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Lei Natural e Direito Natural em John Finnis Autor(a): Roseli Coelho Fossari Orientador: Marcos Aurélio Dusso 1 SOBRE O AUTOR 1 John Mitchell Finnis (1940 -) é natural da cidade de Adelaide (Austrália). Formou-se em Direito pela Adelaide University (1962) e recebeu uma bolsa de estudos para fazer doutorado na Oxford University, o que realiza entre 1962 e 1965. Seu orientador foi H. L. A. Hart e sua tese, The Idea of Judicial Power, foi sobre a estrutura do poder judicial na Austrália. Nos anos subsequentes, lecionou nos EUA (California University- Berkeley), em Oxford e na Austrália (Adelaide University). Entre 1976 e 1978 leciona no Chancellor College da Universidade de Malawi, na África, período no qual escreveu a obra da qual nos ocuparemos neste trabalho Lei Natural e Direitos Naturais. Finnis também exerceu advocacia em Londres, durante muito tempo. Prestava serviços a diversos governos australianos em questões envolvendo a federação. Além disso, John Finnis foi um dos primeiros membros laicos da Comissão Teológica Internacional da Santa Sé (1986-1991). A academia continua sendo sua principal ocupação, atuando hoje como professor em Oxford. SITUANDO A CONVERSA Neste trabalho vamos mostrar um pouco do pensamento de John Finnis, expresso em sua obra Lei Natural e Direitos Naturais. Para que possam entender o que vamos falar, é necessário antes que situemos a conversa, ou melhor, a visão de sociedade do autor, onde aplicaríamos seus conceitos, enfim, qual sua visão de mundo. John Finnis segue a tradição Aristotélico-tomista em relação ao pensamento jusfilosófico, com algumas nuanças que pretendemos demonstrar mais adiante. Sua visão de mundo está vinculada ao pensamento cristão e os valores que identificamos em seu pensamento acerca de como as coisas devem-ser estão ancorados nessa concepção. John Finnis enxerga o mundo como um todo pré-ordenado. Um todo em que as coisas têm seus lugares. Nos agrupamentos humanos (comunidades ou sociedade) cada um teria uma função a cumprir em prol do todo social. Fazendo parte desse todo, ao cumprir sua função para o bem do todo (bem de 1 informações extraídas do trabalho de Elton Somensi de Oliveira, Bem Comum, Razoabilidade Prática e Direito, Porto Alegre, 2002. Lei Natural e Direito Natural em John Finnis Autor(a): Roseli Coelho Fossari Orientador: Marcos Aurélio Dusso 2 todos diria Tomás de Aquino) ele também seria beneficiado e alcançaria a eudaimonia que aqui significa realização plena, ou felicidade. John Finnis engrossa as fileiras do jusnaturalismo jurídico, apesar de já ter recebido críticas de outros teóricos jusnaturalistas. Sua teoria, também com algumas pequenas diferenças, está de acordo com a teoria social cristã da Igreja Católica, que consolidou a tradição aristotélico-tomista e desenvolveu um pouco a questão de uma das dimensões da teoria da justiça de Aristóteles, a saber: a justiça social. Toda filosofia de Finnis apontará no sentido do bem comum, a partir da visão da vida em sociedade e sob a perspectiva de que na vida em sociedade os homens não podem pensar ou agir somente pelos interesses individuais, devem agir sempre conectados ao social e com a finalidade de alcançar o bem comum. Esse pensamento nos leva a questionar o que seria o bem comum. Comum seriam bens que alcançariam a todos. E quais seriam esses bens? Finnis elege uma lista com 7 bens que ele classifica de bens básicos e os justifica. Ele escreve sobre como devemos nos comportar (agir). Essa ação voltada a um fim, o bem comum, ou bem de todos. Para escrever sobre a vida dos humanos em sociedade, Finnis precisou partir de alguns pressupostos, isto é, idéias iniciais sobre as quais assentaria sua teoria. Uma visão de como as coisas do mundo são e ou como elas se organizam. O autor se deparou com questões filosóficas com que muitos pensadores se depararam no passado e, cada um deles tentou responder essas questões, a partir da sua visão de mundo, daquilo em que acreditava. Com Finnis não foi diferente. Ele respondeu questões como: existe uma natureza humana, ou não. Se existe, ela é essencialmente boa ou má. As coisas têm uma essência? Elas existem por si mesmas, ou não? Elas são boas ou más por si mesmas? A cada uma