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Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 1 MÓDULO DE: INCLUSÃO: O COTIDIANO DO EDUCADOR NA EDUCAÇÃO INFANTIL AUTORIA: CASTORINA DO NASCIMENTO CALENZANI TUTORIA: ROMILDA NASCIMENTO DE AGUIAR Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 2 Módulo De: Inclusão: O Cotidiano Do Educador Na Educação Infantil Autoria: Castorina Do Nascimento Calenzani Tutoria: Romilda Nascimento De Aguiar Primeira edição: 2007 Todos os direitos desta edição reservados à ESAB – ESCOLA SUPERIOR ABERTA DO BRASIL LTDA http://www.esab.edu.br Av. Santa Leopoldina, nº 840/07 Bairro Itaparica – Vila Velha, ES CEP: 29102-040 Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 3 Apresentação Este módulo de estudos objetiva promover a compreensão sobre o conceito de infância e de criança, bem como, a construção histórica desses conceitos nos diferentes contextos sócio- econômico e político e em diferentes culturas. Faremos uma discussão sobre o conceito de Inclusão e de como a Educação Especial se articula em seus diferentes saberes teórico- metodológicos para a promoção do processo de inclusão das pessoas com necessidades educacionais especiais Também será abordado um tema muito importante e relevante no cotidiano da Educação Infantil: ambientes, espaços e materiais como mediadores da aprendizagem. Esta importância se deve ao fato de se acreditar que o ambiente pode promover ou inibir o desenvolvimento infantil. Para ser um parceiro pedagógico promotor de desenvolvimento e aprendizagens, a organização do espaço deve, em primeiro lugar, atender às necessidades das crianças (as afetivas, as relacionadas à construção da autonomia, de socialização e também as fisiológicas) e constituir-se em um espaço de desafios, descobertas e possibilidades no qual a criança estabeleça muitas e variadas relações. Esperamos tornar explícitas algumas idéias e conceitos fundamentais na discussão desta temática, pensando em espaços internos e externos da instituição, materiais que desafiam a criança e nas possibilidades de exploração do entorno da instituição de Educação Infantil. Por fim, mas não mais importante, retomaremos com o processo de avaliação vista nessa etapa do ensino, grande flexibilização em relação aos alunos, visto que a avaliação é descritiva e propositiva, pois intera a necessidade de avaliar em processo e não o produto, visando à qualidade do ensino e da aprendizagem dos alunos. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 4 Objetivo Este módulo tem por objetivo discutir o conceito de infância e de criança, bem como, a forma com que estes conceitos foram construídos historicamente nos diferentes contextos sócio- econômico e político e em diferentes culturas. Faremos uma discussão sobre o conceito de Inclusão e de como a Educação Especial se articula em seus diferentes saberes teórico- metodológicos para a promoção do processo de inclusão das pessoas com necessidades educacionais especiais. Também abordaremos um tema muito importante e relevante no cotidiano da Educação Infantil: ambientes espaços e materiais como mediadores da aprendizagem. Esta importância se deve ao fato de se acreditar que o ambiente pode promover ou inibir o desenvolvimento infantil. Para ser um parceiro pedagógico promotor de desenvolvimento e aprendizagens, a organização do espaço deve, em primeiro lugar, atender às necessidades das crianças (as afetivas, as relacionadas à construção da autonomia, de socialização e também as fisiológicas) e constituir-se em um espaço de desafios, descobertas e possibilidades no qual a criança estabeleça muitas e variadas relações. Esperamos tornar explícitas algumas idéias e conceitos fundamentais na discussão desta temática, pensando em espaços internos e externos da instituição, materiais que desafiam a criança e nas possibilidades de exploração do entorno da instituição de Educação Infantil. Ementa Aspectos históricos, filosóficos, políticos e sociais da Educação Infantil; Educar-cuidar na primeira infância; os determinantes das políticas públicas; as pesquisas mais recentes na área e o trabalho pedagógico nas creches e na pré-escola. O contexto escolar, os diferentes espaços e tempos na Educação infantil e inclusão; Gestão Educacional: saúde, trabalho e a família na Educação Infantil. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 5 SUMÁRIO UNIDADE 1 .............................................................................................................................. 8 Origem da educação infantil no mundo ................................................................................. 8 UNIDADE 2 ............................................................................................................................ 13 Inclusão: uma breve análise do termo................................................................................. 13 UNIDADE 3 ............................................................................................................................ 16 Infância e educação infantil: concepções e diferentes olhares ........................................... 16 UNIDADE 4 ............................................................................................................................ 20 A construção social do conceito de criança ........................................................................ 20 UNIDADE 5 ............................................................................................................................ 24 O direito de papel: inclusão ou exclusão? ........................................................................... 24 UNIDADE 6 ............................................................................................................................ 26 Infância e sociedade ........................................................................................................... 26 UNIDADE 7 ............................................................................................................................ 29 O direito de papel: inclusão ou exclusão ............................................................................. 29 UNIDADE 8 ............................................................................................................................ 34 A escola e o professor reflexivo: reflexões que podem tornar a escola inclusiva ................ 34 UNIDADE 9 ............................................................................................................................ 41 O professor reflexivo e a formação continuada: o caminho para uma educação que se pretende inclusiva ............................................................................................................... 41 UNIDADE 10 .......................................................................................................................... 45 Educação da criança de 0 a 6 anos .................................................................................... 45 UNIDADE 11 .......................................................................................................................... 50 A imagem da infância a partir de um olhar pedagógico ...................................................... 50 UNIDADE 12 .......................................................................................................................... 54 A Infância e sua Singularidade ......................................................................................... 54 UNIDADE 13 .......................................................................................................................... 60 A infância e o direito à educação ........................................................................................60 Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 6 UNIDADE 14 .......................................................................................................................... 63 O processo de inclusão na educação infantil ...................................................................... 63 UNIDADE 15 .......................................................................................................................... 67 A educação especial no âmbito da educação infantil .......................................................... 67 UNIDADE 16 .......................................................................................................................... 72 Princípios básicos da educação especial para a educação infantil ..................................... 72 UNIDADE 17 .......................................................................................................................... 79 O cotidiano da educação infantil ......................................................................................... 79 UNIDADE 18 .......................................................................................................................... 82 Atenção básica à saúde: a articulação da instituição de educação infantil com programas de saúde ............................................................................................................................. 82 UNIDADE 19 .......................................................................................................................... 86 Cuidados básicos com o ambiente da instituição de educação infantil ............................... 86 UNIDADE 20 .......................................................................................................................... 93 Os cuidados com a saúde: a educação corporal ................................................................ 