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Inserir Título Aqui Inserir Título Aqui Legislação e Normas Técnicas O Ordenamento Jurídico Brasileiro e a Saúde do Trabalhador Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Dr.ª Sandra Regina Cavalcante Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro Nesta unidade, trabalharemos os seguintes tópicos: • Direito: Noções Terminológicas; • Normas: Hierarquia e Tipos Legais; • Jurisprudência: importante Fonte do Direito; • O Poder Judiciário; • Saúde do Trabalhador: Contextualização e Desafios. Fonte: iStock/Getty Im ages Objetivos • Apresentar visão geral e integrada sobre o sistema jurídico e a estrutura institucional existente no país para a área da Saúde do Trabalhador, que abrange o especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho. Caro Aluno(a)! Normalmente, com a correria do dia a dia, não nos organizamos e deixamos para o úl- timo momento o acesso ao estudo, o que implicará o não aprofundamento no material trabalhado ou, ainda, a perda dos prazos para o lançamento das atividades solicitadas. Assim, organize seus estudos de maneira que entrem na sua rotina. Por exemplo, você poderá escolher um dia ao longo da semana ou um determinado horário todos ou alguns dias e determinar como o seu “momento do estudo”. No material de cada Unidade, há videoaulas e leituras indicadas, assim como sugestões de materiais complementares, elementos didáticos que ampliarão sua interpretação e auxiliarão o pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois estes ajudarão a verificar o quanto você absorveu do conteúdo, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Bons Estudos! O Ordenamento Jurídico Brasileiro e a Saúde do Trabalhador UNIDADE O Ordenamento Jurídico Brasileiro e a Saúde do Trabalhador Contextualização O Direito é um conjunto de institutos criados pelo homem para viabilizar o convívio so- cial em relativa paz e segurança, dando condições de previsibilidade nas relações humanas. Mas ele é um “canteiro de obras” repleto de dissenso e em constante construção. Ao re- gular as relações humanas por meio de regras e limitações no interesse do bem comum, o Direito cria condições para transformar materialmente o mundo. E essa transformação pressupõe, necessariamente, a presença do trabalho humano. O trabalho, por sua vez, ocupa papel central na existência humana. As palavras usadas cotidianamente ao se referir à atividade profissional do indivíduo deixam evidente tal relevân- cia: “O que você vai ser quando crescer?”, “O que você faz na vida?”. O trabalho é um ele- mento essencial na constituição da saúde, da identidade e, para a maior parte das pessoas, o principal elo entre os indivíduos e a sociedade. Trabalhar significa pensar, agir, conviver, construir-se a si próprio e confrontarse perante o mundo. O trabalho é um dos espaços da vida determinantes na construção e na desconstrução da saúde (ASSUNÇÃO e LIMA, 2003). Esse contínuo confronto identitário gera um sofrimento que não necessariamente será patológico, pois, a depender das condições que o trabalhador tem de superá-lo, poderá ser fator de crescimento e de desenvolvimento psíquico (SZNELWAR et al., 2015). O Brasil, chamado na década de 1970 de campeão mundial em acidentes de trabalho, adotou desde então alterações legislativas, punições mais severas e outras medidas para melhorar a segurança e qualidade de vida nos locais de trabalho; o país apresentou progressos, mas ainda está longe de uma situação aceitável (OLIVEIRA, 2014; ALMEIDA e VILELA, 2010; MELO, 2006). Apesar da estrutura institucional e normativa criada, grande número de trabalhadores continua encontrando doença e morte quando vai à busca do “ganhar a vida” (OLIVEIRA, 2014). Uma das medidas trazidas pela legislação visando reduzir o número de acidentes e doenças ocupacionais foi a obrigatoriedade das empresas possuírem um Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT), que é previsto no artigo 162 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e na Norma Regulamentadora 4(NR4). O especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho precisa, para desempenhar a contento sua função de prevenir os riscos nas atividades de trabalho, conhecer as normas técnicas aplicáveis nas mais diversas situações. Contudo, para ser um profissional de referência que sabe se articular com os diversos setores da empresa (técnico, jurídico, administrativo), bem como