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Livro Cancão

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1
CANCÃO
a lua, o sol dos mendigos
(estudos críticos sobre o pássaro-poeta do Pajeú)
2
Copyright @ 2013 Edições UERN
Revisão 
Maria de Fátima Barbosa Mesquita Batista
Capa e diagramação
Gustavo Luz
Ilustrações
Jonas Tito
C215 Cancão: a lua, o sol dos mendigos: estudos críticos sobre o pássaro-
poeta do Pajeú. / Karlla Christine Araújo Souza, Lindoaldo 
Campos, Marcos de Camargo Von Zuben (Orgs). Mossoró: UERN, 
2013.
Edições UERN
182 f. 
ISBN: 978-85-7621-072-6
 1. Poesia brasileira. 2. Poesia popular. 3. Literatura brasileira - Poesia. 
I. Souza, Karlla Christine Araújo. II. Campos, Lindoaldo. III. Von Zuben, 
Marcos de Camargo. IV. Título.
 UERN/BC CDD B869.1
Catalogação da Publicação na Fonte.
 
 Bibliotecária: Elaine Paiva de Assunção CRB 15 / 492
3
CANCÃO
a lua, o sol dos mendigos
(estudos críticos sobre o pássaro-poeta do Pajeú)
Organização
Karlla Christine Araújo Souza
Lindoaldo Campos
Marcos de Camargo Von Zuben
4
Apresentação 
Karlla Christine Araújo Souza
Lindoaldo Campos
Marcos de Camargo Von Zuben
À guisa de prefácio 
Meca Moreno 
Cancão: a essência, a estrada, o elo 
Aroldo Ferreira Leão
Cancão e Augusto dos Anjos: 
diálogos entre o popular e o erudito
Josivaldo Custódio da Silva
Cancão, poeta irreverente 
Lindoaldo Campos
Sumário
8
14
 
 
31
 
 
45
69
5
O Cantar do Pajeú: tradição e oralidade 
na poesia do pássaro do sertão
Karlla Christine Araújo Souza
Imagens do inconsciente coletivo 
em Falando ao Mar 
de João Batista de Siqueira
Maria Nazareth de Lima Arrais
A dinâmica do signo 
no poeta Cancão e o marco do Pajeú
Nélson Barbosa de Araújo
Cancão: estrela de primeira grandeza 
no universo da poesia 
Vera Lucia Leite Mariano
Posfácio
Cancão, velho pajé: a cura pela 
poesia
Lydia Brasileira
86
104
125
155
176
6
Meca Moreno
Poeta, estudioso da poesia popular. Membro da União dos 
Cordelistas de Pernambuco – UNICORDEL e da União Brasi-
leira de Escritores – UBE.
Aroldo Ferreira Leão
Professor da Universidade Federal do Vale do São Fran-
cisco - UNIVASF. Pós-Graduado em Língua Portuguesa pela 
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Possui 141 liv-
ros publicados, dentre os quais o ensaio Cancão: os anjos são 
crianças muito sozinhas (Petrolina/PE: Copy Service, 2012), 
estudo crítico sobre a poesia do poeta popular João Batista de 
Siqueira, Cancão.
Josivaldo Custódio da Silva
Professor de Literatura Popular e Literatura Brasileira do 
curso de Letras da FFPNM (UPE). Doutor em Literatura e 
Cultura pelo PPGL/UFPB. Pós-Doutorando em Teoria da Lit-
eratura, com ênfase em Literatura Popular pelo PPGL/UFPE, 
sob a supervisão do Prof. Dr. Lourival Holanda.
Lindoaldo Campos
Licenciado em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio 
Grande do Norte – UERN. Mestre em Filosofia pela Universi-
dade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN.
Autores
7
Karlla Christine Araújo Souza
Doutora em Sociologia pela Universidade Federal da Par-
aíba. Professora do Departamento de Ciências Sociais e Políti-
cas - DCSP da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte 
- UERN e do mestrado em Ciências Sociais e Humanas PPG-
CISH/UERN.
Maria Nazareth de Lima Arrais
Doutora em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em 
Letras da Universidade Federal da Paraíba. Professora da Uni-
versidade Federal de Campina Grande (Campus de Cajazeiras/
PB).
Nélson Barbosa de Araújo
 
Doutor em Letras pela Universidade Federal da Paraíba – 
UFPB.
Vera Lucia Leite Mariano
Graduada em Letras pela Universidade de Pernambuco – 
UPE. Estudante de Psicologia na Universidade do Vale do São 
Francisco – UNIVASF.
Lydia Brasileira
Professora de Artes da Universidade Federal do Rio Grande 
do Norte – UFRN. Artista plástica, poeta, pesquisadora, au-
tora de Raízi gatingêras – de Ontôim e Terezinha Francisco Reis (Ca-
icó/2011).
8
Apresentação
Escudada pela portentosa Serra da Borborema, donde vinga o rio que lhe dá nome, a microrregião pernam-bucana do Vale do Pajeú é ventre e berço afamado de 
alguns dos maiores poetas brasileiros, como Rogaciano Leite 
(autor do monumental Carne e Alma) e Biu Crisanto (autor de 
Meu Trigal) e os repentistas Job Patriota, Antônio Marinho e os 
irmãos Dimas e Otacílio e Lourival Batista.
E foi aí, precisamente na cidade de São José do Egito, que 
nasceu João Batista de Siqueira, Cancão, e onde, nos dias 27 e 
28 de julho de 2012, realizou-se o evento culminante de uma 
extensa programação de atividades culturais implementadas 
em comemoração ao centenário de seu nascimento – a exem-
plo do Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatu-
ra do Sertão (Clisertão), que teve lugar em maio de 2012 em 
Petrolina-PE, e da 9ª Bienal Internacional do Livro, a se realizar 
em 2013 no Recife, em que Cancão será um dos homenagea-
dos.
Organizado pela Fundarpe – Fundação do Patrimônio His-
tórico e Artístico de Pernambuco, através do festival Pernam-
buco Nação Cultural, o evento contou com a presença de vários 
9
artistas, estudiosos e amigos do poeta, que puderam apreciar 
exposições de fotos, objetos pessoais e manuscritos de Cancão, 
lançamentos de livros, mesas de glosa e prosa, declamações, 
apresentações poético-musicais e palestras.
Pois bem: durante a realização do evento, a todos ficou pa-
tente a necessidade de se fazer registrar e tornar público um 
conteúdo mínimo daquilo que efetivamente foi um dos mais 
belos, fecundos e prazerosos encontros artístico-literários já 
realizados naquelas plagas tão ricas, mas infelizmente ainda 
não devidamente (re)conhecidas pelo próprio povo, por nós 
mesmos.
O presente volume é fruto deste paradoxo que é o paradoxo 
da própria vida do povo dali (e, de resto, de todo o sertão nor-
destino), que envolve, de um lado, a pujança de arte que sangra 
de suas mentes férteis e se espraia pelo Rio Pajeú e, de outro 
lado, a carência de atitudes de registro, preservação e divulga-
ção desta arte, deste mundo, que, afinal, é tudo o que temos e 
é tudo de que precisamos.
Aqui estão registradas as palestras proferidas pelos profes-
sores presentes na ocasião. O primeiro artigo de autoria de 
Aroldo Ferreira Leão, Professor da Universidade Federal do 
Vale do São Francisco – UNIVASF, é ponto de partida para uma 
renovação das leituras acerca da obra de João Batista de Siquei-
ra, Cancão. Ao citar alguns poemas do vate sertanejo, Aroldo 
abre às cordialidades que serão construídas ao longo do livro 
e expande a visão que temos do poeta, atribuindo para este os 
“patamares sublimes da recriação do momento”. Com lingua-
gem sonora, usando de “visões viscerais”, Aroldo causa admi-
ração por sugerir a magnitude do espírito de Cancão e, assim, 
aponta a estrada para que possamos percorrer a essência das 
10
sonoridades e dos sentidos da poesia cancaniana. Aroldo Leão 
enseja o elo que dará enredamento aos demais artigos. 
Enquanto Aroldo Leão apresenta Cancão como poeta popu-
lar de instrução primária, Josivaldo Custódio da Silva, Profes-
sor de Literatura Popular e Literatura Brasileira da Universida-
de Estadual de Pernambuco – UPE, faz uma comparação entre 
dois poemas de Cancão, O Ébrio e Flores do Pajeú, e o soneto Idea-
lismo de Augusto dos Anjos. O autor nos convida a adentrar no 
campo da literatura comparada através de um diálogo que está 
para além das fronteiras literárias, possibilitando-nos deslum-
brar o universo da criação artística. No artigo intitulado Cancão 
e Augusto dos Anjos: diálogos entre o popular e o erudito a noção de 
transversalidade está presente como leitura possível das obras 
dos dois poetas. Os procedimentos para a intertextualidade 
são os elementos estéticos e a melancolia como correlação te-
mática. 
