêntico.
b) O estado de espírito de quem aceita facilmente dem ais a exigência 
de elemento metafísico no homem, como se a sua existência fosse imedia- 
I i mente evidente.
São os estados de espírito do materialista e do espiritualista. A im­
parcialidade objetiva da pesquisa exige que sejam ambos eliminados.
Hoje, desses dois estados de espírito, o mais comum é o do materialista.
Enquanto no passado não só o povo, m as também as classes cultas, oh 
1'ilosofos, tinham a convicção da existência de elemento espiritual no ho- 
n>“ in, hoje há a convicção muito difundida de que o homem não é nada 
mnis que o produtomais perfeito da matéria.
0 progresso da ciência, os regimes políticos, os sistemas filosófico*, 
Iodos contribuíram para criar essa mentalidade, à qual o homem é levado
I ambém por forte instinto de negar qualquer valor aos indícios de realidti
i li metafísica, para poder deixar-se levar mais tranqüilam ente ao gozo dn 
rvuiidade física.
Para afrontar, portanto, objetivamente o problema do homem, é pre 
c i m o libertar-se antes de tudo desses pressupostos, que foram destilados 
dentro de nós pelo nosso ambiente, pelas nossas inclinações, pela nossa 
' till ura.
1 )entre os muitos pressupostos que podem obstar o estudo do homem 
c m nível filosófico, o m ais grave e m ais danoso é o cientificismo e o 
i inpirismo. Segundo tal pressuposto a única forma válida de conhecer o 
l io m e m é a científica, porque somente a ciência dispõe de método infalível:
o met odo da verificação experimental.
No parecer dos positivistas, dos neopositivistas, dos marxistas, dos
I ruturalistas não pode haver outro conhecimento verdadeiro do homem 
iiforu o obtido mediante a pesquisa científica: a especulação filosófica nao 
|Midc fornecer nenhum conhecimento autêntico do homem, porque não opera 
■falindo o método da verificação experimental, que consiste em traduzir a 
fft i1 po[. içao de que se quer determinar o significado e a verdade em uma 
HTie de proposições experim entais. Quando “um a proposição não é
II Aduzrv&l em outras proposições de caráter empírico (...), não é de fato 
um® asserção; não diz nada; não é nada mais que um a série de palavras
ii,-ias; e simplesmente sem sentido”22.
Sobre o valor e sobre a produção da verificação experimental e sobre 
nu Atitude de funcionar como critério supremo de verdade para todo o
l ( I ‘ j i ■ 1III|1, / ‘/ i i / o x í i / i / i v <int4 l i > K i n t l K V t i h i i I .<<n 1 1 1 • l l l . l l i |i|i I I I I
I n t i ik/iii iii> litrnJ
rtíiil muil.o ioi escrito. Os h ih ik adeptos procuraram achar uimi íóimula 
menos grosseiramente seASfeticâ que a de Carnap, a que nos i c I i t i i m o k ha 
pouco. l*or sua vez, os seus contestadores mostraram que se trata de crité­
rio que se tem a pretensão de ser absoluto, é intrinsecamente contraditó­
rio, enquanto prescreve algo (a tradução em proposições de caráter 
empírico) que não lhe é nunca passível de ser obtido por si mesmo. Hoje 
parece claro que a exaltação da verificação experimental como critério 
supremo de verdade é conseqüência da sugestão e ostentação empirística 
i« materialista, a qual pretende que seja real só o que é m ensurável e, 
portanto, somente o que é material. Essa sugestão já natural no homem, o 
qual tende a considerar verdadeiro só o que vê e toca com os sentidos e 
com os instrumentos científicos, hoje tornou-se ainda m ais forte porque 
apoiada pelos cientistas, pelos filósofos, pelos políticos, pelos literatos, pelos 
mass media etc.
M as é fácil ver como essa sugestão empirística é desprovida de qual­
quer justificação racional. Com efeito, não há nada que nos autorize a 
ruduzir de saída toda realidade hum ana ao que imediatamente se vê e se 
(oca no homem. Nem mesmo o próprio homem, porque a sua realidade é 
justam ente o que está em questão, e afirm ar que ela não pode ser outra 
coisa que m aterial significa tirar a conclusão da pesquisa ainda antes de a 
l,t*r iniciado. E nem mesmo o método da pesquisa, porque deve adequar-se 
ao objeto estudado e não vice-versa.