dessas perguntas Finnis respondeu com base no que acredita, e a partir dessas e de algumas outras questões (pressupostos) é que se ergue sua teoria da Lei e do Direito Natural. Passaremos a examinar agora algumas idéias de Jonh Finnis extraídas de seu livro “Lei natural e direitos naturais”. Lei Natural e Direito Natural em John Finnis Autor(a): Roseli Coelho Fossari Orientador: Marcos Aurélio Dusso 3 DIREITO NATURAL Segundo Finnis existem leis e direitos que seriam naturais, que seriam anteriores a uma valoração, pré-valorativos. Isto é, eles existiriam por si mesmos e não porque a humanidade em determinado momento os criou (inventou) ou emprestou-lhes significado (valor). Essas leis e direitos naturais seriam deduzidos a partir de uma lista de bens humanos básicos, bens esses que existem na natureza, são bons e isso é evidente por si mesmo. Também não podem e não precisam ser demonstrados, como no exemplo trazido pelo autor a respeito do bem humano básico conhecimento. Essa certeza viria de um método de análise desenvolvido por ele, o qual faz questionamentos acerca da natureza das coisas, da sua essência. Esse método de análise é denominado por ele de razoabilidade prática. A partir da razoabilidade prática se chegaria a esse agir que voltado a um fim (finalidade). A lista de bens humanos básicos de Finnis é: 1. vida 2. conhecimento 3. jogo 4. experiência estética 5. sociabilidade (amizade) 6. razoabilidade prática 7. religião O jusfilósofo explica que não há hierarquia entre os bens básicos. Entretanto, esclarece que cada um, individualmente pode dar prioridade a um valor em detrimento de outros em momentos diversos da vida. Pode também alguém mudar, ao longo de sua trajetória, de bem humano básico. Mas, ainda assim, isso não significa que haja qualquer grau de hierarquia de importância entre os bens humanos básicos. O autor ainda comenta que existem outros bens humanos importantes e cultivados pelos homens, porém todos seriam derivações dos bens humanos básicos acima elencados. Os homens devem agir no sentido de promoverem/protegerem os bens humanos básicos. Para isso se utilizariam basicamente da razoabilidade prática para direcionar suas ações. A razoabilidade prática, por sua vez tem exigências básicas que, uma vez atendidas, direcionam a ação humana para a realização dos bens humanos básicos e, levariam à realização ou prosperidade humana. Essa realização/prosperidade, seria a perfeição dos bens do ser humano. As exigências básicas ou princípios de razoabilidade prática seriam: 1. adoção de um plano de vida coerente Lei Natural e Direito Natural em John Finnis Autor(a): Roseli Coelho Fossari Orientador: Marcos Aurélio Dusso 4 2. não fazer juízo arbitrário favorável (deve haver uma imparcialidade fundamental no momento de estabelecer uma hierarquia de valores e na hora de me relacionar com as pessoas) 3. não fazer juízo arbitrário contrário (idem anterior) 4. desprendimento para evitar fanatismos 5. compromisso para evitar apatia 6. agir eficiente dentro do razoável (a razão não está nas conseqüência, mas na realização dos bens humanos inerentes a ela) 7. respeitar todos os valores básicos em todos os atos (a sétima exigência tem implicações práticas de extrema importância: matar inocentes na guerra; manipulação genética; aborto; eutanásia; métodos anticoncepcionais; etc. A Igreja Católica utiliza-a freqüentemente como fundamento para as suas posições e refere-se a isso como “direito natural” [natural law])2. 8. procurar o bem comum no agir 9. agir conformea própria consciência. Não é razoável fazer aquilo que se entende ser errado e, também, não é razoável deixar de fazer o que se entende por certo. 10. não escolher bens aparentes, mesmo que eles tragam satisfações reais. Em resumo, poderíamos dizer que direito natural aqui significaria uma decisão-ação (comportamento) que protege/promove os bens básico e, chega- se a esse agir obedecendo alguns critérios, tudo voltado à finalidade (telos) do bem comum do todo (ou de todos). Esse direito seria natural, uma vez que os bens básicos existem por si mesmos e são autoevidentes, embora não sejam apreendidos por qualquer um a qualquer tempo3. LEI NATURAL Nesse contexto, delineado até aqui, podemos dizer que lei natural seria a lei que respeita todos esses direitos naturais, isto é, toda essa cadeia de bens básico, decisão-ação, telos. Que os considerasse no mesmo patamar hierárquico, não desrespeitando nenhum deles, em nenhum momento. Assim sendo, não é difícil concluírmos que se os homens positivarem uma lei que contrarie essa lei (direitos) naturais, essa norma positiva não será levada em consideração, ou melhor, não será considerada legítima. Isso 2 aqui nota-se que a visão é rígida, sem atenuantes e sem relativizações. E se, por exemplo, estivermos diante de dois “bens básico” contrapostos, o que fazer? 