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NSTITUIÇÃO EDUCACIONAL CECÍLIA MARIA DE MELO BARCELOS FACULDADE ASA DE BRUMADINHO Curso De Direito Ieda Maria de Sousa Silva Schimaltz DIREITOS HUMANOS: a universalidade e o multiculturalismo Brumadinho 2020 Ieda Maria de Sousa Silva Schimaltz DIREITOS HUMANOS: a universalidade e o multiculturalismo Monografia apresentada à Instituição Cecília de Melo Barcelos, Faculdade ASA de Brumadinho, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Áreas: Direitos Humanos e Direito Constitucional. Orientadores: Carlos Athayde Valadares Viegas e Profa. Dra. Sofia Martins Moreira Lopes. Brumadinho 2020 IEDA MARIA DE SOUSA SILVA SCHIMALTZ DIREITOS HUMANOS: a universalidade e o multiculturalismo Monografia de final de curso aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito pela Instituição Educacional Cecília Maria de Melo Barcelos. Foram atribuídas as seguintes notas: Orientação Metodológica – Profa. Sofia Martins Moreira Lopes Nota (0 a 30): _______ Orientação Específica – Prof. Carlos Athayde Valadares Viegas Nota (0 a 30): ________ Banca Examinadora da exposição oral – Data: 20/06 /2020, às 09:00 horas. Membros da banca: Professores: 1 Carlos Athayde Valadares Viegas 2 Gustavo Hermont Corrêa 3 Rafael Tallarico Nota da banca (0 a 40): _______ Diante dos resultados, o referido aluno foi aprovado com a média de _______ pontos. Brumadinho, ___ de __________________________ de 2020. Por ser verdade, assinam os avaliadores: _________________________________ Profa. Sofia Martins Moreira Lopes _________________________________ Prof. Carlos Athayde Valadares Viegas _________________________________ Prof. Gustavo Hermont Corrêa __________________________________ Prof. Rafael Tallarico Dedico à minha filha que sempre foi minha maior motivação, aos meus pais, irmãos e amigos que puderam compreender minha ausência e acreditaram em meus sonhos. “Que os vossos esforços desafiem as impossibilidades, lembrai- vos de que as grandes coisas do homem foram conquistadas do que parecia impossível.” (Charles Chaplin) AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus por ter me dado saúde e garra para lutar pelos meus sonhos e me manter em pé mesmo diante das piores situações. Aos meus pais, em especial à minha mãe, que mesmo não podendo fazer muito por mim, fez o principal, sempre me incentivou! Aos padrinhos de minha filha, que são meus segundos pais, que nos momentos mais difíceis choraram comigo minhas dores e cuidaram do meu bem mais precioso para que eu pudesse viver este sonho! RESUMO É sabido que há o reconhecimento de diversidade de culturas existentes no mundo inteiro, sem exceção. É desejado que essa pluralidade cultural esteja em consonância com os denominados Direitos Humanos. O princípio da Universalidade, referente aos Direitos Humanos, reconhece uma gama de direitos para todos os cidadãos, sem que haja alguma limitação geopolítica de Estados e nações. A Universalização dos Direitos Humanos, encontra problemática tanto na parte prática quanto na teoria, visto que existe a oposição do Universalismo e Multiculturalismo referente a aplicação desses princípios e os direitos regidos por culturas e políticas nacionais e internacionais. Diante do cenário da globalização, o debate sobre universalidade de Direitos humanos ganha novas formas. O temor da homogeneização como consequência do atual cenário globalizado e as reações advindas desse processo, fazem emergir o clamor de diversas identidades culturais por respeito e dignidade, observa-se ainda, que diversas praticas culturais, mesmo pertencentes a culturas preciosas e ricas, acabam combatendo o desenvolvimento integral da pessoa humana. PALAVRAS-CHAVE: Universalidade; Direitos Humanos; Multiculturalismo; Culturas. ABSTRACT It is known that there is recognition of the diversity of cultures that exist throughout the world, without exception. It is desired that this cultural plurality is in line with the so-called Human Rights. The principle of Universality, referring to Human Rights, recognizes a range of rights for all citizens, without any geopolitical limitations of States and nations. The Universalization of Human Rights is problematic both in practice and in theory, since there is opposition from Universalism and Multiculturalism regarding the application of these principles and the rights governed by national and international cultures and policies. In the face of globalization, the debate on the universality of human rights takes on new forms. The fear of homogenization as a consequence of the current globalized scenario and the reactions arising from this process, raise the clamor of different cultural identities for respect and dignity, it is also observed that several cultural practices, even belonging to precious and rich cultures, end up fighting the integral development of the human person. KEYWORDS: Universality; Human rights; Multiculturalisms; cultures. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10 2 BASE HISTÓRICA E SURGIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS ...................... 12 2.1 Direitos Humanos versus Direitos Fundamentais: terminologia .................. 16 2.2 Conceituação e estrutura dos Direitos Humanos .......................................... 18 2.3 Conteúdo e cumprimento dos Direitos Humanos .......................................... 20 2.4 Concretizações dos Direitos Humanos ........................................................... 21 2.5 Gerações dos Direitos Humanos ..................................................................... 22 2.5.1 Primeira Geração ............................................................................................. 22 2.5.2 Segunda Geração ............................................................................................ 24 2.5.3 Terceira Geração ............................................................................................. 25 3 PRINCÍPIOS NORTEADORES DOS DIREITOS HUMANOS ................................ 27 3.1 A centralidade dos Direitos Humanos ............................................................. 27 3.2 Universalidade ................................................................................................... 28 3.3 Inerência ............................................................................................................. 29 3.4 Transnacionalidade ........................................................................................... 30 3.5 Indivisibilidade .................................................................................................. 31 3.6 Interdependência ............................................................................................... 32 3.7 Unidade .............................................................................................................. 33 3.8 A abertura dos DireitosHumanos, não exaustividade e fundamentalidade. .................................................................................................................................. 33 3.9 Imprescritibilidade, inalienabilidade, indisponibilidade. ............................... 36 3.10 Proibição do Retrocesso ................................................................................ 37 3.11 Proporcionalidade e razoabilidade ................................................................ 38 4 UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS E O MULTICULTURALISMO .. 40 4.1 Universalidade ................................................................................................... 40 4.2 Multiculturalismo ............................................................................................... 43 4.3 Apresentação de algumas culturas que afrontam os Direitos Humanos ..... 44 4.3.1 Mutilação Genital Feminina (MGF) ................................................................... 44 4.3.2 Infanticídio indígena ......................................................................................... 48 4.4 Práticas culturais e o posicionamento dos órgãos superiores brasileiros . 55 5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 60 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 62 10 1 INTRODUÇÃO A diversidade cultural está presente em todos os países, sendo o processo formador de histórias e produção estrutural de singularidade, autenticidade de cada povo. Com efeito, o presente projeto tem por finalidade apresentar o chamado Multiculturalismo frente aos Direitos Humanos e aplicação do princípio da Universalidade, buscando apresentar a atual dificuldade de garantir direitos, num contexto de grande existência de diversidades culturais. A generalização dos Direitos Humanos gera algumas problemáticas, tendo em vista que há sobreposição de algumas culturas. Aqui podemos citar ainda, que essa generalização é considerada por muitos uma invenção da cultura ocidental. Em 1948, foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos, firmando um compromisso global entre os países, e criando padrões semelhantes de direitos para todos os seres humanos sem distinção. Isso inclui garantir direitos sem observar a gama de culturas, ou seja, observar o Multiculturalismo. O caráter Universal, adotado pela declaração ora mencionada, prevê de maneira abrangente, direitos que venham a reconhecer a dignidade da pessoa humana, com sendo um direito inerente a todos os seres humanos, de forma igualitária, inalienável e como fundamento da liberdade, da paz e da justiça no mundo. A pretensão de assegurar Direitos Humanos, com base na Universalidade, encontra obstáculo frente ao multiculturalismo, visto que pode ser abordado de forma Relativista e Universalista. Assim, na forma relativista não há o estabelecimento de diálogos entre as culturas, ou seja, tudo é aceito, tudo é correto, não se podendo aqui falar em Direitos Humanos universais. Acresce que, a visão defendida aqui é de garantir o mínimo de Direitos Humanos possíveis, ou seja, a dignidade da pessoa humana, sem que haja o obstáculo do Multiculturalismo. Devendo os supracitados direitos serem observados e as variadas manifestações culturais respeitadas. No entanto, A dignidade da pessoa humana deve está acima das culturas que violam e reprimem pessoas, pois a universalidade visa defender uma condição mínima de dignidade à todos os seres humanos. 