93 UNIDADE 21 ........................................................................................................................ 101 Cuidados essenciais: sono, higiene e alimentação. .......................................................... 101 UNIDADE 22 ........................................................................................................................ 104 O cotidiano na educação infantil: a rotina na escola ......................................................... 104 Atividades de cuidado pessoal .......................................................................................... 104 UNIDADE 23 ........................................................................................................................ 107 Necessidades básicas: desenvolvimento infantil e práticas culturais ................................ 107 UNIDADE 24 ........................................................................................................................ 111 A importância da organização do espaço para a educação infantil .................................. 111 UNIDADE 25 ........................................................................................................................ 113 A função social da instituição da educação infantil: compromisso com a educação e o cuidado com criança pequena .......................................................................................... 113 UNIDADE 26 ........................................................................................................................ 118 A relação entre instituição de educação infantil, família e comunidade. ........................... 118 UNIDADE 27 ........................................................................................................................ 124 O contexto sóciocultural: função social, diversidade, relação familia e comunidade .... 124 Como conhecer e trabalhar com a comunidade ................................................................ 124 UNIDADE 28 ........................................................................................................................ 134 Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 7 A parceria com a comunidade e com as famílias .............................................................. 134 UNIDADE 29 ........................................................................................................................ 138 Creches, pré-escolas e comunidade: os direitos da criança ............................................. 138 UNIDADE 30 ........................................................................................................................ 146 Avaliação: como processo do desenvolvimento da aprendizagem do sujeito ................... 146 GLOSSÁRIO ........................................................................................................................ 158 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 160 Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 8 UNIDADE 1 Objetivos: Ampliar conhecimento sobre os aspectos históricos, filosóficos e a dimensão sócio-político, na evolução histórica do conceito de infância e de educação da primeira infância, com criança de 0 a 6 anos, como práxis pedagógica, em que o cuidar e o educar se revelam de maneira interdependente e permanente. Origem da educação infantil no mundo Podemos citar de forma introdutória o trabalho de Maria Montessori. O modo de lidar com as crianças na Idade Média era baseado em alguns costumes herdados da Antigüidade. O papel das crianças era definido pelo pai. Os direitos do pai, no mundo grego, além de incluir total controle sobre o filho, incluía também o direito de tirar-lhe a vida, caso o rejeitasse. No mundo germânico, além do poder do pai exercido no seio da família, existia o poder patriarcal, exercido pela dominação política e social. Nas sociedades antigas, o status da criança era nulo. Sua existência no meio social dependia totalmente da vontade do pai, podendo, no caso das deficientes e das meninas, ser mandadas para prostíbulos em lugar de serem mortas, em outros casos, as pobres eram abandonadas ou vendidas. Com a ascensão do Cristianismo, o modo de lidar com as crianças mudou, apesar dessa mudança ter sido um processo lento. A origem da educação infantil no brasil O atendimento às crianças de 0 a 6 anos em instituições especializadas tem origem com as mudanças sociais e econômicas, causadas pelas revoluções industriais no mundo todo. Neste momento, as mulheres deixaram seus lares por um período, onde eram cumpridoras de seus afazeres de criação dos filhos e os deveres domésticos, cuidando do marido e da família, para entrarem no mercado de trabalho . Atrelado a este fato, sob pressão dos trabalhadores urbanos, que viam nas creches um direito, seus e de seus filhos, por melhores Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 9 condições de vida, deu-se início ao atendimento da Educação Infantil (termo atual referente ao atendimento de crianças de 0 a 6 anos) no Brasil. Até 1920, as instituições tinham um caráter exclusivamente filantrópico e caracterizado por seu difícil acesso oriundo do período colonial e imperialista da história do Brasil. A partir desta data, deu início a uma nova configuração,"Na década de 20 , passava-se a defesa da democratização do ensino, e educação significava possibilidade de ascensão social e era defendida como direito de todas as crianças, consideradas como iguais" (Kramer, 1995, p.55). Na década de 30, o Estado assumiu o papel de buscar incentivo (financiamento) de órgãos privados, que viriam a colaborar com a proteção da infância. Diversos órgãos foram criados voltados à assistência infantil, (Ministério da Saúde; Ministério da Justiça e Negócios Interiores, Previdência Social e Assistênciasocial , Ministério da Educação e também a iniciativa privada). Nesta década passou-se a preocupar com a educação física e higiene das crianças como fator de desenvolvimento das mesmas, tendo como principal objetivo o combate à mortalidade infantil. Nesta época, iniciou-se a organização de creches, jardins de infância e pré-escolas de maneira desordenada e sempre numa perspectiva emergencial, como se os problemas infantis criados pela sociedade pudessem ser resolvidos por essas instituições. Em 1940 surgiu o departamento Nacional da Criança, com objetivo de ordenar atividades dirigidas à infância, maternidade e adolescência, sendo administrado pelo Ministério da saúde. Na década de 50 havia uma forte tendência médico-higiênica do departamento nacional da Criança, desenvolvendo vários programas e campanhas visando o "... combate à desnutrição, vacinação e diversos estudos e pesquisas de cunho médico realizadas no Instituto Fernandes Figueira. Era também fornecido auxílio técnico para a criação, ampliação ou reformas de obras de proteção materno-infantil do país, basicamente hospitais e maternidades" (KRAMER, 1995, p.65) . Na década de 60, o Departamento Nacional da Criança teve um enfraquecimento e acabou transferindo algumas de suas responsabilidades para outros setores, prevalecendo o caráter Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 10 médico-assistencialista, enfocando suas ações na redução da mortadalidade infantil . Em 1971 foi a promulgada a nova lei de Diretrizes e Bases da Educadsção Nacional, a lei nº.5.692, que, pela primeria vez, faz referência à Educação Infantil, dirigindo-a como ser conveniente à educação em escolas maternais, jardins de infância e instituições equivalentes. Em outro artigo, é sugerido que as empresas particulares, que empregam mulheres com filhos menores de sete anos, ofertem atendimento (educacional) a estas crianças, podendo ser auxiliadas pelo Poder público.Tal lei recebeu inúmeras críticas, quanto a sua superficialidade, sua dificuldade na execução, pois não havia um programa mais específico para estimular as empresas na criação das pré-escolas . Com esta pequena retrospectiva histórica, verifica-se que a Educação Infantil surgiu com um caráter de assistência à saúde / preservação da vida, não se relacionando com o fator educacional. Segundo Souza (1986), a pré-escola surgiu da urbana e típica sociedade industrial; não surgiu com fins educativos, mas sim para prestar assistência , e não pode ser comparada com a história da Educação Infantil, pois esta, sempre esteve presente em todos os sistemas e períodos educacionais a partir dos gregos . No Brasil considera-se como Educação Infantil o período de vida escolar em que se atende, pedagogicamente, crianças com idade entre 0 e 6 anos. A legislação educacional brasileira, notadamente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, chama o equipamento educacional que atende crianças de 0 a 3 anos de CRECHE. O equipamento educacional que atende crianças de 4 a 6 anos se chama PRÉ-ESCOLA. Recentes medidas legais modificaram o atendimento das crianças na PRÉ-ESCOLA, pois alunos com seis anos de idade devem obrigatoriamente estar matriculados no primeiro ano do Ensino Fundamental. Os dispositivos legais que estabeleceram as modificações citadas são os seguintes: Lei n° 11.274 sancionada pelo Presidente da República, em 06 de fevereiro de 2002, que regulamenta o Ensino Fundamental de 9 anos. Essa medida deverá ser implantada até 2010 pelos Municípios, Estados e Distrito Federal. Durante esse período os sistemas de ensino terão prazo para se adaptar em ao novo modelo de pré-escolas, que agora passarão a atender crianças de 4 e 5 anos de idade. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 11 As crianças são estimuladas, através de atividades lúdicas e jogos, a exercitar suas capacidades, fazer descobertas, e iniciar o processo de letramento. A Educação Infantil, hoje, além de uma necessidade, é um direito de toda e qualquer criança, independente de classe, gênero, cor ou sexo. O trabalho dos educadores de creche corresponde à assistência e à educação, oferecendo um atendimento comprometido com o desenvolvimento da criança em seus aspectos físicos, emocionais, cognitivos e sociais. (LDB/ 1996) O espaço das creches se divide em salas cuja responsabilidade está em atender a demanda por idade. Num determinado momento de permanência da criança na creche, ocorre o remanejamento dela para outra turma, quando atingida a idade máxima permitida na sala. Este momento tem grande importância, por corresponder à inclusão ou à exclusão da criança no novo grupo.A inclusão é um trabalho efetivo e em grupo, devendo haver um envolvimento entre educadores, coordenador, pais e crianças. Não há como agir com a criança mesmo pequena, sem considerar suas vontades, suas necessidades, seus medos e seus sentimentos. As mudanças substanciais, em geral, despertam ansiedades. Daí a importância de um trabalho consciente e responsável pela infância nestas instituições. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 12 Atuar nessa etapa do ensino requer, além da formação adequada, a habilidade para trabalhar com as necessidades da criança pequena. Afetividade, carinho, tranquilidade e equilíbrio são adjetivos essenciais para lidar com os cuidados e a educação desses indivíduos, promovendo os desenvolvimentos integrais, tornando-os verdadeiros cidadãos. O exercício dessa função exige do educador infantil o compromisso no uso de seu profissionalismo e clareza do seu papel na construção da personalidade e do desenvolvimento das potencialidades dessas crianças. Assim, pretendemos que esse profissional tenha compromisso com sua formação ética e que seja, de fato, transformador na realidade em que atuará. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 13 UNIDADE 2 Objetivos: Conhecer o conceito de inclusão e compreender a igualdade nas diferenças. Inclusão: uma breve análise do termo O termo inclusão provoca debates em torno do seu significado social. A palavra inclusão deriva do verbo incluir, originado do latim incluire, correspondendo a inserir, introduzir, acrescentar ou abranger. Seria equivalente ao verbo incluir a frase "colocar também" (ROQUETTE, 1928). O termo se refere à conduta de inserir alguém ou alguma coisa em algum lugar. Na prática, a maioria dos educadores quando convocados a falarem sobre o termo designam suas explicações à inserção no sistema regular de ensino, àquelas crianças ditas "diferentes" que apresentam impedimentos nos órgãos sensoriais ou no sistema nervoso central. Esta interpretação, baseada no defeito ou impedimento e impossibilidade, é vista por Mittler como parte da consciência de quase todos que trabalham em educação (MITTLER, 2003). Em muitas situações, há grande preocupação em incluir os "diferentes" no sistema regular de ensino, enquanto aqueles que são vistos como "normais" não são compreendidos em suas particularidades, podendo gerar um sentimento de exclusão, ocasionando, dentre outras conseqüências, a evasão escolar ou a repetência. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 14 Considera-se a inclusão não apenas direcionada a um sujeito específico. Mas, a qualquer indivíduo que, provisória ou permanentemente necessite de apoio de áreas especificas para se desenvolver em diferentes aspectos. Parafraseando Stainback, a inclusão não se aplica somente a crianças com deficiências ou sob algum risco, mas a todas, compreendendo o seu desenvolvimento e a aprendizagem numa instituição educacional (STAINBACK, 1999). Acredita-se que o termo inclusão seja sugestivo a compreensões ou análises direcionadas ao portador de necessidades especiais por questões ideológicas. De acordo com Bakhtin, (1981, p. 37) Épreciso fazer uma análise profunda e aguda da palavra como signo social para compreender seu funcionamento como instrumento da consciência. É devido a esse papel excepcional de instrumento da consciência que a palavra funciona como elemento essencial que acompanha toda criação ideológica, seja ela qual for. É no fluxo da interação verbal que a palavra difunde significados. É através dela que se evidenciam ideologias e se consolidam interpretações, até mesmo as mais contraditórias ou precipitadas. A maneira de pensar de cada um é levada adiante através do convívio. O educador mantém sua postura ideológica muitas vezes fundamentada numa premissa empírica. Corresponde a nossa cultura e, a nossa experiência acreditar que educação inclusiva se direciona apenas a crianças portadoras de alguma síndrome ou debilitadas fisicamente, às crianças ditas diferentes da maioria padronizada e homogeneizada superficialmente, sem considerações à subjetividade. Nossa prática está alicerçada numa educação para crianças "normais", enquanto a própria interpretação de normalidade pode ser contraditória, porque é subjetiva. Se analisarmos cada criança que pertence a uma instituição educacional, encontraremos particularidades que jamais poderiam ser desconsideradas tanto para o processo ensino aprendizagem, quanto, para o convívio e bem-estar social ou do grupo. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 15 A inclusão "passa por uma mudança no modo de vermos o outro, de agirmos para que todos tenham seus direitos respeitados” (MANTOAN, 2001, p. 107). Seguindo este viés, compreende-se que quando falamos sobre educação inclusiva não especificamos a quem, mas, apregoamos uma educação de qualidade, comprometida com cada sujeito, de modo que não o segregue sob nenhum pretexto ou razão. Há diversidade sim, mas precisamos olhá-la sob outro prisma. É a diversidade que conduz o processo ensino-aprendizagem. São as opiniões e as divergências que impulsionam as reflexões que nos fazem crescer e amadurecer como pessoa. Cada educando aprende e se relaciona com os demais de maneira singular, pois trazemos conosco uma história, uma ideologia. Nossas crenças e valores não se desvinculam de nós em nenhum instante. Direcionar nossa atenção apenas a portadores de necessidades específicas não vai mudar o atual sistema de ensino caótico, no qual muitas crianças, ainda reprovam porque não "compreenderam" algumas equações ou não escrevem em letras cursivas ou ainda não decoraram toda a tabuada e os verbos que o professor quer, no presente, pretérito mais-que-perfeito, futuro do presente, etc. Só podemos cultivar a inclusão numa experiência inclusiva. Só podemos cultivar uma prática pedagógica inclusiva e para todos, se assim for vivenciado, mas, para vivenciar, precisamos buscar ou refletir sobre nossas ações, sobre nossas experiências. Cada um dos educadores é responsável por compreender as regras ou princípios que conduzem sua forma de pensar. "A rua de acesso à inclusão não tem um fim porque ela é em sua essência, mais um processo do que um destino "(MITTLER, 2003, p. 36). O papel da inclusão está além da aceitação das diferenças, ele tem início numa tomada de consciência por parte daquele que está inicialmente mais próximo dos alunos ou crianças: o educador, independente da faixa etária com que trabalha, ou seja, em creche, pré-escola, ensino fundamental, precisa buscar algum referencial que o faça compreender a inclusão na sua complexidade, esta complexidade que envolve tanto o sentimento daquele a ser incluso, quanto redundante a postura da instituição e da família frente a esta questão. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 16 UNIDADE 3 Objetivo: compreender a história social da criança e as diferentes concepções acerca dos conceitos de infância e de criança Infância e educação infantil: concepções e diferentes olhares A educação tem sido considerada a grande responsável pela modernização das sociedades, pois o caminho para transformar o cenário atual é o desenvolvimento de políticas que atendam o setor educacional de modo geral Candau (2000). No entanto, ainda vivemos em um período muito contraditório, visto que em nosso país constatam-se altos índices de analfabetismo, repetência, evasão escolar, falta de estrutura material e humana, falta de valorização dos profissionais da educação, conforme nos indicam os estudos de Abramowicz e Moll, (1997) Arroyo (1992), Costa (1996), Pato (1990). Vale ressaltar a responsabilidade da escola pública para assumir o seu papel, já que nessa instituição está concentrada a maior parte dos problemas oriundos da falta de estrutura familiar, da fome, da miséria, dependência química, dentre outros. Por se tratar de uma organização humana que tem como objetivo formar cidadãos capazes de ser em sujeitos de sua própria vida, capazes de responder em por suas ações. Pois o objetivo da educação deve ser a construção de personalidades morais, autônomas criticas, que almejem o exercício competente da cidadania. Para tanto, para tanto precisam embasar-se nos princípios democráticos, da igualdade, da equidade e da participação de todos os membros da sociedade. Philiphe Ariés (1981), sobre a história social da criança e da família, foi um marco no sentido de ressaltar, historicamente, a construção social do conceito de criança e do sentido de infância. A visão de infância passou por diferentes concepções no decorrer da história, desde a criança ser considerada miniatura de adulto, até ser humano inocente. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 17 Áries discute a representação sobre a criança nas pinturas e escrituras e na arte sacra para, assim, tentar compreender como os povos antigos percebiam e foram construindo a noção de criança da contemporaneidade. Destaca algumas noções de como a criança era vista e revela que inicialmente era vista como anjo, por volta do século XIII. Desse século até o século XVI, a criança passaria a possuir o modelo do Menino Jesus, ou Nossa Senhora menina, pois a infância estava ligada ao ministério da maternidade da Virgem e ao “culto da Maria”. Com o passar dos séculos, Áries afirma que a criança foi ocupando um lugar de destaque na sociedade. No século XII passa a ser representada com mais ênfase, sendo agora representada não à imagem de outros, mas a sua própria imagem. Foi nesse século que o retrato da família tendeu a se organizar em torno da criança, tornando-se o centro da composição. Todas as sociedades, em todas as épocas, tiveram conceito de infância, ou seja, a noção de que as crianças podem ser diferenciadas dos adultos de várias formas. Terão idéias contrastantes sobre questões fundamentais relacionadas à duração da infância, as qualidades que as diferenciam dos adultos e à importância vinculada às suas diferenças. O que acreditamos ser a criança hoje teve suas raízes no momento em que ela perdeu o papel secundário que exercia na família e na sociedade, e passou a ser vista como um ser que possuía uma função e um papel, porém esta definição e datação variam entre as sociedades, culturas e comunidades. Varia no interior da família, bem como de acordo com a estratificação social. Do mesmo modo, varia de acordo com a duração da histórica e com a definição institucional de infância dominante de cada época. De acordo com o autor acima citado, o pensamento acerca da criança tem sido apresentado de forma complexa e muitas vezes contraditória. Por vezes, a criança é considerada como ser puro, ingênuo, que ainda se constituirá em alguém no futuro próximo; ora ela e abordada no discurso atual como um ser que é produtor e reprodutor da história, cultura e conhecimento; ora é vista como folha de papel em branco que precisa ser preenchida com tudo que a humanidade construiu no decorrer dos tempos.Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 18 Acredita-se que, desde o aparecimento da criança como categoria social, a infância já ocupa o papel que verdadeiramente lhe cabe; como sujeitos sociais e históricos marcados pelas contradições das sociedades. Segundo Kramer (2001), geralmente a criança é entendida como o oposto do adulto; aquele ser que não possui maturidade nem idade suficiente para integrar-se ao meio social. Esse pensamento ainda faz parte do imaginário social, principalmente quando a criança é identificada como o futuro da nação. Nesse caminho em que se busca compreender as concepções e pensamentos que foram construídos sobre a criança e a infância, é necessário observar e refletir como isso tem se refletido no contexto educacional. Assim, os que pensam sobre as criança e a infância no contexto escolar, apesar de hoje termos um conhecimento teórico sobre a infância bem avançado, vivemos um paradoxo, pois existe por parte das novas gerações, uma incapacidade em lidar com as populações infantis. Mas, afinal, o que é ser criança? O que é infância? Etimologicamente essas palavras significam, respectivamente, ”ser humano que se começa a criar,menino, menino. Pessoa ingênua, infantil. Idade de meninice. Período de crescimento que precede a puberdade”(KURY, 2002). A autora Sonia Kramer (2003), conceitua as crianças como sendo sujeitos sociais e históricos, marcados por contradição da sociedade em que vivem. A criança não é filhote de homem, ser em maturação biológica; ela não se resume em ser um ser que não é. Segundo outros autores a infância era entendida como uma fase da vida abstrata e especifica, na qual se incutiam valores sobre o bem e o mal dos indivíduos em seu processo de maturação. O RCNEI (Referencial Curricular para a Educação Infantil, BRASIL, 1998) destaca sua concepção sobre a criança e infância. Esse documento, elemento norteador para a Educação Infantil, foi distribuído em todas as unidades escolares do Brasil. Nesse documento a criança é destacada como ser social e histórico. Segundo o documento: Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 19 A criança como todo ser humano é um sujeito social e histórico e faz parte de uma organização familiar que está inserido em uma sociedade, com uma determinada cultura em um determinado momento histórico. E profundamente marcado pelo meio social em que se desenvolve, mas também o marca. (BRASIL, 1998). Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 20 UNIDADE 4 Objetivo: compreender a construção do conceito de infância e os valores reservados à criança. A construção social do conceito de criança A história que foi sendo construída sobre a criança, no Brasil, passou por várias fases a partir da chegada dos colonizadores portugueses. Essa história aparece em diversos estudos e em diferentes temas inter-relacionados, demonstrando que a questão da infância sempre esteve atrelada a outros estudos, nos quais aparecia como coadjuvante e nunca como sujeito central da análise. Como o conceito de criança e de infância, bem como a sua educação dependiam da classe social à qual pertencia, havia diferentes visões sobre ela. Assim, a criança simbolizava a esperança – futuro da nação, no entanto, tais palavras transformadas em ação revelavam que, em se tratando de criança pobre, educar representava moldá-la para a submissão. A preocupação em moldar a criança pobre para a submissão, refletia, e isso acontece ainda hoje, o significado social que se tinha da infância, ou seja, como parte de um projeto maior que circunscrevia na perspectiva de moldá-la de acordo com um projeto que conduzia o Brasil ao seu ideal de nação. Assim, ao serem submissas e educadas, as crianças das classes menos favorecidas poderiam se mais bem trabalhadas no sentido de não questionarem, não almejarem os cargos mais altos. Isso nos mostra como foi sendo construída a idéia de criança e de infância no contexto brasileiro, levando-se em conta a forte influencia européia que ditava as regras de tudo o que deveria acontecer no Brasil, principalmente no período monárquico e republicano. O autor Rizzini (1997) faz uma retrospectiva histórica do contexto sociopsicológico de invenções/idealização/conscientização da infância em seu processo constitutivo e segue o caminho da denúncia, mostrando que hoje a mídia tem influência de tal forma na constituição Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 21 subjetiva da infância/criança, que já não se pode mais distinguir aquilo que é próprio do adulto e aquilo que é próprio do universo infantil, fato que Ares observou ser o diferencial entre o mundo das crianças – língua, vestimenta, brinquedos, mistérios - e o mundo dos adultos. Postman (1999) enfatiza que as evidências do desaparecimento da infância vêm de várias maneiras e de diversas fontes, tais como, pela presença marcante dos meios de comunicação que têm banalizado a vida, o sexo, o amor e pelos estilos das crianças. As crianças são um grupo de pessoas que não possuem certos conhecimentos que os adultos possuem. Na idade Média não havia crianças porque não havia para os adultos meios de contar com informação exclusiva. Mas, a noção de criança é uma concepção historicamente construída e vem mudando ao longo dos tempos, não aparecendo de forma homogênea nem no interior de uma mesma sociedade. É no concreto, no cotidiano das práticas que se percebe, de repente, que uma vez integrada num ambiente adequado, a criança sofre transformações e alterações. Num processo muito rápido, pois o ambiente socialcultural pré-existente a estimula para as formas necessárias de adaptação. Essas formas de adaptação têm se refletido na educação infantil de duas maneiras distintas: uma que considera a criança um ser em desenvolvimento e que precisa da educação para se tornar alguém, chegando a confundir a visão infantil com uma concepção de um tipo de educação voltado para ela; e outra que considera também a criança como um ser em desenvolvimento, porém visto como sujeito ativo, em transformação, mediador de cultura e produtor de conhecimento. Assim, a criança é uma fonte inesgotável de possibilidade ao superar o sentido histórico da palavra infantil (etimologicamente) derivada de infante e pode ser entendida como aquele que não fala. No entanto, sendo sujeito histórico, essa criança não pode permanecer sem voz e, é no diálogo com o outro que ela mostra sua indissociabilidade entre a forma e o conteúdo da sua existência ativa no mundo. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 22 Diante disso, devemos ressaltar que o discurso no cotidiano educacional tem mostrado que a concepção de infância vai se modificando de acordo com o contexto histórico, social e cultural das pessoas. As crianças são vistas atualmente como cidadãos com direitos, membros de um grupo social, agentes de suas próprias vidas e construtores do conhecimento, identidade e cultura. A infância e a educação infantil Segundo Fraga (2004), sobre as concepções de criança, é preciso considerar que a visão do adulto já e influenciada pelos conhecimentos que se tem sobre o assunto. Muitas vezes essa concepção é romântica, sem criticidade necessária para perceber alguns problemas de ordem social, como a desigualdade entre as crianças de diferentes classes sociais. A visão da própria criança sobre o que é ser criança, por sua vez, revela que ela oferece informações que leva à constatar que tem perspectiva e é capaz de assimilar de forma positiva ou negativa aquilo que o meio lhe oferece para seu desenvolvimento. A autora afirma ainda que a criança pouco é ouvida sobre como se vê e se percebe, sendo membro da sociedade. Como ser humano, como alguém capaz de criar e ter sentidos para os objetos que possuem significados fixadospela cultura dominante, ultrapassando o sentido único que as coisas novas tendem a adquirir. Pesquisas têm sido produzidas nessa área e emergem vinculadas a um olhar mais atento ao contexto em que se insere a infância na sociedade. As desigualdades são gritantes e no bojo da reorganização do capitalismo contemporâneo, e agora "global" e “informacional”, vê-se um mundo mais opressivo e adverso, onde a competitividade, o desemprego, a desigualdade e exclusão social são a tônica que dão o "tom" ao novo milênio. Ao longo do século passado (XX), observou-se um crescente movimento pelo estudo da criança, bem como se percebe que a visão sobre a infância é social e historicamente construída. Os estudos teóricos nesta área e as lutas políticas em defesa das crianças têm apontado para a construção social destas, enquanto sujeitos sociais de plenos direitos. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 23 Contudo, as crianças são sujeitos marcados pelas contradições da sociedade em que vivemos. Vislumbram-se diversas infâncias, num mesmo espaço e tempo - são os paradoxos vividos nesse universo. O pesquisador Manuel Sarmento ao refletir acerca das crianças e da condição social da infância, afirma que as condições de nascer e de crescer não são iguais para todos nessa fase. Destaca ainda que o mundo da infância aparece invadido pela morte, pela injustiça (ou o mesmo que dizer, pela ausência ou ineficácia da justiça) pela doença, pelo desconforto e pela violência (Sarmento, 2000, p.1-2). A partir da Constituição Federal de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, a criança no Brasil passa a ser objeto da legislação, sob outro enfoque que o das legislações anteriores. Assim, os direitos sociais e fundamentais das crianças são reconhecidos como inerentes a elas evidenciando que no atual contexto social brasileiro, a criança é reconhecida como sujeito social de direitos e que, creches e pré-escolas devem ser garantidas a todos, enquanto dever do Estado e opção da família. Neste contexto paradoxal da “Infância de Direitos”, foram surgindo diversos questionamentos com relação aos direitos das crianças à educação infantil e às políticas públicas para infância de 0 a 6 anos. A partir destas preocupações, questiona-se até que ponto as políticas públicas voltadas à educação e ao cuidado das crianças de 0 a 6 anos, em instituições de educação infantil, contemplam os direitos declarados na legislação brasileira. A Educação Infantil é um campo recente de prática social que consiste em educar e cuidar de crianças de 0 a 6 anos em instituições coletivas, portanto, investigar nesta área implica em considerar os atuais contextos específicos em que se concretiza a educação e o cuidado da criança de 0 a 6 anos, em creches e pré-escolas que, como instituições sociais, contemporaneamente compartilham esta tarefa com as famílias e a sociedade (Rocha, 1999, p.62). Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 24 UNIDADE 5 Objetivo: refletir sobre direito, o papel social da criança e a possibilidade de inclusão. O direito de papel: inclusão ou exclusão? Na sociedade contemporânea brasileira, vive-se a perversidade de um sistema desigual e excludente, onde pobreza e exclusão são produtos destas relações sociais. A pobreza e exclusão abrangem privações na vida dos indivíduos, submetidos aos problemas da sobrevivência. Contudo, muito mais que a carência material, vive-se mais vergonhosamente a “carência de direitos”, parafraseando Martins. (1991 p.11/15). O fato de encontrarmos “listas de espera” na rede municipal de educação infantil, por exemplo, no município de Florianópolis, confirma que muitas famílias “carentes de direitos”, excluídas do atendimento na rede municipal de creches e pré-escolas, de alguma forma, têm buscado alternativas para o cuidado e educação de suas crianças pequenas. Uma pesquisa buscou conhecer os mecanismos e as alternativas que as famílias têm encontrando para garantir educação infantil para os seus filhos de 0 a 6 anos. As alternativas encontradas pelas famílias excluídas “carentes de direito” têm tomado duas direções. Os dados e os depoimentos analisados permitem identificar que muitas crianças, filhos das famílias excluídas da rede pública, têm sido usuárias de uma “rede informal” de educação infantil, ou seja, instituições que não estão cadastradas nos censos do MEC. Por outro lado, existe um outro caminho a percorrer, talvez mais duro e difícil de trilhar, pois ele leva à busca por “mecanismos legais”, que, acionados, podem ser uma forma de garantir o direito à educação infantil das crianças de zero a seis anos. É um caminho que tira do discurso o “direito de papel” e traz para a realidade o “papel da infância”. Muitas famílias têm acionado o Conselho Tutelar como parceiro na busca por uma vaga na rede de educação infantil do Município. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 25 Contudo, nosso desafio é concreto e imediato. Na trajetória das instituições de educação infantil, sabemos que as creches, no Brasil, foram implementadas pela Assistência Social, e que ainda teve outros parceiros em diversos momentos da história. Após a LDBN, estas instituições passaram a pertencer à organização escolar, sendo regulamentadas como processo educativo, porém a grande parcela de recursos destinados a ela, para não dizer a única, ainda está vinculada na Secretaria de Assistência Social. Nesse sentido, muitos são os desafios apresentados para que os educadores e pesquisadores se debrucem sobre infância e educação infantil, na sociedade contemporânea, num mundo globalizado, onde a pobreza e as desigualdades sociais são a tônica, e busquem uma saída e procedimentos de verdadeira inclusão. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 26 UNIDADE 6 Objetivo: Compreender a construção social do conceito de infância, o processo de inclusão e o ensino para a diversidade no contexto da educação infantil. Infância e sociedade A concepção que se tem de criança, comumente, é que esta se estabelece pela falta de idade ou de maturidade, em oposição ao adulto. No entanto, esta definição não deve ser entendida de forma tão simplificada, pois, aliado ao fator da idade estão associados determinados papéis e desempenhos específicos e, tais papéis, dependem estreitamente da classe social em que essa criança está inserida. A participação no processo produtivo, o tempo de escolarização, o processo de socialização no seio da família e da comunidade, as atividades assumidas, bem como determinadas brincadeiras se diferenciam dependendo da posição que ocupam criança e família, na estrutura sócioeconômica. Dessa forma, é inadequado supor que haja uma população infantil homogênea, desconsiderando as diferenças infantis como processos desiguais de socialização. Logo, deve-se entender a criança em relação ao contexto social em que vive e não como “natureza infantil”, como se esta estivesse distante de suas condições objetivas de vida, desvinculadas das relações de produções existentes na realidade. Neste sentido, a concepção e o sentimento sobre a infância foram construídos sócio-historicamente no decorrer dos séculos. O historiador francês Philippe Áries relata a transformação dos sentimentos de infância e da família, a partir dos antigos diários de família e de pinturas, retratando os momentos e as condições em que surgiram a família nuclear, a escola e o sentimento de infância, trazendo um novo enfoque para as funções que desempenhavam aquelas instituições, contrapondo-se, assim, aos que consideram família e escola como organismos que sempre existiram com uma única estrutura e com funções determinadas. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 27A descoberta da infância O sentimento de infância não possui o mesmo significado que a afeição pelas crianças, e sim, a consciência da particularidade infantil, ou seja, aquilo que a diferencia do adulto e que possibilita sua visão como um adulto em potencial, dotada de capacidade de desenvolvimento. Até o século XII a criança era considerada como um adulto em miniatura. Sua figura era deformada, sem característica de infância, na qual o abdômen e peito tinham musculatura de adulto. Nesse período, o índice de mortalidade infantil era extremamente alto, sendo estas mortes consideradas naturais. Tanta era a desconsideração por essa etapa do desenvolvimento, que era comum, quando as crianças nasciam e, durante o período de sofrimento pós-parto, considerado “resguardo”, as vizinhas ao visitarem as mães para consolá-las, se referirem assim: “antes que ela te possa causar muitos problemas, tu terás perdido a metade, e quem sabe todos! Ou ainda, “perdi dois ou três filhos pequenos, não sem tristeza, mas sem desespero.” A partir do século XVI, as descobertas científicas provocaram o prolongamento da vida, principalmente para as classes dominantes, o que ainda permanece uma realidade, tendo em vista as políticas de saúde desenvolvidas em países economicamente desenvolvidos, o que contrasta com os países dependentes, como na realidade brasileira. O sentimento moderno de infância corresponde a duas atitudes contraditórias que caracterizam o comportamento dos adultos em relação à criança: Uma considera as crianças ingênuas, inocentes e graciosas, traduzidas pela “paparicação” dos adultos e, a outra, simultaneamente, considera a criança como um ser imperfeito, incompleto e que necessita da “moralização” e da educação proposta pelos adultos. Na concepção moderna do sentimento da infância, a ordem é a atitude de preservá-la da corrupção do meio mantendo a sua inocência, fortalecendo-a e desenvolvendo o seu caráter e a sua razão. As noções de inocência e de