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Concurso de Pessoas

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PROFESSOR JAMIL CHAIM ALVES 
 
1 CONCURSO DE PESSOAS 
1.1 CONCEITO E PREVISÃO LEGAL 
Concurso de pessoas é a colaboração entre duas ou mais pessoas para a prática de 
uma infração penal. 
 
 Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a 
este cominadas, na medida de sua culpabilidade. 
 § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de 
um sexto a um terço. 
 § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á 
aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter 
sido previsível o resultado mais grave. 
 Circunstâncias incomunicáveis 
 Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, 
salvo quando elementares do crime. 
 Casos de impunibilidade 
 Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição 
expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser 
tentado. 
 
1.2 REQUISITOS 
a) pluralidade de agentes – se só houver 1 agente, evidentemente, não há 
concurso; 
b) liame subjetivo – deve existir um vínculo psicológico entre os agentes, isto é, 
devem estar reunidos na consecução do resultado. Não é necessário o ajuste prévio 
(pactum sceleris). Ex.: empregada deixa a porta da casa aberta para que alguém entre e 
subtraia bens. Um sujeito se aproveita da situação e efetivamente pratica o furto. Tal 
sujeito será autor do furto e a empregada será partícipe, pois prestou auxílio material; 
c) relação de causalidade entre as condutas e o resultado – é preciso que as 
condutas tenham relevância causal em relação ao resultado; 
 
d) identidade de infração penal – é preciso que haja o reconhecimento da prática 
da mesma infração para todos. O Código Penal adota, como regra, a teoria monista (ver 
a seguir). 
e) existência de fato punível – do contrário, não se pode falar em concurso de 
pessoas. 
 
1.3 TEORIAS 
Convém destacar duas teorias sobre o tema: 
 
Teoria monista 
(monística, unitária 
ou igualitária) 
O crime, mesmo praticado por vários agentes, é único e 
indivisível, respondendo por ele todos os sujeitos que 
concorreram para a sua prática. Ex.: dois sujeitos se unem para 
praticar um furto; enquanto um ingressa na casa e subtrai os 
bens, o outro vigia do lado de fora. Respondem ambos pelo 
furto (art. 155). 
 
É a teoria adotada pelo Código Penal, como 
regra, e consagrada no art. 29 do CP: 
Art. 29 – “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime 
incide nas penas a este cominadas, na medida de sua 
culpabilidade”. 
Teoria pluralista 
(cumplicidade do 
delito distinto, 
autonomia da 
cumplicidade) 
Por esta teoria, atribui-se a cada agente uma conduta própria, 
cominando-se um delito autônomo para cada um. Adotada 
excepcionalmente pelo Código Penal. 
Ex1: Aborto  art. 124 – “Provocar aborto em si mesma ou 
consentir que outrem lho provoque” / art. 126 – “Provocar 
aborto com o consentimento da gestante”. A gestante com 
consente que alguém provoque nela o aborto responde pelo 
art. 124; já o médico que trabalha numa clínica de aborto e faz 
nela o procedimento (por exemplo) responderá pelo crime do 
art. 126. 
Ex2.: Corrupção  Art. 333 (corrupção ativa) - “Oferecer ou 
prometer vantagem indevida a funcionário público, para 
determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício” / Art. 
317 (corrupção passiva) - “Solicitar ou receber, para si ou para 
outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou 
antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou 
aceitar promessa de tal vantagem”. O particular que oferece 
vantagem ao funcionário responde pelo art. 333; já o 
funcionário público que recebe a vantagem incorre no art. 
317. 
 