11 A Declaração Universal dos Direitos Humanos apresenta o caráter de Universalidade, com a extensão de todos os sujeitos, ou seja, destinatários de tais normas, sem a distinção de raças ou culturas. A grande problemática gira em torno de como se pode superar tradições culturais, morais, religiosas, entre outras, que conflitam com o caráter universal dos Direitos humanos, ou seja, ferindo princípios como a dignidade da pessoa humana, a vida e estabelecer quando o Estado deve intervir nas culturas para proteger os direitos que são considerados universais. De que forma os Direitos Humanos podem ser universalizados? Há uma imposição da cultura ocidental ou há uma tentativa de proteção aos mais vulneráveis? A cultura pode se sobrepor sobre o Direito à vida? Por fim, a questão da universalidade dos Direitos Humanos frente ao Multiculturalismo se mostra complexa, visto que o Estado como ente normativo de direitos, se mostra ineficaz ao impor/exigir normas universais em sociedades contemporâneas atuais. 12 2 BASE HISTÓRICA E SURGIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS É Importante antes de adentrarmos no fenômeno do Multiculturalismo, fazer a inserção de duas afirmações sobre o conceito de Direitos Humanos: 1º) O conceito de Direitos Humanos é fruto da transição da sociedade mundial à modernidade. 2º) A base conceitual desses direitos foi fortemente influenciada pela cultura Ocidental, mas é possível encontrar documentos que falam sobre a dignidade da pessoa humana fora do Ocidente. Antes da Idade Moderna, as pessoas eram tidas como naturalmente diferentes em decorrência do contexto social em que nasciam, ou seja, o contexto social em que a pessoa nascia definia seu status e seu valor perante a sociedade. Após o advento da modernidade, essa visão é alterada e o homem passa a ser visto como igual por natureza. Logo as desigualdades sociais deixam de ser vistas como consequência natural e passam a ser reconhecidas como consequência do contexto social onde o ser humano está inserido, tendo como base a dignidade da pessoa humana. Essa ideia tem núcleo central à visão que todo ser humano para além de qualquer característica externa é dotado de valor universal pelo simples fato de ser humano. Diante desse cenário, é necessária uma ressalva: existe uma forte crítica advinda de diversos autores que afirmam que a ideia de dignidade da pessoa humana é excessivamente ocidentalista e etnocêntrica, é importante, porém, ressaltar que existem diversos documentos históricos que abordam a ideia de dignidade encontrada fora do ocidente, nos locais hoje conhecidos como Oriente Médio ou Ásia Central. Os exemplos mais ilustrados seriam os chamados Código de Urukagina, escrito por volta de 2350 a.C; Código de Ur-Nammu, escrito há aproximadamente 2000 a.C.; Leis de Eshnunna, escritas há mais ou menos 1930 a.C.; Código de Lipit-Ishtar, escritos em torno de 1880 a.C.; Código de Hammurabi, cuja origem remota a mais ou menos 1700 a.C.; e Código de Manu, a respeito do qual há polêmica em relação à data, mas normalmente é situado entre o século II a.C e o século II d.C. A crítica que se faz à ideia de dignidade da pessoa humana, defende que essa seria mais uma forma moderna de colonização europeia que primeiro implantou sua ideia nos Estados Unidos da América e depois para o restante do mundo. Tal crítica é materializada em um ponto controverso dos Direitos Humanos: universalismo e relativismo. 13 O Universalismo defende que os Direitos Humanos devem abranger a todas as pessoas, em qualquer lugar do planeta. Já a ideia relativista defende que o conceito de dignidade é fruto de uma concepção ocidental e que levar essa visão a todas as pessoas do planeta, seria mais uma forma de colonização opressiva e violenta. Os Direitos humanos, portanto, podem ser entendidos como normas de caráter internacional, cujo conteúdo referência os Direitos Fundamentais relacionados à dignidade universal. Não há um momento certo para determinar seu nascimento. A luta contra a opressão e bem estar individual, pautando liberdade, igualdade e justiça foram fatores determinantes para o surgimento de comunidades humanas e impregnaçãode valores básicos e direitos essenciais. A ideia de Direitos Humanos, bem como a ideia de dignidade da pessoa humana, é algo tipicamente moderna. Antes da modernidade, existiam lutas sociais, porém, essas lutas não tinham como fundamento os Direitos Humanos, tal como conhecemos hoje. Um exemplo a ser mencionado, é o caso da saúde que hoje é visto como um direito inerente ao ser humano, mas durante muito tempo, foi visto como caridade. Assim, surgiram os hospitais filantrópicos e religiosos em geral, e em momento posterior, com a modernidade, surge o direito a saúde e sua exigência por parte do Estado. As gerações de direitos têm marco inicial com as Revoluções Liberais que aconteceram no fim do século XVIII. A Revolução Americana e a Revolução Francesa são apontadas como as revoluções responsáveis pelo surgimento dos primeiros documentos que garantiram Direitos Humanos. Conforme explica Ramos (2017, p. 26) acerca das fases históricas desses direitos: “Assim, para melhor compreender a atualidade da “era dos direitos”, incursionamos pelo passado, mostrando a contribuição das mais diversas culturas à formação do atual quadro normativo referente aos direitos humanos.” As fases podem ser sistematizadas a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que segue parâmetros como a dignidade da pessoa humana e a igualdade entre os indivíduos, reconhecimento de direitos com base na existência humana, reconhecimento de sua eficácia em prol de direitos voltados ao mínimo existencial. A Antiguidade trouxe reflexos para a afirmação dos Direitos Humanos, com alguns tratamentos referentes aos indivíduos com base no amor e respeito mútuo. 14 A herança grega trouxe expressiva consolidação de Direitos Humanos, começando pelos direitos políticos, possibilitando a participação política dos cidadãos. Além disso, a igualdade foi reafirmada, dentre outros direitos que foram aprofundados pelos Direitos Humanos posteriormente. A República Romana trouxe grandes contornos para os direitos e surgimento de princípios encontrados atualmente no nosso ordenamento jurídico conforme ensina Ramos (2017, p. 29): Uma contribuição do Direito Romano à proteção de direitos humanos foi a sedimentação do princípio da legalidade. A Lei das Doze Tábuas, ao estipular a lexscripta como regente das condutas, deu um passo na direção da vedação ao arbítrio. Além disso, o direito romano consagrou vários direitos, como o da propriedade, liberdade, personalidade jurídica, entre outros. Um passo foi dado também na direção do reconhecimento da igualdade pela aceitação do jus gentium, o direito aplicado a todos, romanos ou não. Após diversas fases históricas e diplomas jurídicos dispersos que contribuíram significativamente para o ordenamento jurídico atual, chegamos à fase de grandes tomadas de decisões, a começar pelo século XVII que consagrou grandes bases jurídicas como a limitação do poder do rei, estabelecendo a não cobrança de impostos sem autorização parlamentar (no taxation without representation), como segue: “Nenhum homem livre podia ser detido ou preso ou privado dos seus bens, das suas liberdades e franquias, ou posto fora da lei e exilado ou de qualquer modo molestado, a não ser por virtude de sentença legados seus pares ou da lei do país”. Essa exigência, conforme aduz Ramos (2017) demonstra significante passo para ao devido processo legal, que fora aplicado posteriormente ao nosso ordenamento jurídico. Nas palavras de Ramos (2017, p. 33), o século XVII contribuiu para surgimento de instrumentos legais do ordenamento jurídico atual: Ainda no século XVII, há a edição do Habeas Corpus Act (1679), que formalizou o mandado de proteção judicial aos que haviam sido injustamente presos, existente até então somente no direito consuetudinário inglês (common law). No seu texto, havia ainda a previsão do dever de entrega do “mandado de captura” ao preso ou seu representante, representando mais um passo para banir as detenções arbitrárias (ainda um dos grandes problemas mundiais de direitos humanos no século XXI). Além da Declaração Universal de 1948, alguns direitos foram consagrados Direitos Humanos por meio da Declaração de Direitos da Virgínia (1776) além de trazer a independência dos Estados Unidos da América. (REIS, 2004) 15 Corroborando com essa ideia, Ramos (2017, p. 38) complementa: Nesse sentido, foi editada a “Declaração do Bom Povo de Virgínia” em 12 