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MIRIAM MITY NISHIMOTO MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO 1a Edição / Setembro/ 2011 Impressão em São Paulo - SP Editora Catalogação elaborada por Glaucy dos Santos Silva - CRB8/6353 N724m Nishimoto, Miriam Mity. Multiculturalismo e educação. / Miriam Mity Nishimoto. – São Paulo : Know How, 2011. 138 p. : 21 cm. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8065-100-3 1. Multiculturalismo. 2. Educação. 3. Globalização I. Título. CDD – 370.117 MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO Coordenação Geral Nelson Boni Coordenação de Projetos Leandro Lousada Professor Responsável Miriam Mity Nishimoto Projeto Gráf co, Diagramação e Capa Anne Cardoso Mango Revisão Ortográf ca Célia Ferreira Pinto Coordenadora Peda- gógica de Cursos EaD Esp. Maria de Lourdes Araujo 1ª Edição: Setembro de 2011 Impressão em São Paulo/SP Copyright © EaD KnowHow 2011 Nenhuma parte dessa publica- ção pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia au- torização desta instituição.i i Apresentação Caro (a) leitor (a) Ao iniciarmos nossos estudos sobre “Multi- culturalismo e Educação”, compreendemos a impor- tância de dirigir um olhar arguto para a presença da di- versidade de culturas existentes na sociedade na qual estamos inseridos, sobretudo, porque essa diversidade manifesta-se no campo educacional com tamanha in- tensidade que reclama ser reconhecida, em particular, no meio escolar. Já de início, gostaríamos de chamar-lhe a atenção para a presença de fortes valores na con- temporaneidade, que buscam inculcar uma cultura dominante como única verdade e modelo a ser se- guido, desafiando a capacidade dos agentes sociais de perceber as tensões e conflitos presentes em nos- so cotidiano frente ao diverso. São situações que, muitas vezes, velam as particularidades e reproduzem visões que desconhe- cem e desconsideram as identidades, fomentam o desrespeito e até mesmo as práticas de intolerância e discriminação do outro. Nossa postura é sem dú- vida, a de não concordar com o arbitrário cultural e ao contrário, devemos colaborar com práticas de reações discricionárias. Nesta disciplina, propomos traçar um estudo sobre o homem e a sociedade a fim de percebemos que não nos constituímos “do nada”, mas, ao contrá- rio, somos história e a história de muitos outros, pois estamos interligados numa teia de relações, que nos ligam à vida em sociedade. Com o foco na luta de grupos minoritários que, progressivamente, reivindicam seus direitos e a li- berdade de livre expressão de sua cultura e identidade, discutimos o Multiculturalismo e a Educação no con- texto de uma sociedade pautada na lógica capitalista, principalmente, por meio da leitura teórica de Pierre Bourdieu e interlocutores. Para além das tendências de homogeneização cultural, nosso objetivo é promover um conhecimen- to de superação ao senso comum, contribuindo com algumas discussões, que visam provocar questiona- mentos sobre a realidade que o cerca. Se ao final des- sa disciplina, você for capaz de refletir sua vida e suas posturas, analisar o espaço onde trabalha, o meio em que vive, com um novo olhar atento acerca da diversi- dade cultural, daremos por cumprido o nosso trabalho. A autora SUMÁRIO Plano de Estudos UNIDADE 1 – O Homem: um Ser Histórico e Social 1.1 Para Início de Conversa... 1.2 Somos Construtores de Nossa Própria História e da História de Outros 1.3 Um Pouco de História para Compreender o Processo de Construções Humanas 1.4 O Avanço dos Tempos Modernos UNIDADE 2 – Globalização, Multiculturalismo e Educação 2.1 Para Início de Conversa... 2.2 Noções de Globalização 2.3 O Multiculturalismo e Educação no Contexto da Sociedade da Globalizaçâo UNIDADE 3 – Diversidade Cultural, Identidade e Diferença no Contexto Brasileiro 3.1 Para Início de Conversa... 3.2 Diversidade Cultural Como Parte do Processo Histórico 3.3 Identidade e Diferença 9 11 13 35 14 18 22 33 36 43 53 55 56 61 71 73 74 77 91 93 94 96 110 119 120 117 127 133 106 100 108 UNIDADE 4 – Diálogos com a Teoria de Pierre Bourdieu para Entender o Multicul- turalismo no Contexto Educacional 4.1 Para Início de Conversa... 4.2 Pierre Bourdieu: A Vida do Investigador da Desigualdade 4.3 Principais Conceitos de Pierre Bourdieu para Compreender o Multiculturalismo no Contexto Educacional UNIDADE 5 – A Presença Multicultural no Espaço Escolar: Desaf os para as Práticas Pedagógicas 5.1 Para Início de Conversa... 5.2 Temas Antigos e Discussões Contemporâneas: Temas a Serem Ampliados no Contexto Escolar Pluralidade Cultural Questões Étnicas no Espaço Escolar Diversidade de Gênero Diversidade Religiosa Reflexões Sobre o Atendimento Educacional Especializado UNIDADE 6 – Reconstruindo Olhares e Posturas 6.1 Para Início de Conversa... 6.2 Um Pouco do que Já Foi Visto i Gabarito Referências 9 Plano de Estudos Ementa Mostrar como o sujeito do século XXI é um produto de várias condutas sociais de perío- dos anteriores. A produção social da identidade e da diferença. As concepções de Pierre Bourdieu sobre a realidade social: o capital econômico, cul- tural, simbólico e social. Multiculturalismo, glo- balização e a escola. Competências Aprofundar a compreensão das relações entre ho- mem, cultura e sociedade por meio de apontamentos históricos e sociais. Compreender as dimensões do Multiculturalismo, Globalização, Educação e seus respectivos diálogos. Entender o processo de constituição da identidade por meio das relações de diferença, alteridade e senti- mento de pertença, a fim de reconhecer as múltiplas identidades no espaço social. Conceber os conceitos de: realidade social, campo, agente, capitais, hábitos e violência simbólica, à luz da teoria de Pierre Bourdieu e interlocutores, para posicionar-se, criticamente, frente aos mecanismos de homogeneização cultural. Refletir sobre as manifestações do Multiculturalismo no espaço escolar e questionar a escola como campo capaz dereproduzir desigualdades sociais. Refletir sobre si mesmo e o meio social para fo- mentar uma postura de reação às práticas de intole- rância, preconceito, discriminação e violência sim- bólica, na sociedade e nas diversos campos sociais, em especial, na escola. Identificar as concepções de homem, cultura, socie- dade e seu processo relacional. Articular as noções de Globalização, Multicultura- lismo e Educação. Captar conexões entre o singular e o universal como processo dialético constituintes de identidades. Destacar as incidências macrocósmicas regulado- ras da vida em sociedade e igualmente, reconhecer-se como agente e construtor da sociedade. Fomentar práticas de respeito, tolerância e for- mular estratégias de reações discricionárias no âmbito educacional. Carga Horária: 30 horas 10 Habilidades O Homem: um Ser Histórico e Social Nesta primeira unidade, ini- ciamos nossos estudos com um olhar para as relações do