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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIODE JANEIRO INSTITUTO DE TRÊS RIOS Pós-Graduação Lato Sensu Direito Processual Contemporâneo Disciplina: Processo Falimentar Professora: Érica Guerra Aluna:Ana Carolina Chagas Soares Matricula: 20192000123 Aluna:Ana CarolineR. Rufino de Souza Paes Leme Matricula:20192000132 _______________________________________________________________________________________ PARECER JURÍDICO 1. ENDEREÇAMENTO A Associação Educacional Trirriense de Educação Superior. 2. EMENTA DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. LEI DE RECUPERAÇÃO E FALÊNCIA (LEI Nº 11.101/2005). ASSOCIAÇÃO SEM FINSLUCRATIVOS. AGENTE ECONÔMICO. ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO.LEGITIMIDADEATIVA. POSSIBILIDADE. 3. RELATÓRIO Trata-se de parecer jurídico solicitado pela ASSOCIAÇÃO EDUCACIONAL TRIRRIENSE DE EDUCAÇÃO SUPERIOR, pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ sob o nº 11.222.333/0001-44. Constituída em 01 de abril de 1980. com sede na Av. Alberto Lavinas, nº 1001, bairro Centro. Três Rios-RJ, CEP. 25.411- 000. Composta por Diretoria Executiva formada de 4 (quatro) membros titulares, qual sejam: Presidente, vice-presidente, Secretário e Tesoureiro. Tendo por objeto principal a Educação superior (graduação), atualmente com 25.000 (vinte e cinco mil) alunos e um quadro atualizado de 3.500 (três mil e quinhentos) funcionários. A solicitação do referido parecer versa sobre a possibilidade de pedido de Recuperação Judicial por ocasião de grave crise financeira que ora é acometida. Em suma, o passivo da referida Pessoa Jurídica representa a monta de R$ 2.428.000.000,00 (dois bilhões, quatrocentos e vinte e oito milhões reais), sendo formado por créditos que se enquadram nas classes I, III e IV, definidas no art. 41 da Lei 11.101/05 e incisos, tal como segue: (a) Classe I - credores trabalhistas, no valor total de R$ 428.000.000,00 (quatrocentos e vinte e oito milhões reais); (b) Classe III - credores quirografários, R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão), e; (c) Classe IV - credores quirografários ME/EPP, no valor R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão). É o relatório. Passa-se ao opinativo. 4. FUNDAMENTAÇÃO A primeira questão objeto de análise diz respeito à legitimidade ativa da ASSOCIAÇÃO EDUCACIONAL TRIRRIENSE DE EDUCAÇÃO SUPERIOR para o pleito de Recuperação Judicial, vez que se questiona o fato deser ou não possível que uma associação sem fins lucrativos possa ser vista como “empresa” e seja, consequentemente, amparada pela Lei de Recuperação e Falência, mesmo não possuindo registro como sociedade empresária perante Junta Comercial competente. Primeiramente, é importante fazer algumas explanações. O Código Civil Brasileiro em seu Art. 966 dispõe sobre a figura do empresário destacando que “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens ou de serviços”. Neste contexto, o termo “empresa” represente um fenômeno econômico que carece de três elementos necessários para a destacada configuração: (I) exercício de atividade econômica para a produção ou circulação de bens ou serviços; (II) atividade organizada, com a coordenação dos fatores de produção (capital, trabalho e bens); e (III) atividade realizada de modo profissional, isto é, com habitualidade e visando ao lucro ou retorno financeiro.1 1COSTA, Mariana. SPERCEL, Thiago. VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Associações Sem Fins Lucrativos Podem Falir e Pedir Recuperação Judicial? O Recente C aso da Universidade Cândido Mendes. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/5/19C6F871BFC1C7_Associacoesse mfinslucrativospo.pdf>. Acesso em: 04. Ago. 2020. p. 2. Não obstante a ASSOCIAÇÃO EDUCACIONAL TRIRRIENSE DE EDUCAÇÃO SUPERIOR se enquadrar apenas nos dois primeiros elementos, não se pode negar que embora vedada a distribuição de lucros com seus associados, a sua atuação como agente econômico permite que haja competição no mercadocapaz de gerar superávit financeiro e acréscimo em patrimônio. Assim, o Art. 966 demonstra emaranhar-seem conceitos de caráter econômico e jurídico, pois o elemento organizativo está no centro da noção de empresa2.Pela Teoria da Empresa a atividade realizada pelo empresário não é definida por sua natureza, mas sim pela forma como é explorada. Dessa forma, o ponto central para que seja admissívelo procedimento da Recuperação Judicial não se reduz à natureza jurídica que o agente econômico detém, mas sim ao impacto que a sua atividade econômica acarreta na economia e na sociedade. Sobre este aspecto, far-se-á uma abordagem mais aprofundada em linhas futuras. No que diz respeito, especificamente, à Lei de Recuperação e Falência (Lei nº 11.101/2005) é incontroverso que a mesma se destine a permitir que alguns mecanismos sejam empregados para que ocorra a recuperação de empresas que estejam em reais dificuldades econômicas. A Recuperação tem a finalidade, portanto, de assegurar a possibilidade de superação da situação de crise econômico-financeira da empresa, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, permitindo, desta forma, a sua preservação, a função social e o estímulo à atividades econômica3. Nestes termos, o Art. 47 da Lei 11.101/2005 dispõe que: “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.(Grifamos) Note-se que o supracitado artigo menciona “fonte produtora” e “empresa” (atividade econômica organizada), e não menciona “sociedade empresária”.Nessa toada, a função social da empresa contida no Art. 47 da Lei de Recuperação, em verdade, refere-se à atividade em si, exercida através dos bens de produçãoe não propriamente da entidade jurídica a que reveste ou da pessoa do empresário. 2COSTA,Mariana. SPERCEL, Thiago. VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Associações Sem Fins Lucrativos Podem Falir e Pedir Recuperação Judicial? O Recente C aso da Universidade Cândido Mendes. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/5/19C6F871BFC1C7_Associacoesse mfinslucrativospo.pdf>. Acesso em: 04. Ago.2020. p. 2. 3OLIVEIRA, Gleydson. A Lei de Recuperação e as Atividades Econômicas Não Empresariais. Disponível em: <http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/a-lei-da-recuperaa-a-o-e-as-atividades-econa-micas-na-o- empresariais/471215>. Acesso em: 05.Ago.2020. Outro aspecto importante a ser destacado recai sobre o Princípio da Preservação da Empresa que o artigo acima mencionadoexterna. A preservação da atividade econômica representa fator imprescindível não somente aos seus sócios e funcionários, mas igualmente aos fornecedores, ao fisco, aos alunos, etc. Ademais, o agente econômico cumpre sua função social ao realizar seu objeto, incluindo-se, dentre outros, fatores como a criação de empregos, pagamento de tributos, geração de riqueza, contribuição para o desenvolvimento econômico. Sua abrangência é irrestrita e, consequentemente, se a sua manutenção consolida benefícios interna e externamente a inúmeros indivíduos e instituições, de igual modo pode resultar em severos prejuízos se não houver margem para uma recuperação judicial frente a uma crise financeira enfrentada. Este é o ponto fulcral que ora se questiona. Outrossim, o Art. 2º da supracitada Lei demonstra que não há vedação legal expressa para que a Associação referida possa requerer Recuperação Judicial. Senão vejamos: Art. 2º Esta Lei não se aplica a: I – empresapública e sociedade de economia mista; II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores. Além da inexistência de vedação legal para que as associações sem fins lucrativos possam figurar como autoras em pedidos de Recuperação Judicial, é imprescindível mencionar que a jurisprudência pátria tem se posicionado favorável ao destacado pleito, sobretudo através da Análise Econômica do Direito. Observemos agora alguns exemplos que corroboram com a assertiva acima. Em recente decisão, - processo nº 