de junho de 1776 (pouco menos de um mês da declaração de independência, em quatro de julho): composta por 18 artigos, que contém afirmações típicas da promoção de direitos humanos com viés jusnaturalista, como, por exemplo, “todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes” (artigo I) e ainda “todo poder inerente ao povo e, consequentemente, dele procede; que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em qualquer momento, perante ele responsáveis” (artigo II). Todavia, somente em 1791 que as 10 emendas da Constituição Americana se aproximaram do texto da francesa, que continha mais proclamações de Direitos Humanos. (REIS, 2004) Não obstante, a Revolução Francesa, foi um marco para a proteção de Direitos Humanos com proteção de âmbito nacional, com a vocação de universalidade. Sendo assim, denominada Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, adotada pela Assembleia Nacional constituinte francesa em 27 de agosto de 1789. A denominada Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão trouxe a consagração de direitos, igualdades e liberdades a todos os indivíduos sem distinção. Conforme destaca Ramos (2017, p. 39) “O impacto na época foi imenso: aboliram-se os privilégios, direitos feudais e imunidades de várias castas, em especial da aristocracia de terras”. Assim, instituiu-se o lema revolucionário conhecido mundialmente: “liberdade, igualdade e fraternidade” (“liberté, egalité et fraternité”). A Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão buscou uma proclamação voltada no qual os homens nascem livres e com igualdade de direitos. Com apenas 17 artigos (que se tornou preâmbulo da Constituição Francesa de 1791), foi possível esmiuçar diversos direitos, como: igualdade, presunção de inocência, soberania popular, direito a propriedade, segurança, opinião, liberdade de consciência, dentre outros. A partir da Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos da América, os Direitos Humanos passam pela fase conhecida como positivação, visto que materializou diversos direitos considerados naturais e inerentes ao indivíduo, sendo parte agora do ordenamento jurídico e enraizando aos outros países. (REIS, 2004) A generalização constitui a segunda fase histórica no qual os Direitos Humanos passaram em torno do século XIX, sendo assim positivados e com garantias aos 16 indivíduos. A primeira classe atingida foi à burguesia, sendo excluídas as massas de trabalhadores e pessoas sem recursos, que um tempo depois, pressionaram para que seus direitos fossem ampliados também. O processo de generalização contribuiu para que determinados Direitos Humanos, passassem a atingir de forma internacional todas as classes sociais, surgindo a partir do século XIX, por meio de tratados, a conhecida “Internacionalização” dos Direitos Humanos, sendo a terceira fase do processo. Por fim, a especificação é a última fase dos Direitos Humanos. Tem como objetivo determinar, seletivamente, alguns direitos específicos a determinadas pessoas, como, mulheres, deficientes físicos, crianças, refugiados, idosos, imigrantes, dentre outros. Teve seu surgimento a partir da Segunda Guerra Mundial, no século XX. Os Direitos Humanos, surgidos de fenômenos históricos, não sofrem limitações ao Estado Nação, fazendo parte da humanidade como um todo, em todo o mundo, sem restrições. (SOUILLJEE, 2017) Nesse contexto, os DireitosHumanos é basicamente uma gama de direitos, frutos de diversas lutas e conquistas históricas da Humanidade. Novos direitos foram incorporados em decorrência do processo civilizatório, sendo assim, uma fonte constante de construção e renovação histórica (BIELEFELDT, 2000) 2.1Direitos Humanos versus Direitos Fundamentais: terminologia Os direitos previstos aos indivíduos e considerados como essenciais, contam com uma diversidade de termos, bem como designações. A terminologia pode sofrer variações, dependendo de doutrinas e diplomas nacionais e internacionais. Em consonância, Ramos (2017, p.46-47) explica a diferenciação entre as terminologias de Direitos Humanos e Direitos Fundamentais: Inicialmente, a doutrina tende a reconhecer que os “direitos humanos” servem para definir os direitos estabelecidos pelo Direito Internacional em tratados e demais normas internacionais sobre a matéria, enquanto a expressão “direitos fundamentais” delimitaria aqueles direitos reconhecidos e positivados pelo Direito Constitucional de um Estado específico. Dentro desta ótica, ainda há grandes confusões no nosso ordenamento jurídico, quando se fala em Direitos Fundamentais e Direitos Humanos. Há que se considerar 17 que os direitos, tidos como humanos, é expressão advinha de expressão do campo internacional, podendo ser outras expressões, conforme adotada a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948 ao se referir “direitos do homem” e “direitos essenciais do homem”. Não obstante, a Declaração Universal de Direitos Humanos, estabelece num primeiro momento os “direitos do homem” e, em seguida “fé nos direitos fundamentais do homem”, e bem como, “aos direitos e liberdades fundamentais do homem”. Observar-se-á que há existência de diferenças e comparações representadas por grandes autores. De início, os Direitos Humanos tem exigibilidade limitada, ou seja, nem sempre são exigíveis no âmbito interno, por serem de matriz internacional. Por sua vez, os Direitos Fundamentais, tem exigibilidade imediata, por serem positivados internamento, sendo passível de cobrança judicial e terem matriz constitucional. No Brasil, a aproximação de Direitos Humanos aos Direitos Fundamentais se dá pelo rito especial de aprovação processual dos tratados de Direitos Humanos, conforme previsão do artigo 5º, § 3º Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. O rito mencionado consiste basicamente na aprovação de tratados por meio de maioria de 3/5, em dois turnos, em cada casa do Congresso Nacional, considerando assim, o futuro tratado equivalente à emenda constitucional. Dessa forma, o tratado que versa sobre Direitos Humanos, com equivalência a uma emenda constitucional será considerado no nosso ordenamento um Direito Constitucional Fundamental. É comum de se ver, diversos direitos previstos nacionalmente, no âmbito internacional. Conforme destaca Ramos (2017, p. 49) “Os direitos fundamentais espelham, então, os direitos humanos. Assim, uma interpretação nacional sobre determinado direito poderá ser confrontada e até corrigida internacionalmente [...]”. Apesar de haver diferenciações no uso da terminologia, e ao mesmo tempo, comparações sobre os Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, é necessário, compreender que a expressão humana é deveras esclarecedora, acentuando a essencialidade desses direitos, para que se obtenha pleno exercício de uma vida digna, por isso, a denominação “humana”. Segundo destaca Gomes (2016, p. 25) acerca da diferenciação dos Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, baseado em sua terminologia: 18 Há critérios variados sugeridos por autoras e autores para diferenciá-los, mas, em geral, Direitos Humanos e Direitos Fundamentais referem-se aos mesmos conteúdos. Gostaria de trabalhar aqui com a seguinte distinção: Direitos Humanos dizem respeito à ordem internacional e às lutas sociais que, com base naquilo que entendem como Direitos Humanos reivindicam o reconhecimento destes pelo Estado; quando esses Direitos Humanos já estão reconhecidos internamente pelo Estado, isto é, quando já estão escritos em sua Constituição, podemos falar de Direitos Fundamentais. É necessário insistir, porém, no fato de que não se trata de uma distinção propriamente dita, o que significa que falar em Direitos Humanos ou em Direitos Fundamentais é referir-se, em geral, aos mesmos conteúdos. A partir disso, se reconhece que esses direitos são de todos, sem distinção, sem qualquer consideração ou qualificação. É, portanto, uma valorização humana, para que haja exercício posterior desses direitos. Assim, o adjetivo “humano” significa que tais direitos são atribuídos a qualquer indivíduo, sendo assim considerados “direitos de todos”. É a constatação de Ramos (2017, p. 50). 2.2 Conceituação e estrutura dos Direitos Humanos Preliminarmente, os Direitos Humanos é um conjunto das transições das sociedades até a modernidade refletida nos dias atuais. Em consonância, Gomes (2016, p. 26) aduz uma definição de Direitos Humanos em sua obra: Direitos Humanos podem ser definidos como um conjunto de direitos que estão inscritos em normas jurídicos, geralmente tratados e acordos de natureza internacional, e cujo conteúdo refere-se a aspectos fundamentais da dignidade universal do ser humano. Diante disso, Pinheiro (2008, p. 112-113) destaca acerca do conceito de Direitos Humanos: O conceito de direitos humanos pode ser definido sob dois aspectos. O primeiro trata da análise dos fundamentos primeiros desses direitos, sendo tema de grande relevância para a filosofia, sociologia e ciência política contemporânea. O segundo aspecto é a abordagem jurídica dessa categoria de direitos que se relaciona diretamente com o conjunto de tratados, convenções e legislações cujo objeto é a definição e regulação dos mecanismos, internacionais e nacionais, garantidores dos direitos fundamentais da pessoa humana. Em complemento, Bielefeldt apud Souilljee (2017, p. 1365), dispõe acerca das conquistas dos Direitos Humanos: [...] Os direitos humanos tiveram, e continuam tendo de ser conquistados, também no Ocidente, e isso não só contra as camadas privilegiadas e os 19 avalistas do Estado forte, mas igualmente contra aqueles que viam e veem ameaçadas as normas tradicionais, as convicções e os relacionamentos de autoridade através das reivindicações emancipacionistas dos modernos direitos humanos. Conforme destaca Ramos (2017, p. 21), acerca do conceito dos Direitos Humanos: “Os direitos humanos consistem em um conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade. Os direitos humanos são os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna.”