De início devemos pois libertar-nos de todos os pressupostos inclusive
o da verificação experimental. Partir de pressupostos significa fechar os 
olhos e recusar ver e reconhecer a verdadeira natureza do homem. Deve­
mos, portanto, fazer nossa a condição da epoché, prescrita por Husserl 
para a fenomenologia: devemos pôr entre parênteses tudo o que já sabe­
mos do homem (através da ciência, da religião, da sociologia etc.) estudar
o fenômeno humano novamente. Pôr-se na condição da epoché implica que 
de saída não só é lícito repelir qualquer possível solução do problema, mas 
também não acolher qualquer como válida. No começo, devemos estar aber­
tos para qualquer solução. E la nos será sugerida pelos fatos ao mesmo 
tempo que os vamos encontrando.
Porém, para estar em condições de chegar à verdade do homem e 
apreciá-la justam ente, não basta libertar-se dos pressupostos e pôr-se na 
condição da epoché; há ainda outra disposição positiva que se chama ad­
miração. Tem essa disposição quem se aproxim a do homem com espírito 
novo, com o sentido de surpresa, de estupor, de encanto, como quem vê 
uma coisa pela primeira vez. A s crianças, que olham as coisas pela prim ei­
ra vez, estão sempre cheias de admiração: adm iram o que vêem e ficam 
encantadas a observar. Também o filósofo deve assumir essa postura. Platão
N u tu rc , a c t tuf jdH da antropologi-ü f ilo s ó fit•«/ Zl
u A i í m k i I i '1«‘h , que sno oh dom m a io r e s fuLÔSofo» «In nn l ipndade, d iz c m -n o » 
A xpron M tm en te : “e vtrdudeiramente próprio do I í Ioho Io este pa/ftos eu 
Im chaio di> admiração — oem trem o filosofar outro cômeço que este”* , 
di clara 1’latao. E Aristóteles: “ü s homens foram levados a filosofar, ont ,10 
com o agora, pela admiração, permanecendo primeiramente atônitos dian 
U’ dos problemas mais óbvios, e depois foram progredindo pouco a pouco 
»tí' proporem-se questões muito superiores, por exemplo, sobre a » condi 
y ífs da lua e do sol, sobre os astros e sobre a origem de tudo”24.
IJm dos estudiosos que aprendeu bem a importância capital que tem 
d admiração para o estudo do homem é Heschel. Esse, num a bela páginjs 
d o volume Deus em busca do homem, escreve: “a maior parte de nós h o m io h 
como toupeiras, que se escondem, e qualquer curso d’água que encont ra 
mos está embaixo da terra. Poucos são capazes de se elevar em raros mo 
mantos sobre o próprio nível da terra. M as é nesse momento que descobri 
mos que a essência da existência hum ana consiste em estar suspenso entre
o cc>u e a terra... A sensação de se estar suspenso entre o céu e a terra <• 
necessária para sermos movidos por Deus quanto o ponto de apoio do 
Arquimedes o é para mover a terra. O estupor absoluto é para o entendi 
mento da realidade de Deus o que a clareza e a distinção são para a com 
preensão das idéias matemáticas... Privados da admiração, tornamo-no» 
mrdos ao sublime”25.
No homem existem muitas coisas que suscitam admiração, seja no 
corpo, seja no espírito. Pode m aravilhar-nos a perfeição do aparelho vi 
mml, a complexidade do respiratório, a beleza do sorriso da criança, a mal 
vadez de um a mulher vingativa, a agilidade de um a dançarina etc.
No nosso estudo das várias atividades hum anas será possível achar 
nelas algum a coisa surpreendente e maravilhosa: na vida como no conhc 
cimento, no querer como no esperar, no trabalho como na linguagem, na 
cultura como na arte. Será nossa tarefa estudá-las atentamente, justo para 
colher quanto há de maravilhoso em cada um a delas. Achar-nos-emos, 
então, em frente de interrogações que nos convidarão a realizar estudo 
mais aprofundado, filosófico e não mais simplesmente científico do feno 
mono humano.
Arm ados de todas essas predisposições psicológicas e morais, procu 
raremos explorar a complexa realidade humana, com o fim de aprender o, 
seu mistério profundo. N ão partimos com a presunção de conseguirmos,
23 Platão, Teeteto, 155 d.
24 Aristóteles, M etafís ica , I, 2; 982 b.
26 A. J. Heschel, D io a lia ricerca délVuomo, Borla, Turim, 1969, pp. 273-274 (trad. bras. Dcun em 
líitsca do homem, Edições Paulinas, S. Paulo, 1975). Para uma cuidadosa análise dos vários moiiicn 
t.os da admiração, cf. L. Boros, M ysterium m ortis, cit., pp. 54-61.
VI Introdução geral
, >ois sabemos quanto isso é difícil e obscuro. Já Santo Tomás nos advertiu: 
■( '.onhecer a alm a é algo extremamente difícil e só se chega lá através de 
i idoernio que procede dos objetos e se dirige para os atos, e dos atos para 
mm faculdades”26.