razão são elementos básicos que vêm Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 28 fundamentar o conceito de criança, como natureza, que as considera todas iguais, correspondendo a um ideal abstrato, concretizado na criança burguesa. A forma de identificação desse modelo de criança no contexto burguês, em que surge este sentimento de infância, é de fundamental importância para a compreensão da concepção atual de criança, quando se acredita numa essência infantil desvinculada das condições de existência, prevista para uma criança universal. A concepção atual de infância A idéia de infância não existiu sempre, nem da mesma maneira, como já pudemos observar. Ela aparece com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na medida em que acontece a mudança na inserção e o papel social da criança na comunidade. Na sociedade feudal, a criança exercia um papel produtivo direto, pois era visto como adulto. Passado esse período, na sociedade burguesa, ela passa a ser alguém que necessita de cuidados, de escolaridade e de preparação para uma atuação futura. Os conceitos de infância, portanto, são determinados historicamente, pelas mudanças ocorridas a partir das formas de organização da sociedade. Essa forma de organização instituiu diferentes classes sociais nas quais a criança passou a ter, também, diferentes papéis. A concepção de uma infância universal foi difundida pela classe dominante, baseada em um modelo padrão de criança, instituído pela sociedade capitalista, justamente a partir dos critérios de idade e de dependência do adulto; papel social que exerce e que é característico no interior dessas classes. Diversas são as pesquisas que contribuem com a identificação dos momentos históricos em que o sentimento de infância surge no Brasil colonial, além de fornecer dados sobre a diversificação deste sentimento de acordo com a inserção social da criança na sua classe e no próprio contexto político e econômico do país. Nesse sentido, não devemos perder de vista que o conceito de criança depende de forma intrínseca das condições sócio-política- econômica e cultural em que vivem, bem como os diferentes graus de valorização da infância pelo adulto e do papel efetivo que passam a exercer em sua comunidade. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 29 UNIDADE 7 Objetivo: compreender a organização sóciopolítica e econômica para a educação na primeira infância, tendo como base a legislação. O direito de papel: inclusão ou exclusão A educação infantil é a primeira etapa da Educação Básica. Ela estabelece as bases da personalidade humana, da inteligência, da vida emocional, da socialização. As primeiras experiências da vida são as que marcam mais profundamente a pessoa. Quando positivas, tendem a reforçar, ao longo da vida, as atitudes de autoconfiança, de cooperação, solidariedade e responsabilidade. As ciências que se debruçaram sobre a criança nos últimos cinquenta anos, investigando como se processa o seu desenvolvimento, coincidem em afirmar a importância dos primeiros anos de vida para o desenvolvimento e aprendizagem posteriores. E têm oferecido grande suporte para a educação formular seus propósitos e atuação a partir do nascimento. A pedagogia mesma vem acumulando considerável experiência e reflexão sobre sua prática nesse campo e definindo os procedimentos mais adequados para oferecer às crianças interessantes, desafiantes e enriquecedoras oportunidades de desenvolvimento e aprendizagem. A educação infantil inaugura a educação da pessoa. Essa educação se dá na família, na comunidade e nas instituições. As instituições de educação infantil vêm se tornando cada vez mais necessárias, como complementares à ação da família, o que já foi afirmado pelo mais importante documento internacional de educação deste século, a Declaração Mundial de Educação para Todos (JOMTIEN, Tailândia, 1990). Considera-se, no âmbito internacional, que a educação infantil terá um papel cada vez maior na formação integral da pessoa, no desenvolvimento de sua capacidade de aprendizagem e na elevação do nível de inteligência das pessoas, mesmo porque inteligência não é herdada geneticamente nem transmitida pelo ensino, mas construída pela criança, a partir do Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 30 nascimento, na interação social mediante a ação sobre os objetos, as circunstâncias e os fatos. Avaliações longitudinais, embora ainda em pequeno número, indicam os efeitos positivos da ação educacional nos primeiros anos de vida, em instituições específicas ou em programas de atenção educativa, quer sobre a vida acadêmica posterior, quer sobre outros aspectos da vida social. Há bastante segurança em afirmar que o investimento em educação infantil obtém uma taxa de retorno econômico superior a qualquer outro. As diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil, definidas pelo Conselho Nacional de Educação, consoante determina o art. 9o, IV da LDB, complementadas pelas normas dos sistemas de ensino dos Estados e Municípios, estabelecem os marcos para a elaboração das propostas pedagógicas para as crianças de 0 a 6 anos. No horizonte dos dez anos do Plano Nacional de Educação, a demanda de educação infantil poderá ser atendida com qualidade, beneficiando toda criança que necessite e cuja família queira ter seus filhos frequentando uma instituição educacional. Para tanto, requerem-se, além de orientações pedagógicas e medidas administrativas conducentes à melhoria da qualidade dos serviços oferecidos, medidas de natureza política tais como: decisões e compromissos políticos dos governantes em relação às crianças, medidas econômicas relativas aos recursos financeiros necessários e medidas administrativas para articulação dos setores da política social, envolvidos no atendimento dos direitos e das necessidades das crianças,como a Educação, a Assistência Social, a Justiça, o Trabalho, a Cultura, a Saúde e as Comunicações Sociais, além das organizações da sociedade civil. Na distribuição de competências referentes à educação infantil, tanto a Constituição Federal quanto a LDB são explícitas na corresponsabilidade das três esferas de governo - Municípios, Estado e União - e da família. A articulação com a família visa, mais do que qualquer outra coisa, ao mútuo conhecimento de processos de educação, valores, expectativas, de tal maneira que a educação familiar e a escolar se complementem e se enriqueçam, produzindo aprendizagens coerentes, mais amplas e profundas. Quanto às esferas administrativas, a União e os Estados atuarão subsidiariamente, porém necessariamente, em apoio técnico e financeiro aos Municípios, consoante o art. 30, VI da Constituição Federal. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 31 As inversões financeiras requeridas para cumprir as metas de abrangência e qualidade deverão ser vistas, sobretudo como aplicações necessárias em direitos básicos dos cidadãos na primeira etapa da vida e como investimento, cujas taxas de retorno alguns estudos já indicam serem elevadas. As metas estão relacionadas à demanda manifesta, e não à demanda potencial, definida pelo número de crianças na faixa etária, pois a educação infantil não é obrigatória, mas um direito da criança. Os fatores históricos que determinam a demanda continuam vigentes em nossa sociedade, tornando-se cada vez mais óbvios, acrescentando-se a eles a própria oferta como motivadora da procura. Afinal, a existência da possibilidade de acesso e o conhecimento dos benefícios da frequência a um centro de educação infantil de qualidade induzem um número cada vez maior de famílias a demandar uma vaga para seus filhos. Importante, nesse processo, é o cuidado na qualidade do atendimento, pois só esta o justifica e produz resultados positivos. A formação dos profissionais da educação infantil merecerá uma atenção especial, dada a relevância de sua atuação como mediadores no processo de desenvolvimento e aprendizagem. A qualificação específica para atuar na faixa de zero a seis anos inclui o conhecimento das bases científicas do desenvolvimento da criança, da produção de aprendizagens e a habilidade de reflexão sobre a prática, de sorte que esta se torne, cada vez mais, fonte de novos conhecimentos e habilidades na educação das crianças. Além da formação acadêmica prévia, requer-se a formação permanente, inserida no trabalho pedagógico, nutrindo-se dele e renovando-o constantemente. Para orientar uma prática pedagógica condizente com os dados das ciências e mais respeitosa possível do processo unitário de desenvolvimento da criança, constitui diretriz importante a superação das dicotomias creche/pré-escola, assistência ou assistencialismo/ educação, atendimento a carentes/educação para classe média e outras, que orientações políticas e práticas sociais equivocadas foram produzindo ao longo da história. Educação e cuidados constituem um todo indivisível para crianças indivisíveis, num processo de desenvolvimento marcado por etapas ou estágios em que as rupturas são bases e possibilidades para a seqüência. No período dos dez anos de implantação deste plano, o Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 32 Brasil poderá chegar a uma educação infantil que abarque o segmento etário 0 a 6 anos (ou 0 a 5, na medida em que as crianças de 6 anos ingressem no ensino fundamental), sem os percalços das passagens traumáticas, que exigem "adaptação" entre o que hoje constitui a creche e a pré-escola, como vem ocorrendo entre esta e a primeira série do ensino fundamental. As medidas propostas por este plano decenal para implementar as diretrizes e os referenciais curriculares nacionais para a educação infantil se enquadram na perspectiva da melhoria da qualidade. No