. A expressão Direitos Humanos, pode-se referir a diversas situações, seja política, social ou cultural, trazendo consigo uma multiplicidade de direitos para contribuir e universalizar de forma nacional e internacional, uma base essencial inerente ao indivíduo. Em conformidade, Pinheiro (2008, p. 113) compreende: A expressão direitos humanos pode referir-se a situações políticas, sociais e culturais que se diferenciam entre si, tendo significados diversos. Assim, o conceito de direitos humanos alcança um caráter fluido, aberto e de contínua redefinição. Neste ambiente, como é fácil perceber, cada autor encontrará a definição que julgar mais apropriada. Buscando outras bases conceituais, podemos destacar a de Andrade (2004) que considera que os Direitos Humanos partem de uma perspectiva filosófica ou jusnaturalista, pois traduzem a ideia de que é um direito natural do indivíduo, de todas as pessoas, em qualquer tempo, lugar, sendo absoluto, atemporal e sem a possibilidade de serem medidos por algo ou alguém. Dessa forma, os Direitos Humanos são aqueles concebidos a todos, devendo ser promovidos e protegidos emtodos os âmbitos (nacional e internacional), baseados no Princípio da Universalidade, declarados a todas as pessoas, buscando o mínimo existencial e dignidade da pessoa humana. Em contrapartida, Herkenhoff (1994) considera os Direitos Humanos de forma fundamental ao homem pelo simples fato de ser sujeito de direitos, inerente a sua pessoa e contribuindo para sua dignidade. Ou seja, reconhecidos de forma universal tanto pelos indivíduos e humanidade em geral, para garantir a essencialidade dos direitos e sobrevivência na comunidade em que se está inserida. Corroborando, Benevides (1994) compreende que os Direitos Humanos são aqueles que são inerentes e comuns a todos, sem qualquer distinção, ou seja, aqueles 20 que decorrem da dignidade do próprio ser humano. Independe de reconhecimento, sendo naturais antes de qualquer previsão legislativa. Encerrando a base conceitual, Alexandre de Moraes (2002), partindo de uma visão constitucionalista, considera os Direitos Humanos como um conjunto de direitos e garantias, que tem por finalidade garantir o básico, respeito e dignidade, protegendo contra o arbítrio estatal, porém, estabelecendo condições dignas para subsistência humana. 2.3 Conteúdo e cumprimento dos Direitos Humanos Os Direitos Humanos trazem a representatividade de valores essenciais de forma explicita ou implícita, que são ora retratados em constituições internas ou em tratados internacionais. Partindo dessa premissa, é necessário avaliar como os Direitos Humanos se fundamentam no âmbito jurídico. Preliminarmente, pode se destacar a fundamentabilidade formal, ou seja, representa a inserção desses direitos no rol de proteção de constituições e tratados. (RAMOS, 2017) Pode ser material, como destaca Ramos (2017, p.22): “[...] sendo considerada parte integrante dos direitos humanos aquele que mesmo não expresso é indispensável para a promoção da dignidade humana.”. Em contrapartida, os Direitos Humanos trazem consigo ideias distintas que muitos consideram como princípios (explicados a seguir), sendo: universalidade, essencialidade, superioridade normativa (preferenciabilidade) e reciprocidade. De início, a universalidade contém a base de que todos os Direitos Humanos são aplicáveis a todos os cidadãos, de maneira universal, sem distinção de raça, cor, sexo, etnia, etc., sem dar privilégios a determinadas classes. Por seguinte, a essencialidade traduz a ideia de que os Direitos Humanos apresentam valores que são indispensáveis a todos os indivíduos e que devem por óbvio, serem protegidos para garantir uma vida digna. A preferenciabilidade dos Direitos Humanos pode ser explicada como uma norma superior às demais normas previstas no âmbito jurídico normativo. Não deve ser sacrificado um direito essencial para que atenda às necessidades do Estado. Por isso, os Direitos Humanos diante de outras normas, devem ser prevalecidos. 21 Esses quatro vetores transformam os Direitos Humanos como ideia central para uma sociedade pautada em buscar e programar a igualdade, ponderando a universalidade de todos os interesses dos cidadãos, sem discriminação de determinada classe, com a possibilidade de garantir a dignidade da pessoa humana. 2.4 Concretizações dos Direitos Humanos Após breves comentários acerca dos Direitos Humanos, é necessário avaliar como se dá a colocação desses direitos, partindo de dois pontos de vista, sejam eles: subjetivo e objetivo. Em resumo, sobre o ponto de vista subjetivo, compreende a aplicação dos Direitos Humanos por meio do Estado ou um particular. Já o ponto de vista objetivo, determina as condutas que podem ser exigidas para o cumprimento desses direitos. Em complemento, Ramos (2017), expõe sobre os dois pontos de vista acerca dos Direitos Humanos. O primeiro, subjetivo, compreende que o Estado ou até mesmo um particular, podem ser incumbidos a aplicar estes direitos, ou seja, a denominada eficácia horizontal. De outro ponto, objetivo, condiz sobre as condutas para se cumprir os Direitos Humanos, sendo: ativa ou passiva, sendo a primeira de realizar alguma ação e, a segunda de abster-se de realizar. Com base na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.9031, julgada pelo Supremo Tribunal Federal, seguiu essa linha de concretização, ou seja, “direito a ter direitos”, buscando assim uma prerrogativa básica, que viabiliza os direitos que venham a surgir e demais liberdades inseridas no contexto dos Direitos Humanos. Em síntese, esse reconhecimento de “direito a ter direitos”, podem ter consequências no momento de aplica-los, visto que há indivíduos que convivem com direitos de outros indivíduos. A problemática surge, com o reconhecimento da amplitude de direitos (amplo e aberto), com a possibilidade de surgir um Direito Humano novo a qualquer tempo. Isso denota a ideia de surgimento de direitos, sem uma ponderação de valores envolvidos, por exemplo, numa sociedade com determinada cultura (discutido a seguir). 1 ADI 2.903, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-12-2005, Plenário, DJE de 19-9-2008). 22 O mundo dos Direitos Humanos é o mundo dos conflitos entre direitos, com estabelecimento de limites, preferências e prevalência. É a constatação de Ramos (2017, p. 1) Exemplos claros que podem ser levantados referem-se ao direito a vida (vida versus liberdade religiosa); direitos reprodutivos da mulher (vida versus aborto); direito ao meio ambiente e a propriedade (terras e cultura indígena); liberdade de informação jornalística versus o direito à vida privada. Não basta anunciar um direito para que automaticamente haja uma sociedade igualitária e começar assim, uma proteção mecânica iniciada em busca da dignidade humana. Conforme aduz Ramos (2017), é possível a ocorrência de conflitos e colisões entre Direitos Humanos, visto as preferências entre os valores que serão envolvidos em determinados casos concretos. É necessário avaliar na sociedade, como ocorre a convivência dos Direitos Humanos. Essa ponderação vem ocorrendo frequentemente por órgãos judiciais responsáveis por tais direitos, seja em âmbito nacional ou internacional. 2.5 Gerações dos Direitos Humanos 2.5.1 Primeira Geração As denominadas três gerações ou comumente denominada dimensões, foram lançadas pelo francês Karel Vasak, com origem checa. O jurista, em uma Conferência realizada em 1979, no Instituto Internacional de Direitos Humanos de Estrasburgo (França), classificou os Direitos Humanos por meio destas três gerações. Nessa ótica, Ramos (2017, p. 53) explica sobre a ocorrência das gerações dos Direitos Humanos: Cada geração foi associada, na Conferência proferida por Vasak, a um dos componentes do dístico da Revolução Francesa: “liberté, egalité etfraternité” (liberdade, igualdade e fraternidade). Assim, a primeira geração seria composta por direitos referentes à “liberdade”; a segunda geração retrataria os direitos que apontam para a “igualdade”; finalmente, a terceira geração seria composta por direitos atinentes à solidariedade social (“fraternidade”). Antes que ocorresse a introdução dessas gerações na história, havia diversas lutas sociais que buscavam melhores condições de vida. No entanto, essas 23 reivindicações não se pautavam em Direitos Humanos específicos como nos dias atuais. O marco inicial da história das gerações de direitos são as chamadas revoluções liberais, do fim do século XVIII. É a constatação de Gomes (2016, p.30) Ainda na visão de Gomes (2016, p. 30): “A Revolução Americana e a Revolução Francesa são comumente apontadas como as responsáveis pela primeira elaboração de documentos asseguraram Direitos Humanos.”