com os órgãos públicos e privados envolvidos neste segmento da Saúde e Segurança do Trabalho, é preciso ir além. E deve passar pela compreensão da importância da responsabilidade técnica e compromisso assumido quando se desenvolve a atividade de Engenheiro de Segurança do Trabalho. As normas estão inseridas em um conjunto legislativo que implica na forma como será interpretada cada linha da especificação técnica; é impossível entender as entrelinhas do conjunto de normas aplicáveis a uma situação sem conhecer os princípios que regem o ordenamento jurídico. E já que a lei não dá conta de prever todas as situações reais possíveis, é essencial ter essa formação acerca do sistema jurídico e estrutura institucional existente no país, que norteará o profissional para se posicionar diante das instituições existentes e embasará suas decisões diante da grande responsabilidade de zelar pela saúde e integridade física do trabalhador. 6 7 Direito: Noções Terminológicas Justiça, direito e lei são conceitos que se entrelaçam, a tal ponto de serem considerados uma só coisa pelo senso comum. Contudo, nem sempre possuem o mesmo significado e podem até mesmo entrar em colisão. Eleita como a palavra do ano em 20181, Justiça é um conceito abstrato que se refere ao estado ideal e almejado de interação social equilibrada. Embora signifique condição do que é equitativo ou moralmente correto, o termo também é utilizado para se referir ao próprio Poder Judicial. A deusa grega Têmis (Themis) está representada na escultura “A Justiça”, de Alfredo Ceschiatti, localizada em Brasília, na frente do Supremo Tribunal Federal (STF). A obra segue a tradição de mostrar a “deusa da justiça” com os olhos vendados, para sinalizar a sua imparcialidade, e com espada, que simboliza a força de que dispõe para impor o direito. Muitas representações possuem também uma balança, que simboliza a necessária ponderação dos interesses das partes em conflito. Figura 1 Fonte: iStock/Getty Images O direito é um fenômeno de regulação social que tem como objetivo atingir o estado de equilíbrio da justiça, muito embora nem sempre o alcance. O direito permeia todas as relações sociais e a vida do indivíduo, do nascer ao morrer, desde uma corrida de táxi até a punição por um crime. Ele possui várias fontes que lhe dão alicerce e direção, e a principal delas é a lei (ao lado dos costumes, jurisprudência, doutrina, analogia, princípios e equidade). Assim, quando um juiz decide ou um advogado requer algo em juízo, será preciso fundamentar tal argumentação em uma ou várias dessas fontes do Direito, que se dá principalmente na aplicação da legislação em vigor para aquele assunto. O Princípio da Legalidade pode simplificar a compreensão do papel exercido pela lei na sociedade humana. Previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88, artigo 5º, inciso II), declara que “ninguém será obrigado a fazer ou 1 O dicionário da editora Merriam-Webster’s, nos Estados Unidos, elegeu “justiça” como a palavra do ano 2018. De acordo com a editora, ela esteve no topo das pesquisas neste ano e foi consultada 74% vezes a mais que em 2017. Disponível em: <https://goo.gl/YthHfY>. Acesso em 17/12/2018. 7 UNIDADEO Ordenamento Jurídico Brasileiro e a Saúde do Trabalhador deixar alguma coisa senão em virtude de lei”. Dessa forma, temos que, se algo não está descrito na lei como proibido, ninguém poderá exigir que esse algo não seja feito. Vale destacar que a aplicação desse princípio difere quando se trata da Administração Pública: enquanto o indivíduo pode fazer tudo o que a lei não proíbe, o administrador público deve fazer tudo o que a lei autoriza. Ou seja, dentro da Administração Pública a legalidade restringe a atuação naquilo que é permitido por lei, de acordo com os interesses públicos. Já no âmbito privado, o cidadão pode fazer tudo o que a lei não previu como proibido. A interpretação da lei se dá por alguns caminhos, a mais adotada é a sistemática porque considera todo o arcabouço legal sob o qual a regra se insere e está subordinada. Chama-se hermenêutica jurídica a técnica de interpretação aprendida nas faculdades de direito que consiste em um percurso racional e sistemático, dentro da ordem jurídica, para responder a determinado caso. Normas: Hierarquia e Tipos Legais Ordenamento jurídico é o nome que se dá ao conjunto hierarquizado de normas que disciplinam coercitivamente as condutas humanas, com a finalidade de buscar harmonia