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Estácio - PCC - Neurociência Cognitiva

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CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA 
 
 
 
JOAQUIM ROBERTO DE SOUZA NETO 
 
 
 
 
Observar, Pesquisar e Construir o Conhecimento 
 
Trabalho apresentado como exigência de 
Prática como Componente Curricular - PCC na 
Disciplina de Neurociência Cognitiva. 
 
Aluno: Joaquim Roberto de Souza Neto. 
 
Professora: Marilia Cammarosano. 
 
 
 
 
 
 
Porto Alegre 
2020 
 
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Análise do Vídeo: Teste do Marshmallow 
 
O vídeo denominado “Teste do Marshmallow” tem sido compartilhado nas 
redes sociais sem indicações de autoria, mas verificando seus detalhes de produção 
chegamos na publicação original numa plataforma online de compartilhamento de 
vídeos (MAGRON, 2010). É uma nova edição da pesquisa originalmente desenvolvida 
por Walter Mischel e Philip K. Peake na pré-escola da Universidade de Stanford, tendo 
como sujeitos de testes os filhos de professores e outros funcionários do campus. A 
pesquisa iniciou na década de 1960, acompanhou as crianças até o final do ensino 
médio e início da vida adulta, sendo publicada em 1990. (GOLEMAN, 2012, p. 104). 
Segundo Walter Mischel (2015) o autocontrole, antigamente chamado de “força 
de vontade”, é de extrema importância e está presente no imaginário humano desde 
a antiguidade, como nas narrativas religiosas figurando Adão e Eva perdendo o 
paraíso por não terem conseguido resistir quando tentados com a maçã, também um 
doce. Sobre o teste original Mischel relata que nem sempre usaram marshmallows, 
mas também M&M’s, biscoitos Oreo e outras guloseimas que estivessem disponíveis. 
Era oferecida para as crianças a escolha entre ganhar dois dos seus doces favoritos 
se esperassem o pesquisador retornar para sala, num período máximo de vinte 
minutos, ou, ao invés disso, poderiam a qualquer momento comer um doce já 
disponível. 
O vídeo compartilhado por Magron (2010) nas redes sociais segue a mesma 
premissa de “espere e ganhe mais um doce ou coma apenas um agora” e as reações 
das crianças são muito interessantes: olham para longe do doce, tocam de leve e 
provam com o dedo, tentam mudar o foco de atenção se distraindo com outras coisas, 
cheiram, outros fecham os olhos, alguns cantam e brincam fingindo comer em 
antecipação. Após alguns minutos alguns começam a tirar pedacinhos do doce 
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quebrando o autocontrole aos pouquinhos numa luta que faz aqueles minutos 
parecerem intermináveis. No final a edição privilegia uma criança que nem esperou o 
pesquisador terminar de falar e já estava comendo o doce e outra, que ao final da 
“longa espera” recebeu sua recompensa de dois doces. 
Em 1995, ao escrever sobre a experiência, Goleman (2012, p. 103-106) 
informou que ao final do período de acompanhamento, cerca de doze ou quatorze 
anos, os que resistiram ao impulso eram mais eficazes, assertivos, mais competentes 
socialmente, ainda preparados para esperar um pouco pelas merecidas recompensas, 
seja em ações corriqueiras como seguir uma dieta ou se esforçar até a obtenção de 
um diploma universitário. Apontou também uma diferença de rendimento escolar entre 
os participantes da pesquisa, no Teste de Aptidão Escolar, o equivalente norte 
americano ao Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, os que conseguiram esperar 
pelos dois doces obtiveram médias aproximadamente 16,41% superiores nos exames 
verbais e 23,48%nos exames matemáticos em relação aos que não conseguiram 
resistir ao prazer imediato. 
Saber esperar significa desconcentrar-se da tentação imediata e distrair-se 
enquanto mantém a perseverança necessária para seguir planejamentos e chegar no 
objetivo proposto. Estas habilidades tão importantes para o desenvolvimento do 
individuo são ensináveis para crianças e adultos, aumentam nossa capacidade de 
regular as emoções, nossas tentações e o foco da nossa atenção, particularmente 
importante para a educação, permitindo que mesmo em situações de stress ou 
pobreza as crianças tenham melhores chances para obterem vidas integralmente 
mais saudáveis e felizes. (MISCHEL, 2015). 
O autocontrole pode ser ensinado nas escolas, com professores ao redor do 
mundo entendendo que o conhecimento sobre as diferentes funções neurais pode 
proporcionar para as crianças as melhores oportunidades para o desenvolvimento das 
suas habilidades cognitivas. O estudo das relações entre o comportamento humano e 
a atividade cerebral, procurando entender o que acontece no cérebro humano desde 
o momento de sua formação até as etapas de envelhecimento é o objeto das 
neurociências e seus achados produzem novos dados para o desenvolvimento de 
técnicas e metodologias mais eficientes no processo de educação. 
 