. Por meio dessas revoluções, foi possível chegar aos primeiros Direitos Humanos, que foram proclamados na história. Pelos poderes arbitrários da época (monarquia), restou necessário exercer proteções aos seres humanosque impedissem qualquer dano (físico moral ou econômico). Segundo destaca Gomes (2016, p.31): Ambos os problemas foram enfrentados pela garantia de rol de direitos organizados individualmente: cada indivíduo tem direito à vida, à igualdade, à liberdade, à propriedade, à segurança, ao sigilo das correspondências, à inviolabilidade de seu domicílio, a apenas ser punido nos termos previstos em lei, etc. Não obstante, ao mesmo tempo em que houve a proclamação de direitos aos indivíduos, alguns grupos sociais surgiram no contexto histórico com privilégios e outros sem privilegio nenhum, resultando, portanto, num conjunto de Direitos Humanos no qual se denominou Direitos Individuais ou Direitos Civis. Vale ressaltar que a existência desses Direitos Individuais e Civis, não era suficiente para assegurarem aos indivíduos a sua legalização. Assim, destaca Gomes (2016, p.31) Como consequência desse outro problema, era necessário então que os indivíduos que eram protegidos pelos Direitos Individuais ou Civis pudessem participar do processo de produção das leis, diretamente ou escolhendo seus representantes para tanto. Surgia então outro conjunto de direitos, que asseguravam agora não mais uma esfera de proteção contra o Estado, mas a possibilidade de participação dentro do Estado, na elaboração das leis e na execução das atividades políticas e administrativas. Eram os chamados Direitos Políticos, que podem ser sintetizados, nesse primeiro momento histórico, como direitos de votar e de ser votado. Com esses dois conjuntos de direitos, temos a primeira geração de Direitos Humanos: Direitos Individuais ou Civis e Direitos Políticos. Salienta-se, portanto, que os Direitos Humanos de primeira geração, são tidos como direitos ou liberdades individuais, com marco inicial as revoluções liberais do século XVIII na Europa e Estados Unidos. 24 2.5.2 Segunda Geração Os Direitos Humanos de segunda geração surgiram também de lutas sociais, no entanto, na Europa e Américas, tendo como marco a Constituição Mexicana de 1917 (trouxe a regulamentação da previdência social e do direito ao trabalho), bem como a Constituição alemã de Weimar de 1919 (proteção do Estado a direitos sociais). No âmbito internacional, o Tratado de Versailles inovou com a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que se tornou importante instrumento de reconhecimento de direitos aos trabalhadores. O reconhecimento de Direitos Individuais ou Civis e Políticos não foram suficientes para impedir que a situação social chegasse a níveis alarmantes de desigualdade e miséria ao longo do século XIX. (GOMES, 2016, p.31) Dessa forma, Ramos (2017, p. 54) aduz: Os direitos sociais são também titularizados pelo indivíduo e oponíveis ao Estado. São reconhecidos o direito à saúde, educação, previdência social, habitação, entre outros, que demandam prestações positivas do Estado para seu atendimento e são denominados direitos de igualdade por garantirem, justamente às camadas mais miseráveis da sociedade, a concretização das liberdades abstratas reconhecidas nas primeiras declarações de direitos. Basicamente, os Direitos Humanos de segunda geração, decorreram de lutas sociais que marcaram a história. Ficou evidenciado a vontade de se criar uma sociedade sem privilégios, afirmando direitos individuais a todas as pessoas, sem distinção e o principal: sem levar em consideração as reais condições de vida das pessoas naquela época. Ao contrário, elas foram fruto de muitas lutas desenroladas ao longo de todo o século XIX. É a constatação de Gomes (2016, p. 35) Grandes mudanças foram necessárias para chegar à consolidação dos Direitos Humanos de segunda geração, reconhecendo primeiramente que o Estado Social ou Estado de Bem Estar Social também era o Estado interventor, ou seja, aquele que intervinha na sociedade, economia, evitando abusos sócios econômicos e que buscava uma sociedade economicamente igual. Sem dúvida, o novo modelo de sociedade, economia e Estado preocupou-se com a igualdade material das pessoas. É a constatação de Gomes (2016, p.36) Além disso, a segunda grande mudança do Estado Social ou do Estado de Bem-Estar Social buscou a formalização do processo de materialização, ou seja, não 25 bastava naquele momento declarar que todos os indivíduos eram iguais, mas sim, efetivar condições para que essa igualdade existisse, criando assim, mecanismos para que esses direitos fossem efetivados. Assim, para reconhecer esses direitos na segunda geração, Gomes (2016, p. 35) expõe: “O meio principal pelo qual esse Estado procurará efetivar sua intervenção é a proclamação de novos Direitos Humanos: Direitos Econômicos, Direitos Sociais e Direitos Trabalhistas.”. 2.5.3 Terceira Geração O reconhecimento dos Direitos Humanos de segunda geração foi capaz de atenuar as desigualdades e a miséria social. Todavia, esses direitos não foram capazes de lidar com alguns outros problemas típicos de nossas sociedades. Nessa ótica, Gomes (2016, p. 35-36) aduz: Estes problemas – padronização e não reconhecimento das diferenças; fragilidade do indivíduo consumidor perante as empresas; riscos de destruição dos recursos naturais do planeta Terra - estão na base das principais lutas que serão travadas dentro do modelo do Estado Social ou do Estado do Bem- Estar Social e que, a partir da década de 1950, mostrarão os limites desse modelo e produzirão mudanças significativas. Frente a isso, novas lutas sociais, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, expressarão novas pretensões que darão origem a novos Direitos Humanos. Assim, lutas que reivindicavam o direito à diferença baseada na especificidade de minorias sociais conseguirão alcançar o reconhecimento de Direitos Coletivos: direitos que não se destinam indiferentemente a toda e qualquer pessoa da sociedade, mas a toda e qualquer pessoa da sociedade que tenha determinadas características capazes de justificar uma proteção diferenciada. Os direitos de terceira geração, portanto, tem como titular a comunidade, direito à paz, desenvolvimento, autodeterminação e o principal: direito ao meio ambiente equilibrado. Conforme destaca Ramos (2017), são aqueles direitos com vinculação do homem na Terra, com recursos finitos. Diante disso, Sarlet (2016, p. 511) expõe: Em caráter conclusivo, Tushnet sugere que os direitos de segunda e terceira dimensão contribuem para aperfeiçoar e ampliar a noção de direitos humanos em termos gerais, em especial, contudo, operando de modo a complementar os direitos da primeira dimensão, assim como a sua realização daqueles requer uma revisão da compreensão de aspectos específicos relativos aos últimos, ou seja, os direitos da primeira dimensão. 26 Segundo Lafer (1988) os direitos de terceira dimensão podem ser denominados também como direitos de fraternidade ou de solidariedade, desprendido do indivíduo como seu titular, com destinação especial a grupos humanos (família, povo, nação) com a característica essencial de titularidade coletiva ou difusa. 27 3 PRINCÍPIOS NORTEADORES DOS DIREITOS HUMANOS 3.1 A centralidade dos Direitos Humanos A melhor maneira de explicar um instituto jurídico é passar por uma base principiológica. Por isso, serão dissertados nos tópicos a seguir, os principais princípios norteadores dos Direitos Humanos. Preliminarmente, os Direitos Humanos trazem uma representatividade central do Direito Constitucional em conjunto com o Direito Internacional, ou seja, no âmbito constitucionalista, no qual as normas se formatam por meio de direitos fundamentais denominados: jusfundamentalização. Nessa linha, Sarmento (2010) traduz a ideia de que o famoso princípio da dignidade da pessoa humana traz representação da ordem constitucional, que espalhaseus efeitos para todo ordenamento jurídico, incluindo: atos estatais, relações privadas da sociedade civil e de mercado. Não obstante, no plano internacional, os Direitos Humanos demoraram em serem centralizados devido aos regimes totalitários no qual a Europa passou. Após a uma ruptura nazifascistas da Segunda Guerra Mundial, tais direitos obtiveram reconstrução, bem como a internacionalização de vida. Nessa linha, Ramos (2017, p. 91) destaca: Com isso, o Direito Internacional passou por uma lenta mudança do seu eixo central voltado à perspectiva do Estado preocupado com a governabilidade com a manutenção de suas relações internacionais. Com a ascensão da temática dos direitos humanos previstos em diversas normas internacionais, os direitos humanos promoveram a entrada encenada preocupação internacionais referente à promoção da dignidade humana em todos os seus aspectos. Sobre a ótica de previsões legais/ jurisprudenciais para a centralidade dos Direitos Humanos, o Supremo Tribunal Federal, reconheceu por meio do Habeas Corpus nº 87.585-8, o novo papel central dos Direitos Humanos como foco principal da dignidade da pessoa humana: [...] hoje, uma nova perspectiva no plano do direito internacional. É que, ao contrário dos padrões ortodoxos consagrados pelo direito internacional clássico, os tratados e convenções, presentemente, não mais consideram a pessoa humana como um sujeito estranho ao domínio de atuação dos Estados no plano externo. O eixo de atuação do direito internacional público contemporâneo passou a concentrar-se, também, na dimensão subjetiva da pessoa humana, cuja essencial dignidade veio a ser reconhecida, em sucessivas declarações e pactos internacionais, como valor fundante do 28 ordenamento jurídico sobre o qual repousa o edifício institucional dos Estados nacionais. 