Na esteira da análise de Josivaldo Silva, Lindoaldo Campos, 
Mestre e Professor deFilosofia da Universidade do Estado do 
Rio Grande do Norte – UERN, no artigo intitulado Cancão, po-
eta irreverente, faz uma análise estrutural da poesia de Cancão a 
fim de argumentar sobre as cesuras entre a irreverência deste 
poeta e sua relação com a poesia popular, uma vez que não 
amolda o poeta como continuador dos parâmetros estéticos da 
cantoria. Para Lindoaldo Campos, Cancão realizou, através da 
palavra escrita, uma “poesia de bancada”. Afirma ainda que 
Cancão voejou com liberdade em relação aos paradigmas da 
poética popular, sendo várias suas inovações: em relação aos 
temas, expressou lírica confessional e introspectiva; quanto à 
métrica, construiu versos em quadra, quinteto, sextilha, oita-
va, décima e soneto; quanto à variedade rítmica, utilizou rimas 
11
encadeadas e versos hendecassílabos nos sonetos. Enfim, o au-
tor dá provas do seu vasto conhecimento da obra de Cancão e 
apresenta um modelo de compreensão que passa pelo estudo 
das suas qualidades literárias. 
Em uma perspectiva um pouco discrepante, no artigo se-
guinte, que se intitula O Cantar do Pajeú: tradição e oralidade na 
poesia do pássaro do sertão, assinado pela Professora Doutora em 
Sociologia Karlla Christine Araújo Souza, a autora resguarda 
para a obra de Cancão a convivência entre dois modos de co-
municação, o oral e o escrito, sem desvincular a poesia canca-
niana do contexto da tradição oral presente na região em que o 
poeta nasceu e viveu. Para a autora, Cancão é um intelectual de 
seu povo e de sua cultura, ao mesmo tempo em que registra as 
oralidades impressas na natureza, na fauna, na flora, no canto 
dos passarinhos e dos poetas do Pajeú. Uma das razões desse 
elo entre a tradição e a poesia de Cancão se manifesta na per-
manência no lugar e nas raízes ancestrais comuns. A proposta 
do artigo consiste numa definição transdisciplinar do conheci-
mento a partir de uma lógica integradora e uma compreensão 
do mundo que se liga à universalidade da condição humana. 
Em seguida, Maria Nazareth de Lima Arrais vai além e reli-
ga os poemas de Cancão aos aspectos do inconsciente humano 
e da natureza espiritual. No artigo Imagens do inconsciente 
coletivo em Falando ao Mar de João Batista de Siqueira, a autora, 
Doutora em Letras, apresenta uma análise minuciosa do po-
ema Falando ao Mar e destaca os elementos da natureza: mar, 
terra, céu, lua, como metáforas dos arquétipos que condensam 
aspectos da natureza humana inconsciente. Uma das projeções 
arquetípicas é feita em relação à alcunha de Cancão, que repre-
senta, enquanto pássaro, uma ligação com as intuições secre-
12
tas. Outra projeção arquetípica importante é simbolizada por 
Deus, que indica a totalidade psíquica Self, superior a sizígia 
(lógica das oposições) e que significa a unidade do ser. A partir 
dessas imagens que revelam o inconsciente coletivo, Nazareth 
Arrais apresenta Cancão como pintor das paisagens humanas, 
conhecido de seu povo, ao mesmo tempo simples e complexo. 
Para conciliar as múltiplas faces associadas à poética can-
caniana, o Professor Doutor em Literatura, Nelson Barbosa 
Araújo, apropria-se dos signos linguísticos e históricos para 
apresentar Cancão como marco inexpugnável do Pajeú em ar-
tigo intitulado A dinâmica do signo no poeta Cancão e o marco do 
Pajeú. O autor enfatiza os paradoxos presentes nas ocorrên-
cias da vida de Cancão que se inteirando dos fatos ecológicos e 
históricos em seu entorno, tais como, guerras, secas, cangaço, 
quis conhecer cada vez mais assuntos ligados à natureza. Todos 
os fatos se confrontam com o ideal de liberdade e de vida, de 
fartura e de exuberância que o poeta retratou. Mais uma vez, 
percebemos atenção concentrada ao signo Cancão, destacado 
como som onomatopaico de ave forte e resistente às secas, sig-
nificante para o homem do campo. Signo que potencializaria o 
reconhecimento e a aceitabilidade popular do poeta, ao passo 
que o torna simpático sabedor das coisas populares e huma-
nas. Por seu lado, Cancão ouvia as histórias vindas da boca do 
povo, agricultores, poetas, repentistas, contadores de histórias, 
para conhecer o lugar em que vivia. Dito isto, Nelson Araújo 
finaliza, argumentando que o poeta, tal qual o pássaro de olhar 
biônico, estava atento aos valores de sua terra.
O sétimo artigo encerra essa coletânea de forma resplande-
cente. Vera Lúcia Leite Mariano, graduada em Letras, apresen-
ta Cancão como Estrela de primeira grandeza no universo da poesia. 
13
Vera recorre ao repentista Geraldo Amâncio para dizer que João 
Batista de Siqueira foi tão grande que não se apercebeu. A au-
tora faz um passeio pela obra de Cancão ressaltando alguns de 
seus aspectos subjetivos, a abordagem dos temas existenciais, 
o prazer em destacar a beleza da paisagem sertaneja, a enge-
nhosidade poética, a recorrência à temporalidade, o onirismo, 
a solidão e o cuidado, dimensão que desperta para o zelo com 
os que estavam à margem. De modo sintético, o último artigo 
recupera o desejo de todos que, de um modo ou de outro, ten-
taram desvelar os sentimentos deste poeta encantado.
A todos os autores que contribuíram com seu brilho para 
iluminar ainda mais o céu de Cancão e do sertão, deixamos 
nossos inefáveis agradecimentos.
Por fim, uma palavra de agradecimento especial à Profa. 
Maria de Fátima Barbosa Mesquita Batista e ao Prof. Álvaro 
de Mesquita Batista, que com sua sabença nos honram com 
sua companhia nesta peleja em demanda da irredenta cultu-
ra do Povo do Sertão Profundo. Bem como ao corpo docente 
do Mestrado Interdisciplinar em Ciências Sociais e Humanas 
PPGCISH da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte 
- UERN, a quem devemos o apoio intelectual e financeiro desta 
obra.
Karlla Souza
Lindoaldo Campos
Marcos de Camargo Von Zuben
(organizadores)
14
À guisa de prefácio
Meca Moreno 
No dia 28 de julho de 2012, em São José do Egi-to/PE, participei de uma mesa de literatura com gente grande e sábia, a falar para uma plateia de 
pessoas tão grandes e tão sábias quanto aquelas que comigo 
estavam à mesa. Senti-me, de fato, o mais sortudo e mais feliz 
de todos os eternos aprendizes. Além da honra, o prazer de 
estar ali para falar, para ouvir e admirar mentes tão brilhantes. 
O tema versava sobre o grande homenageado da festa: Cancão 
e a tradição poética do Sertão do Pajeú.
Neném Patriota, professor da Faculdade de Afogados da 
Ingazeira, Pernambuco, poeta da casa, poesia no DNA, com 
seu jeito muito peculiar de quem domina as palavras, deu um 
show no seu discurso, encerrando-o com um poema belíssimo, 
numa fusão envolvente de poetas do passado e uma carreira 
enorme de grandes nomes da atual geração.
Para justificar a enorme efervescência poética da região 
pajeuzeira, bem como da região da Serra do Teixeira, Paraíba, 
fronteiriças entre si, na minha palestra falei da influência da 
poesia árabe trazida para nós já nas primeiras caravelas e nas 
que se seguiram a transportar gentes de outras partes do mun-
15
do, especialmente da Península Ibérica, dentre eles, a princí-
pio, principalmente portugueses, árabes e judeus em sua quase 
eterna diáspora.
Em um momento seguinte, a invasão holandesa em Per-
nambuco e o domínio de suas tropas, com um governo laico, 
o que de certo modo, mais que fortalece a ideia do porquê da 
presença de tantos não cristãos de origens árabe e judaica a 
viver livremente em terras pernambucanas, incluindo os atuais 
Estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba e até fronteiras do 
Rio Grande do Norte e Ceará
Por este viés, procurei mostrar que após a “expulsão” dos 
holandeses, em 1654, ocorreu o retorno do comando da mo-
narquia portuguesa e, a ela atrelado, o domínio cristão da Igre-
ja Católica, através do medo imposto pela inquisição.