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Neurociências 
 
O termo “neuro”, do grego “neuron”, nervo, corda (BÖLTING, 1953, p.403), 
atualmente tem sido relacionado com inúmeras atividades, como economia, 
psiquiatria, reabilitação, marketing e outros, pois a neurociência é um campo de 
estudos em plena evolução, que ajuda a entender os processos neurais do sistema 
nervoso, os processos neurais envolvidos nos diferentes aspectos da vida humana e 
seus impactos no aprendizado, propondo metodologias de ensino mais rápidas e 
eficazes. 
Os estudos da neurociência identificam as diferentes funções motora, sensorial, 
emocional, de planejamento, retenção memória de curto e longo prazo, permitindo o 
entendimento do funcionamento do cérebro, principalmente nos usos da linguagem e 
emoção aplicadas para potencializar o desenvolvimento das capacidades e 
habilidades para o aprendizado, que acontece quando conseguimos interagir uns com 
os outros gerando estímulos sensoriais e emocionais que fazem sentido para a 
realidade do outro, informações que são armazenadas e ressignificadas. 
O cérebro tem estruturas relacionadas a tarefas especificas com interações 
complexas entre as funções cognitivas, conativas e executivas permitindo a existência 
do processo de ensino e aprendizagem. 
 
Funções Cognitivas, Conativas e Executivas 
 
No cérebro em situação de aprendizagem ocorrem transformações neurais com 
a criação de circuitos, redes e sistemas funcionais que atuam na velocidade, precisão 
e eficácia das sinapses (FONSECA, 2014) 
Conhecer os processos de evolução e funcionamento do cérebro são 
fundamentais para aperfeiçoar os processos de ensino e aprendizado, entendendo os 
contextos cognitivos dos professores e dos alunos, impactando positivamente do 
sucesso didático. 
A aprendizagem humana surge de múltiplas funções em participação 
coordenada, capacidades ou habilidades cognitivas interligadas como a recepção, 
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integração, planificação e execução. A arquitetura cognitiva se realiza na interação 
contínua de uma Tríade Funcional de Aprendizagem, com funções cognitivas, 
conativas e executivas. (FONSECA, 2014). 
 
a. Funções Cognitivas 
 
Se relacionam com a percepção, o reconhecimento e organização dos 
estímulos vindos dos ambientes interno e externo. As principais funções cognitivas a 
atenção, ou foco no estímulo considerado mais importante naquele momento; 
memória, no armazenamento e utilização das informações obtidas e linguagem, 
entendida como sequência coerente de signos verbais e não-verbais (FONTES; 
FISCHER, 2006) 
A educabilidade pode ser considerada na espécie humana como tendo origem 
social, pois a cognição é o ato ou processo de conhecimento onde partimos de 
situações de “desconhecer” para “conhecer” através das interações humanas com 
recepção ou captação de informações - funções de input ou entrada; retenção dos 
dados, planificação - funções de integração; execução e expressão – funções de 
output ou saída, numa integração dinâmica, coerente e sistêmica (FONSECA, 2014). 
 