3.2 Universalidade A base principal desse estudo é o princípio da Universalidade. Os Direitos Humanos tem como principal objetivo em atribuir direitos a todos os indivíduos, sem observar alguma qualidade especial e sem distinção de nacionalidade, sexualidade, crença, raça, cor ou opção política. Antes dos Direitos Humanos serem declarados universais, houve um processo de negação até chegar aos dias atuais. Ramos destaca (2017, p. 91): A universalidade possui vínculo indissociável como processo de internacionalização dos direitos humanos. Até a consolidação da internacionalização em sentido estrito dos direitos humanos, com a formação do Direito Internacional dos Direitos Humanos, os direitos dependiam da positivação e proteção do Estado Nacional. Por isso, eram direitos locais. Segundo destaca Gomes (2016, p. 26) sobre Universalidade dos Direitos Humanos: Universalidade: os Direitos Humanos referem-se a e devem alcançar todos os seres humanos, independentemente de qualquer característica externa, como nacionalidade, crença religiosa, classe, gênero, idade, raça, orientação afetivo- sexual ou qualquer outra. Como dito anteriormente, o movimento nazista rompeu o paradigma de proteção dos Direitos Humanos, os transformando em nacionais. Em consequência, o ser humano não era considerado fonte de direito, sendo apenas titulares aqueles de origem racial ariana. Dessa forma, tais direitos não eram universais, sendo ofertados para poucos. Após esse movimento nazista, surgiu a Declaração Universal de 1948 que trouxe a confirmação da universalidade dos Direitos Humanos e até hoje vem sofrendo constantes reafirmações por meio de declarações internacionais e tratadas, editadas por Estados. Um dos exemplos que podem ser citados é a Proclamação de Teerã, realizada em 1968, ou seja, 1ª Conferência Mundial de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, destacando o seguinte trecho: 1. É indispensável que a comunidade internacional cumpra sua obrigação solene de fomentar e incentivar o respeito aos direitos humanos e as 29 liberdades fundamentais para todos, sem distinção nenhuma por motivos de raça, cor, sexo, idioma ou opiniões políticas ou de qualquer outra espécie. Ressaltando ainda mais a universalidade, na 2ª Conferência Mundial da Organização das Nações Unidades de Direitos Humanos, em 1993, surgiu a Declaração de Viena2, parágrafo 5º, a referência de que os Direitos Humanos são universais. 5. Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosas, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forme seus sistemas políticos, econômicos e culturais. Segundo Pinheiro (2008) a universalidade dos Direitos Humanos reside no seu conteúdo, pautando em normas gerais destinados as um grupo indeterminado de pessoas enquanto serem humanos nacionais ou estrangeiros, sem distinção. Além disso, Pinheiro (2008, p. 6) destaca: Atualmente, o entendimento predominante é de que todos os direitos humanos são interdependentes e indivisíveis, cabendo aos direitos civis e políticos importante papel na consecução do desenvolvimento. Se, por um lado, as condições estruturais têm reflexo óbvio na situação dos direitos econômicos e sociais, afetando também os direitos civis mais elementares; por outro lado, a ausência de níveis satisfatórios de desenvolvimento econômico social não é mais aceita como escusa para a inobservância de tais direitos. Assim como as deficiências econômicas deixaram de ser justificativas para as violações, também perdeu valor explicativo o relativismo cultural. Consequentemente, pode-se dizer que todos os direitos humanos, nacional e internacional, constituem um complexo integral, harmônico e indivisível, em que os diferentes direitos estão necessariamente inter- relacionados e são interdependentes entre si. Um dos exemplos clássicos, que podem ser citados atualmente é o direito à vida, com reconhecimento universal, básico e fundamental, sendo requisito indispensável para o gozo de todos direitos humanos que podem ser decorrentes. 3.3 Inerência 2 “Torna-se importante destacar, sob tal perspectiva, que a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas, representou um passo decisivo no processo de reconhecimento, consolidação e contínua expansão dos direitos básicos da pessoa humana. HC 87.585-8, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 12- 3-2008).” 30 Além da universalidade como conteúdo básico dos Direitos Humanos, a inerência foi traduzida também por meio da edição Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, dispondo assim, que para serem titulares dos direitos considerados essenciais basta ter a condição humana. No artigo 1º da Declaração de 1948 (Declaração de Paris) é ressaltado: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Dessa forma, a dignidade é única para todos e, portanto, é inerente a condição humana, considerado assim, Direitos Humanos universais. Diante disso, Preti e Lépore (2020, p. 5) dispõem: Quando se faz menção à inerência dos direitos humanos, percebe-se inegável aproximação à corrente jusnaturalista, que sustenta a existência de ordem natural e pré-concebida de direitos ostentados por todas as pessoas (pelo só fato de existirem), de sorte que caberia ao direito tão somente declará-los. Em complemento, Weis (2011) destaca que os Direitos Humanos são inerentes, consistindo como uma qualidade de pertencer a todos os membros seres humanos tais direitos, sem nenhuma distinção. Ainda sobre os Direitos Humanos, Preti e Lépore (2020, p. 2) destacam sobre a sua inerência: Aolongo da história da humanidade, o tratamento e reconhecimento do ser humano nem sempre foi o mesmo, sendo que episódios de violações massivas de direitas e absolutas afrontas à dignidade de pessoas exigiram que a própria humanidade reconhecesse direitos inerentes a todas as pessoas, bem como que todas as pessoas têm o direito a ter direitos. 3.4 Transnacionalidade Além dos princípios mencionados, há também a chamada Transnacionalidade que submete ao indivíduo, o reconhecimento de diretos, onde este se encontrar (WEIS, 2011) Conforme destaca Ramos (2017, p. 93) Essa característica é ainda mais importante na ausência de uma nacionalidade (apátridas) ou na existência de fluxos de refugiados. Os direitos humanos não mais dependem do reconhecimento por parte de um Estado ou da existência do vínculo da nacionalidade, existindo o dever internacional de proteção aos indivíduos, confirmando-se o caráter universal e transnacional desses direitos. 31 Além de a Transnacionalidade ter se tornado fator importante, a mundialização e a globalização por meio das interações humanas, ajudaram a evoluir de forma significativa, a interação entre os países. Assim, como Cruz (2011) destaca, a transnacionalidade é um novo mundo, um espaço intermediário nacional e internacional. Conforme explica Piovesan (2000, p. 93) acerca da Transnacionalidade: “O movimento de internacionalização dos direitos humanos constitui um movimento extremamente recente na história, surgindo, a partir do pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo”. Vale ressaltar, que a partir do fenômeno da Transnacionalidade, os tribunais superiores e cortes, vêm admitindo diversos entendimentos permitindo o diálogo entre si, como precedentes jurisprudenciais estrangeiros e de tribunais para utilização de seus casos concretos e demandas. Souilljee (2017, p. 1376- 1377) finaliza sobre o processo de evolução dos Direitos Humanos: Os Direitos Humanos estão em processo de evolução de forma constante. Não há como interromper a lógica de expansão destes direitos, se considerados como conquistas históricas que estão, em verdade, ocorrendo na vida de todos os dias. Os Direitos Humanos vão acumulando-se e sustentando um rol balizado pelo princípio da Dignidade da pessoa humana. Numa perspectiva globalizada e transnacional, buscam-se novos instrumentos e mecanismos para garantir a eficácia universal dos Direitos Humanos para além de discurso político e de retórica social. A partir da Transnacionalidade, é possível a ocorrência da atuação judicial como uma troca, para que ocorra a concretização dos Direitos Humanos, utilizando em casos concretos, sem ameaças jurídicas, apresentando a internacionalização do direito e o mais importante: buscando a efetivação da pretensão jurídica em todas demandas possíveis. 