homem e a sociedade, a f m de suscitar in- terrogações críticas sobre si mes- mo e o meio que o cerca. Logo, você perceberá a capacidade de construirmos nossa própria histó- ria e as de muitos outros. Este é um convite para mer- gulharmos na história, que impli- ca ref exões de longo alcance. l i 13 1.1 Nessa unidade, propomos iniciar nossos es- tudos traçando um caminho teórico que transita, prin- cipalmente, nos campos da História, da Sociologia e da Antropologia. A finalidade é suscitar reflexões de como se constituem os valores, visões, concepções e modos de vida diferenciados, que dão contorno à cul- tura e das quais remetem às identidades constituídas no âmago da sociedade humana. É nessa perspectiva que o primeiro tópico: “Somos construtores de nossa própria história e da história dos outros”, levantaalgumas discussões sobre como reconhecemos a constituição das singularidades, mas não desconsideramos que também somos a ex- pressão do universal, tal como destacou Valente (1999). Num segundo momento, apresentamos no segundo tópico - “Um pouco de História para com- preender o processo de construções humanas” - para se entender as formas de organização social, os valores imbricados no espaço social brasileiro que colabora- ram com a configuração da sociedade contemporânea. Por fim, essa unidade busca chamar sua aten- ção para refletir quem é o homem contemporâneo, a partir da noção de que o momento, em que vive- mos, suscita pensar que não viemos do nada, mas ao contrário, nos constituímos e nos transformamos por meio do fazer e pensar humanos, ao longo de uma trajetória histórica e social. Para Início de Conversa... 1.1 14 “Cada um de nós compõe a sua história. E cada ser em si carrega o dom de ser capaz [...]” (Tocando em frente. Renato Teixeira e Almir Sater). Ao afirmar que somos construtores de nos- sa própria história e da história de outros, entendemos que o percurso de cada trajetória de vida se constitui numa teia de relações dialéticas, que conectam um indi- víduo e o meio social, e que ambos são necessários para pensarmos a constituição do homem e da sociedade. Longe da interpretação de que esse processo favorece a uma forma padronizada de pensar a si mes- mo e a sociedade, no sentido de que todos possuem os mesmos valores, visões, modos de vida e cultura, ressaltamos que a constituição de ambos, depende de uma análise apurada para a complexidade, que cerca a realidade social, cujas “fronteiras” (se esse termo ajuda-nos a entender melhor) entre o singular e o uni- versal, nem sempre se apresentam tão evidentes. O que queremos dizer é que o processo re- lacional é o fator preponderante quando tratamos da constituição de cada indivíduo. Diferenciar-se e igua- lar-se ao outro depende do diálogo entre o singular e o universal, cujas dimensões serão dissociadas, segun- 1.2 Somos construtores de nossa própria história e da história de outros 15 do Valente (1999, p. 22), por meio de mediações que consideram “... o processo histórico e a funcionalidade que, por exemplo, possa ter no presente, uma manifes- tação cultural do passado, preservada pela tradição”. Certamente, cada indivíduo produz cultura e disso depende da experiência conquistada ao longo de uma história para a promoção do conhecimento, ten- do em vista a necessidade de sobrevivência, adaptação e existência no mundo. Isso significa que as transfor- mações sociais implicam em um processo cultural e consequentemente, de um processo educacional na transmissão da cultura. Na interação com outros homens, com o meio e na reflexão sobre a própria vida, o homem tem como condição e produto de sua “natureza humana” a capacidade de transformar-se, transformando o meio, de criar símbolos e de transmitir o conheci- mento produzido e acumulado aos seus descenden- tes. (VALENTE, 1999, p. 14) Compreende-se aqui, a noção de cultura como concepção ampla, de valores, visões, modos de vida que regulam a vida humana, capaz de cons- tituir sistemas simbólicos, que atribuem significado a cada indivíduo e a capacidade de linguagem e ex- pressão humana. Tal colocação é necessária, visto que Trinda- de e Sodré (2000) chamam-nos a atenção para não 16 compreender a cultura de forma limitada, registrada somente nos monumentos do passado, os arquivos, as construções, pois, embora, estas também constituam elementos da cultura como formação de riquezas, ain- da assim é preciso ampliar nossa concepção. Também é fato, que a noção de cultura envol- ve mais implicativos e discussões, que não nos cabe aprofundar e esgotar nesse momento, sobretudo, quando analisados sob uma óptica contemporânea cerceadas pela complexidade do espaço social. O que nos cabe é perceber a sua presença e a forma como ela orienta as ações do homem. A apreensão da cultura, no sentido amplo do termo, implica compreender a vida em sociedade, a qual favorece o pensamento de que cada indivíduo é socializado a partir de um conjunto de mecanismos, onde os indivíduos realizarão a aprendizagem das re- lações sociais entre si, e assim assimilar as normas, valores e crenças presentes na sociedade ou de uma coletividade. (BONNEWITZ, 2003) Dessa forma, concordamos que as socieda- des humanas funcionam a partir de uma lógica de normas construídas pelo próprio homem, que regu- lam a vida na coletividade e orientam ações sociais, traduzidas em maneiras de ser e pensar, recaindo em comportamentos e atitudes condizentes com o grupo social ou de uma determinada sociedade. Em face do exposto, você já deve ter obser- vado que o homem do qual estamos nos referindo desprende-se de concepções, que concebem os valo- 17 res humanos como algo constituído de uma hora para outra, e reiteramos ainda, que também, nos distancia- mos de determinações biológicas e geográficas. Isso significa que o homem não é detentor de uma cultura homogênia, facilmente explicada por fatores genéticos, que regulam a vida em so- ciedade, tampouco que o ambiente físico, no qual nos inserimos, é fator determinante nos modos de pensar e fazer humanos. Como explicou Laraia (2009, p. 24), sem dúvi- da, a natureza humana favorece a produção da cultura pela sua capacidade cognitiva, mas: “As diferenças exis- tentes entre os homens, portanto não podem ser expli- cadas em termos das limitações, que lhes são impostas pelo seu aparato biológico ou pelo seu meio ambiente.” Ainda segundo o autor, é pode-se perceber a existência de culturas diversas num mesmo ambiente físico e por esse motivo, não é possível afirmar que as- pectos naturais de um espaço geográfico determinem a vida social. Ao contrário, é preciso argumentar o que expôs Valente (1999), ao salientar que o homem assim se constitui e diferencia-se dos demais seres vivos pela capacidade de interação com os outros homens e com o meio que o cerca. Esse raciocínio pautado no relacional deixa- -nos claro que a experiência e o conhecimento adqui- rido por