b. Funções Conativas 
 
O termo tem sua origem no latim “conatus”, tendência, impulso, inclinação 
(REZENDE; BLANCHET, 2014, p.79), que Vitor Fonseca (2014) relaciona com 
sensibilidade, personalidade e sociabilidade. São as funções afetivas vinculadas com 
as motivações,emoções e temperamento do indivíduo, em sintonia Daniel Goleman 
(2012) que relaciona as emoções, do latim “emouere”, mover, mover para fora, 
movimento (REZENDE; BLANCHET, 2014, p.137) com o porquê de fazermos algo, o 
que fazemos com este algo e como nos sentimos com relação a isto, atuando como 
facilitadores ou inibidores dos processos cognitivos e inerentes ao ser humano. 
Situações de dificuldades ou stress afetam a disponibilidade e o empenho 
necessários para as adaptações cognitivas, dificultando a ocorrência do aprendizado. 
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Por outro lado, as mesmas funções podem positivamente gerar confiança e 
operacionalizar prioridades, mobilizando recursos potencializadores das atitudes de 
aprendizado, conforme o interesse, desejo e curiosidade do indivíduo por aprender, 
ou seja, quanto maior o interesse em aprender algo, melhor será o armazenamento 
de informações na memória de longo prazo. O aluno precisa se sentir incluído, 
emocionalmente participante para enriquecer o seu processo de aprendizagem. 
 
c. Funções Executivas 
 
São responsáveis pelo controle dos comportamentos, cognições e emoções, 
regulam estes processos com a interação entre diferentes atividades como inibição, 
memória do trabalho e flexibilidade cognitiva, promovendo o desenvolvimento de 
processos mais complexos como o planejamento, tomada de decisões e resolução de 
problemas (DIAS; SEABRA, 2013). 
A inibição é controlar comportamentos inapropriados, também autocontrole e 
controle do foco de atenção ou atenção seletiva, “suplantando o controle por eventos 
externos, reações emocionais automáticas, tendências prévias ou habituais” (DIAS; 
SEABRA, 2013, p. 207). 
A memória de trabalho, ou episódica, procedural, é a habilidade de manipular 
mentalmente a memória de curto prazo, relacionando ideias e integrando informações 
com outros dados armazenados na memória de longo prazo, permitindo realizar 
projeções para o futuro com base nas experiências passadas, com planejamento, 
estratégia e organização. 
A flexibilidade cognitiva é a habilidade de adaptar-se frente às situações, 
adequando as respostas conforme se modificam as demandas dos ambientes interno 
e externo, com mudança do foco de atenção ou perspectiva permitindo ver outras 
soluções para determinados problemas, alternando possibilidades sem a limitação 
dos padrões já conhecidos, de forma inovadora e criativa. 
Através das funções executivas interpretamos as formas de resolução dos 
problemas cotidianos como inerente, quando a situação é nova e desconhecida, 
avaliando o problema e inferindo uma estratégia nova de resolução; analógica, 
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quando usamos recursos já aplicados antes em situações parecidas e automática, 
quando o padrão de ação é espontâneo, tendo sido obtido pela prática naquele tipo 
de problema (FONTES; FISCHER, 2006) 
O substrato neural das funções executivas é o córtex pré-frontal, posto de 
comando e área do cérebro que demora mais tempo para amadurecer, controlando a 
inibição, autocontrole, controle e modulação de impulsos, antecipação, 
estabelecimento de objetivos, gestão e planificação, os “processos mentais 
complexos pelos quais o indivíduo otimiza o seu desempenho cognitivo” (FONSECA, 
2014, p. 247), para resolver problemas do cotidiano, reconhecendo situações e 
decidindo por linhas de ação mais efetivas ou racionais conforme as características e 
experiências de cada individuo em sua construção neural. 
 