1.4 AUTORIA 
Várias teorias buscam explicar o conceito de autor. Entre elas, destaca-se a 
teoria objetiva ou dualista (conceito restrito de autor), que distingue autor de 
partícipe. Essa teoria se divide em três principais: 
c.1) teoria objetivo-formal - Autor é quem pratica o núcleo do tipo (o verbo), 
ou seja, quem pratica a conduta descrita no tipo; partícipe é aquele que 
pratica ações fora do verbo nuclear, prestando auxílio material ou moral. 
Nessa visão, o autor intelectual (aquele que traça os planos da conduta 
criminosa) é partícipe, enquanto que aqueles que o executam são os autores. 
A teoria objetivo-formal é a mais aceita atualmente pela doutrina. 
Ex: Três agentes praticam um roubo (art. 157) – Um aponta a arma (grave 
ameaça), outro recolhe bens (subtração) e o outro fica no carro aguardando. 
Os dois primeiros são autores, o último é partícipe. 
Ex2.: Dois agentes praticam um furto (art. 155) – Um subtrai os bens, outro 
vigia a rua para avisar se aparecer a polícia – O primeiro é autor de furto, o 
segundo é partícipe. 
c.2) teoria objetivo-material – autor é aquele que colabora objetivamente de 
forma mais relevante para o resultado, e não necessariamente quem pratica 
o núcleo do tipo. Partícipe é aquele que colabora de forma menos relevante 
para o resultado, mesmo que pratique o núcleo do tipo. 
c.3) teoria do domínio do fato – Autor é quem realiza a figura típica e também 
quem tem o controle da atuação dos demais. Partícipe é aquele que contribui 
para o crime, mas sem realizar a figura típica e sem controlar a atuação dos 
demais. Esta teoria amplia o conceito de autor, podendo abranger mesmo 
aquele que não pratica a figura típica (como o autor intelectual e o autor 
mediato). 
Para Roxin, o domínio do fato pode ocorrer de 3 formas: 
- domínio da ação (autoria imediata) – é autor quem tem o domínio da 
ação, isto é, quem pratica pessoalmente a figura típica (é o autor 
propriamente dito) 
- domínio da vontade (autoria mediata) – também é autor quem o domínio 
da vontade de um terceiro, que é utilizado como instrumento. Esse 
domínio da vontade pode ocorrer por força de: 
- erro ou coação – o autor leva terceiro a uma falsa percepção da 
realidade, vindo este a praticar o fato criminoso; ou constrange 
outrem a praticar o fato criminoso 
- aparatos organizados de poder (domínio da organização) – Roxin 
inclui como autor o chefe (“homem de trás”) de organização 
criminosa (estrutura hierarquizada e desvinculada da ordem jurídica), 
que detém poder praticamente absoluto sobre os demais 
(executores), que funcionam como peças descartáveis, fungíveis, no 
cumprimento das ordens do líder. 
- domínio funcional do fato (autoria funcional) – é autor aquele que pratica 
uma conduta relevante na realização do plano global, mesmo que não 
esteja descrita no tipo penal. 
Obs.: A teoria do domínio do fato tem a finalidade de distinguir autores e 
partícipes. Não significa que, pelo fato de alguém estar em situação de 
comando, automaticamente deva responder pelas condutas ilícitas praticadas 
pelos subordinados. 
 
1.4.1 Autoria mediata 
Autor mediato é aquele que se vale, como instrumento, de pessoa não culpável ou 
que atua sem dolo ou culpa. Há pluralidade de pessoas, mas não há concurso de pessoas. 
São situações que admitem a autoria mediata: 
a) uso de inimputável (art. 62, III) 
b) coação moral irresistível (art. 22) 
c) obediência hierárquica (art. 22) 
d) erro de tipo inevitável / escusável, provocado por terceiro (art. 20, § 2º) 
e) erro de proibição inevitável, provocado por terceiro (art. 21, caput) 
 
1.4.2 Autoria colateral 
Ocorre quando dois ou mais agentes atuam para a consecução do mesmo 
resultado, mas desconhecendo a conduta um do outro. Não agem em concurso de 
pessoas, pois não há liame subjetivo. 
Autoria incerta – Ocorre na hipótese de autoria colateral, quando não se sabe 
qual dos autores provocou o resultado. 
 