meio desta, é decisivo na transformação do homem, ou seja, em suas concepções e visão, ao pas- so que, também, é decisivo para que a sociedade se transforme ao longo do tempo. Como reforça Valente 18 (1999, p. 18): “... o homem em diferentes meios tem necessidades diferenciadas e busca soluções diversas para atendê-las, que resultam em experiências e co- nhecimentos singulares.” Em síntese, compartilhamos dos argumentos dessa autora de que os diálogos, que o homem estabele- ce com outros homens e a sociedade mais abrangente, conformam um processo cultural que por ser comum a todos, é universal, e igualmente o conhecimento por ser aprendizado, define-se por processo educacional. Uma vez, compreendido que o homem é por excelência um ser histórico e social, capaz de produzir cultura e ser produzido por esta, e assim, transfor- mar a si mesmo, como também transformar o espaço social em que vive, proporemos fomentar uma dis- cussão, através de um olhar para o passado, a fim de conhecermos o processo de construções humanas. Trata-se de conhecer um pouco mais so- bre nossa História e as contribuições dos diferentes grupos sociais que colaboraram com a constituição da sociedade brasileira. Consideramos que esse es- tudo é importante para reconhecermos que muito 1.3 Um Pouco de História para Compreender o Processo de Construções Humanas 19 do que somos, hoje, têm estreita relação com os modos de organização social, ou seja, as formas de pensar e agir de nossos ancestrais. Conforme discutido anteriormente, nossa capacidade de experienciar a vida, produzir conheci- mento e deixá-lo como um legado para as novas ge- rações, faz-nos seres únicos e diferentes, de qualquer outro ser vivo. É a partir dessa lógica que tudo o que somos, na atualidade, está pautado nas necessidades do homem, cada qual háseu tempo. Valente (1999) mostra-nos, por exemplo, como o homem primitivo fez de sua vida um labo- ratório de descobertas e produção de conhecimen- to, ao criar formas de linguagem e da descoberta do fogo. Um instrumento para outras novas descober- tas o que, consequentemente, mudou suas necessida- des e seu modo de vida. Essa ilustração faz-nos pensar como os pri- mórdios e suas construções humanas vão transmitindo seus valores e aprendizados às gerações que seguem, transformando suas necessidades e novas buscas por conhecimentos para sua existência no mundo. Com o tempo, as formas de organização so- cial passam a assumir contornos cada vez mais lógicos com a realidade que vivemos. Sem dúvida, a Histó- ria Brasileira relaciona-se com o desenvolvimento do plano econômico, que levou o homem a vislumbrar na navegação um meio para a descoberta de novos territórios, em busca de matéria-prima que não mais se encontrava disponível na Europa. 20 Segundo Valente (1999), a busca pelo conhe- cimento, levou, ainda, o homem a procurar explica- ções na razão, por meio da Ciência, no período do Renascimento, e a contestar a hegemonia da Igreja Católica na Europa Oriental e Central, através da Re- forma Protestante, a partir do interesse da burguesia. Nesse contexto, surgem as monarquias nacionais como uma forma de centralização do poder político. A burguesia apóia-se no poder real para favorecimento próprio e o sistema político- -absolutista soberano expressa os interesses na- cionais. (VALENTE, 1999) Os desenhos da organização sociocultural europeia passaram a mostrar interesses cada vez mais latentes, na busca de maior fortalecimento econômico e contornos do capitalismo, situação que se entrela- çou com a nossa História, uma vez que é por meio do processo de colonização europeia, que uma nova face da História Brasileira emergiu. Certamente, a visão e valores europeus tive- ram influência considerável sobre o Brasil, sobretudo, de forma a universalizar as singularidades. Isso por- que a lógica da colonização operou a partir da utiliza- ção da mão de obra escrava, como destacou Valente (1999, p. 27): “... o escravagismo não é uma alternati- va, mas uma decorrência lógica da colonização.” Em que pese às inúmeras formas com as quais os colonizadores tentaram dominar os ne- gros sob duras penas, importa ressaltar que no plano cultural, as relações destes com outros ho- 21 mens não deixaram de estabelecer trocas cultu- rais, conforme lembram Gonçalves e Silva (2006, p. 19), sobre a entrada dos escravos no Brasil e as novas configurações sociais: Oriundos das mais diversas etnias são forçados a se integrarem no mundo colonial, na condição de escravos. Com eles chegam experiências culturais que, embora arrancadas violentamente de seus contextos históricos de origem, vão sendo aos poucos (re) elaboradas nas Américas por meio do contato com outros grupos não- -africanos, dando início a novas formas culturais. Frente aos interesses político-econômicos, o processo de colonização sustentou a ordem eco- nômica e expansão comercial nas novas terras, sob égide do domínio humano dos negro-africanos e indígenas, sob formas diferenciadas. Já no século XVII, discutiu-se o trabalho indígena a partir de autoridades eclesiásticas que argumentavam a defe- sa dos nativos, cuja atuação do clero desempenhou outra forma de domínio da singularidade. A estratégia de civilização e pacificação huma- na é fortemente evidenciada nesse período por meio da catequização e orientação religiosa. A educação serviu como instrumento a serviço do universalismo europeu, que rogava uma doutrina para formar o “bom trabalha- dor”. Tratava-se de um meio mais eficaz de legitimar os ideais e a cultura do grupo dominante. 22 É fato que na História do Brasil, a submis- são dos negros e indígenas foi essencial para a so- brevivência, mas não deixou de apresentar resistên- cias e contraposição às opressões europeias, pois, assim, como destacou Valente (1999, p. 32): “O que não quer dizer que a submissão anule a resistência, que pode ser manifestada sob inúmeras formas, in- clusive com o silêncio.” Iniciamos esse novo tópico, explicando o ter- mo “avanço”, o qual se apresenta no título. Quando uti- lizamos esse termo tudo parece ser o sinônimo de cres- cimento vertical, no sentido qualitativo e que embora sua posição crítica possa caminhar nesse sentido, não é, necessariamente, nossa intenção tedenciar essa posição. O uso desse termo tem o objetivo de, sim- plesmente, mostrar como nossa sociedade vai cami- nhando a partir de marcos históricos importantes que, processualmente, passaram a transformar a vi- são de mundo e como sempre, como a sociedade passa a transformar-se. Nesse caminhar, o Capitalismo desenhado no período mercantilista a partir da chegada dos coloni- zadores, passou a ganhar proporções cada vez maio- res ao longo do tempo e com isso, assumiu contornos mais acentuados de um universo pautado no modo 1.4 O avanço dos tempos modernos 23 de produção, o que, consideravelmente, fomentou as ameaças aos diferentes modos de vida na sua