A força da conversão obrigatória ao cristianismo católico 
fez multiplicar a quantidade de cristãos novos e deu origem a 
um processo de fuga dos povos não cristãos de origens árabe e 
judaica. Com medo da perseguição, muitos fugiram para além 
mar, especialmente paraa América do Norte e particularmen-
te aqueles mais ligados à judiaria oriunda de Holanda. Outros 
tantos se aventuraram no rumo do interior, levando consigo a 
matriz poética nascida em meio às tribos habitantes da Penínsu-
la Arábica, no Oriente Médio, que atravessou o Mar Vermelho, 
tomou conta de todo o norte da África e atravessou o Estreito de 
Gibraltar com a denominada Invasão Moura e tomou conta da 
Península Ibérica, onde encontrou admiradores e permaneceu 
oficialmente por quase oitocentos anos, digo, setecentos e oi-
tenta e um, para ser mais preciso, de 711 a 1492. Com as gentes 
ibéricas, mouros e judeus atravessaram o Atlântico e em toda a 
América do Sul e América Central plantaram sementes poéticas. 
16
Por aqui, a partir da margem norte do Rio São Francisco, que 
limita e separa os Estados de Alagoas e Pernambuco dos Estados 
de Sergipe e Bahia, até os limes dos Estados do Ceará e Piauí, 
conseguimos captar fortes indícios das presenças de não cristãos 
que conseguiram adentrar e sobreviver no interior do Nordeste, 
entretanto, é na região limítrofe Paraíba/Pernambuco, especial-
mente na Serra do Teixeira, estado da Paraíba, que encontramos 
claras evidências que dão conta da presença de poetas descen-
dentes daquelas famílias que buscaram sobrevivência longe do 
domínio cristão católico, a fugir da inquisição, como é o caso dos 
ancestrais de Agostinho Nunes da Costa (1797-1858) e de seus 
filhos Nicandro Nunes da Costa(1829-1918) e Ugolino Nunes 
da Costa (1832-1895), poeta repentista e violeiro, também co-
nhecido como Ugolino do Sabugi. 
De lá pra cá, os registros são mais claros quando essa mes-
ma poesia iniciou o seu caminho de volta junto aos agricultores 
e pecuaristas a partir do Ciclo do Couro. Vem daí o termo poe-
sia sertaneja. Tudo isso explica essa difusão do modelo poético 
árabe, disseminado por árabes e judeus, a exemplo das conhe-
cidas Comunidades Moçárabes da Península Ibérica, cuja arte 
resiste até os dias atuais, principalmente no sul da Espanha.
O poeta Cancão nasceu e viveu na região fronteiriça dos 
dois estados – Pernambuco/Paraíba, em São José do Egito, Per-
nambuco, tendo, à época, o seu distrito Umburanas, que de-
pois recebeu o nome de Itapetim, atual cidade que se avizinha 
à cidade de Teixeira, Paraíba.
Ali, a poesia se sobrepôs sobre a linha divisória dos Estados 
de Pernambuco e Paraíba. Devido à efervescência poética tão 
intensa naquele canto de mundo, com certeza podemos afir-
mar que aquele lugar é o país da poesia. 
17
E foram eles, os membros daquelas famílias fugidias da in-
quisição, que levaram e mantiveram, preservando de maneira 
quase que isolada, durante aproximadamente cinco ou sete ge-
rações, o modelo poético levado por seus ancestrais, até que, 
com o chamado Ciclo do Couro, incentivado pela coroa lusa 
para povoação e desbravamento daquelas sesmarias e, em se-
guida, devido à necessidade de se chegar até o litoral, garan-
tindo a passagem do gado, iniciou-se o caminho de volta da 
cultura poética daqueles colonos desgarrados, misturados aos 
comerciantes e almocreves, muitos praticando o mesmo ofício. 
Assim, aquele modelo poético passou a ser herança de todos 
nós, inclusive do poeta Cancão, que, como veremos, foi além. 
Até o ano de 2007 eu conhecia apenas parte de sua obra. So-
mente a partir do dia 24 de novembro daquele ano, passei a ter 
um contato mais direto com a obra completa do poeta pássa-
ro, isto se levando em consideração os livros que ele publicou 
e mais um apanhado considerável que o poeta e pesquisador 
Lindoaldo Vieira Campos Júnior conseguiu reunir e organizar 
em um só livro que tem o feliz título de Palavras ao Plenilúnio. 
Passei a ter em mãos uma obra belíssima, contendo os três 
livros do poeta João Batista de Siqueira – Cancão: Musa Ser-
taneja (1967), Flores do Pajeú (1969) e Meu Lugarejo (1979), 
além dos poemas inéditos do seu livro Chave de Ouro, que ele 
não teve tempo de publicar, e outros poemas seus, gravados 
por amigos, alguns presos na memória, a sete chaves.
Naquela data, na cidade do Recife, o Mercado da Madalena e 
seus frequentadores viveram mais um dia de glórias. A poesia de 
Cancão transformou o então apenas passivo admirador em apai-
xonado apologista. A partir do livro, interessei-me muito mais 
pelo poeta, por sua obra e pelas pessoas que o conheceram.
18
Cancão soube descrever até mesmo o indescritível, o que 
levou outros mestres a reverenciá-lo. O também poeta, apo-
logista e professor José Rabelo disse que o Reino Encantado 
da Poesia de São José do Egito possui três faraós: os poetas 
Antônio Marinho (1897-1940), Rogaciano Leite (1920-1969) 
e Lourival Batista Patriota (1915-1992). Entretanto, o mesmo 
ilustre poeta e professor José Rabelo declarou que, daquele rei-
no, João Batista de Siqueira – Cancão (1912-1982) seria sumo 
pontífice e santo, elevando-o, assim, a uma categoria divinal. 
Em Palavras ao Plenilúnio, Lindoaldo Júnior apoia-se em 
vários monstros sagrados da literatura, da dramaturgia, da psi-
cologia, da antropologia, da sociologia e da filosofia a fim cla-
rear os caminhos para uma melhor compreensão da poética e 
da alma do gênio pajeuzeiro. Entretanto, por mais que se tenha 
estudado, observado, percebido, dito, ainda é quase nada dian-
te da humilde grandiosidade de João Batista de Siqueira, que 
de tão vasto impossibilita-nos enxergar o todo. Mesmo seg-
mentando-o, torna-se impossível percebermos sequer nuances 
das lindes entre a simplicidade do homem e a genialidade do 
poeta. Em verdade, homem e poeta nasceram, viveram e conti-
nuam amalgamados. Apenas a materialidade foi-se.
Prova do que digo são os textos que se seguem a este introito 
e, literalmente atestam o que relato de modo muito melhor do 
que eu digo.
Inicialmente, temos Aroldo Ferreira Leão, Professor da Uni-
versidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF, pós-
-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do 
Rio de Janeiro – UFRJ. Dentre os 141 livros publicados pelo 
ilustre Professor está o ensaio Cancão: os anjos são crianças 
muito sozinhas (Petrolina/PE: Ed. Copy Service, 2012), estudo 
19
crítico sobre a poesia do poeta popular João Batista de Siquei-
ra, Cancão.
No presente livro, o Professor Aroldo Leão, em Cancão: a 
essência, a estrada, o elo, apresenta-nos um texto riquíssimo, 
ponteado de aliterações fantásticas, firmes, fílmicas, fazendo-
-nos perder o fôlego frente a tão fortes e por vezes fugazes 
imagens, ora cálidas e exuberantes, ora infinitamente peque-
nas para serem percebidas a olho nu, mas agudas, belas, claras 
e majestosas quando reveladas, dignas da apreciação divina. 
Às vezes lentas como um desabrochar rosáceo, mas por vezes 
como um raio, rápido, frenético, elétrico, cinematográfico, si-
napse neural. Tudo sem perder a harmonia que lhe é peculiar.