3.5 Indivisibilidade O princípio da indivisibilidade tem como objetivo reconhecer que todos os Direitos Humanos tem a mesma proteção jurídica, pelo seu caráter de essencialidade a dignidade da pessoa. Como destaca Ramos (2016) a indivisibilidade possui duas facetas. A primeira reconhece o direito ora protegido como uma unidade, a segunda, dispõe a 32 possibilidade de não proteção de alguns direitos que são reconhecidos como humanos. Não obstante, Ramos (2017, p. 94) destaca: O objetivo do reconhecimento da indivisibilidade é exigir que o Estado também invista tal qual investe na promoção dos direitos de primeira geração– nos direitos sociais, zelando pelo chamado mínimo existencial, ou seja, condições materiais mínimas de sobrevivência digna do indivíduo. A indivisibilidade também exige o combate tanto às violações maciças e graves de direitos considerados de primeira geração (direito à vida, integridade física, liberdade de expressão, entre outros) quanto aos direitos de segunda geração (direitos sociais, como o direito à saúde, educação, trabalho, previdência social etc.). A característica da indivisibilidade foi atribuída na II Conferência Mundial de Direitos Humanos em Viena (1993), por meio da promulgação da Declaração de Viena, reafirmando e consagrando a determinação da declaração de 1948, referente aos Direitos Humanos. A indivisibilidade dos Direitos Humanos está relacionada com a compreensão integral desses direitos, o qual não se admite fracionamentos. É a constatação de Berton, Foguesatto, Schonardie (2017, p. 5) 3.6 Interdependência A interdependência ou inter-relação permite o reconhecimento dos Direitos Humanos, como maneira de realizar a dignidade humana, para satisfazer necessidades mínimas e essenciais do indivíduo, com integralidade de proteção, sem exclusão de nenhum direito. Dessa forma, Carvalho Ramos (2016) entende que os conteúdos dos Direitos Humanos podem se vincular entre si, com interações e complementaridade. Portanto, alguns direitos podem ser desdobramentos de outros. A interdependência, assim como indivisibilidade foi afirmada e reafirmada em diversos diplomas legais, várias vezes. De início, a Proclamação de Direitos Humanos da 1ª Conferência Mundial de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), ocorrida em Teerã, no ano de 1968, foi um dos primeiros textos que reconheceu a interdependência desses direitos, pelo seguinte texto: “Os direitos humanos e as liberdades fundamentais são indivisíveis, a realização dos direitos civis e políticos sem o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais resulta impossível”. 33 A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento3 de 1986, dispôs em seu artigo 6º, §2º, a seguinte redação: Artigo 6º: §2º: Todos os direitos humanos e todas as liberdades fundamentais são indivisíveis e interdependentes; a realização, a promoção e a proteção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais devem se beneficiar de uma atenção igual e ser encaradas com uma urgência igual. Por fim, a Declaração de Viena, com aprovação na 2ª Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU em 1993, reafirmou as afirmações conferidas na Proclamação de Teerã e dispôs no seu § 5º: Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. 3.7 Unidade O Princípio da Unidade tem como objetivo reconhecer que os Direitos Humanos como unidade, ou seja, indivisível, interdependente e inter-relacionada. A Declaração de Viena, no seu §15º compreende: “O respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem distinções de qualquer espécie, é uma norma fundamental do direito internacional na área dos direitos humanos”.·. Conforme dispõe Piovesan (2004) quando determinado direito sofre violação, os demais direitos ficam vulneráveis e comprometidos pela proteção inerente ao indivíduo. No Brasil, a concretização de direitos como: liberdade e igualdade são difíceis de ocorrer e que se concretize a justiça social. 3.8 A abertura dos Direitos Humanos, não exaustividade e fundamentalidade. A abertura dos direitos humanos tem como objetivo, possibilitar a expansão de mais direitos inerentes à pessoa humana em busca de uma vida digna. 3 Adotada pela Resolução n. 41/128 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de 1986. 34 Os Direitos Humanos não são exauríveis, sendo os direitos previstos na Constituição da República Federativa do Brasil e em tratados meramente exemplificativos, sem exclusão de possíveis futuros direitos. Em complemento, Melo e Bonato (2017, p. 276) destacam: Com efeito, a Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 5º, § 2º, que os direitos e garantias expressos na Carta não excluem outros decorrentes do regime, princípios e de tratados internacionais dos quais o Brasil seja parte.Esta é a chamada cláusula de abertura dos direitos fundamentais, pois agregam além dos direitos previstos no Título II, os demais direitos previstos na Constituição e nos Tratados Internacionais. Em tal reflexão, os Direitos Humanos podem ter abertura internacional ou nacional, segundo ensinamentos de Ramos (2017, p. 96): A abertura pode ser de origem internacional ou nacional. A abertura internacional é fruto do aumento do rol de direitos protegidos resultante do Direito Internacional dos Direitos Humanos, que por meio de novos tratados, quer por meio da atividade dos tribunais internacionais. Já a abertura nacional é fruto do trabalho do Poder Constituinte Derivado (como, por exemplo, a inserção do direito à moradia pela EC n.26/2000 e do direito à alimentação pela EC n.64/2010) e também fruto da atividade interpretativa ampliativa dos tribunais nacionais. Os Direitos Humanos tiveram previsão de abertura em diversos diplomas jurídicos, antes mesmo da atual Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. No entanto, somente na Constituição Federal de 1988 que se obteve a inovação de incluir direitos por meio da abertura, advindos de tratados internacionais em que o Brasil seja parte. (MELLO, 2001) Vale ressaltar que o direito brasileiro não tem exclusividade sobre a abertura de direitos. Analisando a Constituição Portuguesa de 1976, foi possível constatar a existência de outros direitos em leis ordinárias e bem como em normas internacionais fora da própria constituição. (ANDRADE, 2004) Dessa forma, Andrade (2004) ainda destaca que a cláusula de abertura reconhece a existência de conceitos formais e materiais de direitos. Sendo assim, a partir da Fundamentalidade dos direitos, não tem correspondência direta com a sua previsão ou especificação na ordem constitucional, devendo ser analisado critérios substanciais para determinar os direitos em determinadas matérias. O princípio da Não Exaustividade tem correlação com a Abertura dos Direitos Humanos, ora previsto no artigo 5º, §2º, da Constituição da República Federativa do Brasil, sendo introduzido na Constituição de 1891. 35 Na Constituição de 1891, em seu artigo 78, trazia a previsão de direitos e garantias sem a exclusão de outros direitos não enumerados, mas que são decorrentes de outros tipos normativos, como por exemplo, princípios. Diante disso, Mello (2001) sublinha que ao prever este artigo, o principal objetivo era evitar interpretações de que, ao normatizar determinados direitos de forma expressa, poderia ensejar a exclusão de outros não expressos na Constituição. Em decorrência de atos normativos, a Constituição de 1934, em seu artigo 114, previa a abertura constitucional, buscando a não exaustividade. Em outro momento, a Constituição de 1937, no artigo 123 criou uma limitação a não exaustividade e a abertura dos direitos não previstos, com a seguinte redação: Artigo 123. O uso desses direitos e garantias terá por limite o bem público, as necessidades da defesa, do bem-estar, da paz e da ordem coletiva, bem como as exigências da segurança da nação e do Estado em nome dela constituído e organizado nesta Constituição. Em momento posterior, as Constituições de 1946 e 1967 excluíram a limitação e seguiram o padrão das constituições anteriores, com previsão no artigo 144 e 150, §35, respectivamente.4 Buscando inovações, a Constituição da República Federativa do Brasil, buscou programar no artigo 5º, § 2º, não exclusão de outros direitos decorrentes de princípios e em tratados internacionais celebrados pelo Brasil. A abertura dos Direitos Humanos tem relação também com o princípio da Fundamentalidade, encontrado no nosso ordenamento jurídico. Assim, Ramos (2017, p. 96) destaca: “Como os direitos humanos são fundamentais para uma vida digna, novos direitos podem surgir na medida em que as necessidades sociais assim exijam.”. Alexy (2008) considera o princípio da Fundamentalidade um dos mais importantes dos Direitos Humanos, pois estes valem além de normativamente, também moralmente. 4Art. 144. A especificação dos direitos e garantias expressas nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota. Art. 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:§ 35 - A especificação dos direitos e garantias expressas nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota. 36 A fundamentalidade tem proteção aos Direitos Fundamentais de maneira formal e material. Alexy (2008) compreende que a Fundamentalidade Formal compreende a posição hierárquica das normas, ou seja, as normas colocadas no nosso ordenamento jurídico têm vinculação aos poderes (Judiciário, Legislativo e Judiciário). Já a Fundamentalidade Material, compreende a abertura dos direitos humanos já mencionada, com previsão na Constituição da República Federativa do Brasil, no artigo 5, § 2º, correspondente aqueles que são formalmente não positivados, mas sim, materialmente fundamentais. Em conclusão, a Fundamentalidade formal referência aquelas normas, cuja previsão está na ordem constitucional ou em tratados de Direitos Humanos, ou, as normas de Fundamentalidade material reconhecidos apenas materialmente, mas ainda reconhecem a dignidade humana. 