Por esse motivo,o nosso passo será lento, cauto e meditado. Faremos 
miüis de tudo um a exploração, a mais am pla possível, do fenômeno hum a­
no, tomando para exame todas as suas principais manifestações. Depois, 
M<yuindo certos indícios que nos serão sugeridos por essas mesmas mani- 
lusluções, procederemos à decifração do sentido profundo, último e com­
pleto do ser do homem.
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P R IM E IR A P A R T E
FENOMENOLOGIA DO HOMEM
A DIMENSÃO CORPÓREA DO HOMEM 
(Homo somaticus)
I
I . Reflexão m etodológica
A expressão “homo somaticus”, hoje, é um tanto quanto rara; era, rr<> 
entanto, comum nos tempos de São Paulo e Filão Alexandrino. Esses e 
outros autores daquele período distinguem no homem dois elementos: mn 
pfiquLcQ e outro somático, dizendo respeito à alma, o outro ao corpo.
Nós nos serviremos das expressões “homo sapiens”, “homo vivem, , 
I io i i io religiosus” etc., para denominar as dimensões da vida, do conlie< i 
inrnl.o, da religiosidade etc. Por conseqüência, nos valeremos da expres 
Mim “homo somaticus” para identificar a dimensão corpórea do homem.
Fxiste um a reflexão filosófica sobre o corpo humano em quase todn 
purl e da história do pensamento. Acham o-la em Platão, Aristóteles, Filai», 
Sn n (o Agostinho, Santo Tomás, Descartes, Spinoza, Leibnitz, Schopun 
tinueir, Nietzsche, Bergson, Heidegger, Sartre, Merleau-Ponty, M arrei <• 
muitos outros ainda. Em geral, porém, salvo os existencialistas, esses au 
Imivs não consideram o corpo em si mesmo, mas o vêem exclusivamente
■ ■in i jltçâo com a alma. Adem ais,não se ocupam do corpo no inicio de sim* 
i níltxôes antropológicas, m as no fim. Tal procedimento não é seguido apüs 
i i n .iv pelos platônicos (Platão, Plotino, Descartes, Leibnitz), os quais, idufi
I tfi<-'iindo o homem com a alma, logicamente estudam antes de tudo e so 
11i m1 tudo esta; mas também pelos aristotélicos (Aristóteles, Tomás, LoçkuP, 
i|iii• no entanto vêem no corpo uma parte essencial do homem. Isso é devi 
111> i exigtMicia metodológica: tanto os platônicos como os aristotélicos, em 
niTI t opologia, se valem do método metafísico, o qual exige que se estudem 
miles as causas e depois os efeitos, ant.es as coisas mais perfeitas e depoi* 
aquelas menos perfeitos. I'], dmln quo ImjtD os platônicos como os uri* 
tnt eliros sustentam quü a id iT lii myà marn p^Hfuiln quâ 0 corpo e que exM\ji 
wilire ele uma ntividadi niuriiil lof.irmiicnte rnneeiilram suas atenções 
nineiudo na alma.
Fvriom&rtologia dn Kntrwm
Nu nosso estudo nno seguiremos o procedimento tradit íonal, porque 
dn alma, neste ponto, nao sabeiTios ainda nada. No início do estudo do 
hçnn&m a primeira realidade que encontramos é a dimensão corpórea. E 
nela, pois, que concentraremos nossa atenção. Procurarem os olhar esta 
dimensão com aquela atitude de curiosidade e m aravilha que é própria do 
i dosofo; cuidaremos de captar na corporeidade todos aqueles convites que 
ela nos apresenta para ir além das aparências e penetrar na profundidade 
do homem.
Antes, porém, de empreender o estudo da corporeidade, há outra ques-
I áo prelim inar para ser resolvida, qual seja, a questão do método a ser 
utilizado para o estudo dessa dimensão do homem.
O corpo é obviamente um a realidade física, material. Significa isso, 
porventura, que o método acertado para o seu estudo é o experimental, 
que é propriamente o método de que se vale o cientista no estudo das 
coisas materiais?
N a época moderna, a partir de Descartes até Pavlov e Watson, vigo­
rou o costume, também entre os filósofos, de aplicar o método experimen­
tal ao estudo da dimensão da corporeidade. M as, desse modo, acabou-se 
por reduzir o corpo a um a coisa, a um a máquina, com leis mecânicas per­
feitamente calculáveis.
M as o corpo do homem não pode ser reduzido a um a coisa.
Descartes e outros filósofos modernos foram induzidos a conceber o 
corpo dessa m aneira por causa da sua confiança cega no método científico,
o qual reconhece como verdadeiro e real só o que é experimentável, ou 
seja, os abjetos físicos e as coisas materiais.