3 veja-se que aqui o autor tb não trabalha com a noção de valorização e significação. Para ele esses bens existem mesmo, não são criações dos homens às quais emprestamos significado. Lei Natural e Direito Natural em John Finnis Autor(a): Roseli Coelho Fossari Orientador: Marcos Aurélio Dusso 5 porque, o critério para considerar algo legítimo será o de examinar e ver se está de acordo com a lei ou os direitos naturais. A legitimação aqui não será se a norma é socialmente aceita, ou se tem licença social para existir, etc., mas sim se ela respeita algo que existe, que é anterior a ela e que, portanto, a engloba. Graficamente falando a visão seria assim: Finnis insiste em que sua teoria não é moral ou valorativa, isso se deve ao fato de ele acreditar que os bens básico existem por si mesmos, independente de serem (re)conhecidos pelo homem. Ele diz que seus juízos não são valorativos, isso porque, ser bom ou ruim é da essência mesma da coisa (bem) que existe por si mesmo, logo prescinde de valorização do homem para existir ou ter valor. METODOLOGIA A metodologia do autor está baseada na razoabilidade prática, que é o agir em direção a uma finalidade, no caso, o bem comum. Razoabilidade prática não é somente a decisão sobre como agir, mas o agir propriamente dito, e sempre com a finalidade de promoção do bem comum. Esse telos, ou finalidade, nos permite dizer que a teoria é teleológica, isto é, todo agir está direcionado a uma finalidade. Lei Positiva Lei Natural Bens básicos: existem por si mesmos; são imutáveis; são atemporais; devem ser observados; são autoevidentes; são pré-valorativos, pois existem independente de serem reconhecidos e valorados pelo homem. Lei Positiva Feita pelos homens; temporal; pode ou não ser valorativa; Deve estar de acordo com a lei natural Se contrariar a lei natural (natureza, pré-ordenamento das coisas) não será legítima. Lei Natural Lei Natural e Direito Natural em John Finnis Autor(a): Roseli Coelho Fossari Orientador: Marcos Aurélio Dusso 6 Ainda com relação ao método, Finnis utiliza um instrumento filosófico aristotélico, para identificar um caso central (significado focal) em relação a casos periféricos. Dessa forma se poderia aplicar a razoabilidade prática do caso central para definir o agir direcionado à finalidade (telos) principal da comunidade. Assim, separar-se-íam situações periféricas, sobre as quais, o agir não necessariamente estaria direcionado ao telos, pois elas abrangeriam outras dimensões, e teriam particularidades que não permitiriam a sua universalização e conseqüentemente, não poderiam representar situações em que o agir ali definido pudesse estar direcionado à promoção do bem comum da comunidade. Vejamos o exemplo da amizade, nas palavras do autor: “Então existem casos centrais, como Aristóteles insistia, de amizade, e existem casos mais ou menos periféricos (amizade no ambiente de trabalho, amizades por conveniência, por interesse, relações casuais e de companheirismo, e assim por diante...)”. Seguindo essa lógica de pensamento, examinemos qual seria a relação da identificação do caso central com o direito. O caso central nos levaria a verificar o porquê de considerarmos a lei justa e não a lei injusta. Isso nos leva a outro aspecto dessa metodologia, que se relaciona com a escolha de trabalhar com o ponto de vista interno, feita por Finnis, em contraposição à escolha de, por exemplo, Kelsen, de trabalhar com o ponto de vista externo. Para o jusfilósofo australiano, a partir do ponto de vista interno, isto é, o ponto de vista de quem está inserido no ambiente social em análise, é que se pode responder porque consideramos em direito a lei justa e não consideramos a lei