3.9 Imprescritibilidade, inalienabilidade, indisponibilidade. Os Direitos Humanos são tidos como imprescritíveis, inalienáveis e indisponíveis (denominados irrenunciáveis), ou seja, essas três características traduzem a ideia que a proteção desses direitos é essencial a vida humana, bem como, não passíveis de serem renunciados. Ramos destaca (2017, p. 97) as três características em um breve resumo: A imprescritibilidade implica reconhecer que tais direitos não se perdem pela passagem do tempo: existindo o ser humano, há esses direitos inerentes. A inalienabilidade pugna pela impossibilidade de se atribuir uma dimensão pecuniária desses direitos para fins de venda. Finalmente, a indisponibilidade ou irrenunciabilidade revela a impossibilidade de o próprio ser humano – titular desses direitos – abrir mão de sua condição humana e permitir a violação desses direitos. Em complemento, Gomes (2016, p. 26) destaca acerca dos três institutos mencionados: Imprescritibilidade: os Direitos Humanos não se perdem com o passar do tempo. Mesmo que não sejam exercidos por alguém por um longo período de tempo, essa pessoa sempre poderá, a qualquer momento, reivindicá-los. Inalienabilidade: os Direitos Humanos não podem ser transferidos de uma pessoa a outra por nenhum motivo, seja doação, venda, renúncia ou qualquer outro meio. Irrenunciabilidade: exatamente porque não podem ser alienados, transferidos, é impossível também renunciar aos Direitos Humanos. Mesmo que alguma pessoa não os queira, ela continua sendo protegida por esses Direitos. 37 Essa característica de intangibilidade, decorrente dos princípios apresentados, foi essencial para afirmar os Direitos Humanos e na sua evolução, pois reconhece tais direitos gravados com cláusulas de proteção contra as ações do Estado e até mesmo com seu titular, ao momento de decidir de renunciar, pois ainda sim, demonstram essencialidade e inerência a vida digna. 3.10 Proibição do Retrocesso Proibição do retrocesso é uma das características dos Direitos Humanos, denominada de “efeito cliquet”, consistindo em vedar a eliminação da concretização de direitos já protegidos, sendo permitido acrescentar ou aprimorar. A doutrina denomina de entrenchment ou entrincheiramento, ou seja, preservar o mínimo de direitos ora concretizados, impedindo que estes retroajam, sejam suprimidas ou diminuídas as prestações à coletividade.(AGRA, 2007) A proibição do retrocesso é característica advinda da proteção internacional dos Direitos Humanos, cristalizando essa proteção mesmo que novos tratados venham surgir e impondo restrições ou diminuições de direitos já alcançados anteriormente. A proibição de retrocesso não é, portanto, uma vedação absoluta de futuras medidas ou alterações referentes à proteção de direitos específicos. Um dos exemplos que Ramos (2016) destaca é a alteração constitucional sobre as regras de aposentadoria de servidores públicos, referente ao crescimento da expectativa de vida. Seguindo a regra de inalterabilidade (vedação de retrocesso), levariam ao Estado destinar muitos recursos e diminuindo o foco a outros direitos. Em outra obra, Ramos5 destaca acerca dos seguintes atos normativos em que se encontra a proibição do retrocesso: No Brasil, a proibição do retrocesso é fruto dos seguintes dispositivos constitucionais: 1) Estado democrático de Direito (art.1º, caput); 2) dignidade da pessoa humana (art.1º, III);3) aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais (art.5º,§1º); 4) proteção da confiança e segurança jurídica (art.1º, caput, e ainda art.5º, XXXVI–a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada) ;e 5) cláusula pétrea prevista no art. 60,§ 4º,IV. 5 CARVALHO RAMOS, André de. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. 38 3.11 Proporcionalidade e razoabilidade Além de estudar os princípios mencionados, faz-se necessário o estudo do princípio da razoabilidade, baseado nos Direitos Humanos. Busca consistir na ocorrência da exigência de verificar a legitimidade da lei ou ato normativo que restringem ou legitimam os exercícios de tais direitos, buscando compatibilizar a maneira empregada pela norma para viabilizar a concretização. O instituto da razoabilidade surgiu por meio do devido processo legal, com origem norte-americana. Segundo Barroso (2001), o princípio do devido processo legal, após ser aplicado nos Estados Unidos, ganhou uma segunda face, tornando-se fundamento do princípio da razoabilidade de leis e atos administrativos. Diante disso, fica nítido que o princípio da razoabilidade controla os Poderes Legislativo e Executivo, estabelecendo o exame das normas jurídicas dentro da razoabilidade (reasonableness) e racionalidade (rationality), bem como analise dos atos do Poder Público. (RAMOS, 2017) Em resumo, Barroso (2001) compreende que o princípio da razoabilidade faz uma valoração dos atos envolvidos pelo Poder Público, auferindo se estão em conformidade com ordenamento e o valor superior: justiça. Em âmbito de discussões, existe a observância de que os princípios da proporcionalidade e razoabilidade têm sentidos equivalentes, apenas com terminologia diferente, pois decorrem do “devido processo legal substancial”. Além disso, o Supremo Tribunal Federal adota essa posição, ao afirmar, por meio do Habeas Corpus 76.060, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 31/03/1998, Primeira Turma, DJ de 15-5-1998), afirmando: “A luz do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, se impõe evitar a afronta à dignidade pessoal que, nas circunstâncias, a sua participação na perícia substantivaria”. De outro norte, existem autores que defendem a diferenciação dos institutos da razoabilidade e proporcionalidade, partindo da premissa que a razoabilidade representa um critério da proporcionalidade (adequação). Segundo Silva (2002), a proporcionalidade tem mais amplitude que a razoabilidade, não se limitando aos meios e fins da adequação. Vale ressaltar que não há expressa menção do Princípio da Proporcionalidade na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ou tratados internacionais que o Brasil faça parte. 39 Seu fundamento está pontuado implicitamente na Constituição, doutrinas e precedentes do Supremo Tribunal Federal, mesmo que não tenha consenso sobre sua aplicação. O Princípio da Proporcionalidade tem alguns fundamentos como Estado Democrático de Direito, buscando evitar excessos do poder estatal. No Devido processo legal, implícito no artigo 5º, inciso LIV, buscando pautar a atuação do Estado na legitimidade e justiça material. Dignidade humana e direitos fundamentais, observando os atos do Estado sem ser excessivos. E por fim, Direitos e garantias decorrentes da Constituição (regime e princípios). 40 4 UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS E O MULTICULTURALISMO 4.1 Universalidade Após um longo estudo acerca dos Direitos Humanos e todos os aspectos pertinentes ao tema, restou necessário adentrar no tema principal que é proposto pelo estudo: A universalidade dos Direitos Humanos e o Multiculturalismo. É importante destacar que cada nação, povo, unidade, nasce e cresce desenvolvendo crenças, culturas, tradições, pautadas em valores considerados básicos, sem qualquer questionamento de outrem. Pensando nisso, ficou claro o quão difícil é impor a estas diferentes culturas, um valor universal a variadas tradições, baseados nos Direitos Humanos. Em complemento, Barreto (2004, p.2) destaca: “As questões culturais são bastante delicadas e exigem estudos profundos sobre o tema, para que haja uma atuação estatal não danosa – isto é, muito diferente da que se vem empregando, historicamente.”. Segundo Piovesan (2004), o desafio se encontra na universalidade dos Direitos Humanos juntamente com o relativismo cultural, engajando uma discussão acerca das normas desses direitos considerados humanos, podendo ter ou não um sentido universal ou serem culturalmente relativos. Existem diversos pontos de vista correlacionados ao tema em questão. Relativistas entendem que direitos estão ligados por sistemas econômicos, sociais, políticos, morais e culturais conforme cada sociedade. Vale ressaltar que não há uma moral universal diante desse pluralismo existente, respeitando ao máximo a diferença de culturas. Segundo destaca Mbaya (1997), os Direitos Humanos encontram dificuldades no que tange a universalidade frente à variedade de culturas existentes, condicionado a diversos fatores como: histórico, político, econômico, social e cultural. Em complemento, Mbaya (1997, p. 31) ainda destaca: Tal universalidade dos direitos humanos fundamenta-se nas premissas da igualdade em dignidade e valor de todos os seres humanos, sem discriminação. Tal noção é totalmente incompatível com as doutrinas e práticas de uma pretensa superioridade fundada em raça, religião, sexo ou qualquer outro elemento. A universalidade dos direitos implica também que a humanidade reconhece os valores comuns e as nações têm direitos essenciais à sua própria existência e à sua identidade, as quais fazem parte do patrimônio comum da humanidade. A universalidade, a dignidade, a 41 identidade e a não-discriminação são conceitos centrais em matéria de direitos humanos, à medida em que se aplicam a todos os campos. É importante destacar que a universalidade dos Direitos Humanos tem reconhecimento comum, e cada nação tem direitos próprios, que são essenciais para sua existência e identificação, sendo, portanto, patrimônio comum. Para Mbaya (1997, p.28): Falar da universalidade de tais direitos numa época em que são universalmente violados pode apresentar um caráter desafiador. Ora, no plano dos princípios, todos os homens podem invocar os mesmos direitos e todos os poderes políticos devem perseguir fins humanos, caso nos atenhamos, ao menos, à leitura dos múltiplos instrumentos internacionais que regulamentam o campo dos direitos em questão e o aproximam em suas duas direções; pois, enfim, não se deve esquecer que qualquer problema relativo a eles faz surgir uma relação vertical e outra lateral. Vale ressaltar que o Multiculturalismo
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