0093754-90.2020.8.19.0001 - o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deferiu o processamento de Recuperação Judicial pleiteado pela ASBI - Associação Sociedade Brasileira de Instrução, mantenedora da Universidade Cândido Mendes. Na decisão, a douta juíza enfatizou que: “deve prevalecer o entendimento de que a feição empresarial da pessoa jurídica não fica adstrita à mera natureza jurídica do agente econômico. A atividade da ASBI pode não estar formalmente enquadrada como empresarial, mas trata-se, sem dúvida, de atividade que se adequa à definição do art. 47 da LRF. A vida comercial flutua nas águas das transformações socioeconômicas, adaptando-se aos tempos.” (p.7055) Além do deferimento conquistado pelo Instituto Cândido Mendes, conforme destacado alhures, igualmente,no ano de 2005, após requerimento do Ministério Público do Rio Grande do Sul, houve o deferimento de processamento para Recuperação Judicial da Universidade de Cruz Alta, processamento este que se deu sob suspeição e indícios de gestão temerária4. Após o aludido deferimento houve a nomeação de administrador judicial que permaneceu na administração da UNICRUZ até o ano de 20085. Em 2006 a 4ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deferiu o pedido de Recuperação em favor do Hospital Casa de Portugal (associação civil filantrópica) que foi confirmada posteriormente pelo Superior Tribunal de Justiça. O referido deferimento propiciou a manutenção do Hospital, este que ainda hoje continua a exercer suas atividades e a sua função socialem benefício da sociedade. Em suma, a decisão da 4ª Turma do STJ (Resp. 1.004.910/RJ) não enfrentou a questão da legitimidade de uma associação sem fins lucrativos pleitear Recuperação Judicial, mas aplicou a “teoria do fato consumado”6, enfatizando que a maior finalidade judicial é a preservação da atividade econômica7. Houve, portanto, uma decisão mais pragmática do que técnica. Não é despiciendo ainda mencionar a Recuperação Judicial da Associação Luterana do Brasil (Instituição Educacional, em atuação há mais de 20 anos no Rio Grande do Sul), que na primeira instância teve seu pleito rejeitado, mas que em sede de Apelação (Apelação Cível nº 5000461-37.2019.8.21.0008/RS) foi devidamente concedido o requerimento, sob a fundamentação de que, em razão da prestação de serviços e da criação de riquezas, ainda que sem a finalidade lucrativa, a associação representava uma atividade econômica. Assim, por todos esses precedentes, nota-seque não há óbice para que a Recuperação Judicial da ASSOCIAÇÃO EDUCACIONALTRIRRIENSE DE EDUCAÇÃO SUPERIOR seja devidamente aceita e processada. Ademais, é preciso ratificar a importância econômica e social da atividade desempenhada pela referida Associação, que diretamente atua conta com vinte e cinco mil alunos e três mil e quinhentos funcionários. Trata-se aqui da análise econômica do direito, necessária à plena compreensão da matéria, segundo a qual técnicas de macro e micro economia são utilizadas para validar a tomada de decisões no âmbito judicial. 4Informações obtidas dos autos do Processo nº 1.050005014-6. 5COSTA, Mariana. SPERCEL, Thiago. VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Associações Sem Fins Lucrativos Podem Falir e Pedir Recuperação Judicial? O Recente C aso da Universidade Cândido Mendes. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/5/19C6F871BFC1C7_Associacoessemfinslucrativospo.pdf>. Acesso em: 04. Ago.2020. p. 4. 6 A Teoria do Fato Consumado refere-se a uma aplicação excepcional, quando os atos praticados em virtude de uma ordem judicial devem ser preservados, ainda que, posteriormente, tal decisão venha a ser revogada. Essa teoria esta intimamente ligada aos princípios da segurança jurídica e da estabilidade das relações socias. 