injusta. Note-se que aqui já estão presentes juízos de valor a respeito da lei, uma vez que é necessário esclarecer que essa lei é justa ou injusta em relação a quê. Nesse ponto, voltamos à idéia de lei natural e direitos naturais e da relação estabelecida entre direito natural e direito positivo (veja esquema explicativo mais acima). Finnis acredita, ainda assim, que mesmo que o teórico tenha esses pré- juízos acerca do que é bom e praticamente razoável, através de um processo equilibrado de reflexão, no qual estarão conjugados a sua visão, juntamente com a visão da realidade em estudo, seja possível alcançar um aprimoramento que garanta juízos de significado e importância que efetivamente expressem o que é bom e razoável em termos práticos4. 4 Observe-se que a partir da metodologia o autor pretende chegar a um juízo do que seja bom e razoável em termos práticos. Parte-se de algo que existe anteriormente a essa valoração e através da metodologia aplicada se “descobre” o que já era bom e já era razoável (em essência), nós é que não sabíamos. Descartada aqui a visão que diz que nada existe por si mesmo ou na natureza, nós humanos é que criamos e emprestamos significado às coisas. Lei Natural e Direito Natural em John Finnis Autor(a): Roseli Coelho Fossari Orientador: Marcos Aurélio Dusso 7 LEI POSITIVA vs LEI NATURAL A respeito desse tópico, vamos ver como são os conceito, concepções ou visões acerca dessas leis entre as escolas teóricas. O jusnaturalismo jurídico é uma concepção sobre o que define “essencialmente” o Direito. O núcleo da posição jusnaturalista é a conjunção de duas teses: • Há princípios morais e de justiça universalmente válidos e acessíveis à razão humana; e • Um sistema normativo ou norma não podem ser qualificados de “jurídicos” se contradizem aqueles princípios morais e de justiça. Para o jusnaturalista, o direito natural não só é um direito que deve-ser, mas um direito válido, existente; dado seu caráter universal, ele seria aplicável a todos os homens e em todos os tempos. Até aqui, podemos dizer que nosso autor se filia a essa posição. Como vimos anteriormente, Finnis acredita que o direito natural existe, e a partir de um método que inclui reflexão, os homens poderão (re)conhecê-lo (é acessível à razão humana). Há vários modelos jusnaturalistas do Direito, com tradições diferentes. Todos aceitam a conjunção das teses acima, mas diferem no modo de entender a “origem” do direito natural. Para alguns o origem está na natureza, para outros a origem está em Deus. Temos os clássicos como Aristóteles, temos o jusnaturalismo cristão de Tomás de Aquino e ao qual podemos incluir tambémJohn Finnis. Os contratualistas dos séculos XVII e XVIII (Hobbes, Lock, Rousseau) também eram jusnaturalistas, buscavam a explicação da sociedade a partir da natureza das coisas, da essência das coisas, porém para os contratualistas a natureza e a essência não estavam em Deus, como queriam os jusnaturalistas cristãos, nem tampouco no fato de serem autoevidentes como quer John Finnis. Nas discussões teóricas da área do Direito, ao jusnaturalismo costuma contrapor-se o positivismo jurídico. O positivismo propriamente dito é uma tese conceitual ou metodológica sobre o Direito. Os positivistas sustentam que é inadequado caracterizar o conceito de Direito com base em valores morais, sendo adequado caracterizá-lo de forma puramente descritiva. Lembrem-se de que os jusnaturalistas afirmam que o direito natural é pré-valorativo, ou seja, ele existe (na natureza, ou em Deus) Lei Natural e Direito Natural em John Finnis Autor(a): Roseli Coelho Fossari Orientador: Marcos Aurélio Dusso 8 antes mesmo de fazermos juízos de valor sobre ele. Ele existe e é acessível à razão humana. A idéia de que o conceito de Direito deve ser caracterizado em termos não-valorativos e fazendo alusão a propriedades factuais é meramente uma tese conceitual. Ela não implica nenhuma posição valorativa acerca de como devem ser as normas jurídicas ou qual atitude a ser adotada frente a elas. Aqui podemos ver uma diferença nas abordagens. Para os jusnaturalistas o direito não é caracterizado em termos valorativos, uma vez que existe por si mesmo, e por isso mesmo, porque existe independente da valoração humana, implica uma posição