e a paz social. Nesse sistema, a constituição tem papel de preponderância, ou seja, todas as demais normas precisam conter regras compatíveis com aquelas presentes na constituição. Inicialmente, é preciso esclarecer que o termo “norma” tem um significado genéri- co, sendo utilizado em sentido amplo para se referir a qualquer espécie legislativa ou ato normativo com cunho regulamentar. A figura 2 a seguir indica que o nível superior precisa ser respeitado em todos os seus preceitos pela norma inferior, caso contrário, haverá colisão de normas. Nessa situação, a norma hierarquicamente superior deve ser respeitada. Por exemplo, os contratos e sentenças fazem lei entre as partes, mas não podem desrespeitar as portarias, leis, tratados e constituição no que for aplicável àquele tema, sob risco de anulação do contrato ou reforma da sentença. Observe que algumas nomenclaturas utilizadas geram dúvidas. Por exemplo, a maio- ria da matéria relativa à Saúde e Segurança do Trabalho (SST) é tratada por Normas Regulamentadoras (NR) emitidas pelo Ministério do Trabalho. Contudo, as NRs recebem tal denominação, mas são criadas por portarias. No que se refere à lei, o termo ordinário significa comum e, assim, essa é a mais usual espécie de lei no ordenamento jurídico, pois possui um trâmite de aprovação mais simples que os demais tipos legais. Há outras modalidades de lei, como a lei complementar, contudo, quando se usa a nomenclatura “lei” o que se lê nas entrelinhas é que está se falando de um produto do processo legislativo, ou seja, um ato normativo de competência do Poder Legislativo. 8 9 Enquanto as leis têm como fonte de inspiração a Constituição Federal e criam, mo- dificam, ou extinguem direitos, o decreto tem como finalidade regulamentar uma lei, portanto, não podem inovar o mundo jurídico. O decreto regulamentar é um ato admi- nistrativo e sua emissão é de competência do chefe do Poder Executivo, sem votação e discussão no Poder Legislativo. Um bom exemplo é o que ocorre na legislação previden- ciária, com a Lei 8.213/91 que dispôs sobre os Planos de Benefícios da Previdência So- cial, mas de forma genérica e abstrata, tendo sido publicado posteriormente o Decreto 3.048/99, que detalha como será operacionalizada a Previdência Social, esmiuçando pormenores para a fiel execução da lei, mas sem inovações do que já fora previsto na Lei 8.213/91. As portarias, por sua vez, são atos administrativos emitidos pelos chefes dos órgãos públicos e têm como objetivo disciplinar o funcionamento da Administração Pública e a conduta de seus agentes. Elas precisam respeitar o que consta nas leis, nos decretos e, obviamente, na constituição. CRFB e Emendas Sentenças e Contratos Portarias e Resoluções Medidas Provisórias e Decretos Leis Ordinárias e Leis Delegadas Lei Complementar Tratados Internacionais* *Se tratado internacional sobre direitos humanos ou aprovado em rito especial no Congresso Nacional, terá mesmo status de norma constitucional. Hi era rq uia da s n orm as Figura 2 – Hierarquia das normas *Se tratado internacional sobre direitos humanos ou aprovado em rito especial no Congresso Nacional, terá mesmo status de norma constitucional. Embora a Figura 2 represente essencialmente a hierarquia de normas federais (com a Constituição Federal no topo), vale destacar que o mesmo se aplica para normas estadu- ais e municipais. Assim, cada estado possui sua Constituição Estadual que também pre- cisa ser respeitada em todos os termos pelas leis criadas pelas Assembleias Legislativas daquele estado. As Câmaras Municipais, por sua vez, representam o Poder Legislativo do município e precisam observar a Lei Orgânica daquela cidade em cada norma que for debatida e criada. A divisão dos assuntos que serão legislados na esfera federal, estadual ou municipal, bem como a organização político-administrativa do Estado brasileiro, é feita pela CRFB/88 (artigos 18 a 33). 