singula- ridade, ao inculcar seus moldes a partir do capital. A consolidação do poder político-econômico e da burguesia, durante o século XVII e XIX, marcou a hegemonia do Capitalismo a partir da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, cujas tendências estenderam-se de forma universalizada e com tendên- cias civilizatórias da sociedade. Com força, a Revolução Industrial iniciou- -se na Inglaterra durante o século XVIII, marcando a transição do modo de trabalho artesanal e manufa- tureiro para o trabalho industrial, e com isso, trans- formando o cenário social rural para um cenário com características urbanas. A égide capitalista ancorado no objetivo de obtenção de lucro acarretou em técnicas de produ- ção especializadas, a fim de visar o maior aproveita- mento possível de acúmulo de capital. Não obstante, a produção capitalista desejava cada vez mais forne- cedores de matéria-prima e, sobretudo, de consumi- dores, os quais foram mantidos e sustentados de tal maneira a regular o sistema. É fato que o Capitalismo transformou as concepções de trabalho e mão de obra, das quais não mais necessitava depositar esforços, para man- ter o escravagismo, constituindo-se inclusive como um empecilho aos interesses ingleses para o acesso a todos os mercados. É por esse motivo que a Inglaterra passa a 24 discursar a favor da abolição da escravatura, sobre- tudo, no Brasil, que neste momento, já abrigava nú- mero alto de escravos e que acabou por disseminar muitos deles, após o envio para a Guerra do Para- guai, constituindo um problema, tendo em vista as dificuldades de reposição. Segundo Valente (1999), a tomada de poder pela burguesia durante a Revolução Francesa repercu- tiu na Europa e mesmo após a vitória inglesa na ba- talha de Waterloo, as ideais libertárias espalharam-se na Europa e no âmbito latino-americano, acarretando na Independência do Brasil, em 1822, sob o apoio da Inglaterra e dos Estados Unidos. Desde o Renascimento, o poder da razão humana, capaz de interpretar a natureza, toma novo fôlego com o movimento Iluminista, ao destacar con- cepções culturais e educacionais constituídas a partir de condições econômicas e culturais. Personalidades como: Adam Smith, Diderot, Rousseau, Montes- quieu, Voltaire, dentre outros, passaram a expressar suas ideias que se contrapunham à religião. Esse distanciamento da religião manifestou- -se no campo educacional, propondo um modelo de escola laica, isto é, ausentes de doutrinas religiosas e alheio ao compromisso de classe. Um caráter naciona- lista passou a refletir no campo educacional, passando a responsabilidade ao Estado, ao oferecer um ensino obrigatório e gratuito. Para Valente (1999, p. 36): “A escola e a educação desempenharam um papel central na 25 constituição da identidade e na sua reprodução... o ensino torna-seum elemento fundamental nas es- tratégias políticas.” Essa empreitada, no campo educacional im- plantado pelo ideário burguês, simbolizava a eficaz estratégia de oferecer educação para todos como um meio de formar uma sociedade civilizada que contem- plasse a formação de bons trabalhadores ou como acrescentou Valente (1999, p. 36), constituía um meio de instaurar: “... diferentes escolas para atender a uma clientela cujo acesso à riqueza material é diferenciado.” Durante o século XX, a hegemonia da socie- dade capitalista ganhou traços monopólicos, concen- trando o poder nas mãos de associações capitalistas. Surgem inovações tecnológicas que acabam por cola- borar com a sofisticação do processo produtivo. Com isso, a sociedade passa a produzir excedente e necessi- ta desempregar trabalhadores. Ao esperar a reintegração no mercado de trabalho, considerável quantidade de trabalhadores passou a elevar o número de miseráveis e ociosos, juntando-se àqueles não ligados ao processo de produção, mas que acabavam por serem consumi- dores de mercadorias. A sociedade passa a constituir-se como um círculo. Compete a cada indivíduo assumir o seu lugar e desempenhar uma determinada função no meio, com a finalidade de, obrigatoriamente, susten- tar o sistema capitalista. Mas, a progressiva substituição da mão de 26 obra pelas máquinas e a exploração daqueles que se encontravam empregados, também geravam um efeito reverso. Como manter consumidores numa sociedade marcada pelo desigual acúmulo de lucros? O que parece ter fim ao sistema capitalista, nem se aproxima de tal ideia, ao contrário, ao longo da História observa-se que muitos são os momentos de enfraquecimento e fortalecimento, e entre esses po- los, constata-se, ainda, mais latente as estratégias que continuam a sustentá-la. Com a eclosão da 1ª (1914-1918) e 2ª Guer- ra Mundial (1919-1938), o cenário mundial passa por mudanças e reordenações internacionais no pla- no político e econômico. O Capitalismo passa por crise e “... a superprodução e outras contradições do Capitalismo promovem crises, que levam os tra- balhadores a se organizarem contra os interesses da burguesia.” (VALENTE, 1999, p. 39) Essa configuração mundial impulsiona uma contraposição de trabalhadores descontentes, que reivindicavam melhores salários e condições de vida, em face ao domínio burguês. No mesmo sentido, Valente (1999) coloca que os movimentos nazifas- cistas simbolizavam a reação da classe dominante, tomando como alvo um adversário “racial”, como aconteceu na Alemanha, ao atribuir aos judeus e to- dos os considerados diferentes, as dificuldades eco- nômicas pelos quais o país passava. Com as perdas materiais e humanas, muitos países europeus sofreram as consequências das guer- 27 ras e com isso, a hegemonia europeia declinou, dando margem à ascensão dos Estados Unidos e da União Soviética, como potências mundiais. A partir da “guerra fria”, o mundo passa por profundas mudanças e, inevitavelmente, há um considerável crescimento industrial, uma vez que muitos países passam por adaptações ao novo tem- po, dentre eles, o Brasil que passou a produzir e diversificar mercadorias. Rapidamente, a Europa reestruturou-se com a ajuda dos Estados Unidos e mais tarde, nos anos de 1950, passa a viver o auge do Capitalismo desenvol- vido com a produção de massa fordista, possibilitan- do o consumo de bens e serviços em massa. Muitos desempregados e migrantes passaram a beneficiar-se com a modernização, deslocando-se de áreas rurais e regiões mais pobres para localidades mais ricas. Com o constante avanço industrial, as po- líticas capitalistas tendem a investir em melhorias sociais para o controle e manutenção do sistema, tais como o investimento em emprego, saúde pú- blica, previdência social, melhorias habitacionais e educacionais. Tais medidas visam o alívio e apazi- guam a tensão dos trabalhadores; são políticas que configuram o Estado do bem-estar social. Sempre que algum desequilíbrio ocorre na econo- mia, relativo à produção, consumo, emprego, salá- rios, os Estados, representados por esses governos, intervêm para restabelecer o controle da situação. 