valorativa acerca de como devem ser as normas jurídicas, ou qual atitude deve ser adotada frente a elas. As normas jurídicas devem estar de acordo com o direito natural, não podem ser contrárias às leis naturais. Da mesma forma, a atitude que se deve adotar frente a elas dependerá de essas leis (direito) positivo estar ou não estar de acordo com as leis (direitos) naturais. O positivismo jurídico rejeita o pensamento jusnaturalista segundo o qual, para uma norma ou sistema normativo possuir caráter jurídico deve adequar-se a princípios universais de justiça. Por outro lado afirma que: o que constitui uma norma como norma jurídica e um sistema de normas como um ordenamento jurídico são certos fatos relativos à sua produção, reconhecimento e aplicação, não seu conteúdo justo ou injusto. O positivismo também considera a separabilidade entre os conceitos de Direito e Justiça. Direito é direito positivo (daí “positivismo”), isto é, norma posta ou reconhecida por autoridade estatal. Para os jusnaturalistas isso é bem diferente. Vejamos, rapidamente essa questão de Direito e Justiça em John Finnis. O DIREITO NATURAL E A JUSTIÇA De acordo com o que vimos até aqui, existem direitos naturais. A questão então seria como concretizar esses direitos. Eles existem por si mesmos, mas como alcançá-los, quer dizer, como fazer com que aconteçam na sociedade? Lei Natural e Direito Natural em John Finnis Autor(a): Roseli Coelho Fossari Orientador: Marcos Aurélio Dusso 9 Falamos sobre a questão do agir em direção a um fim (telos). Aristóteles nos falava sobre as virtudes e a mais importante virtude dos homens, movimentando o agir voltado à realização do bem comum (telos) da comunidade, era a promoção / realização da Justiça. John Finnis segue a mesma idéia do autor clássico a respeito da justiça, de suas dimensões e dos seus respectivos objetos. Esse não é o foco central de nosso trabalho, portanto falaremos muito superficialmente sobre isso. O conceito de justiça na abordagem aristotélico-tomista, e isso inclui John Finnis, é bastante amplo e abrange diversas dimensões. Ser justo é agir justamente. Esse agir justamente envolve tanto aspectos objetivos que se traduzirão nos tipos de justiça: comutativa e distributiva, como também, aspectos relacionados à dimensão moral, ética, tratada em Aristóteles como justiça geral e que estava relacionada ao desenvolvimento das virtudes, e à realização do bem comum, ou bem de todos. Para Aristóteles essas duas dimensões da justiça não poderiam caminhar desconectadas uma da outra. Essa justiça que em Aristóteles era chamada de geral, em Tomás de Aquino receberá a denominação de legal e chegará até nós pelas mãos dos tomistas do século XIX (Teoria Social Cristã com a qual Finnis se identifica) como justiça social. A justiça comutativa é a que cuida das relações parte-parte e que deve reequilibrar alguma eventual desigualdade que ocorra. Também será adotada nas relações de troca, como compra e venda por exemplo. Além disso, na justiça comutativa não será mais apenas o juiz o único responsável pelas decisões. Os cidadãos envolvidos em relações de troca poderão decidir sobre as condições estabelecidas nos contratos. A justiça distributiva cuida das relações todo-parte. Essa será responsável pela distribuição dos recursos da sociedade (bens externos), levando em consideração um critério para a realização de uma igualdade proporcional, que poderá ser a posição do indivíduo na comunidade, o mérito, o trabalho, a necessidade, a renda, ou outro. Aqui Finnis tem um ponto de discordância em relação à interpretação feita ao desenvolvimento da teoria por Tomás de Aquino. Finnis diz que Aquino foi mal interpretado no que diz respeito à relação todo-parte. Popularizou-se que o todo estaria representado, na relação, pelo Estado (nacional) em relação à parte (indivíduo, cidadão do Estado Nacional). A inconformidade de Finnis é porque para ele o Estado Nacional não representa o todo da comunidade. Em Finnis, a comunidade perfeita é representada pela comunidade internacional. Logo, o todo aqui seria a comunidade internacional e a parte seríamos nós, cidadãos do mundo. Já a justiça social regula as relações parte-todo. Aqui, a parte tem que ser responsável pelo todo, uma vez que o todo social é de