7 Idem. p.4. Com efeito, as decisões judiciais produzem inúmeros efeitos no mundo dos fatos, especialmente no campo econômico, especialmente através do gravame de despesas, isenções fiscais, relações trabalhistas etc. O Superior Tribunal de Justiça, através de voto proferido pelo ministro Luis Felipe Salomão, quando do julgamento do REsp 1.163.283/RS, assim se manifestou sobre a matéria: “a análise econômica do direito não pretende, por óbvio, esclarecem seus estudiosos, submeter as normas jurídicas à economia, mesmo porque o Direito não existe para atender exclusivamente aos anseios econômicos. Por outro lado, visa à aproximação das normas jurídicas à realidade econômica, por meio do conhecimento de institutos econômicos e do funcionamento dos mercados.” Desta feita, a análise econômica do direito aproxima o provimento jurisdicional da realidade fática, dos possíveis contornos e reflexos daquele paradigma debatido e serve de critério de apreciação dos direitos apreciados no caso concreto. Assim, o prejuízo advindo da sustação da atividade prestada pela Associação no caso em comento seria notório, tanto do ponto de vista social, haja vista o significativo de número de alunos, tanto do ponto de vista econômico. Neste sentido, cumpre assegurar ainda a observância à função social da instituição, que atua em um ramo sensível a sociedade e ainda emprega mais de três mil funcionários. Deste modo, a análise econômica do direito permite concluir que no caso concreto o benefício social e econômico advindo da manutenção da associação é significativamente relevante. Neste ponto, cabe tecer ainda algumas breves considerações sobre o Projeto de Lei nº. 1.397/2020 de autoria do Deputado Federal Hugo Leal que tem por objeto à adoção de uma série de medidas protetivas aos agentes econômicos, para além daqueles caracterizados como sociedade empresária. Pode-se mencionar algumas destas medidas previstas no mencionado projeto de lei, a saber, proibição temporária de atos executórios, bem como dos pedidos de falência, a criação de um período de suspensão legal onde o devedor não se encontra em mora, a permissão da celebração de contratos de financiamento com qualquer agente financiador, a inauguração do instituto da negociação preventiva, bem como algumas alterações nas recuperações extrajudicial e judicial. Trata-se de verdadeira tendência à adoção e um regime falimentar de caráter emergencial que nasce como resposta aos desdobramentos da crise econômica provocada pela pandemia do novo corona vírus. Assim, este novo sistema emergencial poderia ser aplicado a pessoas físicas e jurídicas, estendendo, deste modo, à recuperação judicial a agentes econômicos não classificados como sociedades empresárias. O referido projeto ainda está em tramitação, mas já obteve êxito em votações preliminares, o que indica possível inclinação do Congresso Nacional a aprovação e remessa à sanção presidencial. Tem-se a oportunidade de revisar à legislação afeta à recuperação judicial, especialmente em um momento histórico de grave crise econômica, no entanto, espera-se que a segurança jurídica seja observada para que as garantias e princípios do direito empresarial sejam atendidos. 5. CONCLUSÃO Neste sentido, não se pode olvidarque a finalidade precípua da recuperação judicial é a condigna preservação da atividade econômica, devendo ser aplicada - como já elucidado acima - a teoria do fato consumado à espécie, sob pena de incorrer na extinção de agente econômico fundado há 40 (quarenta) anos, cujos os prejuízos e impactos sociais serão amplos e irrestritos. Por tal razão, e por todo o exposto na fundamentação alhures, é plenamente possível que a ASSOCIAÇÃO EDUCACIONAL TRIRRIENSE DE EDUCAÇÃO SUPERIOR pleiteie a Recuperação Judicial, sobretudo diante da moderna tendência que sugere que tal instituto jurídico se destine a atender à função econômico-social do próprio ciclo produtor e do agente econômico que atua no mercado, em consonância com a Análise Econômica do Direito que denota impactos socias relevantes para além dos limites da supramencionada Pessoa Jurídica. É o parecer. Três Rios, 05 de agosto de 2020.
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