28 Por meio de impostos, fiscalizam a circulação de mo- edas, estimulam a produção num determinado setor e evitam a superprodução em outro. Essas políticas sociais ganham o nome de Welfare State, ou seja, o Estado do bem-estar. (VALENTE, 1999, p. 44) Ao longo do tempo, desenvolve-se a cultura de massa, facilitado pelo aperfeiçoamento tecnológi- co, os meios de comunicação mais desenvolvidos, que favorecem a aproximação entre os homens e inculca- ção de modelos e padrões culturais homogeneizantes, a favor do consumo de bens da cultura dominante e reafirmação da indústria cultural. É certo, que nem tudo caminha de forma pacífica e de submissão, pois o mundo, em que vi- vemos, permite pensarmos de formas diferentes. Nesse sentido, a contracultura constituiu-se como reação às amarras da cultura dominante, assim como Valente (1999) destacou, o movimento hip- pie e os skinheads. Expressavam ideias avessas à indústria cultural, como recusa ao consumo e as leis dominantes impostas à sociedade. Como se pode observar até o momento, muito que diz respeito à nossa forma de pensar e viver relaciona-se com questões de ordem política, econômica e social, que extrapolam os aconteci- mentos histórico-nacionais. Trata-se de uma cadeia complexa de organização social criada pelo homem e mais do que nunca, é possível perceber como essa 29 organização regula a ação dos sujeitos, sem que nos demos conta dessas incidências na singularidade. Sem dúvida, tudo o que nos rodeia tem re- lação com o grupo onde nos inserimos, com a socie- dade brasileira e amplamente com o mundo. Você já parou para pensar de onde vieram as roupas que usa? Por que mantemos nossas casas com móveis e ele- trodomésticos específicos e quais utilidades têm para nossa vida? Já parou para pensar o tipo de trabalho que desenvolve e porque ele é essencial para a nossa sobrevivência? Por que adotamos certos comporta- mentos e atitudes perante o outro? São tipos de questionamentos que podería- mos estender infinitamente, mas a única certeza é que nossa forma de viver, nossos valores e visões relacio- nam-se a um contexto histórico, que admite profun- das e incansáveis análises sociológicas. Notamos, ainda, que o percurso do Capita- lismo na sociedade aproxima-se, e muito, da realidade contemporânea na qual fazemos parte, cujo sistema só existe por seus agentes sociais, ou seja, nós mes- mos. Mas, é possível ponderar que em meio a esse alicerce de valores dominantes, encontram-se as múl- tiplas expressões das singularidades, onde cada indiví- duo recria e reinventa sua identidade, suas formas de transparecer a cultura e as várias faces que ela assume. Tanto é verdade que, ao contrário, não po- deríamos reconhecer na História, os momentos de tensões e conflitos ocasionados por uma contracul- tura, frente às diferentes formas de manifestação do 30 pensar, dos diferentes povos e grupos sociais. Ao pensarmos na História Brasileira, não há como desconsiderar as influências europeias e a ten- dência universalizante da singularidade no período de colonização, que presenciou as manifestações dos povos indígenas e negros. E ainda, nessa trajetória, é possível observar como aos poucos a configuração da diversidade cultural é marcada pela chegada gradativa de migrantes, oriundos dos diversos deslocamentos do território brasileiro, bem como de outros países. É claro que esses grupos não resumem a multiplicidade de formas para se pensar a diversi- dade cultural brasileira, pois em termos atuais, tan- tos outros se somam, decorrentes das diferenças de gênero, classe social, religião, opção sexual etc. São questões que reiteram nossa afirmação de que a sociedade em que vivemos não é marcada pela homogeneização cultural. 1) O episódio 2 do documentário: “Pantanal-O Pan- taneiro” refere-se a um espaço específico, como o próprio nome sugere. Ao sugerir esse vídeo curto, pretendemos que você seja capaz de refletir sobre as muitas formas de pensar o homem, a cultura e a so- ciedade, nos mais diversos espaços brasileiros. Nes- se sentido, assista ao documentário e comente quais Exercício Proposto 31 articulações são possíveis de realizar com a unidade estudada e o filme? É possível realizar críticas ao fil- me? Quais? Ficha técnica Pantanal - O Pantaneiro (episódio 2) Produção: VBC. Patrocinado: Petrobrás e Governo Federal. Disponível em: http://www.planetapantanal.com/ planeta - pantanal-tv.php? id.18&t=1 Globalização, Multiculturalismo e Educação Nesta unidade, elencamos al- guns elementos acerca das noções de Globalização e Multiculturalismo, articulando-os com o campo da Educação, área de nosso interesse. Tais discussões são essenciais para a promoção de um conheci- mento que reconheça a diversida- de cultural e fomente práticas de reação aos mecanismos de ho- mogeneização, que insistem em desaf ar o meio escolar.i 35 2.1 Para Início de Conversa... Para afirmar a integração dialética entre Globali- zação e identidade/s cultural/ais, é preciso apontar para a construção de uma Globalização que seja soli- dária e integre, no plano continental e mundial, uma visão particularmente atenta às diferentes culturas e às áreas mais vulneráveis do planeta, procurando afirmar, de forma permanente, a igualdade, a dife- rença e a justiça. (CANDAU, 2000, p. 34) Nesta unidade, buscamos estender a dis- cussão iniciada na unidade 1, apresentando a noção de Globalização e Multiculturalismo, uma vez que não se pode analisar a existência da diversidade cul- tural sem refletir sobre os valores imbricados no contexto contemporâneo. Do mesmo modo, como pensar a Educação e especialmente o meio escolar, sem questionar as estruturas sociais que cerceiam a vida social e ma- nifestam-se no campo educacional? Esses aponta- mentos têm o objetivo de chamar a sua atenção para os valores e padrões de comportamento inculcados por uma cultura, que hoje se apresenta na socieda- de, sustentados a partir da lógica fundamentada pelo Capitalismo ou como muitos preferem referirem-se, valores da era da Globalização. Parece que a Globalização é algo recente, 36 devido o tom atribuído nas discussões da atualidade, mas como você observará, trata-se de um processo construído, historicamente, que, progressivamente, continua a se desenvolver e digno de nota: nós, agen- tes sociais, somos os protagonistas. Nesse contexto, não basta compreender que o mundo está em constante transformação, pois, além disso, é preciso construir uma visão crítica acerca do que está mudando. Quais os reflexos em nossas vidas, nosso cotidiano enfim, no meio social. Em síntese, é necessário desvencilhar-se de concepções confor- madas de que somos alheios ao mundo, uma vez que toda atividade humana implica na produção de uma história individual e coletiva. Enfim, essa discussão visa colaborar com novas reflexões, a fim de reiterar as palavras