Poeta que é, apaixonadamente impregna toda sua prosa com 
as cores mais diversamente poéticas, levando o nosso caleidos-
cópio para depois do imagético e muito além das palavras. Sua 
intimidade com a poesia canconiana torna-o um observador 
muito acima da média. Sua percepção leva-o a atestar um gosto 
e uma preferência diferente da disposição dos esquemas rimá-
ticos tradicionais da cantoria de viola, o que de certo modo, 
pode justificar o porquê de o poeta ter deixado de cantar repen-
te ainda muito jovem. Queria experimentar mais, voejar mais 
em outros ritmos poéticos e esquemas de rimas, especialmente 
nos chamados versos compridos e, principalmente nos decassí-
labos. Os professores Aroldo Leão e Lindoaldo Vieira Campos 
Júnior mostram experiências do poeta com ritmos diferentes 
entre si, cada um com suas devidas particularidades, harmoni-
camente perfeitos, dentro do Sistema Silábico Acentual, como 
nos versos heroicos, que possuem uma acentuação tônica obri-
gatória nas sílabas poéticas de números 6 e 10.
O chamado verso heroico é o mesmo tipo de verso usado 
20
por Luís de Camões no seu poema épico Os Lusíadas, intei-
ramente escrito em estrofes de oito versoscada, chamadas de 
oitavas. Cancão também fez uso dos versos de Gaita Galega ou 
Moinheira, com acentuação tônica obrigatória nas sílabas poé-
ticas de números 4, 7 e 10; os versos Sáficos, também aparecem 
na produção canconiana. O termo sáfico é uma homenagem à 
poetisa grega Safo, da cidade de Eresos, Ilha de Lesbos, ativo 
centro cultural no século VII a.C. Nasceu entre 630 e 612 a.C. 
Polêmica, mas muito respeitada e apreciada durante a Antigui-
dade, chagando a ser considerada a décima musa. Derivam do 
seu nome os poemas e versos sáficos, que têm uma acentuação 
tônica obrigatória nas sílabas poéticas de números 4, 8 e 10.
O poeta também experimentou e fez muito bom uso dos 
versos de Martelo, especialmente na época em que participava 
como repentista, nas cantorias, ao som da viola. É o modelo 
de verso decassílabo mais usado na poesia popular nordestina, 
com acentuação tônica obrigatória nas sílabas poéticas de nú-
meros 3, 6 e 10.
O nosso Martelo Agalopado segue o mesmo padrão. É uma 
variante da décima. Originalmente existiam os versos de Mar-
telo, composto de estrofes de seis versos decassílabos com 
ritmo acentuado nos mesmos ictos, com rimas cruzadas, as-
sim representados: ABABAB. O gênero ficou conhecido como 
Martelo Cruzado ou Cruzada Marteliana, em homenagem ao 
seu criador, o poeta francês Jaime Pedro Martelo (1665-1727), 
que também foi diplomata e professor de literatura da Univer-
sidade de Bolonha, Itália.
No Nordeste do Brasil, a décima com versos de Martelo 
adaptou-se muito bem como mais uma variante da décima. 
Atribui-se ao poeta paraibano, nascido do município de Patos, 
21
Silvino Pirauá de Lima, a adaptação dos versos de Martelo, da 
Cruzada Marteliana para a estrofe Espanhola ou Espinela, que 
possui o esquema de rimas ABBAACCDDC, modelo estrófico 
criado pelo poeta espanhol Vicente Espinel (1531-1634). Daí 
sua denominação, como podemos observar no livro ABC da 
Poesia, de Lindoaldo Campos (Ed. Sebo Vermelho, Natal, RN).
É tão impressionante o poder imagético da poesia canco-
niana que nos leva a crer que o autodidata Cancão conheceu 
obras de Casimiro de Abreu, Fagundes Varela, Castro Alves 
e até mesmo Augusto dos Anjos e outros vates tão valorosos 
que podem tê-lo influenciado e, em alguns casos, pode ter ele 
superado os gênios citados.
Por sua vez, o professor Josivaldo Custódio da Silva, com 
sua vivência nos campos poéticos popular e erudito, em Can-
cão e Augusto dos Anjos: diálogos entre o popular e o erudito 
conduz-nos numa viagem mística através da arte poética de 
dois verdadeiros mestres: Cancão e Augusto dos Anjos. Utili-
za-se de técnicas da literatura comparada e do estudo da me-
lancolia, presente em ambos. Isto se dá a partir da análise de 
sonetos dos poetas. 
No seu texto, aos poucos, com a intimidade que tem com o 
verso, pega o leitor pela mão e, como numa brincadeira, leva-
-o a um campo aparentemente de fácil domínio, mas com um 
nível de detalhamento mais complexo do que a maioria possa 
imaginar: a versificação. Brincando, o leitor passa a ter noções 
de rima, métrica, oração, imagem e ritmo poéticos. Uma ver-
dadeira aula de poesia com alguém que tem na vivência com os 
grandes poetas, o seu campo experimental in loco.
A despeito de não ter conhecido pessoalmente o poeta João 
Batista de Siqueira, declaro-me seguidor de sua trilha poética 
22
e estudioso de sua obra mesmo antes de conhecê-la em qua-
se sua totalidade através de Palavras ao Plenilúnio, o que me 
levou a ter contato com muitos dos que tiveram o agrado, a 
satisfação da sua convivência, como os poetas Zé Silva, Beatriz 
Passos, Ésio Rafael, Marcos Passos, Zelito Nunes, Sebastião 
Dias, Lamartine Passos, Antônio de Catarina, Paulo Passos, 
Manoel Filó, Jorge Filó, Dedé Monteiro, Zé de Mariano, Wilson 
Freire, Jó Patriota, Lourival, Dimas e Otacílio Batista, Geraldo 
Amâncio, Aleixo Filho, João Paraibano e mais um caminhão de 
gente que o conheceu de perto e testemunhou sua história. No 
meio dessa mesma gente, ouvi testemunhos sobre o motivo da 
revolta do poeta ao escrever a décima aqui estudada. Assim, 
tomo a liberdade para contextualizar o momento e as circuns-
tâncias que levaram o poeta Cancão a compor tal décima anali-
sada pelo professor Josivaldo e penso que assim, o leitor possa 
melhor entender e concluir que o poeta não era assim, niilista, 
ou que por fim, diante das mesmas circunstâncias, todos nós 
seríamos.
A cena: Um homem, montado em um jumento chega à fei-
ra, de manhã, cedinho. Após amarrar o quadrúpede em local 
sem água e sem alimento para o dito cujo, seu suposto dono sai 
e desaparece. Faminto e sedento, o asno não pode fazer nada 
a não ser esperar. Ao final da tarde, fim de feira, seu dono rea-
parece, com claros sinais de embriaguez. Ao tentar conduzir o 
faminto e sedento jerico de volta para casa, o animal avistou ali 
próximo, uma poça de água e para lá dirigiu-se a fim de saciar 
sua sede, contrariando a vontade e o comando do seu dono e 
carrasco. Assim, o homem, esbravejando palavrões, sacou sua 
faca peixeira e desferiu enorme quantidade de golpes contra o 
animal, matando-o porque aquele o “desobedecera”.
23
Pouco tempo depois a notícia chegou aos ouvidos de Can-
cão, amante ímpar da natureza em todos os seus aspectos. 
Num ímpeto de fúria e revolta, o poeta escreveu a décima em 
questão, que pela primeira vez foi publicada “Uma fera endia-
brada...”, no livro Antologia Ilustrada dos Cantadores, de Fran-
cisco Linhares e Otacílio Batista (p. 264). 
Todavia, nessa publicação, bem como em Palavras ao Ple-
nilúnio, organizado por Lindoaldo Vieira Campos Júnior (p. 
365), a referida décima aparece isolada do contexto. Não apa-
recendo “nenhuma ação que incrimine o outro condenado pelo 
eu poético, mas pelo tom com que ele se refere a esse ser, só 
pode ser algo bárbaro”. O que leva o analista a interpretar um 
negativismo comum ao poeta. 
Deste modo, com a explicação acima, concluímos que a dé-
cima em si, vista isoladamente, separada do seu contexto real, 
pode ter, sim, um acentuado tom de niilismo, impossível de 
escapar aos melhores observadores, mas, como vemos, Cancão 
é o mais telúrico de todos os poetas. Sua poesia reacende em 
nós, atavismos inexplicáveis para a maioria.
Com sua maestria, o professor Josivaldo Custódio da Silva 
descobriu que a poesia está para além do verso. Por isto lutou 
muito e, com a ajuda e o respeito de tantos, conseguiu intro-
duzir a poesia popular como cadeira regular e obrigatória no 
currículo dos estudantes do Curso de Letras da Universidade 
de Pernambuco – UPE, Campus Nazaré da Mata.