9 UNIDADE O Ordenamento Jurídico Brasileiro e a Saúde do Trabalhador Jurisprudência: Importante Fonte do Direito O termo “jurisprudência” significa “sabedoria dos tribunais”. Trata-se do conjunto de decisões judiciais proferidas sobre determinada matéria. As decisões reiteradas do judiciário são utilizadas como fonte do direito, no sentido de serem matéria-prima da qual nasce o direito. Isso ocorre porque, embora o ordenamento jurídico disponha de leis tratando dos mais variados assuntos, persistem lacunas, já que é muito difícil prever todas as situações que podem acontecer na prática. Em outros casos, a redação da norma dá margem a mais de uma interpretação, ou podem ocorrer conflitos de normas. Nessas situações, cabe ao juiz dar a solução ao caso concreto, tomando uma decisão fundamentada no sistema jurídico existente, e com frequência outros julgamentos são utilizados de parâmetros para decidir. Quando uma jurisprudência se consolida, é comum a edição de súmulas, que são enunciados afirmando a regra originada a partir da aplicação da legislação, decisões anteriores e demais fontes do direito segundo a interpretação daquele tribunal. Assim, é muito importante conhecer as súmulas e jurisprudência dos tribunais, pois sinaliza como a lei vem sendo aplicada aos casos concretos. Você pode acessar todas as Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) no site: https://goo.gl/sI3iS. Para conhecer a jurisprudência do TST sobre determinado assunto, acesse o link: https://goo.gl/1Jk9zl. A súmula é, no contexto jurídico, uma interpretação jurisprudencial sem efeito de vínculo, visando auxiliar outros tribunais na interpretação de casos semelhantes aos que ela aborda. Contudo, desde 2004, existe no país a previsão da Súmula Vinculante, que obriga os demais tribunais a seguirem a decisão do STF; ela foi criada justamente para reduzir a sobrecarga da nossa corte máxima, que recebia todos os anos centenas de recursos para casos aos quais já dera parecer. Até 2018, foram editadas 56 súmulas vinculantes pelo STF. Cabe ainda mais uma explicação envolvendo a jurisprudência. Em alguns países de tradição inglesa, como os EUA, o Direito tem como principal fonte as decisões judiciais. É o sistema conhecido como “Common Law”, sendo chamadas de “precedentes” as decisões anteriores sobre o mesmo caso, semelhantes às nossas súmulas. Você provavelmente já ouviu falar que a constituição americana tem apenas 7 artigos e 27 emendas. Ela é a mais curta constituição em vigor no mundo, mas faz toda a diferença lembrar que na estrutura jurídica daquele país as principais regras são construídaspela jurisprudência e não pelo processo legislativo, como ocorre no Brasil e na maior parte dos países (sistema conhecido como “Civil Law”). O Poder Judiciário O Estado brasileiro é formado por três poderes, cuja estrutura e separação de compe- tências se encontram na CRFB/88. O Poder Judiciário, regulado nos artigos 92 a 126, possui vários órgãos que estão divididos por área de atuação: Justiça Comum (tanto es- tadual quanto federal) e as especializadas Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral e Justiça 10 11 Militar. Por exclusão, as matérias que não são de competência da Justiça Federal ou de qualquer outra justiça especializada são de competência da Justiça Comum estadual. Figura 3 – Organograma do Poder Judiciário do Brasil Fonte: Conselho Nacional de Justiça Os órgãos do Poder Judiciário estão hierarquicamente apresentados na figura acima, de autoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), criado em 2005 com a função de tornar o Poder Judiciário do país mais eficiente, transparente e célere, por meio do controle administrativo e financeiro (ARCURI, 2015). Para você ter uma noção da magnitude do Poder Judiciário do Brasil, saiba que se submetem ao controle do CNJ os 90 tribunais brasileiros e seus 18.168 magistrados (CNJ, 2018), assim divididos: 4 tribunais superiores (STJ, TST, STM e TSE), 5 TRFs, 24 TRTs, 27 TREs, 3 TJMs e 27 TJs. A função típica do Poder Judiciário é a jurisdicional, ou seja, dizer com quem está o direito, resolver os conflitos de interesses em cada caso concreto, por meio de um processo judicial. Como regra, os processos se originam nas varas, julgados por juiz singular (apenas um magistrado) e podem ser levados, por meio de recursos, para a segunda instância (tribunais regionais ou tribunais superiores), de tal forma que a decisão anteriormente proferida será revisada por órgão colegiado (grupo de juízes) que poderá manter ou alterar a sentença ou acórdão. Sentenças são as decisões prolatadas nas varas (juízo de primeiro grau), enquanto os acórdãos são prolatados por órgãos colegiados superiores, ou seja, pelos tribunais (juízo de 2º ou 3º graus). O termo ‘decisão judicial’ costuma ser usado tanto para sentenças quanto para acórdãos. 