entanto, é preciso sublinhar que é uma diretriz nacional o respeito às diversidades regionais, aos valores e às expressões culturais das diferentes localidades, que formam a base sócio-histórica sobre a qual as crianças iniciam a construção de suas personalidades. A educação infantil é um direito de toda criança e uma obrigação do Estado (art. 208, IV da Constituição Federal). A criança não está obrigada a frequentar uma instituição de educação infantil, mas sempre que sua família deseje ou necessite, o Poder Público tem o dever de atendê-la. Em vista daquele direito e dos efeitos positivos da educação infantil sobre o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças, já constatado por muitas pesquisas, o atendimento de qualquer criança num estabelecimento de educação infantil é uma das mais sábias estratégias de desenvolvimento humano, de formação da inteligência e da personalidade, com reflexos positivos sobre todo o processo de aprendizagem posterior. Por isso, no mundo inteiro, esse segmento da educação vem crescendo significativamente e vem sendo recomendado por organismos e conferências internacionais. Considerando, no entanto, as condições concretas de nosso País, sobretudo no que se refere à limitação de meios financeiros e técnicos, este plano propõe que a oferta pública de educação infantil conceda prioridade às crianças das famílias de menor renda, situando as instituições de educação infantil nas áreas de maior necessidade e nelas concentrando o melhor de seus recursos técnicos e pedagógicos. Deve-se contemplar, também, a necessidade do atendimento em tempo integral para as crianças de idades menores, das famílias de renda mais baixa, quando os pais trabalham fora de casa. Essa prioridade não pode, em hipótese alguma, caracterizar a educação infantil pública como uma ação pobre Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 33 para pobres. O que este plano recomenda é uma educação de qualidade prioritariamente para as crianças mais sujeitas à exclusão ou vítimas dela. A expansão que se verifica no atendimento das crianças de 6 e 5 anos de idade conduzirá invariavelmente à universalização, transcendendo a questão da renda familiar. A norma constitucional de integração das crianças especiais no sistema regular será, na educação infantil, implementada através de programas específicos de orientação aos pais, qualificação dos professores, adaptação dos estabelecimentos quanto às condições físicas, mobiliário, equipamentos e materiais pedagógicos. Quando a avaliação recomendar atendimento especializado em estabelecimentos específicos, diretrizes para essa modalidade constarão do capítulo sobre educação especial. A Educação Especial articula-se à educação infantil no seu objetivo de garantir oportunidades sócioeducacionais à criança, promovendo o seu desenvolvimento e aprendizagem, dessa forma, suas experiências, conhecimento e participação social, (RCNEI, 2001). Texto produzido pelo ministério da Educação nesse Referencial Curricular Nacional para a Educação infantil – Estratégia para a Educação de crianças com necessidades Especiais, como princípio fundamental. Pense um pouco na relação que você tem com as famílias das crianças com as quais você trabalha. Quais são os pontos positivos, as conquistas que você já alcançou nessa relação? O que pode ser melhorado, de modo que esse relacionamento se torne ainda mais produtivo? Mostre a sua opinião e discuta conosco sobre este assunto. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 34 UNIDADE 8 A escola e o professor reflexivo: reflexões que podem tornar a escola inclusiva1 AGUIAR, Romilda Nascimento de2 No contexto educacional que vivemos urge a necessidade de repensarmos o papel da escola e sua missão diante de uma sociedade complexa. Assim, é preciso que se desenvolvam competências e conhecimentos globalizados, para que a escola esteja contextualizada para atenderas necessidades de todos os indivíduos. Mais do que nunca, falamos de uma escola aprendente, uma escola que valoriza não somente os que nela estudam, mas também aqueles que nela ensinam. Uma escola reflexiva que pensa sua organização e reflete sua prática. Nesse sentido, por consequência, o profissional que nela trabalha, deve ser o professor reflexivo de sua prática educativa, comprometido com a aprendizagem e com a construção de um trabalho coletivo, buscando e analisando sua formação através da formação continuada. Escola reflexiva: organização que se percebe aprendente numa sociedade inclusiva A escola atualmente tem demonstrado ineficiência, em consequência de sua inadequação diante das demandas da sociedade, necessitando posicionar-se de forma dinâmica, interagindo com outras instituições e com a sociedade, estabelecendo relações interpessoais. 1 Texto produzido para a disciplina de Tópicos em Educação Especial I, sob a orientação da Profª. Dr ª. Denise Meyrelles de Jesus do Programa de Pós-Graduação em Educação da Ufes, para apresentação no I Encontro de Educação Inclusiva-PPGE/UFES. 2 Pedagoga e Mestre do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, da linha de Educação Especial. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 35 Para promover mudanças na escola é preciso que se mude o pensamento sobre ela, refletindo sobre a vida no seu interior, dialogando com a experiência de sucessos e fracassos, bem como com os problemas e frustrações advindos do seu cotidiano. Segundo Alarcão (2001), esta escola que se propõe aprendente e que almeja mudanças significativas, é uma escola que gera conhecimento próprio. Portanto, [...] é uma escola que se pensa e se avalia em seu projeto educativo e uma organização aprendente que qualifica não apenas os que nela estudam, mas também os que nela ensinam ou apóiam estes e aqueles. (ALARCÃO, 2001, p. 15) Segundo Alarcão (2001), os discursos oficiais reconhecem que a educação é primordial para o desenvolvimento humano e que a escola e os professores desempenham papel fundamental. No entanto, verifica-se que a escolarização não garante as competências cognitivas, atitudinais, relacionais e adaptativas que a sociedade exige. Para isso, a escola deve conceber-se como um local, um tempo e um contexto educativo. Um contexto de trabalho para o aluno, referindo-se a aprendizagem em várias dimensões e, para o professor, a educação na multiplicidade de suas funções, pois o professor deve pensar o contexto educativo para além do currículo e dos conteúdos escolares. O trabalho no contexto escolar exige esforço de todos os envolvidos no processo, porém este deve acontecer sem causar desprazer. O trabalho em tais dimensões implica, segundo Paulo Freire (apud ALARCÃO , 2001, p. 17), Para que se consiga um bom desempenho, o contexto de trabalho deve constituir um ambiente tranqüilizador, onde haja conscientização do lugar/papel que cada um deve desempenhar. A escola deve ser um lugar de flexibilidade, onde a prevenção deve afastar a necessidade de repressão e, onde o espírito de colaboração e de cooperação deve impedir a competição, onde as críticas devem ser construtivas evitando a crítica pela crítica e a apatia, que empobrece o trabalho em equipe. E o tempo... A escola é tempo espaço de desenvolver a curiosidade, desenvolver e aplicar a capacidade de memorização, observação, comparação, associação, raciocínio, expressão, Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 36 comunicação e risco, bem como de desenvolver a atividade e iniciativa, a convivência saudável e a cooperação (ALARCÃO, 2001). Nesse sentido, uma escola reflexiva é uma escola em movimento, que acompanha as mudanças da sociedade e se volta para as necessidades de seu alunado e de sua comunidade, ressignificando seus valores, avaliando seu projeto pedagógico. De acordo com Silva (2002), para a concretização desse novo tipo de trabalho escolar, são necessárias mudanças nas relações e inter-relações pessoais dos professores com seus pares e com os alunos; exigem-se diferentes competências e habilidades para atuar nessa nova escola. Pois a escola como nos é apresentada hoje, parece descontextualizada. A escola deve tender a uma dimensão local, aproximar-se da comunidade. Manter-se, porém, em contato com a aldeia global de que faz parte e partilha com todas as outras escolas do mundo a função de socialização que as caracteriza. Sem deixar de ser local, a escola é universal (ALARCÃO, 2001, p. 21 ). Para a consolidação dessa escola, devem ser consideradas as novas tecnologias da informação e da comunicação, pois possibilitam vias de diálogo, oportunizando uma interação de forma a cultivar o universal e o local. Urge, portanto, que a escola se assuma como instituição educativa que possui objetivo definido e que descubra os melhores caminhos de acordo com a realidade social, para poder desempenhar a missão que lhe cabe na sociedade. “A escola não é apenas preparação para a vida. Ela é a própria vida, um local de vivência da cidadania” (ALARCÃO, 2001, p.18). Assim, a escola como organização que aprende, precisa envolver o elemento humano, as pessoas, para que mudem a cultura escolar. Essas mudanças no dizer de Drucker (1993 apud ALARCÃO, 2001, p. 19), Que a escola tem privilegiado o pensamento lógico-matemático e a racionalidade, em detrimento do desenvolvimento global do “ser pessoa,” discriminando os que não se adaptam a esse paradigma. É preciso repensá-la e agir para transformá-la, com o envolvimento de toda a comunidade. “[...] a idéia de que uma escola nova mais Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 37 eficiente e capaz de ensinar deva ser construída com os esforços de todos os sujeitos envolvidos com esse ensinar: alunos pais, funcionários, professores”( Bruno, 2002, p. 13). Nesse