1.4.3 Coautoria em crimes próprios e crimes de mão própria 
É possível coautoria em crime próprio? 
Sim! Isso ocorre tanto na hipótese em que todos os agentes detém a qualidadeespecial exigida pelo tipo (ex.: no crime de peculato, todos são funcionários públicos), 
quanto na hipótese em que apenas um dos agentes detém a qualidade especial, a qual 
é transmitida para os demais (ex.: no crime de peculato, um dos agentes é funcionário 
público e pratica o crime com outro sujeito que não é; a condição de funcionário público, 
elementar do delito, comunica-se ao outro). 
É possível coautoria em crime de mão própria? 
Em regra não, pois o crime de mão própria somente pode ser praticado pelo 
próprio agente. Porém, é possível a participação. Ex.: terceiro induz a testemunha a 
prestar depoimento falso (ver mais detidamente no tópico “falso testemunho”, em item 
futuro). 
Exceção  em uma hipótese, é possível a coautoria em crime de mão própria, 
consistente na hipótese de falsa perícia (art. 342) firmada por dois profissionais. 
 
1.5 PARTICIPAÇÃO 
1.5.1 Conceito e formas 
O partícipe não pratica diretamente a conduta típica, mas presta colaboração para 
a realização do crime auxiliando, induzindo ou instigando o autor. 
Auxílio - É a participação material. O agente presta assistência ao autor na 
execução da empreitada criminosa. Ex.: fornece a arma para o comparsa praticar o 
roubo. 
Induzimento ou instigação – É a participação moral. No induzimento, o agente faz 
nascer da mente do outro a ideia de praticar o crime. Na instigação, o agente reforça na 
mente do outro uma ideia já existente. 
 
1.5.2 Natureza jurídica 
É uma hipótese de adequação típica de subordinação mediata/indireta. 
Em princípio, a conduta do partícipe seria atípica (ex.: quem dá a arma para que o 
comparsa elimine a vida da vítima não está, ele próprio, praticando o verbo “matar”). 
Porém, aplica-se a norma de extensão espacial e pessoal do artigo 29 do CP (“quem, de 
qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida 
de sua culpabilidade”), passando a ficar abrangida também a conduta do partícipe. 
 
1.5.3 Teorias de acessoriedade 
A participação, sendo uma conduta acessória, depende da existência da conduta 
principal, praticada pelo autor. 
Existem 4 teorias de acessoriedade: 
 
Teoria da acessoriedade 
mínima 
Para a punição do partícipe, o autor deve ter praticado, 
pelo menos, um fato típico. 
Teoria da acessoridade 
limitada ou média 
Para a punição do partícipe, o autor deve ter praticado, 
pelo menos, um fato típico e antijurídico. 
(prevalece no Brasil) Ex.: “A” empresta a arma para “B”, de 17 anos, que mata 
“C”. “A” é partícipe de homicídio, pois “B” praticou um 
fato típico e antijurídico, apesar de não ser culpável. 
Ex. 2: “A” empresta a arma para “B”, que mata “C” em 
legítima defesa. “A” não é partícipe de homicídio, pois 
“B” não praticou um fato antijurídico. 
Teoria da 
acessoriedade extrema 
ou máxima 
 
Para a punição do partícipe, o autor deve ter praticado 
um fato típico, antijurídico e culpável (no exemplo 1, 
“A” não responderia) 
Teoria da 
hiperacessoriedade 
Para a punição do partícipe, o autor deve ter praticado 
um fato típico, antijurídico e culpável, bem como 
efetivamente punível. 
 