11 UNIDADE O Ordenamento Jurídico Brasileiro e a Saúde do Trabalhador O STF é o órgão máximo do Judiciário brasileiro. Sua principal função é zelar pelo cumprimento da Constituição e dar a palavra final nas questões que envolvam normas constitucionais. As ações podem chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF), em grau de recurso extraordinário, desde que se tenha ofendido matéria constitucional. O STF é composto por 11 ministros indicados pelo Presidente da República e nomeados por ele após aprovação pelo Senado Federal. Assim como no STF, os juízes dos outros tribunais superiores também são chamados de ministros e cuidam da uniformização (padronização) da jurisprudência. No STJ, os 33 ministros, também nomeados pelo Presidente da República após aprovação do Senado e escolhidos a partir de uma lista tríplice elaborada pelo próprio STJ, têm como responsabilidade manter a interpretação uniforme da legislação de competência das justiças estaduais, revisando as decisões dos Tribunais de Justiça do país. O mesmo ocorre com o TST e seus 27 ministros com relação às decisões dos TRTs. Existe a instância que julga (primeira) e aquela que revisa (segunda). Engano presente no senso comum, não existe “3ª instância”, mas sim 3º grau ou nível, já que os juízos são de 1º grau, 2º grau e grau superior (STF, STJ, TST, STM e TSE são tribunais de grau superior). Já as instâncias são móveis e dependem da lide; casos que devem ser propostos diretamente para os tribunais regionais, terão sua apreciação em 2ª instância nos tribunais superiores; caso contrário, a 2ª instância será apreciada no tribunal regional, seja do trabalho, federal ou de justiça. Compete à Justiça Federal processar e julgar as questões que envolvem, como autoras ou rés, a União Federal, suas autarquias, fundações e empresas públicas federais, dentre outras. Os juízes federais e os Tribunais Regionais Federais (TRFs) compõem a Justiça Federal, que conta também com os juizados especiais para julgar causas de menor potencial ofensivo e pequeno valor econômico. As ações de regresso movidas pela autarquia previdenciária (INSS) contra o empregador que descumpriu lei e gerou ônus aos cofres da Previdência (pensão por morte ou auxílio-doença acidentário) é julgada pela Justiça Federal. Também é essa a justiça competente para decidir sobre a concessão de aposentadorias, inclusive aquelas especiais com a antecipação do benefício em decorrência de condições insalubres, perigosas ou penosas no ambiente de trabalho. A Justiça Comum Estadual é composta pelos juízes de direito (que atuam na primeira instância) e pelos desembargadores, juízes que atuam nos tribunais de justiça. Assim como na Justiça Federal, possui juizados especiais cíveis e criminais para casos de menor potencial ofensivo e pequeno valor econômico. A ela cabe processar e julgar qualquer causa que não esteja sujeita à competência de outro órgão jurisdicional (Justiça Federal, do Trabalho, Eleitoral e Militar). Muitos tribunais estaduais organizaram suas varas divididas por competência exclusiva, tais como: varas exclusivas cíveis, varas exclusivas criminais, varas exclusivas da infância e juventude, varas exclusivas de violência doméstica, varas exclusivas de execução penal, juizados especiais da Fazenda Pública e varas de acidentes do trabalho (CNJ, 2018). Enquanto as ações de divórcio são julgadas pelos juízes estaduais das varas de família, as ações penais, envolvendo, por exemplo, acidente que vitimou trabalhador, serão 12 13 julgadas pelo juiz estadual de uma vara criminal. Também as ações previdenciárias acidentárias, interpostas pelo trabalhador contra o INSS, para a concessão ou revisão do benefício previdenciário, são de competência da Justiça Estadual. Observe que, como tal ação é movida contra o INSS, deveria, em primeira análise, ser julgada pela Justiça Federal (afinal, tem como parte uma autarquia federal). Porém, a CRFB estabeleceu expressamente no artigo 109, I que será a justiça dos estados a competência para decidir sobre tais questões. A Justiça do Trabalho tem a competência de julgar conflitos individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores e outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como as demandas que tenham origem no cumprimento de suas pró- prias sentenças. Os órgãos da Justiça do Trabalho são o Tribunal Superior do Trabalho (TST), os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e os Juízes do Trabalho, que atuam nas varas do trabalho. Além das reclamações trabalhistas para discutir pagamentos de diferenças salariais ou