No início do nosso século, porém, houve um a vigorosa reação contra 
as pretensões da ciência de monopolizar toda a esfera do saber. Como su­
blinham os na introdução, Bergson, James, Dilthey, H usserl e Scheler 
mostraram que existem outros modos de conhecimento tão precisos quan­
to o da ciência.
A aplicação da distinção entre método científico e método “experiencial” 
para o estudo do corpo (feita por Dilthey, Husserl, Scheler, Sartre, Merleau- 
1'onty, Mareei e outros) deu origem a duas considerações diferentes do 
fenômeno da corporeidade: a consideração científica, a qual estuda o cor­
pocoisa, o corpo objeto, o corpo situado no mundo, o corpo como se m ani­
festa aos outros, aquilo que os alemães chamam Korper; e a consideração 
leiiomenológica, que estuda o próprio corpo, como é sentido, experim enta­
do, vivido. Essa modalidade do corpo os alemães chamam Leib.
Dessa distinção, hoje, deve tomar partido qualquer estudo sério da 
somntiddade, porque existem efetivamente dois aspectos do corpo. De um 
Indo leinos uma realidade fisi< a que se descobre em sua estrutura coisal
\ (linn'tinu(> c iir in n i ii r/o hamcm
hIi|i>Iivii «Io oiilro. IwiTIO» o vivido imediato da i oiiNfiencia, nem dial.Arrriii 
<m iiln fliv*ç8 0 , umu (*i«LniCuni próxima da .suhjctividad< constantemente 
i>|x’ranti' no seu naliuíionnmtanto com o mundo. <,'om relação ao Lcib, ainda 
que evenl ualmente excluíssemos toda função dos sent ido» externos, e por 
laiilo nao pudéssemos de modo nenhum ver, ouvir, tatear o nosso Lcib, o 
leiiomeno do nosso Lcib não se anularia, porque dele conservaríamos ain 
dn n “consciência interna”. Mas, com relação ao Korper, se faltam as pt i
• epi;nes externas, ele desaparece do mundo real e começa a fazer parte do 
inundo dos sonhos e da fantasia1.
Portanto, pode-se efetuar dupla investigação sobre o corpo, científica
• * leiiomenológica. Nós, naturalmente, nos dedicaremos neste estudo A m> 
iMinda, sem, no entanto, ignorar totalmente a primeira, a qual, emboia 
iiiii> podendo dar-nos um a resposta conclusiva com relação ao problema d* 
Miiiiiat ii idade humana, pode, por outro lado, fornecer-nos informa(,oeH ím 
|ini lantes e significativas.
Por isso, antes de procedermos à análise filosófica da corporalidadi 
lum una, interroguemos a ciência para que ela nos diga o que é este com 
plexo lisico tão importante que é o corpo humano e como ele se distmiun 
dn ile outros animais.
.' P rop riedad es do corpo h um ano
Proponhamos, desde já, que o conhecimento que a ciência tem do cor­
po Immano é ainda muito limitado e imperfeito: “o volume da nossa igno* 
i um a supera o de nossos conhecimentos”2.
'Ibdavia, o que já sabemos é mais que suficiente para deixar-nos est.u 
fw-fktos e maravilhados. Sobretudo o que nos surpreende e encanta é o seu 
mecanismo, perfeitíssimo tanto no conjunto quanto em suas partes singu- 
I• 11 es. a perfeição do aparelho circulatório, dos tecidos nervosos, da estrutura 
i lm. olhos e ouvidos; a própria posição dos olhos, do nariz, da boca, das unhas, 
d- i órgãos reprodutores, das mãos etc. é de sabedoria extraordinária11.
' I T I ’. Sartre, Uessere e i l nulla , II Saggiatore, M ilão, 1965, pp. 287-288.
V Salmanoff, Segreti e saggezza dei corpo, Bompiani, M ilão, 1963, p. 7; cf. pp. 7-10.
• 'I 1’. ( 'hnuchard, L a scienza dei cervello, Bompiani, M iláo, 1968. A. Carrel, M an. The unhnnii ii, 
i n | >| > hriss.