de Can- dau (2000) na epígrafe, ou seja, promover ideias acerca de uma sociedade mais democrática, escapan- do de concepções utópicas do termo, para compre- ender a emergência de uma sociedade globalizada que considera, e é solidária às diferenças culturais, sobretudo, em âmbito escolar. As discussões em torno do avanço tecnoló- gico e científico em suas várias faces são aspectos, visivelmente, perceptíveis das aceleradas e abran- 2.2 A Noção de Globalização 37 gentes transformações da sociedade contemporâ- nea, suscetíveis a buscar compreensões do chama- do fenômeno de Globalização. Conforme citamos, anteriormente, a Globali- zação tem se apresentado com argumentos de caráter doutrinário ou discutido como algo novo, mas suas concepções encontram respaldo no Capitalismo, tal como reforça Valente (1999, p. 51), trata-se de reco- nhecer que: “O que está mudando é o nosso “velho conhecido” Capitalismo, cujas tendências fundamen- tais, porém, continuam as mesmas.” Por esse motivo, coloca-se em questão na atualidade a significância do termo “Globalização” ou se o termo correto poderia ser traduzido como “mundialização do capitalismo” (SANTOS, 2001), tendo em vista, que estudiosos concordam que se trata de um processo de dimensão do Capitalismo ou ainda, que “Globalização” incute a ideia de en- globar, universalizar, homogeneizar. É certo, que é inviável aprofundar essa dis- cussão, pois o nosso objetivo é realizar uma aborda- gem acerca do assunto e apresentar elementos essen- ciais para o estudo da então chamada “Globalização”, chamando a atenção para conceitos que têm estreita relação com as transformações do Capitalismo. Embora, os pilares de sustentação do Capita- lismo seja, fundamentalmente, uma ordem econômi- ca, concordamos com Candau (2000), pois é impres- cindível compreender sua multidimensionalidade, isto é, seus valores manifestos nas variadas esferas sociais 38 e de diferentes formas, extravasando as questões eco- nômicas em face do seu dinamismo. Mas, afinal, qual o conceito de Globaliza- ção? Com base em Pereira (2000), constitui pela ex- pansão do Capitalismo no mundo a partir das deter- minações de ordem econômica, que se manifestam sobre os Estados Nacionais. Intrínseco ao Capitalis- mo, a Globalização também é chamada por Valente (1999) de Capitalismo contemporâneo, de posse dos seguintes aspectos: a) o desemprego tornou-se estrutural, uma vez que o Capitalismo opera, hoje por exclusão; b) o controle é assegurado pelo capital financeiro; c) a terceirização é hoje estrutural, com fragmentação e a dispersão de to- das as esferas da produção; d) a Ciência e a tecnologia tornaram-se forças produtivas, agentes de acumulação de capital. O monopólio dos conhecimentos e da infor- mação passa a ser uma força capitalista; e) o Capita- lismo rejeita a presença estatal no mercado e nas po- líticas sociais, gerando a privatização estrutural; f) a transnacionalização da economia torna desnecessária a figura do Estado nacional e o centro econômico e po- lítico encontra-se no FMI e no Banco Mundial; g) a diferença entre países de Primeiro e Terceiro Mundo tende a ser substituída pela existência em cada país de bolsões de riqueza absoluta e pobreza absoluta. (VALENTE, 1999, p. 52) 39 Pereira (2000) informa-nos que, do ponto de vista histórico, a integração dos mercados mundiais res- taura a segunda metade do século XIX, vigorando a economia aberta, com a ajuda da comunicação ágil de longa distância, além de transportes industrializados. É notório como o avanço tecnológico possi- bilitou a expansão capitalista, e passou a fazer investi- mentos elevados na Ciência, sabendo da fonte de for- ças de sua empreitada. Valente (1999) esclarece-nos que em dado momento da História, vislumbrou-se o que muitos chamaram de revolução tecnológica, que permitiu a facilidade de comunicação global e, além disso, “... a utilização de recursos da informática e das microciências para a produção em alta escala, e até mesmo para a criação de uma “natureza artificial...” (VALENTE, 1999, p. 54-55) A partir da década de 70, as discussões em torno da Globalização intensificaram-se, so- bretudo, pelas consideráveis mudanças no plano econômico e na sociedade que, consequentemen- te, favoreceram a liberdade para que o capital se movimentasse internacionalmente. Já, a partir da década de 80, surgem corpora- ções globais definidas como empresas transnacionais, capazes de instalar cadeias produtivas em diversos pa- íses e controlar suas atividades e produções da forma mais vantajosa possível. Durante esse período, identifica-se também a instauração de blocos econômicos de caráter regional, 40 como: Nafta, Mercosul e União Europeia, os quais propunham a integração e fortalecimento de determi- nados Estados nacionais, com políticas sociais, cultu- rais e educacionaisvoltadas ao interesses desses Es- tado; aspectos que acabaram por colaborar com uma posição contrária à Globalização. Ainda, a partir da década de 80, importa su- blinhar a ascensão do neoliberalismo, cujo prefixo “neo” atribui o sentido de “novo” para explicar uma fase do pensamento liberal, mas cuja essência já se apresentava em períodos anteriores. Trata-se de um conceito que abarcam correntes e posições, que Va- lente (1999, p. 57) explora: Ao conjunto de condições materiais que caracte- rizam o Capitalismo, [...] acompanha a constru- ção de uma ideologia ou de um imaginário social que busca justificá-la como racionais e legitimá-las como corretas. Isso, na verdade, dissimula o fato de serem formas contemporâneas da exploração e da dominação. A essa construção ideológica corres- ponde o que vem sendo chamado de neoliberalismo. O neoliberalismo emerge a partir de con- cepções filosóficas sustentadas por mais de dois séculos, visto que desde o século XVIII apresenta características como: 41 [...] a liberdade da empresa e do indivíduo e a não intervenção do Estado no processo de livre concorrên- cia, propondo a redução dos seus poderes. A defesa da liberdade individual sustenta-se na crença de que todos os homens, sendo iguais, têm as mesmas opor- tunidades de acesso à riqueza material e espiritual. (VALENTE, 1999, p. 57) O que soa romantizado e ideal não é o que parece, pois, é importante destacar o modo sutil como o neoliberalismo, com efeito, age na sociedade, uma vez que com base em Valente (1999), ainda assim, os alicerces do Capitalismo continuam a se sustentar a favor da dominação e exploração, camuflando as re- lações sociais (econômicas, culturais, políticas, educa- cionais etc.) desiguais e dispondo de uma ideia enga- nosa de livre concorrência. Dessa forma, a Globalização tem o ancora- douro no neoliberalismo e como observamos, essa junção busca perpassar fronteiras para o favorecimen- to econômico, isto é, o livre comércio e escoamento da produção cunhada nos ideários capitalistas e por esse motivo, dispensa-se o controle