verbas rescisórias, esse é o ramo da justiça que recebe os pedidos de indenização por danos morais, que podem até ser coletivos, mas sempre em decorrência de uma relação de trabalho (não necessariamente de emprego) havida entre as partes. Saúde do Trabalhador: Contextualização e Desafios Os acidentes de trabalho e as doenças ocupacionais são um grande problema para a Saúde Pública em todo o mundo e o principal agravo à saúde dos trabalhadores, com elevados custos sociais e econômicos (OLIVEIRA, 2014; SILVA, 2014). Quando um trabalhador se acidenta ou adoece no trabalho, as repercussões não acontecem apenas na vida do indivíduo, mas na sociedade como um todo. Para as empresas, esses eventos afetam o custo de produção e forçam a elevação dos preços de bens e serviços, inter- ferindo no conjunto da economia. Oneram o Estado pela atenção à saúde que precisa prover aos trabalhadores afetados e pela ativação do sistema de previdência. Mas são as pessoas mais próximas do trabalhador acidentado ou doente que suportam as principais consequências,pois, além do sofrimento pessoal, os familiares com frequência passam pela redução de renda, interrupção do emprego e gastos com acomodação no domicílio (WÜNSCH FILHO, 2004; SANTANA et al., 2006). A Organização Mundial da Saúde (OMS), em documento de 2007, reitera que os tra- balhadores representam metade da população do mundo, são os principais contribuintes para o desenvolvimento socioeconômico e que a sua saúde é determinada não só por riscos no local de trabalho, mas também por fatores sociais e individuais, bem como o acesso a serviços de saúde (OMS, 2007). A OIT (Organização Internacional do Trabalho), que, desde a sua criação há 100 anos (em 1819), mobiliza nações em prol da melhoria das condições de trabalho existentes, conclamou governos, empresas e sociedade a promo- verem campanha urgente e vigorosa para combater os acidentes e doenças profissionais, classificadas como ‘epidemia oculta’ (OIT, 2013). 13 UNIDADE O Ordenamento Jurídico Brasileiro e a Saúde do Trabalhador Ao longo dos últimos 30 anos, houve importantes avanços na regulamentação da proteção dos trabalhadores, particularmente no que diz respeito a aspectos da SST em todo o mundo (OIT, 2015). O Brasil conta atualmente com um vasto conjunto normativo aplicável à proteção da saúde e segurança dos trabalhadores, que inclui tratados inter- nacionais, garantias constitucionais, normas regulamentadoras e outros dispositivos em leis ambiental, previdenciária, trabalhista e civil. Nossa legislação prevê instrumentos processuais não apenas para reparar os danos causados à saúde dos trabalhadores, mas também para prevenir que ocorram (SILVA, 2015; MELO, 2012; SILVA, 2014). A legislação ambiental brasileira abrange o meio ambiente do trabalho e permite agir preventivamente mesmo sem a certeza absoluta do dano (princípio da precaução) para proteger interesses coletivos (FIGUEIREDO, 2007; FELICIANO, 2006). A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988 atrelou a organização econômica do país à proteção do valor do trabalho humano, priorizando a “dignidade da pessoa humana trabalhadora” (MORI e FAVA, 2015). A existência digna para todos, conforme os ditames da justiça social, deve estar conjugada com a livre iniciativa e livre concorrência (artigos 1º, III; 170 caput e VI da CRFB). A saúde é declarada direito fundamental universal e dever do Estado, garantia constitucional que foi regulamentada pela Lei Orgânica da Saúde (8080/90) que criou o Sistema Único de Saúde (SUS). Na esfera do direito à saúde, encontra-se a Saúde do Trabalhador, definida na Lei 8080/90 (art. artigo 6º, §3º) como: um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho. A abordagem da Saúde do Trabalhador (ST) ocorre na investigação do processo de trabalho com a visão sistêmica e não de fatores de risco. A lógica da Saúde Pública, com prevenção de riscos, promoção da saúde e participação dos trabalhadores em perspectiva coletiva é incorporada na Saúde do Trabalhador (VASCONCELLOS, 2011). Ela surgiu como crítica ao modelo trabalhista-previdenciário ligado à Medicina do Trabalho e Saúde Ocupacional, para ultrapassar as visões reducionistas de causa e efeito de ambas as concepções, sustentadas pela visão unicausal entre doença e agente específico (MENDES e DIAS, 1991; LACAZ, 2007). Como é próprio da saúde coletiva, a ST agrega amplo aspecto de disciplinas, que inclui a sociologia, epidemiologia, ergonomia, ecologia, estatística, toxologia, engenharia de produção, ciências políticas, história e o direito. A ST rompe com a concepção hegemônica que estabelece um vínculo causal entre a doença e um agente específico ou a um grupo de fatores de risco presentes no ambiente de trabalho (MENDES e DIAS, 1991) e, contrariamente aos marcos da saúde ocupacional – em que os trabalhadores são vistos como pacientes, objetos de intervenção profissional –, na Saúde do Trabalhador, eles constituem-se em sujeitos políticos coletivos, depositários de saber emanado da experiência e agentes essenciais de ações transformadoras (MINAYO-GOMEZ, 2011). 