todos, e o Estado Lei Natural e Direito Natural em John Finnis Autor(a): Roseli Coelho Fossari Orientador: Marcos Aurélio Dusso 10 deve cuidar para que todos tenham acesso aos recursos. Nas sociedades pré- modernas, em que havia uma hierarquia na posição social, o princípio ordenador da vida social era a justiça distributiva. Com a formação da sociedade moderna, em que todos são iguais, na sua condição de seres humanos, esse princípio ordenador será deslocado para a justiça social, na qual, todos os membros da sociedade terão direitos e deveres iguais e, o agir em conformidade com a lei, trará benefícios a todos (promoverá o bem comum, o bem de todos). Vale ressaltar também que John Finnis chama a atenção em seu livro para o fato de que considera os direitos naturais como direitos humanos, diz inclusive que para ele são sinônimos. METAFÍSICA: SIM OU NÃO? Outra discussão presente sobre as concepções de John Finnis, diz respeito à metafísica. Metafísica aqui compreendida como a ciência que estuda a natureza mesma das coisas (sua essência). Finnis diz que sua concepção ou sua teoria de direito natural não é metafísica. Alguns autores acreditam que seja. Vejamos alguns aspectos do problema. Já vimos que Finnis acredita que as coisas tenham uma essência, que existam por si mesmas. Da mesma forma, o autor é partidário da opinião que existe uma natureza humana. Parte ele da mesma posição de Tomás de Aquino para o qual, o natural no agir humano consistiria sobretudo em agir conforme a razão. Bem, mas se Finnis entende que as coisas tenham uma essência e esse é um pensamento metafísico, qual é então o ponto de discordância? Mais uma vez recorre-se à Aristóteles para esclarecer essa divergência. Aristóteles faz uma distinção entre ordens de conhecimento. O conhecimento estaria divido em quatro ordens, isto é, quatro tipos distintos e irredutíveis de ordens com os quais nossa razão se ocupa.Vamos a elas: 1. ordem natural: estudada pela ciência natural, pela matemática e pela metafísica . É nesta ordem que se estudaria a essência das coisas, e a teoria de Finnis não estuda a essência das coisas, a teoria de Finnis apenas trabalha com a idéia de que as coisas têm uma essência. É nesse ponto que o autor se agarra para negar que sua teoria seja metafísica. Lei Natural e Direito Natural em John Finnis Autor(a): Roseli Coelho Fossari Orientador: Marcos Aurélio Dusso 11 2. ordem lógica: é estudada pela lógica em sentido amplo. Visa a entender (conhecer) sobre as condições pelas quais nós ordenamos nosso próprio pensamento. 3. ordem prática ou moral: ciência das condições pelas quais podemos ordenar nosso deliberar (escolher) e nossas ações voluntárias. É estudada pela ciência moral, pela economia, pela política, entre outros. E é aqui que localizaríamos a teoria do John Finnis. É em função dessa distinção de ordens de conhecimento que Finnis alega não ser metafísico. 4. ordem técnica ou produtiva: é o campo das técnicas e da tecnologia. Estudam-se as condições em que podemos ordenar as coisas constituídas pela própria razão humana. Essa distinção proposta por Aristóteles foi adotada por Santo Tomás de Aquino e, como vimos, o filósofo clássico caracterizou o conhecimento em quatro tipos distintos e irredutíveis . Ocorre porém, que existe uma interação entre essas ordens de conhecimento. Com bastante freqüência, a ordem técnica auxília a ordem moral (na economia e na política, por exemplo). Da mesma forma, existe uma interação muito grande entre a ordem natural (metafísica) e a ordem moral. Mas, seguindo a lógica de pensamento aristotélica, ainda assim, todas as quatro permaneceriam irredutíveis umas às outras. É nessa idéia de irredutibilidade de ordens de conhecimento que se pauta Finnis para dizer que sua teoria não é metafísica. Além disso, considera que alguns jusnaturalistas modernos confundem essas ordens e por isso, acontece de fundamentarem a ética na natureza humana, o que significaria confundir a ordem moral (ética) com a ordem natural (metafísica), a quem caberia o estudo sobre a natureza humana. Daí a afirmação de que não importaria o conhecimento da natureza humana (objeto de estudo da metafísica) para o agir correto, ou o conhecimento dos bens básico. Isto é, o objeto de estudo de Finnis seria o