l iilc ulnu-SG que o cérebro humano é composto por cerca <le 9 bilhões de células nervosas, enqunii
........ eu pu humano é formado por um trilhão de células. I )<>nt r<■ os muitos dados que podem documen
li i n ruiiiplexidade do organism o humann relem brarem os os seguintes: “O comprimento total ilim
capilares de um homem normal alcunha os I llll mil qinlnmel ros, o comprimento dos v i i m o m capi 
I i i i eu Uns rins é de 60 km, a dim ensão dos m piliu e> nlmi tun e d ml eiidido- em miiierficii' fnrma um tutnl
I lllll) metros quadrados, a superfície <lnn nlvenlnn |>u I i i h H i i V i em exlen mo Ibrmam qmeu.' H IIOII 
mel Um ipiadrados” (A . SalmaiintT, o c . p l l l
MO Fenomenologia do homem
Outro fato surpreendente diz respeito ao desenvolvimento do corpo 
lminano. Enquanto o anim al nasce, geralmente, com corpo já perfeito, in- 
toiramente pré-fabricado, pelo qual torna-se independente desde os pri­
meiros dias (cf. o pintinho, o bezerrinho, o leãozinho), o homem nasce com 
um corpo que está ainda em fase de estruturação. E ainda um corpo extre-
■ iiii monte frágil, privado de qualquer autonomia, de modo algum senhor 
i li si mesmo. Segundo A. Portmann, o homem representa um “nascimento 
fi^iologicamente precoce”4. Para ele, o homem vem ao mundo com doze 
meses de antecipação. Só depois de um ano atinge finalmente aquele grau 
ile formação que um mamífero de um a espécie correspondente à hum ana 
pode apresentar já no momento do seu nascimento.
M as enquanto o corpo do animal não é mais capaz de desenvolver-se 
ul tenormente de modo apreciável (ele realiza desde o início certas opera­
ções, mas somente aquelas em que é especializado), o corpo humano é 
dotado de um poder de desenvolvimento maravilhoso. O homem é capaz
< lu manejar seu corpo, adestrá-lo e torná-lo apto a realizar movimentos de 
um a perfeição admirável. Basta ver o que sabem fazer os instrumentistas 
<• os prestidigitadores com as mãos, os dançarinos e as bailarinas com os 
p4s, os artistas com os dedos, etc. O homem não só é senhor de seu corpo, 
i iMim também graças a eletorna-se senhor do mundo. Particularmente
< mu o instrumento que lhe é fornecido pelas mãos, o homem pode formar o 
i in indo, mudá-lo, transformá-lo, dominá-lo.
Nessa carência inicial de completamento orgânico própria do homem 
i * no seu enorme desenvolvimento posterior, graças ao qual ele consegue 
miperar no exercício de suas atividades qualquer outro animal, alguns 
rsl.udiosos contemporâneos (Portmann, Gehlen, Luckm ann) vêem a dife­
re n ç a específica do homem com relação aos animais, e por isso definem o 
h o m e m como o ser não especializado. Enquanto o animal é, sempre, espe- 
n alista em determ inada função orgânica (seja a da visão, da audição, ou
iIo olfato, ou do paladar, ou do tato, ou do movimento de m igração), o ho­
mem é, por sua vez, uniformemente dotado nesse ponto. Asuaespecia liza- 
gVo regride em face à do animal. Acrescente-se, ademais, a sua pobreza de 
mst.Mitos que, para um a reação imediata às situações concretas da natu­
r e z a , deixa o homem inteiramente carente. Pense-se, por exemplo, no pin-
11 nlio, que é realmente um animal jovem que já possui, desde o nascimen­
to uma forma completamente m adura de sua figura, o que o faz parecer 
u m a edição rejuvenescida do animal adulto e lhe permite prover inteira­
m e n te suas necessidades; agora pense-se na criança recém-nascida, a qual
• • A it ida por completo impotente e, sem os cuidados da mãe, está condena-
* A 1‘nr l i i i i i i i n , Hitiliifiiüchi’ FnM nu-n lr :u mnér h 'h n uniu Munschrn, HhmíIimii. l i l l l , p. 45.
A ( h m c n s d i i í -o i p u r e a < / o l i o m e r n
iln 11 m o r r e r dt*nt.i <» dt poucos dias. Enfim, o homem está, do ponto de viiit.n 
lisiologico e psicológico, desprotegido, privado de garantias perante as si- 
luaçâes da natureza. Ele não é posto em segurança no mundo, m as nele 
abandonado. Do ponto de vista do animal e da funcionalidade dominante 
nu natureza, parece, por isso, suficientemente justificada essa caracteri- 
/.nçAn do homem como ser carente, não especializado. Entretanto, o que o 
h o m e m não tem no início como dádiva da natureza, pode conquistar em 
Bíguidd graças ao seu engenho.
0 elemento fisiológico que lhe permite atingir e também superar to- 
diiH as várias especializações dos animais é o cérebro. Com esse órgão, que 
n e le é super desenvolvido em relação ao dos animais, ele compensa abun­
dantemente a sua deficiência inicial. O cérebro aparece aqui como fator de 
equilíbrio biológico. A compensação da carência com a formação do cérebro 
rrpeu ftco como hipercompensação de inferioridade biológica constitucional. 
Sobre esta base é exigida para o homem especialização orgânico-funcional 
obra o fundamento do seu cérebro. O homem torna-se, então, um ser es­
pecializado no cérebro.