No seu artigo Cancão, poeta irreverente, o filósofo e profes-
sor Lindoaldo Vieira Campos Júnior apresenta-nos um Cancão 
que não se contenta com os modelos utilizados na conhecida 
poesia sertaneja, não se contém e aventura-se através de tantas 
outras criações estróficas, rímicas e rítmicas. Seus voos alcan-
24
çaram um vocabulário mais amplo e outros modelos que se so-
maram ao seu já vasto, querido e precioso cabedal. O gênio não 
se cansava de incorporar outros gêneros e estilos para brindar e 
compartilhar com os poetas da sua terra.
Deixou a viola de lado para ousada e corajosamente assumir 
a condição de “poeta de bancada” ou “poeta de gabinete”, cer-
tamente para poder atingir outros níveis no entendimento e na 
construção poética que somente através de um estudo mais fo-
cado e concentrado poderia alcançar e obter um domínio mais 
apurado e pleno do verso e da palavra através da escrita. Te-
mos aí, o poeta pássaro em vôo solo, ultrapassando fronteiras 
e quebrando padrões, não para destruir os ora existentes, mas 
para enriquecer e dar mais flexibilidade ao poeta e ao verso, 
sobretudo ao primeiro. Lindoaldo sabiamente compara-o a Job 
Patriota, Rogaciano Leite e Castro Alves, apontando-lhes se-
melhanças líricas e poético-sociais. 
No verso, Cancão queria sentir o prazer e a mesma liber-
dade que sentia no voo. E assim magistralmente o fez nas 
quadras, nos quintetos ou quintilhas,nas sextilhas e oitavas, 
construiu décimas geniais e deixaria orgulhoso o francês Gi-
rard de Bourneuil, trovador provençal que morreu no ano de 
1278, criador do soneto, bem como orgulhoso também ficaria 
Petrarca (1304-1374), o italiano que aperfeiçoou o gênero que 
o mundo adotou, tornando-o clássico através dos chamados 
poetas eruditos.
Em Portugal, o soneto foi introduzido por Sá de Miranda, 
vate português que esteve na Itália de 1521 a 1526, e bebeu do 
legado petrarquiano, levando o modelo para terras lusas, onde 
os geniais Camões e Bocage encantaram-se com o gênero e pas-
saram a fazer parte do grupo dos seus grandes representantes.
25
Os sonetos de Cancão e de Bocage fazem jus ao termo que 
vem dos poetas da Provença medieval (antiga região da sul da 
França), e quer dizer pequena canção, “do provençal so (can-
ção), sonet (pequena canção), passando pelo italiano sonètto” 
(Carlos Martins, Noções de Versificação Portuguesa).
Cancão brincava com os versos e criava novos modelos. Fez 
quadras com versos de Martelo (3, 6 e 10) com cesura na 4ª 
sílaba, criou quadras com versos hendecassílabos do tipo Ga-
lope à Beira Mar, que possui acentuação tônica obrigatória nas 
sílabas poéticas de números 2, 5, 8 e 11, colocando a cesura na 
5ª sílaba poética.
Usou e abusou da rima interna nos versos emparelhados, 
especialmente nos versos compridos (decassílabos) e nos cha-
mados versos de arte maior (hendecassílabos). Ao ler o texto 
de Lindoaldo, o leitor vai encontrar muito mais e compreender 
melhor como Cancão chega a ser erudito sem nunca ter deixa-
do de ser popular.
Pode parecer paradoxal, mas em O Cantar do Pajeú: tra-
dição e oralidade na poesia do pássaro do sertão, a professo-
ra Karlla Christine Araújo Souza traz para nós visões através 
de ângulos distintos, por vezes até antagônicos, do ponto de 
vista do senso comum, a fim de nos apresentar uma visão de 
complementaridade entre oralidade e escrita. Apoia-se em dis-
sertação de sua autoria: “A Poesia de Repente volta para casa: 
Itapetim no Circuito dos Congressos de Violeiros”, a fim de 
colocar o leitor dentro da cena inspiradora do poeta Cancão 
e de seus pares mais conhecidos, contemporâneos do poeta e 
outros bardos participantes dos Congressos de Violeiros Ama-
dores de Itapetim.
Baseada nas palavras do historiador Paul Zumthor, tem a fe-
26
licidade de afirmar que a vocalidade depende da performance. 
Pelo mesmo prisma, observa Teófanes Leandro: “Cancão canta-
va se bulindo; os versos lhe vinham de borbotão”. E, segundo, 
Lindoaldo Campos afirma, ainda referindo-se ao mesmo Can-
cão, aqui mesmo, neste volume: “Numa ânsia tal em expressar 
suas emoções que sua expressão corporal certamente causava 
(no mínimo) espanto às audições acostumadas com o porte 
austero, majestoso com que os cantadores tradicionalmente se 
apresentavam (e se apresentam)”.
Karlla acrescenta e esbanja conhecimento quando alerta 
para as diferenças existentes entre oralidade e vocalidade, tra-
dição oral e transmissão oral. 
Ainda acrescenta e apoia seus estudos na conceituada pro-
fessora Maria da Conceição de Almeida, que nas suas pes-
quisas sobre os saberes da tradição e os saberes científicos, 
conclui que ambos devem ser respeitados, cada um em seu 
campo de importância, mas que os mesmos são complemen-
tares no nível do conhecimento humano.
Por fim, ela nos coloca diante de um poeta intelectual da tra-
dição, que possui uma estreita relação com a natureza, que che-
ga a colocar de maneira onomatopaica, as vozes e grunhidos da 
natura dentro dos seus poemas. Categoricamente ela afirma: “A 
obra de Cancão ressoa num apelo da poesia da oralidade, mas 
dialoga com a literatura canonizada e com a prosa da construção 
do conhecimento científico, dando-nos um exemplo de criativi-
dade e lógica (re)integradora”.
No texto, sua autora consegue unir objetos considerados dico-
tômicos e excludentes, através da cognição do pensamento entre 
rivalidade e solidariedade. Enfim, é o resultado dessa dialógica 
que a professora Karla Christine nos apresenta com maestria.
27
No artigo Imagens do inconsciente coletivo em Falando ao 
Mar de João Batista de Siqueira, da professora Maria Nazareth 
de Lima Arrais, deparamo-nos com o imagético inconsciente 
coletivo do mundo canconiano, a partir de uma análise do po-
ema Falando ao mar, fundamentada na teoria semiótica de Al-
girdas Julien Greimas (1917-1992), linguista lituano de origem 
russa que deu enorme contribuição para a teoria da Semiótica, 
bem como também fez estudos sobre mitologia, especialmente 
a mitologia da Lituânia.
No mesmo texto, A professora Maria Nazareth também faz 
uma análise do texto canconiano sob a perspectiva da teoria do 
inconsciente, de Carl Gustav Jung (1875-1961), suíço de nasci-
mento, considerado o pai da psicologia analítica ou psicologia 
junguiana.
Por ser natural da cidade de Princesa Izabel, Paraíba, o pro-
fessor Nelson Barbosa de Araújo é também um dos grandes 
conhecedores das coisas e das gentes do sertão. Com olhar de 
poeta e mente irrequieta qual menino buliçoso, no seu artigo 
A dinâmica do signo no poeta Cancão e o marco do Pajeú, des-
perta o pesquisador que conhece por demais o modo de viver 
e as artimanhas para sobreviver com dignidade, dentre elas, a 
nobre arte poética.
Barbosa de Araújo vê em Cancão um poeta diferente porque 
é justo que se faça esse tipo de análise. Vê um poeta que tem 
um domínio incomum sobre o signo linguístico ao ponto de 
adequá-lo conforme a situação, o que demonstra uma enorme 
capacidade de adaptação, conforme o seu próprio discurso po-
ético, inclusive com o acréscimo de neologismos. Daí, a per-
cepção da perfeição do seu gênio criativo.
O poeta veio ao mundo durante confrontos políticos e so-
28
ciais de grande vulto. e em seguida viveu duas grandes guerras 
mundiais. Nesse entremeio conviveu com todos os reboliços 
sociais e econômicos advindos dos reflexos daqueles e de ou-
tros confrontos locais, a exemplo do cangaço, da Guerra de 
Princesa, das grandes secas de 1915 e 1942 e de tantos outros 
eventos locais, nacionais e internacionais. 
Viu toda a alegria sertaneja vicejando entre as flores do al-
godão que movimentava os sertões. A fartura na invernada e o 
sofrimento da seca. O contato com beiradeiros contadores de 
causos e poetas era frequente. Os folhetos de feira, hoje conhe-
cidos como literatura de cordel, às vezes sem figuras na capa 
(capa nua), outras com figuras de artistas de cinema e já em 
seguida as capas com xilogravuras. 
