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DESAFIOS ACERCA DA FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE COMO PRECEITO CONSTITUCIONAL NOGUEIRA, Thaís Volpi1 e CARNEIRO, Rômulo Almeida2 Resumo A ideia de que a propriedade observasse a função social, surgiu com o advento da Constituição de 1988, tornando-se um fundamento e conferindo uma nova camada neste âmbito do direito civil, com o intuito de limitar a propriedade privada, e fazer com que esta não fosse exercida em descompasso com o contexto social que a circunda, o resguardando, caso não esteja tendo um fim produtivo ou prestando serviço à população. Neste ensejo, considerando a ampla abrangência do direito de propriedade sob a ótica constitucional, e os vários dispositivos ali existentes, restou por analogia a interpretação de proteção não só da propriedade, mas também de uma posse que esteja voltada ao meio social. Palavras-chave: Direito de Propriedade; Posse; Função Social; Introdução O presente estudo versa sobre a função social da posse, visto como um instrumento recente que veio satisfazer uma necessidade social e econômica. A princípio, ao abordar e se aprofundar no tema, não se deve confundir a função social da propriedade com a da posse, tecendo algumas das muitas considerações sobre o instituto da posse no viés histórico evolutivo. Há uma complexidade sobre tal, pois houve um crescimento tão imenso da propriedade e suas formas, que seus usos expandidos e sua administração com interesse tão somente sob seus proprietários, se tornou, em relação ao povo, um poder inadministrável. Assim sendo, há uma grande intensificação nos conflitos possessórios, principalmente quando se trata dos problemas sociais. 1 Acadêmica do curso de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). E-mail: thais.volpi@live.com. 2 Docente da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Advogado e Mestre em Direito Processual e Cidadania pela Universidade Paranaense (UNIPAR). E-mail: romulo@cdfhadvocacia.com.br. A observância da função social passou a ser compreendida como a própria essência do direito de propriedade, e a posse enquanto instituto civilista, ora encarado como direito real, ora como direito especial, deverá também reger-se sob meio que visam um bem maior, beneficiando a coletividade em que está inserida. Portanto, não restam dúvidas de que a posse por si só, configura uma forma de assegurar o efetivo cumprimento do princípio da dignidade da pessoa humana estabelecido em nossa Carta Magna. Diante disso, ela passa a ser apontada como uma relação entre o homem e o objeto derivado da vontade dotada de função social, voltada aos interesses da sociedade e não somente do detentor, deixando de ser considerada apenas como uma relação material do homem com a coisa decorrente do poder de vontade dele próprio. A luz do princípio da função social da posse é possível tratar dos direitos fundamentais garantidos constitucionalmente aos cidadãos de maneira produtiva e eficaz, visando entender a evolução desse instituto e suas peculiaridades. Desenvolvimento Como já visto a Constituição Federal de 1988 no art. 5, inciso XXIII, resguarda a função social da propriedade, no entanto, nada dispõe expressamente acerca da função social da posse. Para tratarmos da posse não como um mero apêndice da propriedade, mas sim como um instituto que goza de autonomia suficiente para suplantar o direito de propriedade é necessário examinar o mundo fático e o mundo jurídico, onde um fato jurídico é apenas fato até adentrar ao mundo jurídico, tornando-se então parte deste. Pontes de Miranda designou “fato jurídico é o fato sobre o qual lei incidiu”. Posse é uma relação fática do mundo fático, uma relação interhumana, a qual a lei outorga proteção, ou seja, posse não é um direito. Esta relação é real no mundo fático, sendo assim, se dá entre a pessoa que possui e a sociedade. Portanto, a posse constitui-se de uma possibilidade concreta e material do indivíduo efetivar seus poderes reais sobre a coisa. No mesmo sentido, a posse é possibilidade fática do exercício de um dos poderes inerente a esse instituto, tais como: usar, gozar, dispor e reaver. Sendo ela, apenas a possibilidade de exercer o poder e não necessariamente o exercício deste fato. É necessário analisar a posse em uma nova perspectiva diante da função social e o reconhecimento como direito autônomo (em relação à propriedade), assim, afirma Ricardo Aronne “o princípio da função social da propriedade é densificado pelo princípio da função social da posse, sem descuido da devida autonomia, e sem desleixo da notável e classicamente reconhecida inter-relação”. Dessa forma, a posse somente ganha trânsito jurídico quando se apresenta funcionalizada, ou seja, quando é instrumento de funcionalização da propriedade. Saindo da discussão acerca das diferenças entre posse e propriedade, vale estabelecer a finalidade da posse como forma de proteção aos direitos humanos. Como salientam Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves: “Não há mais um interesse tão evidente em conceituar a estrutura dos institutos, mas em direcionar o seu papel e missão perante a coletividade, na incessante busca pela solidariedade e pelo bem comum; Enfim, a função social se dirige não só à propriedade, aos contratos e à família, mas a reconstrução de qualquer direito subjetivo, incluindo-se aí a posse, como fato social, de enorme repercussão para a edificação da cidadania e das necessidades básicas do ser humano.” Com efeito, cabe se fazer a distinção entre função social da propriedade e função social da posse, Nesse sentido, vejamos as colocações de Rosa: “A função social da posse é mais evidente; a posse já é dinâmica em seu próprio conceito; e, o fundamento da função social da posse revela uma expressão natural da necessidade. A função social da propriedade é menos evidente; sua finalidade é instituir um conceito dinâmico de propriedade em substituição