Essas observações nos autorizam a concluir que a deficiente especia- 
li/.aç:») orgânica e a fraca provisão de instintos não é de modo algum defei-
11» do ponto de vista do homem, mas e, antes, a condição prelim inar que 
lhe permite tomar iniciativas, desenvolver ações conscientes e livres, cons- 
11111 r para si o seu mundo. “Quando o homem deve conquistar e procurar 
de per si o que o animal doméstico possui e obtém imediatamente, quando 
di>ve procurar o seu alimento, confeccionar a sua vestimenta, construir 
un habitação, é então que chega, precisamente com isso, com essa auto- 
ntinua e autoformação necessárias para ele, a um ponto bem m ais longe 
que o animal. E isso com base em nenhum outro fundamento que não este: 
que para ele é possível libertar-se desses liam es específicos e concretos 
m m o ambiente, e de responder não só a determ inadas situações, mas a 
io d a s as situações em geral’5.
( hitro aspecto que caracteriza o corpo humano e o distingue nitida- 
menl.c de todos os corpos dos animais é a sua posição vertical. E ssa postu- 
iM do homem implica, naturalmente, um a correspondente formação do
■ 01 po, e portanto, mudança radical perante o animal na estrutura somática, 
q u e i li/ respeito não só às partes do corpo com seus correspondentes signi-
I n ados funcionais, mas a toda construção corpórea com todas as suas par- 
Ioh. A construção corpórea da, porém, só a predisposição ao porte ereto: ele
11110 e um falo adquirido desde o nascimento. Com efeito, a prim eira coisa 
q u e a criança deve aprender ( « com quanto esforço) é ficar de pé e cami-
I ( Iiilnii*l, / hunn r mtmtitt tn t/tvjftiHruf, Mm» "H| Mui um, 11172, |» 4(1
n 1 i ; i r. A posição vertical e o porte ereto são, portanto, ato livre e consciente 
du homem'1.
A postura vertical vale portanto como característica distintiva do ho- 
iinMii. Kn quanto os anim ais apresentam um equilíbrio horizontal, o ho- 
itwm tem a postura ereta. E esta posição lhe é tão essencial que basta 
mvcrtê-la por algum tempo para provocar a morte do homem. No antigo 
UlíiLQ, alguns condenados à morte eram simplesmente suspensos de cabe- 
(,-n ptira baixo. Ao contrário da posição horizontal, o porte ereto é sinal de 
vida, de saúde, de vigília, de força. Por esse motivo a posição vertical assu­
miu importantes conotações simbólicas. A s nações, as cidades, as regiões 
competem entre si para ver quem constrói os edifícios mais altos: a torre 
de Babel, a torre Eiffel, o Em pire State Building etc. Os soberanos “sobem 
m o trono”. E... todos os povos consideram o céu o lugar onde habita a divin­
dade7.
:t2 FenomcnoLogiCt do hom em
Funções da corporeidade em geral
Depois dessas prim eiras aquisições, tiradas da experiência ordinária 
é da pesquisa científica sobre a estrutura da somaticidade, demos um pas­
so á frente em direção a um a compreensão mais profunda da dimensão 
somática, estudando suas principais funções. Essas são múltiplas. Pode- 
se mesmo dizer que elas se referem a toda atividade hum ana, já que não 
há nenhuma operação do homem que não tenha um a componente somática 
mais ou menos visível. Assim , a somaticidade é componente fundamental 
do existir, do viver, do conhecer, do desejar, do fazer, do ter etc. Ou seja, o 
corpo é elemento essencial do homem. Sem ele:
— não pode alimentar-se
— não pode reproduzir-se
— não pode aprender
— não pode comunicar
— não pode divertir-se8.
E mediante o corpo que o homem é um ser social. Os fantasm as as­
sustam-nos justam ente porque não têm corpo.
E mediante o corpo que o homem é um ser no mundo: “Etre au monde 
a travers un corps”9.
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Entre essas luin/oes, u I^iiiiuíh tem grande importância para a com- 
preensao da naturo/.a especilaa do ser humano: assim as funçftas de 
mundíuiização”, de individuaçao, de autocompreensão, de posse, e outros 
mais. Por isso as estudaremos pormenorizadamente.
•I Função m undanizante
Um a das principais funções da somaticidade é a de “mundani/.nr” o 
liomem, isto é, de o fazer um ser-no-mundo. E por obra do corpo que o 
liomem faz parte do mundo; ele se reconhece constituído dos mesmos ele­
mentos do mundo, sujeito às mesmas sortes e às mesmas leis, por causa
i Io seu corpo.