14 15 No aspecto institucional, merecem destaque os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CRST, mais conhecidos como CERESTs), de inserção estadual e municipal, criados na estrutura do SUS para implementar ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde dos trabalhadores, no âmbito da sua área de abrangência (Portaria MS 1679/GM de 2002). Além da orientação e atendimento, os centros têm fiscalizado e punido empresas pelo descumprimento de normas de saúde e segurança do ambiente laboral. Após questionamentos judiciais, a sua legitimidade para fiscalizar o cumprimento das normas de SST e impor multas vem sendo reconhecida nos tribunais e, em 2016, pelo Tribunal Superior do Trabalho2. Outra instituição que tem sido protagonista na área da SST, principalmente com medidas preventivas, é o Ministério Público do Trabalho (MPT). O MPT é um dos ramos do Ministério Público da União, tem autonomia funcional e administrativa e, dessa forma, atua como órgão independente dos poderes legislativo, executivo e judiciário. Aos Procuradores do Trabalho cabe a tutela dos direitos sociais constitucionalmente garantidos, abrangendo o meio ambiente do trabalho. O MPT atua judicialmente propondo Ações Civis Públicas (ACPs) na Justiça do Trabalho, mas é a atuação extrajudicial que tem se destacado na prevenção de acidentes de trabalho. Os Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) são acordos extrajudiciais firmados com empresas principalmente em prol da SST que, se não cumpridos, são executados. Ressaltem-se, também, os Procedimentos Promocionais, conhecidos como “Promo”, que têm como escopo viabilizar a articulação social do MPT com outros atores sociais. Embora as vantagens da ação preventiva sejam unanimidade (pois o ideal almejado é a não ocorrência de acidentes), a fiscalização com orientação e, se for o caso, punição exemplar administrativa e/ou judicial, mesmo que reparatória (quando o dano à saúde do trabalhador já ocorreu), também têm grande relevância na diminuição do número de acidentes. No Brasil, há mais de um órgão legitimado a fazer a inspeção das condições de saúde e segurança nos ambientes de trabalho: Ministério Público do Trabalho, na pessoa dos seus procuradores do trabalho; Ministério do Trabalho, por meio dos seus auditores fiscais do trabalho; e mais recentemente os profissionais do Cerest, inclusive com a legitimidade para multar referendada em alguns tribunais regionais e também pelo TST, como abordado linhas acima. Apesar da estrutura institucional e normativa criada, a situação está longe de aceitável e grande número de trabalhadores continua encontrando a morte quando vai à busca do “ganhar a vida” (OLIVEIRA, 2014). Um dos grandes problemas da luta pela proteção da saúde e segurança dos trabalhadores no Brasil é a dispersão da responsabilidade pela proteção à saúde e segurança no trabalho por um excessivo número de órgãos estatais e a falta de unidade na atuação dos mesmos (BOUCINHAS FILHO, 2012). O Ministério da Previdência Social se encarrega dos benefícios acidentários (auxí- lio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez, pensão por morte) e o serviço de reabilitação profissional. Ao Ministério do Trabalho cabe a elaboração das Normas Regulamentadoras e a fiscalização no cumprimento das normas de SST. Enquanto esta 2 Processo: ARR - 389-35.2012.5.15.0094. Data de Julgamento: 03/02/2016, Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/02/2016. 