sentido, Gómez (apud Christov, 2002, p. 10) [...] afirma que para superar a racionalidade técnica, ou seja, uma utilização linear e mecânica do conhecimento científico é preciso partir da analise das práticas dos professores quando enfrentam problemas complexos da vida escolar, para compreensão do modo como utilizam o conhecimento científico, como resolvem situações incertas e desconhecidas, como elaboram e modificam rotinas, experimentam hipóteses de trabalho, como utilizam técnicas e instrumentos conhecidos e como recriam estratégias e inventam procedimentos e recursos. Para a promoção de mudanças na escola, é necessária a conscientização de que são as pessoas dão vida à instituição; alunos, pais, professores e funcionários interagem constantemente, criando e recriando o contexto educativo. São atores, e, portanto, são “os recursos sem o qual todos os outros serão desperdícios ( ALARCÃO, 2001). E são esses atores, que possuem o poder da palavra e, através delas revelam seus sentimentos, pensamentos e confrontam suas idéias. Relações vivenciadas no contexto escolar, que são imprescindíveis entre as pessoas, o trabalho e a escola, na busca por uma educação de qualidade. Se quisermos mudar a escola devemos assumí-la como organismo vivo, dinâmico, capaz de atuar em situações, de interagir e desenvolver-se ecologicamente e de aprender a construir conhecimento sobre si próprio nesse processo [...] ( ALARCÃO, 2001, p. 27) A escola pensada como um organismo vivo tem possibilidade de crescer e se desenvolver em interação com os diversos segmentos por ela constituídos e o meio em que está inserida. Portanto, uma escola reflexiva trabalha no exercício da cidadania, na compreensão da realidade, no respeito pela diversidade, no diálogo e interesse pelo outro, bem como, no compromisso com a aprendizagem do aluno baseado no conhecimento do desenvolvimento humano. Copyright © 2007,ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 38 Esta escola pensa sua missão diante da observação da realidade social, para decidir caminhos que possibilite a cristalização dessa missão para com a sociedade. Somente a escola que se interroga, se pensa e se avalia constantemente, será autônoma e responsável. A escola como organização que aprende A escola constituída como espaço de formação e produção de conhecimento, só será concretizada se apresentar uma aprendizagem institucional ou organizativa e significativa. Isto porque o contexto e as relações de trabalho e organização, só aprendem a partir da história de funcionamento e da memória institucional. As organizações aprendem quando tem capacidade de captar as necessidades do meio, de utilizar o saber adquirido para melhor responder a estas necessidades de forma criativa. O conhecimento da escola se dá a partir de dois processos, na perspectiva de Bolívar (1997): aprender com a experiência acumulada, mediante adaptações progressivas de novas ideias ou propostas e aprender com projetos postos em prática. Ambos os processos dependem das redes de cooperação entre as pessoas e os profissionais que integram essa instituição, pois a aprendizagem em equipe é fundamental para a organização se desenvolver como um conjunto. Alarcão (2001), argumenta que uma escola reflexiva necessita ter uma visão partilhada do caminho que quer percorrer e refletir sistematicamente e cooperativamente sobre as implicações e as consequências da concretização dessa visão. Da visão sobre a própria escola deriva o seu projeto, interativamente constituído. A aprendizagem organizacional atua como referência para entender como as mudanças cognitivas ou práticas dos indivíduos, que acontecem nos locais de trabalho, estão dependentes de novos padrões organizativos e mentais. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 39 A aprendizagem, então, implica na interpretação de fatos e de conhecimentos construídos socialmente que, gerados internamente ou externamente, tornam se parte da organização. Além disso, As organizações só aprendem através de indivíduos que aprendem. A aprendizagem individual não garante a aprendizagem institucional (organizacional), mas não há aprendizagem institucional sem aprendizagem individual (SENGE, 1992 apud BOLIVAR, 1997, p. 82). A escola nesse sentido cria uma cultura própria, monitorada pela socialização de seus membros, constituindo um processo de aprendizagem que assegura o desenvolvimento institucional. Dessa forma, segundo Bolívar (1997), a escola enquanto organização é composta por um conjunto de padrões ou rotinas que orientam a ação dos seus membros, uma organização, ao longo de sua história que aprende, desenvolve um conjunto de práticas que trouxeram estabilidade ao trabalho que configuram a sua cultura organizativa. Para a construção dessa escola aprendente, Bolívar (1997) refere-se aos métodos auto- biográficos e histórias de vida que podem converter-se numa importante estratégia para dar identidade tanto ao indivíduo, quanto à escola a que pertence. Esses métodos permitem a “[...] a reapropriação da experiência passada, inventariando os próprios saberes e competências, adquiridos ao longo da vida, e a orientação profissional e institucional [...]” (Bolívar, 1999, p.87) Leithowood et al (1995 apud Bolívar, 1997, p. 93) delimitaram os fatores que facilitam os processos de aprendizagem organizacional nas escolas: Processos de aprendizagem organizacional: relações com colegas, reflexões, etc; Estímulos para a aprendizagem: iniciativas de autonomia, compromisso com a escola, etc; Condição externa: estrutura e estratégias, liderança, etc; Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 40 Condições internas: visão partilhada, recursos adequados, etc; Resultados individuais e coletivos: compreensão, habilidades, novas práticas. Portanto, ao aproveitar a experiência pensando e se avaliando de forma progressiva, tal escola se organizará sempre em função de um projeto político que atenda às necessidades de todos os alunos, tendo em conta a sua realidade objetiva. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 41 UNIDADE 9 Objetivo: possibilitar a reflexão sobre a importância da formação continuada do professor para o processo de inclusão O professor reflexivo e a formação continuada: o caminho para uma educação que se pretende inclusiva Uma escola que pensa sua organização, procura constantemente avaliar sua missão e busca acompanhar as mudanças profundas que ocorrem na sociedade, visando possibilitar uma aprendizagem de qualidade, enquanto instituição que aprende, sendo que seu professor é também reflexivo e aprendente de/com sua prática. O professor reflexivo também é considerado “ator principal” (ALARCÃO, 2001), pois acompanha o desenvolvimento da instituição, as necessidades pelas quais passam cotidianamente as escolas, vivenciando os fracassos e conquistas, tanto da instituição, quanto de sua profissão docente. Reflete sua prática e conscientiza-se de sua responsabilidade no processo educativo. A reflexão não é um processo mecânico, nem simplesmente um exercício criativo de construção de novas idéias, antes é uma prática que exprime o nosso poder para reconstruir a vida social, ao participar na comunicação, na tomada de decisões e na ação social (Christov, 2002, p.11). Os professores são profissionais que, segundo Alarcão (2001), intensificam esforços para que sejam desenvolvidas as condições necessárias ao exercício da profissão docente, por outro lado, os professores tomam consciência da sua própria profissionalização e do seu poder de responsabilidade em termos individuais e coletivos. Segundo Perrenoud (1999, apud ALARCÃO, 2001), os professores como profissionais transformadores, são coautores do processo de mudança na escola juntamente com a comunidade, pais, alunos e todos os segmentos envolvidos na sua aprendizagem Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 42 organizativa. Dessa forma, o profissional reflexivo mantém um compromisso no “debate social” sobre as finalidades da escola e seu papel na sociedade. Nesse sentido, é importante a atualização dos seus conhecimentos, o desenvolvimento de suas capacidades, do seu potencial de trabalho em equipe, da sua participação ativa com ações motivadoras. Faz-se necessário que, assim como os professores, a escola enquanto organização repense o seu currículo, a função que exerce, a forma de gestão, sua metodologia e didática e no espaçotempo da escola para atender as diversidades culturais e as especificidades humanas, nessa complexa sociedade. A esse educador cabe a responsabilidade de preparar os educandos para um pensar diferenciado e uma nova forma de viver a realidade na complexidade com que ela se apresenta. Essa nova maneira de pensar e agir tem implicações na escola e, reflete sobremaneira em como se concebe a formação e o currículo, como os professores concebem e concretizam as suas práticas pedagógicas, como os alunos vivem o seu oficio de estudante ( ALARCÃO, 2001). Urge que nesse contexto, o professor reflita sobre sua prática e sua postura, pois os seus ‘modos’ de pensar o processo educativo e de ensinoaprendizagem estão além do currículo, dos conteúdos e dos contextos escolares. Isso nos remete à crise de identidade dos professores, no que diz respeito a uma separação entre o “eu pessoal” e o “eu profissional.” pois o profissional da Educação já não consegue ficar alheio aos problemas sócioeconômicos e afetivos de seus alunos, que interferem na aprendizagem. Assim, Perrenoud (1993, apud PLACCO, 2002) nos fala da docência como uma atividade complexa em que a pessoa inteira é mobilizada. A cada momento ou em cada ação desencadeada, conhecimentos e afetos são mobilizados
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