Esta verdade, que não foi ignorada pela filosofia clássica (ainda que 
Platão e Aristóteles hajam -na interpretado de m aneira oposta), adquiriu 
nova clareza e profundidade graças aos estudos dos existencialistas
1 1 leidegger, Sartre, Merleau-Ponty). E les m ostraram que a somaticidade 
nos situa no mundo das coisas e nos faz participantes de suas restrições 
e ,)MCÍaÍS.
Como qualquer outro corpo, o nosso tam bém se insere em um a situa- 
Vao espacial bem definida e deve ocupar sempre determ inada porção do 
eíipaço. N ão lhe é possível estar, nem em qualquer lugar que queira, nem 
em lugar nenhum, mas pode estar apenasem certo lugar. Sair do espaço 
lignifica abandonar o próprio corpo, desencarnar-se, cessar de existir no 
mundo.
Não hesitamos em considerar mortos os perdidos, os passageiros de 
um navio ou de um avião do qual se tenham frustrado todas as tentativas 
de localizá-los ou estabelecer onde foi parar.
A somaticidade faz do homem um ser-no-mundo: ela lhe designa de- 
lerm inada posição no espaço e o condiciona a ter relações ônticas apenas 
tum as realidades que lhe estão especialmente próximas. Apenas estas 
enl ram junto com nosso corpo a fazer parte de nossa vida. “Motivado por 
a ma necessidade original, o meu corpo é o ponto de referência em relação
10 qual] cada coisa toma seu lugar e torna-se situada; eis-me, pois, trans­
formado em centro de imenso círculo — o meu “ambiente”: cada raio seu 
<l*'l’ino, para mim, uma perspectiva, e a sua circunferência é o meu “hori­
zonte”. No interior deste circulo uma coisa qualquer não se transform a em 
olijeto (objecturn) para mim, senao quando se encontra lá, defronte ao meu
i orpo, a uma distrtficin viumvel ( ) meu corpo é aquilo para que e median-
I e o qual os objetos exiulem l > meu rorpo e o centro e o foco de todo o meu 
imiviTSO espaca l y nmlnenle ^eomei i ico do meu ambiente vital; graças
/\ tiim crm ôn cnrporett tln lim uem 33
Fenom enolog ici ao norruem
no ineu corpo localizado, atraio para mim todos os pontos do espaço; o h 
concentro, os recapitulo, os interiorizo. Em compensação, adquirindo im­
pulso desta posição me projeto em direção a todos os pontos do meu hori­
zonte. Graças a este ritmo o universo inteiro reside em mim, enquanto eu 
habito todo o universo”10.
Também a dimensão das coisas é relacionada com nosso corpo (quan ­
do éramos crianças a cadeira era mais alta...). Assim também o movimen­
to das coisas tem como ponto de referência o nosso corpo.
5. Fu nção epistem ológica
Que o corpo seja um instrumento necessário do conhecer foi sempre 
admitido, ao menos no que concerne ao conhecimento sensitivo, ou seja, o 
conhecimento do nosso mundo. M as os estudos recentes mostraram que a 
contribuição da somaticidade ao conhecimento (função gnosiológica) é muito 
mais vasta e importante do que se admitia na filosofia clássica.
Foi demonstrado que a somaticidade é, antes de tudo, instrumento 
necessário para a autoconsciência. N ão é de fato verdadeiro que na auto- 
consciência nós podemos nos desfazer do corpo, como afirm ava Descartes. 
Realmente a autoconsciência se cristaliza sempre na cinestesia: o senti­
mento fundamental que nós possuímos do nosso ser, o qual se qualifica 
sistematicamente mediante as condições e disposições somáticas: sinto- 
me bem ou mal, confortável ou não, sereno ou preocupado etc. Quanto é 
importante a somaticidade como fator de autoconsciência se vê quando 
estamos indecisos se algum a coisa está acontecendo ao nosso ser ou se se 
trata de situações puram ente imaginárias, sonhadas ou reais. Então apal­
pamos o nosso corpo: esta é a verificação do nosso ser. Se encontramos a 
cabeça, as mãos, os pés onde e como devem ser, damos um suspiro de 
alívio e voltamos a ficar tranqüilos.