estatal. A partir dessa lógica, torna-se evidente que tal favorecimento acaba por desencadear as desigualdades sociais. Especificamente, em se tratando da Histó- ria Brasileira, você já parou para pensar que, desde a colonização convivemos e estamos imersos numa sociedade marcada pelos valores capitalistas? É certo 42 que seus contornos manifestam-se na vida social de formas diferenciadas, de acordo com determinados períodos da História, mas não deixa de suscitar um questionamento de fundo. Como destacado no início, as características mencionadas não deixam em essência, de disseminar um ideário já conhecido, ganhando proporções em escala planetária e ressaltando os conflitos e tensões das diferentes camadas da sociedade, a qual nos de- safia a pensar nas mudanças sociais, “... nos sistemas de produção, nas relações internacionais, nas menta- lidades, nos estilos de vida, nos valores das pessoas e grupos sociais, na vida cotidiana de cada um de nós.” (CANDAU, 2000, p. 25) Nessa caminhada de estudos, notamos que do ponto de vista social, seus agentes pagam um preço alto para a sustentação da sociedade capitalista, pois como colocou Candau (2000, p. 26), presencia-se: “A pobreza, a exclusão, o desemprego, a crise de valores, o caos econômico, a destruição do meio ambiente e das culturas, entre outros problemas do nosso mundo e de nossos países...” Sobre isso, comentaremos a seguir. 43 Ao expor algumas discussões sobre a Globa- lização, você já constatou que as possíveis vantagens capitalistas, contradizem com uma sociedade demo- crática e justa do ponto de vista social, e como afirma Santos (2001, p.171): [...] os “integrados” no mundo globalizado são aque- les que conseguem incorporar atitudes, valores e novos padrões de comportamentos mais adequados ao usu- fruto das oportunidades que as sociedades capitalis- tas oferecem a todos os seus cidadãos. (SANTOS, 2001, p. 171) Dessa forma, é inevitável pensarmos na exis- tência da diversidade cultural no contexto da socie- dade de Globalização, sem deixar de considerar as fortes incidências da cultura do grupo dominante na sociedade, o qual imbrica valores e comportamentos como padrão a ser seguido. Esses são aspectos que buscamos discutir por meio do Multiculturalismo. Compartilhamos dos objetivos de Gonçalves e Silva (2004), ao destacar o estudo do Multicultura- lismo como uma possibilidade, dentre outras, para colocar em pauta a discussão da existência da diversi- dade cultural e a constituições de políticas culturais no mundo contemporâneo. 2.3 O Multiculturalismo e Educação no contexto da Sociedade da Globalização 44 Na atualidade, o Multiculturalismo divide opiniões que inviabilizam um consenso. Por um lado, destacam-se argumentos de uma política ingê- nua e leviana, a partir de uma falsa consciência que envolve os reais problemas culturais e por outro lado, defende-se um meio de incentivo à fragmenta- ção da vida social e desintegração nacional. (SILVA; GONÇALVES, 2004) No mesmo sentido, a própria terminologia também é discutida. Segundo Canen (2007), dis- cute-se, atualmente, o termo “Multiculturalismo” como sentido que reconhece apenas a presença das múltiplas culturas, sem englobar questões impor- tantes, tais como: os embates, os choques e situ- ações conflituosas decorrentes de suas interações. Ao passo que, a defesa do termo “interculturalis- mo” torna-se mais apropriado para adentrar em discussões sobre as relações entre diferentes cultu- ras e seus implicativos. Essas colocações são significativas para se pensar que conceitualmente, é imprescindível consi- derar o processo relacional como eixo central para se entender a presença da diversidade cultural no espaço social e as muitas formas de reivindicação do direito de expressar a identidade. Do ponto de vista histórico, informa Gon- çalves e Silva (2004), que o Multiculturalismo tem seu bojo em países em que a diversidade cultural é um problema, quando o que está em voga é a construção de uma unidade nacional, isto é, quando as diferen- 45 ças ameaçam as políticas que visam à homogeneização cultural à mercê dos interesses dos grupos dominantes. Com base nos mesmos autores, desde sem- pre, o Multiculturalismo configurou-se como princí- pio ético que orienta a ação de grupos contra o pro- cesso de homogeneização, ou seja, a contracultura dos grupos culturalmente dominados, que reivindicam seus direitos de expressão cultural que lhes foram ne- gados e com isso, suscetíveis ao surgimento de movi- mentos sociais e multiculturalistas. Mas, quem ou qual (is) grupo (s) compõe(m) esses movimentos avessos à cultura do grupo domi- nante? Inicialmente, são grupos étnicos que se con- trapõem ao arbitrário cultural, e a partir da segunda metade deste século, juntam-se a estes, outros grupos minoritários na mesma condição de dominação, para reagir e reivindicar seus direitos civis. Certamente, são muitas as situações ausentes de passividade, mas sim de embates conflituosos. Lembremos do período de colonização brasileira, em que os colonizadores buscaram incul- car valores do universalismo europeu, constatando- -se momentos de choque e tentativa autoritária e violenta de dominação dos índios e negros trazidos na condição de escravo. Como já discutido, presencia-se ao longo dessa História, a reação desses grupos dominados, ao recordar dos momentos de lutas e combates violen- tos, fugas e formação de quilombos que configurava a resposta a não aceitação da dominação europeia, tan- 46 to do ponto de vista físico, como simbólico. Com a chegada dos imigrantes europeus e asiáticos ao Brasil, os resquícios de uma trajetória marcada pela busca de dominação do corpo e da alma continuaram a pairar no Brasil, acrescentando ações de xenofobia e aversão ao imigrante, ou ainda, o desprezo ao estrangeiro envolto ao sentimentode rejeição. Como notamos a História Brasileira não registra apenas o sentimento e ação de desconheci- mento ou desconsideração à existência da diversidade cultural, mas, a fundo, identifica-se o sentimento de exterminar o diferente, de hierarquizar a cultura, uma como superior e a outra na subalternidade. O preconceito se remete à dominação e, quando é o caso, à proposta de eliminação do desconhecido para se manter aquilo que já é conhecido. É a reação às mudanças, querem individuais, querem sociais, pa- radoxalmente manifestadas tanto por aqueles que se beneficiam da situação, quanto por aqueles que não têm os seus interesses racionais mais imediatos aten- didos por ela. (CROCHICK, 1997, p. 101) Sem atribuir menor importância, as formas de desconsiderar o outro, também, manifestam-se de forma escamoteada, como que em entrelinhas, reali- zam-se as práticas de desrespeito e de intolerância às diferenças, ao impor valores com base no etnocentris- mo, ou seja, uma forma de ver o outro tomando como 47 referências seus próprios valores, concepção que alar- ga a