Para falar de Cancão, o professor Nelson vai de Santo Agos-
tinho a Ferdinand Saussure, trazendo-o para o presente, per-
passando por uma diversidade temática de fazer inveja aos 
maiores criadores. 
Melhor mesmo é ler o artigo do professor e perceber os 
gorjeios do poeta pássaro desde a alvorada até o arrebol para 
depois adentrar a noite que guarda tantos segredos que somen-
te os poetas e os meninos são capazes de revelar.
No artigo Cancão: estrela de primeira grandeza no univer-
so da poesia, a professora Vera Lúcia Leite Mariano mostra-
-nos um poeta paisagista de tão inspirado estro que se imbrica 
de tal modo com a paisagem que às vezes não conseguimos 
dissociá-lo do campo paisagístico que o mesmo retrata na sua 
poesia. Fala do propósito do poeta querer permanecer no ano-
nimato, chegando a ser considerado um “gênio ingênuo”, pelo 
menestrel cearense Geraldo Amâncio, tão grande era a sua ge-
nerosidade com todos. Outro bardo cearense a elogiar Cancão 
29
foi Patativa do Assaré, o que podemos constatar no artigo que 
vos digo.
É em Freud que a professora busca uma analogia de alguns mo-
mentos de Cancão, mas ela faz muito mais e nos mostra que é a 
oralidade que predomina no discurso poético da região sertaneja, 
mais particularmente nas cercanias do Rio Pajeú. Porém, Cancão 
escapa do lugar comum e se mostra conhecedor de um vocabulário 
mais rico do que o dos seus pares e, aplicava-o sempre da maneira 
mais apropriada, ao ponto dos seus colegas nãoo tomavam como 
arrogante. Ao contrário, elogiavam-no, comoviam-se e emociona-
vam-se com ele e sentiam orgulho de tê-lo como parelha.
Falar de João Batista de Siqueira é também enunciar o exis-
tencialismo e as situações conflitantes do ser confirmadas atra-
vés dos estudos de Martin Heidegger, indicando-nos uma visão 
ontológica acerca da coexistência com a natureza, no que Can-
cão (co)responde a essa cumplicidade através da “ekstases da 
temporalidade” heideggeriana.
O poeta teve contato com a obra de Cassimiro de Abreu, Fa-
gundes Varela e Castro Alves. Entretanto, podemos afirmar, de 
modo superficial, o que nos leva a concluir que aquela leitura 
era ainda incipiente para fazer dele o intelectual que conhe-
cemos. Que além das coisas, seres e fenômenos da sua terra, 
aborda temas considerados de difícil acesso, muito distantes 
das fronteiras das suas andanças, como figuras da literatura in-
diana, detalhes sobre o Vesúvio e suas cercanias, na Itália, além 
de um fantástico domínio dobre mitologia grega e muito mais.
Assim, podemos dizer que Cancão foi um poeta iluminado. 
A tal ponto de alguns se dizerem tão surpresos que chegaram 
a pensar que boa parte da obra canconiana seria por ele psico-
grafada. Mesmo inconscientemente.
30
O que sei é que o poeta estudava muito sobre os temas esco-
lhidos, bem como sobre versificação e estilística. Desse modo, 
então, podemos afirmar que foi um homem fora do comum, no 
que diz respeito aos tempo e ao espaço em que viveu. Homem 
que deixou um legado digno de estudos como os contidos nes-
ta obra e, espero, em outras que se desdobrarão a partir desta.
Todos os artigos aqui selecionados glorificam, honram e 
dignificam o poeta egipciense João Batista de Siqueira, Can-
cão, objeto de pesquisa dos professores que comigo estiveram 
naqueles dias de julho de 2012, em São José do Egito, Pernam-
buco. Sinto-me de fato, honrado e agradecido pelo convite para 
tomar parte na abertura deste volume que vem contribuir para 
o reconhecimento da obra e da genialidade de um dos maiores 
poetas que já pisaram sobre a face da terra.
 
Grande abraço!
 Viva, Cancão!
31
Cancão
A essência, a estrada, o elo
Aroldo Ferreira Leão
 
Cancão é silêncio, profundidade, ternura recriando sumos, sabedoria, sopros de vida na alma dos beija--flores e das baraúnas, borboletas e batatas-de-teiú, 
beleza renovando as auroras, certeza expandindo os contextos, 
os textos de poemas primorosos, pontos de partida e chegada 
para as almas que buscam em si mesmas a renovação das cir-
cunstâncias, a ação de suas texturas e funduras. Nele a poesia 
sedimentou sustanças, segredos, simbioses, sondou seus sen-
tidos, singelezas, santidade. Foi um homem modesto, movido 
a adeuses introspectivos, a preces à Virgem Maria1, cadência 
interior o reinventando no tempo, o abrindo às cordialidades, 
aos mistérios e miraculosidades do Sertão. Estava em sintonia 
com os anjos, antanho ser amigo das auroras e alvoradas, fidal-
go homem frágil, fenômeno fundindo os frêmitos das folhas 
dos marmeleiros aos ventos vindos em dia de chuva. Curva, 
delineando na estrada a seguir, sentenças plurais, densas per-
cepções a respeito de nossos universos combalidos, movidos 
a usuras e esquecimentos. Raiou na simplicidade, na paciên-
cia, ciência reconstruindo canduras, proficiência em escrever 
décimas, quadras, sextilhas, quintilhas, sonetos2. Intenso, 
32
inovador, incomum indivíduo irradiando infinitos, instantes 
infiltrados no íntimo dos impasses, irmão de bêbados e náu-
fragos, verdade profundamente construída no amor, na espera, 
na perda, no perdão. Surgiu para pacificar os espíritos, pôr no 
tempo prenúncios de prumos e preitos exponenciais, perceber 
pontes, fontes, montes de novas nuances e abrangências em 
nós. Norteou-se na humildade, nos húmus dos rumos que o 
levaram a se reinterpretar, perpetrar em si cadências, concep-
ções, clarezas. Coerente, canção circundando o cosmos, criança 
criando climas e ciclos de poemas em si, comungou de concei-
tos e confissões densas, transfigurou temas, testemunhou no 
tempo comoções ímpares, ares transformadores, formadores 
de sonhos, sentenças, segredos.
A essência o movia para os instantes, o redescobria mais 
singular, angular olhar no mar das constatações plurais. Foi um 
homem de grandes esperanças em si, verdade delineando nas 
horas expectativas humildes, união de milagres e mistérios, 
comunhão entre a fraternidade e as funduras da sua alma3. 
Seus adeuses ainda estão nas mãos das crianças do Pajeú, re-
criam a hospitalidade e a cordialidade sertaneja, expandem 
a clareza do sol na caatinga sagrada, trilha a nos orientar no 
caos, a nos reinterpretar em nós mesmos. Cancão é a razão 
multiplicando sentenças, singelezas, silêncios. Compreendia 
o voo dos sofreus e sanhaçus, estava no canto dos pássaros-
-carão e das peiticas, dava ao espírito o teor das profundida-
des abrangentes, vertentes de visões viscerais, veios vindos do 
fundo dos corações amplos, campos a perpetuarem no tempo 
a sede por novos prumos e plenilúnios, rede de ideias a porem 
na criatura o âmago das fatalidades, dos fenômenos. O Sertão 
o sedimentou no amanhã, o fortaleceu por dentro, centro de 
33
suas concepções e cadências, conceito o fundindo a verdades 
encantadas, cantadas por seu espírito atento aos elementos e 
intentos das vidas múltiplas, afeitas à simplicidade, agregando 
ausências, anterioridades, ápices, amor à terra que o gerou e o 
inundou de versos e sonhos, o sondou magicamente, o moldou 
na candura, na futura gestação de sua sensibilidade aguda, na 
ternura da ação honesta, senso o modelando nas situações que 
nos trazem a sutileza dos espaços, falas e raciocínios do mundo 
pajeuzeiro, universo sempre o fortalecendo, estabelecendo em 
suas entranhas a reinvenção das rotas, as gotas de chuva na 
pele dos jacus e tatus.