15 UNIDADE O Ordenamento Jurídico Brasileiroe a Saúde do Trabalhador última atividade é realizada pelos auditores fiscais do trabalho, a primeira tem a coorde- nação do ministério, mas é realizada por comissão tripartite formada por representantes do governo, trabalhadores e empresas. A Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP), responsável pela criação e revisão das NRs, foi substituída pela Comissão Na- cional Tripartite (CNT) com a Portaria 59/2008. Além de integrar a CNT como repre- sentante do governo, a Fundacentro é o braço do Ministério do Trabalho que cuida do desenvolvimento de pesquisas e provê formação em SST. O Ministério da Saúde, por sua vez, coordena o SUS, que também atua na área da saúde do trabalhador (Cerests). Outro problema diz respeito ao modelo normativo brasileiro de SST que deixa vulnerável o trabalhador dentro do seu ambiente laboral. Em 1977, uma das medidas trazidas pela legislação para reduzir o número de acidentes e doenças ocupacionais foi a obrigatoriedade de as empresas possuírem um Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT), que é previsto no artigo 162 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e na Norma Regulamentadora 4 (NR4). Esses serviços consistem em um grupo interdisciplinar de profissionais que atuam nas questões de SST dentro da empresa, com composição obrigatória que depende do grau de risco da atividade e número de funcionários (anexos I e II da NR4). Segundo essa norma, o SESMT será constituído pelos seguintes profissionais: Médico do Trabalho, Engenheiro de Segurança do Trabalho, Técnico de Segurança do Trabalho, Enfermeiro do Trabalho e Auxiliar ou Técnico em Enfermagem do Trabalho. Ao lado da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), obrigatória para empresas com mais de 20 empregados e formada por representantes eleitos para mandato de 1 ano (regulada no art. 163 da CLT e NR5), essas duas figuras foram criadas para proteger a saúde e prevenir acidentes de trabalho. Porém, a lei não assegurou espaço de autonomia para a ação independente desses profissionais, e na prática reverteu-se em atuação burocrática e cartorial de defesa jurídica da empresa em caso de acidentes (INOUE e VILELA, 2014; JACKSON FILHO et al., 2013; COSTA et al., 2013). Nesse sentido, também se manifestou Homero Batista Mateus da Silva, ao apontar como dilema do SESMT o fato de o serviço nem sempre atingir os resultados almejados porque: achando-se seus ocupantes vinculados a contrato de trabalho com o empregador, dificilmente vão se envolver em alguma controvérsia so- bre a forma de trabalho e tampouco se deve supor que, em caso de litígio, penderão para o lado do empregado. Outrossim, a tendência é que naturalmente se priorize o tratamento clínico do empregado que apresentar algum distúrbio ou sintomas de enfermidades, em vez de atacar as causas da moléstia, que residem no meio ambiente de traba- lho. (SILVA, 2015, p. 42) 16 17 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Fórum Acidentes do Trabalho Espaço de discussão e troca de experiências, que promove gratuitamente encontros presenciais esporádicos em diversas cidades do país. https://goo.gl/gg32p2 Livros Saúde e segurança do trabalho no Brasil Livro online publicado pelo Ministério Público do Trabalho: FILGUEIRAS, Vitor Araújo [org]. Saúde e segurança do trabalho no Brasil. Brasília : Gráfica Movimento, 2017. Artigos que trazem aprofundamento de temas tratados nesta unidade. https://goo.gl/hCfSgH Vídeos Para que serve o direito? Vídeo da UFMG aborda a importância do Direito para os engenheiros. https://goo.gl/Xshf3q Leitura Índice de Súmulas Que tal fazer um levantamento das Súmulas do TST sobre a área de SST? Há muitas decisões que esclarecem sobre o cálculo dos adicionais de insalubridade e periculosidade, situações envolvendo a CIPA, qual a justiça competente para julgar dano moral decorrente de acidente de trabalho e outras. https://goo.gl/sI3iS 17 UNIDADE O Ordenamento Jurídico Brasileiro e a Saúde do Trabalhador Referências ALMEIDA, I. M; VILELA, R. A. G. Modelo de análise e prevenção de acidente de trabalho – MAPA. Piracicaba: CEREST, 2010. ARCURI, D. M. Nos bastidores do Conselho Nacional de Justiça. Revista do Advogado, São Paulo, n. 128, p. 13-21, dez/2015. ASSUNÇÃO, A. Á; LIMA, F. P. A. A contribuição da ergonomia para a identificação, redução e eliminação da nocividade do trabalho. In: MENDES, Renê (org.) Patologia do Trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: Atheneu, p. 1768-1789, 2003. BOUCINHAS FILHO, J. C. Reflexões sobre as normas da OIT e o modelo brasileiro de proteção à saúde e à integridade física do trabalhador. Revista LTr, São Paulo, n. 76, vol. 11, p. 1355-1364, nov/2012. 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