Para facilitar a memorização: 
Teoria da acessoridade: Para o partícipe ser punido, o autor precisa ter praticado: 
Mínima Fato típico 
Média (limitada) Fato típico + antijurídico 
Máxima (extrema) Fato típico + antijurídico + culpável 
Hiper Fato típico + antijurídico + culpável + punível 
 
1.5.4 Participação de menor importância 
Art. 29, § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída 
de um sexto a um terço. 
É uma causa de diminuição de pena. Ex..: motorista leva os comparsas para a 
residência e vai embora. Poderia, em tese, fazer jus ao benefício, pois se trata de 
participação de menor importância. 
 
1.6 COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA (PARTICIPAÇÃO EM CRIME MENOS 
GRAVE) 
Art. 29, § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-
lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de 
ter sido previsível o resultado mais grave. 
 
Hipótese em que o agente quis praticar delito diverso daquele buscado pelos 
demais. 
Ex.: Dois sujeitos combinam um furto em residência. Enquanto “A” permanece do 
lado de fora vigiando, “B” ingressa no imóvel. “B” se depara com um morador e o mata 
com uma faca encontrada na cozinha. O partícipe, que permaneceu fora da casa, 
responde pelo furto, o outro pelo latrocínio. 
Se “A” puder prever o resultado mais grave, responderá pelo furto, mas com pena 
aumentada até metade. 
1.7 AGRAVANTES E ATENUANTES RELACIONADAS AO CONCURSO DE PESSOAS 
Agravantes no caso de concurso de pessoas 
Art. 62 - A pena será ainda agravada em relação ao agente que: 
I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais 
agentes; 
II - coage ou induz outrem à execução material do crime; 
III - instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-
punível em virtude de condição ou qualidade pessoal; 
IV - executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa. 
 
Circunstâncias atenuantes 
Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: 
III - ter o agente: 
e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou. 
 
1.8 PUNIÇÃO DO AUTOR E DO PARTÍCIPE 
Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este 
cominadas, na medida de sua culpabilidade. 
 
O juiz pode aplicar a pena de acordo com a conduta de cada agente. Veja que a 
pena do partícipe não é necessariamente menor que a do autor. 
 
1.9 CIRCUNSTÂNCIAS INCOMUNICÁVEIS 
Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo 
quando elementares do crime. 
 
Não se comunicam, salvo quando elementares do crime: 
 Circunstâncias de caráter pessoal – elemento ligado ao agente, mas não 
inerente a ele. Ex.: confissão espontânea, torpeza ou futilidade do motivo etc. 
 Condições de caráter pessoal – elemento inerente à pessoa dao agente. Ex.: 
ser menor de 21 anos na data do fato, ser reincidente etc. 
 
Comunicam-se: 
 Circunstâncias e as condições de caráter objetivo – São elementos ligados ao 
fato (ex.: emprego de veneno no crime de homicídio, uso de arma de fogo no crime de 
roubo etc). Assim, se “A” e “B” praticam um roubo em comum acordo, estando um deles 
portando uma arma de fogo, os dois responderão pela respectiva causa de aumento de 
pena. 
Nota: É preciso que o agente, pelo menos, previsibilidade da existência da circunstância 
ou condição que não provocou diretamente, do contrário se configuraria 
responsabilidade objetiva. 
 
 Elementares do crime – integram o próprio tipo penal. Comunicam-se aos 
demais, sejam objetivas ou subjetivas. Ex.: “matar” e “alguém” são elementares do 
crime de homicídio. Da mesma forma, se um funcionário público e um particular se 
unem para praticarem peculato, a condição pessoal (ser funcionário público) se 
transmite ao coautor particular (denominado extraneus). 
 
1.10 CASOS DE IMPUNIBILIDADE 
Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa 
em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. 
 
De fato, apenas se dá a punição com os atos executórios. Não são puníveis atos 
meramente preparatórios. 
“Salvo disposição em contrário”  Por vezes, o legislador antecipa a punição, 
punindo atos preparatórios. Exemplo: art. 288  “Associarem-se 3 (três) ou mais 
pessoas, para o fim específico de cometer crimes” (art. 288, CP).

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