agir voltado a um fim, a partir do (re)conhecimento de bens básicos. O foco estaria na decisão-ação, objeto este estudado pela ordem prática ou moral, e não pela metafísica. CONCLUSÃO Este trabalho procurou identificar a idéia de direito natural e lei natural na obra de John Finnis. Para isso, começamos por identificar a partir de quais pressupostos se ergue essa teoria. Após, examinamos a construção mesma da Lei Natural e Direito Natural em John Finnis Autor(a): Roseli Coelho Fossari Orientador: Marcos Aurélio Dusso 12 teoria, com cortes específicos ao objeto desta dissertação. Faremos agora algumas considerações finais acerca do tema. John finnis faz parte da escola jusnaturalista do direito e, mais especificamente, à tradição cristã. Existem divergências entre ele e outros jusnaturalistas seus contemporâneos referentes a diferenças conceituais pontuais. Nosso autor segue a linha desenvolvida por Aristóteles e depois aprimorada por Tomás de Aquino. Em função do meio acadêmico no qual está inserido, e também de sua posição jusnaturalista tem divergências com a jurisprudência analítica (positivismo jurídico). Podemos considerar a teoria de Finnis como uma teoria ética, pois seu objeto é o agir humano. Esse agir direcionado a um fim específico, a promoção do bem comum. Essa decisão-ação baseia-se no (re)conhecimento dos bens básicos. O homem (re)conhece os bens básicos e escolhe agir de acordo com esses bens básicos e realizar o bem comum. Finnis acredita que existe uma ordem natural das coisas (pensamento metafísico), mas como seu objeto é o agir humano em direção a uma finalidade, ele nega que sua teoria seja metafísica. A esse respeito nossa opinião é que não há como desvincular uma coisa da outra. O próprio Finnis quando fala sobre essas questões diz que a moralidade não é independente da natureza humana, pois é em função da natureza humana que o homem possui certas inclinações para a ação. Além disso, em outra passagem o autor dirá que a natureza determina o agir correto, mas a ação humana não está em função do conhecimento que a pessoa tenha dessa natureza. Finnis acredita na existência de uma natureza humana, e concorda com o pensamento tomista segundo o qual se essa natureza (a humana) fosse diferente, também seriam (diferentes) os deveres presentes na lei natural. Insistimos que não há como desvincular essas questões lançando mão das ordens de conhecimento aristotélicas. As ordens são meras categorias analíticas. Aristóteles separou apenas para poder conceituar melhor, apenas para classificar. Elas não andam separadas. Ora, se Finnis diz que o seu objeto de estudo é da ordem moral, uma vez que estuda o agir humano e concorda que há uma natureza humana (ordem metafísica), que se fosse diferente alteraria os deveres presentes na lei natural, isso significa que não há como separar um objeto do outro, uma ordem da outra. Lei Natural e Direito Natural em John Finnis Autor(a): Roseli Coelho Fossari Orientador: Marcos Aurélio Dusso 13 A separação é mero instrumental para facilitar a explicação. As ordens não existem em estado puro na natureza, ou na sociedade, ou na razão humana. Portanto, a seguir a própria lógica de pensamento do autor, classificá-lo- íamos com metafísico. Um exercício de raciocício Vamos pensar um pouco sobre quais poderiam ser as conseqüências de o pensamento de Finnis (e, conseqüentemente da escola que ele representa) estar certo, e quais poderiam ser se ele estivesse, por exemplo, equivocado. Digamos que Finnis estivesse certo e que existisse uma ordem natural das coisas. Que houvesse uma lei natural e um direito natural deduzido dessa lei. Digamos que sendo assim, os homens poderiam construir suas próprias leis, desde que elas estivessem de acordo com a ordem natural das coisas. O que isso poderia significar? Esse pensamento estreita muito as possibilidade de mobilidade na ação, pois se as coisas tivessem mesmo uma natureza cujo conhecimento pudesse ser alcançado pela razão humana, isso significaria que só haveria um agir correto. Todos os outros “agires” humanos estariam reprovados, pois não seriam voltados ao fim (telos) bem comum. É uma visão muito rígida para um mundo tão dinâmico, tão diversificado e tão humanamente desorganizado. Ademais, a seguirmos as exigências