João Batista de Siqueira é poesia, prosperidade, a possi-
bilidade da paz no pranto dos poetas, o peso das partidas no 
olhar dos papa-figos, o píncaro, o passo firmando filtros e fa-
tos, farto de lumes e cumes, fado tocado pleno, terreno onde 
se plantou a grandiosidade do pensamento e sentimento ser-
tanejos, certeza consolidando clarezas, coesões, ciclos4. Viveu 
vontades vastas, castas, santa criatura alargando horizontes, 
galgando em si os patamares sublimes da recriação dos mo-
mentos, antenado com o além, percepção delineando, em seu 
próprio talento, os veios dos gorjeios inteiros. Homem sereno 
e faiscante, sábio senhor sondando sonoridades e sentidos, 
sorvendo os sopros das galáxias e dos átomos, sentiu na alma 
os entranhamentos acesos dos ecos transformadores do Ser-
tão, abriu o ser para os contextos e as possibilidades, definiu, 
no canto dos galos de campina e dos sabiás, a extraordinária 
composição de nossas delicadezas e abrangências, aroeira fin-
cada na caatinga silente, torrente de configurações e compo-
sições, intensa reunião de figurações e posições nos tornando 
mais humanos, generosos, cúmplices da beleza que há em 
34
A lua, alta e feliz
Linda mãe dos bogaris
Derrama raios sutis
Por toda extensão da selva
Dos lírios desabrochados
Brancos e imaculados,
Os seus perfumes sagrados
A brisa bafeja e leva
Dentro da floresta densa
A vegetação imensa
Parece ficar suspensa
Nesse ditoso momento
As carnaúbas rendadas
Criadas lá nas chapadas
Abrem as frondes copadas
Para a passagem do vento
tudo, fundo elo a nos reinventar constantemente. No poema 
Momentos Matutinos5, escrito em oitavas com rimas em AAA-
BCCCB6, mostra a sutilíssima criação de versos que acabam 
por nos envolver, nos elevar, levar o espírito a compreender 
os compassos e cadências da alvorada. Cancão constrói seus 
ritmos, expande surpresas, afina sons, fina alegoria de tons 
ternos, tear tecido em total harmonia com o infinito, hálito 
intrigante de sua verve magnífica:
Nas noites caliginosas
As estrelas luminosas
Pelas grimpas montanhosas
Derramam luz soberana
As florzinhas da paisagem
Dormem por entre a ramagem
Talvez sonhando a imagemDos sorrisos de Diana
Os pirilampos pequenos
Vindos de outros terrenos
Pousam, sutis e serenos
Pelos estrumes da terra
Os perfumados vapores
Passam roçando os verdores
Levando os leves rumores
Das águas brandas da serra
35
A brisa sopra dolente
Por entre a flora virente
O céu de cor transparente
Azul, sem uma só mancha
Branca neve matutina
Envolve a vasta campina
Toalha de gaze fina
Que o dia rasga e desmancha
As corujas traiçoeiras
Com suas asas maneiras
Passam nos ares, ligeiras
Para o grotilhão enorme
Foge o tenebroso véu
Na aroeira, o xexéu
Olhando as cores do céu
Desperta a mata que dorme
Para as bandas do levante
Lindo clarão rutilante
Vem-se alargando, brilhante
Cheio de glória e encanto
A neve se desenrola
E o beija-flor, por esmola
Em cada fresca corola
Deposita um beijo santo
Dos floridos vegetais
Os orvalhos matinais
Como gotas de cristais
Se desprendem tremulantes
Um traço de fina luz
Aquece os verdes bambus
Dos altos cumes azuis
Das cordilheiras distantes
A borboleta amarela
Passa juntinho à janela
Vai pousar, serena e bela
Num lindo caramanchão
O sabiá, lá da mata
No ingazeiro desata
A nota suave e grata
De sonorosa canção
Cantam na serra os pastores
Os tempos de seus amores
Sentindo os brandos calores
Dos raios do sol nascente
E a natureza selvagem
Estende a sua ramagem
Como rendendo homenagem
A um Deus onipotente7
36
Cancão é a onipresença, a vivência encantada, avenca nas 
janelas abandonadas, penca de versos distribuídos em um 
manancial de verdades poderosas, consolidadoras de auroras 
e alicerces no ser. Criança sempre se perpetuando nos ritmos 
e ritos do Sertão, nos tinos e trinos de sua gente, nos pactos 
e impactos das almas que sabem dar a si mesmas a expansão 
e a coerência de suas atitudes e plenitudes, vocações e ações. 
Voou mais longe, soou mais dentro de nós, ecoou entre jure-
mas e jurubebas, oiticicas e peiticas, jatobás e jataís. Seus ais 
o desmembraram nas horas, o tornaram irmão dos bem-te-vis 
e saguis, anjo transitando nos corações plurais, murais de in-
vestigações e transformações contínuas, cais de onde partem 
os indivíduos que pretendem se entender com a eternidade 
em paz, pontuando perdões e percepções certeiras, porções 
de prenúncios redefinindo poesias robustas, pormenores e 
vislumbres elevados. Foi uma figura fluindo na doçura, de-
terminando em suas sensações focos e esforços de criar uma 
obra marcante, penetrante na sensibilidade daqueles homens 
dispostos a enfrentarem contragostos e contrassensos, esta-
belecerem nas vísceras seus testemunhos e redemunhos, fun-
damentarem nos instantes a construção de conceitos coeren-
tes, vazões de razões fundidas aos muçambês e saruês, elos 
reorientando as cismas e os vícios para as interrogações que 
nos retratam nas essências sertanejas, nos atam a vozes an-
cestrais, a ais e instabilidades incomuns, o voo dos anuns nas 
manhãs nos oitões das casas velhas, o entoo dos aboios que 
decodificam em nossas células a transfiguração dos fenôme-
nos, a redefinição das coordenadas aladas das vidas ilhadas, 
mas atreladas à eternidade, à inocência, ao sonho, aos campos 
e pirilampos do Sertão.
37
No poema Mata Rude8, escrito em décimas heptassilábicas, 
na forma interessantíssima ABABBCCDDC9, Cancão eviden-
cia o testemunho dos vates imersos na grandeza da natureza, 
no fascínio de expandir segredos, substâncias, simbologias. Há 
versos esplendorosos, como os expostos na primeira estrofe: 
“Lembram antigos guerreiros / Ou velhos Hércules túmidos 
/ De pé, nos barrancos úmidos / Desafiando os janeiros”. Ou 
ainda, na terceira estrofe, a colocação de que “Aquele prado 
sombrio, / Estas tristonhas ladeiras / Fazem lembrar as trin-
cheiras / Do primitivo gentio”. A finalização do poema é en-
cantadora, deixando à mostra o talento do bardo egipciense, 
retratando que “Talvez a deusa das flores / Nesse cruento mar-
tírio / Pedisse a Deus, no Empírio / Uma morte santa e calma 
/ Para passar sua alma / Ao cálix branco de um lírio”. Cancão 
descreve, depura desígnios e dádivas10, determina densidades 
luminosas em todas as décimas, define o teor das composições 
coesas, abrangentes:
Contemplando a natureza
Sinto a alma deslumbrada
Olhando a grande beleza
De monte, vale e chapada
Lá, além, na esplanada
Os gigantescos coqueiros
Lembram antigos guerreiros
Ou velhos Hércules túmidos
De pé, nos barrancos úmidos
Desafiando os janeiros
Estas soberbas braúnas
Que há muitos anos secaram
Foram possantes colunas
Que com o tempo tombaram
Estes cedros que ficaram
Com vigor robusteceram
Fortes tormentas venceram
Como guerreiros ousados
Com feros tigres rajados
Antigamente viveram
38
Estas planícies de areia
Aqueles erros azuis...
Quem sabe foram aldeia
De tribos de homens nus
Estes verdosos bambus
Criados neste baixio,
Aquele prado sombrio,
Estas tristonhas ladeiras
Fazem lembrar as trincheiras
Do primitivo gentio
Talvez, opulenta flora
Relembres também e sintas
Gratas saudades de outrora
De mil visões quase extintas
Ah, quantas feras famintas
O teu solo atravessaram
Alguns caciques ganharam
Casos de grandes memórias
Que até mesmo as histórias
Os tempos também levaram
Se estes vegetais possantes
Não têm mais os seus verdores
Foram beijos sufocantes
De mil sóis abrasadores
Talvez a deusa das flores
Nesse cruento martírio
39
Pedisse a Deus, no Empírio
Uma morte santa e calma
Para passar sua alma
Ao cálix branco de um lírio
Notas e referências
1. O encantamento de Cancão pela Virgem Maria é algo ex-
tremamente singular em sua vida humilde e angelical. Escre-
veu diversos poemas que difundem seu carinho pela chamada 
“virgem santíssima”. Em Meu Lugarejo, p. 10-13, no poema Noi-
va Espiritual, escrito em décimas clássicas heptassilábicas, na 
forma ABBAACCDDC, vê-se a sutileza desta admiração nas 
seguintes décimas:
O morro, a colina, o monte,
Se alargavam, cresciam
As luzes tremeluziam
Na linha do horizonte,
O céu ficava defronte
Cheio de graça e primor
Num véu de celeste cor
Se via por fora escrito
O nome sacro e bendito
Da mãe de Nosso Senhor
(...)