Conclusão 
 
Os comportamentos são também aprendidos, a primeira reação numa situação 
nova pode ser determinante para o cérebro aprender que aquela ação é mais 
adequada, cria um hábito de o indivíduo responder sempre da mesma maneira a 
determinada situação ou emoção, num "esquema comportamental prévio ou 
automatizado". Na criança o cérebro possui maior plasticidade, ativando neurônios 
conforme os estímulos recebidos de forma que as sinapses mais usadas são mais 
fortalecidas enquanto as menos usadas enfraquecem, formando um padrão de 
respostas diretamente impactante no adulto que vai se formar. (DIAS; SEABRA, 2013, 
p. 206). 
As funções executivas precisam de um longo período de desenvolvimento 
desde o primeiro ano de vida até a idade adulta. Algumas são estabelecidas na 
adolescência, outras apenas mais tardiamente. 
De acordo com Natália Dias e Alessandra Seabra (2013) o desenvolvimento 
das funções executivas pode ser potencializado no período dos cinco aos dezessete 
anos de idade, divididos em três fases. Os processos são mais rápidos dos cinco aso 
sete anos, moderados dos oito aos quinze e pequenos dos quinze aos dezessete, 
com índices semelhantes aos resultados dos adultos nesta última fase. 
8 
Progressivamente a primeira função desenvolvida é a inibição entre um e três 
anos de idade, com predominância das reações espontâneas conforme o ambiente. 
Dos quatro aos cinco anos as crianças são mais capazes de inibir reações de forma 
ponderada, é nesta fase que se desenvolve a segunda função, a memória de trabalho, 
mais evidente dos três aos cinco anos quando a criança consegue criar imagens 
mentais e brincar ou operar sobre elas. Por último, no período dos cinco aos sete 
anos, é desenvolvida a flexibilidade, a criança consegue recordar-se deliberadamente, 
ignorar fatores de distração, adiar recompensas, interromper comportamentos 
inadequados, avaliar suas ações e efetivamente adaptar seu comportamento 
conforme as demandas (DIAS; SEABRA, 2013, p. 208) 
O desenvolvimento das funções executivas é de profunda importância tanto 
“pelo impacto em curto prazo quanto pelo potencial preventivo de dificuldades futuras”. 
(DIAS; SEABRA, 2013, p. 209). É preciso avaliar e conhecer os processos neurais, 
ensinando e treinando sistematicamente o indivíduo para o desenvolvimento e 
enriquecimento das habilidades essenciais para o sucesso no processo de 
aprendizado. 
Em sintonia com a pesquisa de Walter Mischel (2015), conforme os 
desdobramentos do “Teste do Marshmallow”, os estudos das neurociências apontam 
para o ensino e treinamento das funções executivas promovendo autonomia para a 
criança. Natália Dias e Alessandra Seabra (2013) apontam métodos que podem ser 
aplicados nas experiências escolares, como a utilização dos jogos de computador 
para aumentar a demanda por habilidades executivas especificas, que devem ser 
integrados nas práticas cotidianas permitindo adaptação da teoria na realidade 
individual; também a prática de exercícios aeróbicos promovendo a flexibilidade 
cognitiva, com atividades de cooperação promovendo atenção sustentada, memória 
de trabalho, disciplina e interação social; a prática de artes marciais desenvolvendo 
autocontrole e meditação ou contemplação mental, permitindo maior controle de 
atenção e foco, entre outra atividades e programas complementares em sala de aula. 
Aqueles com melhor treinamento e desenvolvimento das funções executivas 
na infância possuem as melhores probabilidades de obter maiores índices de saúde, 
além de maior sucesso nas carreiras profissionais escolhidas. 
 
 
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REFERÊNCIAS 
 
BÖLTING, Rudolf. Dicionário Grego - Português. Rio de Janeiro, RJ: Instituto Nacional do Livro, 1953. 
 
DIAS, Natália Martins; SEABRA, Alessandra Gotuzo. Funções executivas: desenvolvimento e 
intervenção. Revista Temas sobre Desenvolvimento, São Paulo, 2013, 19 (107), p. 206-212. 
 
FONSECA, Vitor. Papel das funções cognitivas, conativas e executivas na aprendizagem: uma 
abordagem neuropsicopedagógica. Rev. Psicopedagogia 2014;31(96):236-253. 
 
FONTES, Maria Alice; FISCHER, Claudia Petlik. Neuropsicologia e as Funções Cognitivas. Artigo. 
São Paulo, SP: Site Plenamente, ago. 2006. Disponível em: 
<http://plenamente.com.br/artigo.php?FhIdArtigo=66#>. Acesso em 05 set. de 2020. 
 
GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional: A teoria revolucionária que redefine o que é ser 
inteligente. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2012. 
 
MAGRON, Jérome. The MarshmallowTest (Teste do Marshmallow). 2010. Disponível em: 
<https://vimeo.com/6591011>. Acesso em: 04 de set. 2020. 
 
MISCHEL, Walter. The Marshmallow Test. Vídeo do Youtube. 2015. Disponível em: 
<https://www.youtube.com/watch?v=XcmrCLL7Rtw>. Acesso em: 06 set. 2020. 
 
REZENDE, Antônio Martinez de; BLANCHET, Sandra Braga. Dicionário do latim essencial. 2. ed. 
Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.

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