do conceito estático; e, o fundamento da função social da propriedade é eliminar da propriedade o que há de eliminável. [...] Deve-se salientar que a posse é um instituto jurídico que vem satisfazer uma necessidade, seja ela individual ou coletiva; é a utilização de um bem segundo sua destinação econômico- social. Essa necessidade é social e econômica, e por isso a posse precisa de função social para cumprir os requisitos a ela atinentes.” Nesse ínterim, é verídico que a posse deve ser analisada de forma autônoma comparada à propriedade diante do aspecto da função social, da dignidade e igualdade, ou seja, uma situação de sub aproveitamento da terra pode ocorrer a função social da terra sem que atenda a função social da posse. Assim, é defendido pelo Paulo Lôbo, “a autonomia da posse cada vez mais se afirma, tendo sido fortalecida pelas investigações iluminadas pelo direito civil constitucional”, o que confirma a tendência e necessidade de desconstrução do conceito de posse analisada através de função social. Jurisprudência Devido a sua grande extensão territorial, no Brasil é constante a disputa pela titularidade de posse e de propriedade. Essas questões, quando não são resolvidas no âmbito privado por meio da auto composição, são levadas ao Judiciário, a fim de que ele cumpra sua função constitucional e estabeleça a quem e em que medida cabe o direito. Vejamos: AGRAVO DE INSTRUMENTO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LIMINAR POSSESSÓRIA. DEFERIMENTO. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. ESBULHO CONFIGURADO. TERRENO QUE SERVE AO SISTEMA DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. ATENDIMENTO. REMANEJAMENTO DE FAMÍLIAS CARENTES. VIA PROCESSUAL INADEQUADA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. Consoante prelecionam os artigos 560 e seguintes do CPC/15, incumbe ao autor do pleito possessório comprovar a posse anterior, a turbação ou esbulho e a data da turbação ou esbulho,para que lhe seja deferida a proteção requerida, que ocorrerá inaudita altera para quando a inicial estiver devidamente instruída. Restando comprovado que a EMBASA detém a posse mansa e pacífica da área sob litígio há mais de 30 anos, na qual instalou um complexo de esgotamento sanitário, e demonstrado o esbulho através da invasão da área por cerca de 30 pessoas do movimento sem teto, antes de ano e dia do ajuizamento da ação, tem-se por inequívocos os elementos para a concessão da liminar reivindicada. Considera-se atendida a função social do imóvel invadido, que serve ao sistema de saneamento básico e atende a diversos bairros da capital, serviço intimamente atrelado à melhoria das condições de higiene e saúde da população, quesitos que compõem o núcleo essencial do princípio da dignidade da pessoa humana. Por fim, a reintegração de posse é medida que se impõe por tratar-se de área insalubre, imprópria para a instalação de residências, sendo inadequada a via da Ação Possessória para a promoção do remanejamento das famílias que ocuparam o imóvel. RECURSO IMPROVIDO. (Classe: Agravo de Instrumento, Número do Processo: 0014936-59.2016.8.05.0000, Relator (a): Moacyr Montenegro Souto, Terceira Câmara Cível, Publicado em: 04/04/2018).¨ (TJ-BA - AI: 00149365920168050000, Relator: Moacyr Montenegro Souto, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 04/04/2018) Considerações Finais Com o exposto, percebe-se grande parte dos conflitos fundiários e possessórios está diretamente relacionada à concretização de direitos fundamentais de caráter social e econômicos, como o direito à moradia. Nesse contexto, observa-se a devida delimitação dos contornos da relação entre posse e propriedade e o reconhecimento da autonomia entre os institutos sem descurar do fato de que o requisito da função social só pode ser cumprido pelo exercício característico da posse. Ademais, pode-se dizer que os problemas de desemprego e moradia que se apresenta em países periféricos, como o Brasil, está longe de serem resolvidos, no entanto, devemos acreditar nos movimentos sociais que ocorrem em todo país; e ainda, trabalhar a doutrina e a jurisprudência no sentido de construção desses direitos subjetivos como base de preceitos constitucionais, para que a função social da posse, seja realmente um instrumento de efetivação dos Direitos Fundamentais ao trabalho e à moradia. Referências ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua consequência frente a situação proprietária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. BRASIL. Código Civil Brasileiro. São Paulo: RT, 2013. BRASIL. Constituição Federal. São Paulo: RT, 2013. BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1992, passim. DIDIER JR., Fredie. A função social da propriedade e a tutela processual da posse. Revista de Processo: RePro, v. 33, n. 161, p. 9-20, jul. 2008. DEBONI, Giuliano. Propriedade privada: do caráter absoluto à função social e ambiental. 1º ed. Editora: Verbo Jurídico. 2012 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito das coisas. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 4 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2012. GOMES, Orlando. Direitos reais. 19. ed., rev., atual e aum. Por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2004. JHERING, Rudolf von. Teoria simplificada da posse. Tradução de Pinto Aguiar. Bauru: Edipro, 1999. TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo: Editora Método, 2018 ROSA, Marizélia Peglow. A Função Social da Posse, no Direito Brasileiro atual, enquanto instrumento de efetivação dos direitos fundamentais ao trabalho e à moradia. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/campos/marizelia_peglo w_da_rosa-1.pdf http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/campos/marizelia_peglow_da_rosa-1.pdf http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/campos/marizelia_peglow_da_rosa-1.pdf
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