básicas ou princípios de razoabilidade prática, em especial o 7º, respeitar todos os valores básicos em todos os atos, isso nos deixaria engessados em relação às escolhas que não raro temos que fazer. Imaginemos uma situação em que dois ou mais valores básicos estivessem em conflito. Se tivéssemos que seguir o 7º princípio, como faríamos? Uma das possibilidades seria não resolvermos nada e deixarmos nas mãos de Deus, ou do destino. Ou talvez, essa visão não leve em consideração as inúmeras situações de conflito existentes na sociedade e com as quais nos deparamos todos os dias. Lei Natural e Direito Natural em John Finnis Autor(a): Roseli Coelho Fossari Orientador: Marcos Aurélio Dusso 14 Por outro lado, podemos imaginar que essa escola de pensamento possa estar equivocada. Talvez não exista uma ordem natural. E se disséssemos que tudo é construção humana: as leis, os direitos, tudo que existe, não existe por si mesmo, ou na natureza. É tudo fruto da imaginação humana. Nós é que pensamos tudo isso e que emprestamos valor às coisas. Elas são relativas (não universais), são mutáveis (não imutáveis), são temporais (válidasem determinado tempo e lugar). Existe uma universalidade de alguns valores porque fazemos parte do mesmo processo civilizatório, mas isso não significa que esses valores sejam universais, são valores relativos, apenas são aceitos universalmente pela civilização no estágio em que se encontra. O que esse pensamento poderia representar? Esse pensamento nos permitiria discutir valores na sociedade. Se fomos nós, humanidade, em seu longo processo civilizatório que criamos e valoramos o que existe, então, nós, humanidade, podemos sempre repensar, reorientar, reorganizar, valorizar ou desvalorizar o que aí está. Podemos mudar a direção das coisas, podemos criar um novo mundo, inventar uma forma diferente de fazer as coisas. Bem, nesse ponto alguns perguntariam, mas quando as coisas (bens, valores, justiça, direitos) mudariam? Na verdade eles estão sempre mudando. E eles mudam significativamente quando a sociedade está pronta para assumir novos valores, quando a sociedade decidir que os valores sociais deverão ser outros. E, em que direção eles mudariam? Não há uma direção pré-determinada. A humanidade decide para onde quer caminhar. E caminha na direção pretendida quando está pronta para isso. E, ainda, como se processa essa mudança, de que forma se alteram valores sociais, alguns já naturalizados na sociedade? Lei Natural e Direito Natural em John Finnis Autor(a): Roseli Coelho Fossari Orientador: Marcos Aurélio Dusso 15 Na disputa de idéias. Contrapondo pontos de vista. Na disputa de valores dentro da sociedade. Esse é um processo lento e contínuo, muitas vezes imperceptível a uma geração, ou mesmo a várias gerações. Agradecimento Finalmente, quero agradecer a oportunidade de estar apresentando este trabalho e dizer que foi uma experiência muito gratificante e importante para mim. Meus mais sinceros agradecimentos também ao meu orientador, professor Marcos Aurélio Dusso, que me deu liberdade para conduzir essa pesquisa, e aos amigos que tiveram paciência para escutar sobre um tema que não era de seu interesse imediato. Dedico este trabalho a minha família, meu companheiro Ademar, meu filho Bruno, minha mãe e meus irmãos, aos quais dei pouca atenção no período em que desenvolvi esta pesquisa. Lei Natural e Direito Natural em John Finnis Autor(a): Roseli Coelho Fossari Orientador: Marcos Aurélio Dusso 16 REFERÊNCIAS FINNIS, John. Lei natural e direitos naturais. Tradutora Leila Mendes. São Leopoldo, RS: Editora Unisinos, 2007. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo, SP: Editora Martin Claret, 2001. VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. Tradução de Cláudia Berliner. São Paulo, SP: Editora Martins Fontes, 2005. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico – lições de filosofia do direito. Tradução e notas por Márcio Pugliesi. São Paulo, SP: Editora Ícone, 2006. OLIVEIRA, Elton Somensi de. Bem comum, razoabilidade prática e direito – a fundamentação do conceito de bem comum na obra de John M. Finnis. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da UFRGS. Porto Alegre, RS: 2002.
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