O utra coisa que foi bem evidenciada pelos fenomenólogos contempo­
râneos é o caráter fortemente somático que tem o nosso conhecimento do 
mundo (e não raram ente também de Deus). O mundo é sistematicamente 
retalhado sobre categorias somáticas. “O meu corpo divide o universo à 
sua imagem e projeta sobre ele os significados de que é ele mesmo a ori­
gem. U m a intencionalidade primitiva, inata, reside no meu corpo e não 
cessa de libertar-se em direção às diversas partes do universo. E u tomo 
consciência dele apenas nos momentos de tontura, de desorientação, quando
10 K. líiirljo lm , a r , p. .'W.
ii iiiiivoiho CuTTijDiiluiá (ini voltn de mini porque comho di impor lhe ente oii 
iii|iiolo wiunifieado. <) meu corpo o o lugar privilegiado no quid o mundo »e 
divido, riíc ho múltiplos s ignificados o torna-Sé o universo humano. Mus 
mi mesmo tempo que decompue o universo, o meu corpo nao para do o
i i iinir, em ato s imples, inseparável do seu ser, ele j u n t a e recompõe inces- 
iiTtamonte em si mes mo o que c o ns ta nt em en te se divide, re agr up a em 
dmi> única harm onia os significados diferentes nos quais divide o mundo. 
kLUi <■ baixo, na frente e atrás, direita e esquer da constituem, graç as no
■ i i i ,ni totalidade orgânica. O meu corpo determina o centro do universo; ó 
n p on to indivisível no qual se opera a análise e a síntese de tudo; o seu 
aparecimento assinala o de espaço e de universo novos”11.
fu ra fazer-se um a idéia de quão forte é a incidência da somat.icidndo 
..... . concepção das coisas, basta que demos um a olhada num dicioná
i m di qualquer língua e leiamos os verbetes dedicados aos termos princl
I ii11;. de nossa anatomia: descobriremos que esses termos são transferido*
ii -.Irmaticamente à denominação das coisas. Fala-se do pé da mesa, dn
■ <iht\-u do prego, do coração da alcachofra, etc. Isto mostra que nós lemos, 
l>i'ii»amos e exprimimos o mundo não só mediante as categorias da razíio, 
rriw lam bém mediante o nosso corpo vivido, tomado como princípio e foi
11111 ilr organização concreta. A nossa linguagem torna-se então algo de 
li iiumcMiológica, empírica e óbvia.
M as, observa justa e agudamente Barbotin, “esta informação”, esta pré-
■ miipreensão do mundo por meio do meu corpo apresenta dois aspectos in- 
. ei nos e complementares. Com o primeiro movimento, eu projeto defronte a
.......a minha estrutura corpórea, olho e interpreto o mundo por meio dela.
S r mo encontro bem no mundo é porque lhe impus, a cada instante, a nn 
nlm imagem... M as esta projeção da minha estrutura corpórea sobre as coi- 
wn: se completa com o movimento inverso. Ao mesmo tempo em que impri­
mo ii minha imagem, somática sobre o mundo, atraio o mundo para mim, 0 
ipcoprio e o doméstico”12. M as esta operação de apropriação e assimilaçao 
mio llca sem profundas conseqüências para o meu ser, o qual vem assumir
i erl as conotações semelhantes às do mundo com o qual está regularmente 
em contato: os campos marcam profundamente o modo de agir do campo- 
ol*. o mesmo faz o mar com o marinheiro, a montanha com o alpinista etc.
(Jraças à somaticidade, que em parenta tão estreitamento o homem
i i mi o mundo, realiza-se troca duradoura e substâncial de propriedades de
II ma parte e de outra. “Devido à sua subjetividade e sua objetividade insepa 
mveis, meu corpo é mediador entre o meu “E u” e o mundo das coisas,
11 C. Barbotin, o.c., pp. 54-55. 
u K. Barbotin, o.c., pp. 22-23.
36 Fenomenologia do homem
lugar de encontro entre m inha consciência e o universo dos objetos. Como 
6 preciso esquecer o corpo, segundo Descartes, para poder repelir o m un­
do, assim basta reconhecer a experiência vivida pelo corpo para superar o 
dualismo sujeito-objeto e todos os impasses do idealismo”13.
(). Fu nção econôm ica ou de posse
Além das funções de situar e encarnar o homem no mundo e de forne- 
cer-lhe um esquema de interpretação deste último, o corpo desenvolve tam- 
hem um a função insubstituível referente ao possuir (l ’avoir.; segundo a 
terminologia de G. M areei), ao qual damos o nome de função econômica.
O corpo é antes de tudo indispensável para possuir existência. Eu 
existo possuindo um corpo; quando o perco, morro, ou seja, paro de existir. 
Nao apenas o possuir de cada coisa passa através do corpo. Com efeito, 
h punas aquilo com que posso entrar em contacto por meio do meu corpo 
pode ser por mim reclamado como meu. “Também a conquista de determ i­
nada região do universo, já conhecida pela ciência, não se cumpre sem o 
movimento do corpo humano. Enquanto o corpo do homem não transferiu 
‘lá em baixo’ ou mesmo ‘lá em cima’ para transform ar esses lugares em 
‘nqui’, o mundo não é, ainda, completamente conquistado. Os vários obje­
tos lançados no espaço celeste ou terrestre não são nada além dos precur- 
nores do homem: a rena voadora dos

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