preocupação e colabora com a desigualdade. Além disso, a visão naturalizada também contribui com a desconsideração das particularidades, uma vez que aquilo que é considerado “normal”, cor- riqueiro e sem importância, acaba por ser conivente com atitudes de desrespeito de forma velada, de into- lerância, preconceito e discriminação. Ambas as situações não fogem ao que Bour- dieu (2008) tanto discutiu sobre a violência simbólica, amplamente difundida e articulada ao analisar o espa- ço social, os campos e em especial o educacional. O respectivo autor oferece-nos elementos para realizar-se a leitura do enfoque que delimita- mos que é o Multiculturalismo, e que, embora, bus- caremos explorar adiante, cabe-nos adiantar que a concepção de violência simbólica traz novos subsí- dios para se entender que a cultura dominante ten- de a operar a partir de um arbitrário cultural, que nem sempre são perceptíveis, mas podem deixar marcas profundas na subjetividade. Há, portanto, uma relação de poder, que mais do nunca é identificada na sociedade contem- porânea, visto que sua lógica suscita refletir sobre a diversidade do gênero humano, que existe e se mani- festa em nosso cotidiano, cuja convivência entre os indivíduos: “... é marcado por conflitos dramáticos, motivados por preconceitos e discriminações étni- cas, de gênero, de preferências sexuais, de gerações e outros.” (CANDAU, 2006, p. 22) 48 Em se tratando de tempos atuais, é impor- tante que se diga que a perspectiva multiculturalista arrasta opiniões diversas, que advogam em defesa ou contrária aos estudos propostos por esse assunto, to- davia consideramos que assim como a sociedade da Globalização, o Multiculturalismo também deve ser analisado sob a óptica da transformação. Sem dúvida, as relações com o outro implicam numa relação dialética entre o individual e o universal e nesse processo, fogem às tendências que recaem sob dois polos: o universalismo e o relativismo, isto é, não se pode conceber a diversidade cultural a partir da constituição de valores, unicamente, uni- versais e tampouco, de forma unitária e isolada de seu meio. (CANEN, 2000) [...] a cultura no interior de uma realidade hu- mana é sempre dinâmica, não é fechada e cris- talizada como um patrimônio de raízes fixas e permanentes. A cultura possui fronteiras móveis e em constante expansão. Tampouco é conjugada no singular, já que é plural, marcada por inten- sas trocas e muitas contradições nas relações entre grupos culturais diversos e mesmo no interior do mesmo grupo. (GUSMÃO, 2003, p.91) O queremos dizer é que há um jogo de di- ferenças e identificações entre os indivíduos, e no meio igualmente, e que esses diálogos promovem 49 respostas diversificadas desses indivíduos, as quais são constituídas da subjetividade. Em suma, cada qual carrega particularidades, mas não deixam de ser a expressão do universal. Sendo assim, como transportar essas refle- xões para o campo da Educação? Nossos argumen- tos ancoram-se numa Educação que promova a cida- dania e a democracia. Para isso, partilhamos das ideias de Sacavino (2000), ao explicitar que os processos de democratiza- ção desenvolvem-se na atualidade, com maior ou me- nor êxito, sob a orientação de uma ou outra visão da democracia, constituindo um marco de ação e de vi- gência, e realização dos direitos humanos. Complemen- ta ainda: “Esses processos democráticos atualmente se desenvolvem dentro dum marco ideológico hegemoni- camente neoliberal.” (SACAVINO, 2000, p. 37) A noção de democracia e democratização relacionam-se, porém definem-se de formas dife- rentes. Segundo Sacavino (2000), a democracia en- globa um valor que constitui num discurso analítico, conceitual e teórico, capaz de orientar processos de construção política. Já, a democratização envolve um processo histórico, social e político que postu- lam, na prática, o valor da democracia. Dessa forma, quanto mais desenvolvida está a de- mocracia, mais inclusiva e abrangente será a socie- dade desde o ponto de vista da igualdade e vigência dos direitos, assim como do acesso à cidadania e 50 à qualidade de vida. Algumas das características dessas democracias desde o ponto de vista dos di- reitos são os sufrágios universais e a luta contra as exclusões de gênero, classe, educação, étnica, favore- cida por políticas de empoderamento dos sujeitos e grupos. (SACAVINO, 2000, p. 39) Acontece que, o neoliberalismo conquistou importantes aliados, tais como os vários setores da sociedade e as elites políticas, os quais não vislum- bram outra alternativa, que não seja em suas bases de sustentação. Essas bases acarretam em: “... reformas, privatizações, enfraquecimento e colocação dos prin- cipais direitos sociais na esfera do mercado, acentuam e aumentam na esfera social as diferentes formas de exclusão, polarização social, violência e marginaliza- ção.” (SACAVINO, 2000, p. 37) Nesse sentido, o neoliberalismo engloba rela- ções de poder, estimula a competitividade, é altamente seletivo e age a partir de uma lógica de dominação que incute padrão de valores a serem seguidos, o que se contrapõe à democracia, cuja essência está pautada na negociação e nos interesses coletivos. No campo educacional, é cada vez mais emergencial promover uma Educação pautada nos direitos humanos em processo de democratização alheio à ideologia neoliberal, implicando em efetiva participação de agentes preocupados com a constru- ção da democracia. 51 1) Assista ao filme e relacione com a noção de Multi- culturalismo e Globalização, procurando estabelecer paralelos com a Educação. Produza um texto de no mínimo 10 linhas. Crash: No Limite Ano: 2004 Duração: 113 min. Título Original: Crash Diretor: Paul Haggis Elenco: Karina Arroyave, Dato Bakhtadze, Sandra Bullock, Don Cheadle, Art Chudabala Produção: Don Cheadle, Paul Haggis, Mark R. Harris, Cathy Schulman e Bob Yari. A respeito disso, afirma Sacavino (2000) que a Educação voltada para a democracia precisa potenciar grupos ou pessoas silenciadas e submetidos à domi- nação por meio de um empoderamento, que promova e desenvolva as dimensões individuais e sociais. Em síntese, uma Educação para “o nunca mais”. Por fim, partilhamos das ideias de Gus- mão (2003) de olhar a Educação com a atenção para a diversidade, é um desafio, que precisa ana- lisar indivíduos ou grupos no âmbito de um con- texto abrangente e social. Exercício Proposto 52 Sinopse Jean Cabot (Sandra Bullock) é uma mulher rica e mi- mada, casada com um promotor de uma cidade no sul da California. Ela tem seu carro roubado por dois assaltantes negros, o roubo acaba em um acidente que aproxima habitantes de diversas etnias e classes so- ciais de Los Angeles. Um policial veterano e racista, um detetive negro e seu irmão traficante de drogas, um bem-sucedido diretor de cinema e sua esposa e um imigranteiraniano e sua filha.
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