40
Quando a Virgem aparecia
As águas se levantavam
Os horizontes cantavam
Mas ninguém compreendia,
A brisa lhe prometia
Um perfumado pernoite
Depois com sereno açoite
Seu rosto acariciava
Enquanto um gênio falava
De lá dos confins da noite
 
2. Em relação ao fato de Cancão escrever quadras, quin-
tilhas, sextilhas, setilhas, oitavas, décimas, sonetos, apenas 
retrata o poder de sua verve, o tear e os desmembramentos 
de seus versos encantados. Exemplo evidente de seu pendor 
poético está explicitado nas oitavas pentassilábicas, em redon-
dilhas menores, de Crepúsculo Praieiro, onde explicita:
Um urubuzinho
No monte, sozinho
Só sente o carinho
Da boca da brisa
Coitado do bruto
Não goza um minuto
Vestido no luto
De sua camisa
3. Cancão, na sua grandeza e inocência, criança de sutis hori-
zontes em si, confirmava as palavras de Silvio Romero, quando 
da recepção de Osório Duque Estrada na Academia Brasileira de 
41
Letras, apresentadas à p. 1, do livro Cantadores: poesia e linguagem do 
sertão cearense, de Leonardo Mota (Belo Horizonte: Itatiaia, 1921):
 (...) Se vocês querem poesia, mas poesia de verda-
de, entrem no povo, metam-se por aí, por esses rin-
cões, passem uma noite num rancho, à beira do fogo, 
entre violeiros, ouvindo trovas de desafio. Chamem 
um cantador sertanejo, um desses caboclos destorci-
dos, de alpercatas e chapéu-de-couro, e peçam-lhe uma 
cantiga. Então, sim. Poesia é no povo. Poesia para mim 
é água em que se refresca a alma e esses versinhos que 
por aí andam, muito medidos, podem ser água, mas de 
chafariz, para banhos mornos em bacia, com sabonete 
inglês e esponja. Eu, para mim, quero águas fartas – rio 
que corra ou mar que estronde. Bacia é para gente mi-
mosa e eu sou caboclo, filho da natureza, criado ao sol.
4. Em interessante texto, para a contracapa do livro Meu 
Lugarejo, datado de 27 de dezembro de 1978, Antônio Bezerra 
decifrou a essência, os veios, os elos, a luminosidadeda poesia 
em Cancão:
Poeta popular de grande sensibilidade, é considera-
do pelos seus pares como o maior poeta do Vale do Pa-
jeú. (...) De instrução primária, Cancão escreve, decla-
ma ou canta suas poesias empregando palavras muito 
acima do seu nível de instrução, causando admiração 
aos que têm a felicidade de lhe escutar. Homem pobre, 
humilde, não faz profissão da poesia, limitando-se a 
viver do pequeno ordenado de Serventuário de Justiça.
42
5. O poema Momentos Matutinos está evidenciado na coletâ-
nea, onde está exposta a obra de Cancão, Palavras ao Plenilúnio, 
de LindoaldoVieira, p. 93-95 (João Pessoa: EdUFPB, 2007). 
6. Na obra Poética Popular do Nordeste, Sebastião Nunes Batis-
ta, p. 66 (Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1982), 
pontua que o “quadrão de oito pés” possui estrofes representa-
das por oito versos heptassilábicos e a representação das rimas 
pode ser AAABCCCB (forma antiga) ou AAABBCCB.
7. O poema Horas Matutinas, um soneto na forma italiana, 
com dois quartetos e dois tercetos, evidencia a predileção de 
Cancão para descrever o amanhecer, como exposto no terce-
to final “Surge a aurora num silêncio trágico / Rasgando aos poucos 
o negror nostálgico / Do manto triste que cobriu a noite”. Em Manhã 
Sertaneja,também consolida tal sutileza, em oitavas de versos 
pentassilábicos,como os explicitados em “Desperta a aurora / 
A aura sonora / Suspira a flora / Passando de leve / A veiga 
florida / De bruma vestida / parece perdida / Num mundo de 
neve”.
8. Poema assinalado na coletânea Palavras ao Plenilúnio, de 
Lindoaldo Vieira, p. 55-56 (ob. cit.).
9. Cancão traz sem suas décimas as formas ABABCCDEED, 
ABBAACCDDC e ABABBCCDDC. Reparar que, na primeira 
forma, tem-se a maioria de suas décimas, representadas em po-
emas como em Minha Meninice, Meu Lugarejo, Madrugada, Rosa do 
Mato, O Bananal, Caraibeira Morta, Castanhola, Um Inverno no Ser-
tão, Depois da Chuva, A Cheia, O Poeta, Cenas da Seca, Um Sonho que 
43
Durou Três Horas, Tempestade, Cruz do Deserto, Solidão, Ano Novo, 
A Casa do Ébrio, Sonho de Sabiá, Noite Triste, Lamentos ao Pé de um 
Túmulo, O Mendigo, Visão de um Sonho, Noite Francesa, Falando ao 
Mar, O Cego e o Cão, As Sombras, Seis Horas Ave-Maria, Enquanto o 
Mundo Cochila / No Colo da Natureza, Fazenda Antiga, Seis Horas no 
Cemitério, Dezembro e Janeiro, Paulo Afonso, Gogó de Ema, Saudades 
da Minha Terra, Tristezas, Aparição de Fátima.
10. Na antologia poética Retratos do Sertão, com organiza-
ção de Marcos Passos, p. 262 (Recife: FacForm, 2010), ao ser 
elaborada a biografia de Cancão, sente-se a magia de sua alma 
quando se evidencia que “há quem afirme que o poeta, senti-
mental ao extremo, fazia versos até dormindo e, comumente, 
despertava aos prantos para, logo após, transferir seus sonhos 
para o papel da sensibilidade”.
44
45
Cancão e Augusto dos Anjos 
diálogos entre o popular e o erudito
 Josivaldo Custódio da Silva
1. Introdução
O poeta Augusto dos Anjos nasceu no dia 20 de abril de 
1884, no Engenho Pau d’Arco, município de Cruz do Espírito 
Santo, atual cidade de Sapé, estado da Paraíba. Faleceu em 12 
de novembro de 1914, em Leopoldina-MG, dois anos depois 
da publicação de seu único livro Eu, embora existam muitos 
outros poemas não recolhidos pelo autor, nesse livro. O poeta 
João Batista de Siqueira, conhecido popularmente por Cancão, 
nasceu em 12 de maio de 1912, no município de São José do 
Egito-PE, portanto, comemora-se nesse ano o centenário do 
poeta. Publicou três livros Musa Sertaneja (1967), Flores do 
Pajeú (1969) e Meu Lugarejo (1979), além de vários escri-
tos que juntamente com esses três livros foram reunidos no 
livro Palavras ao Plenilúnio, organizado pelo poeta Lindoal-
do Campos e publicado em 2007 pela Editora Universitária da 
UFPB. Cancão faleceu em 05 de julho de 1982, na sua cidade 
natal. Alguns críticos consideram sua obra uma versão popu-
lar influenciada pelos poetas canônicos Casimiro de Abreu, 
Fagundes Varela e, principalmente, Castro Alves. A poesia de 
46
Cancão é muito rica em recursos imagéticos e rítmicos, que para 
Lindoaldo Campos (2007, p. 28) “são aqueles cuja predomi-
nância verdadeiramente caracterizam a Poesia”. 
Para realizarmos esse estudo, dois arcabouços teóricos ser-
viram de base, a literatura comparada e os estudos acerca da 
melancolia, dada a pertinência das características da poética de 
cada poeta e da relação intertextual entre os dois. Como recorte 
do nosso estudo, utilizamos o soneto Idealismo, de Augusto dos 
Anjos, o soneto O Ébrio e uma Décima, ambos do poeta Cancão.
O desenvolvimento do artigo apresenta dois momentos. O 
primeiro (tópico 2) serão apresentados aspectos históricos da li-
teratura comparada e um comentário conciso sobre a melancolia. 
Já o segundo momento (tópico 3) compreende a aplicabilidade do 
arcabouço teórico aqui assumido para compreensão e interpreta-
ção dos poemas selecionados.
2. Breve introdução à literatura comparada e à melancolia
Adentrar o espaço da literatura comparada nos possibilita 
deslumbrar o universo do pensamento e da criação artística 
humana. Possibilita diálogos culturais que vão além das fron-
teiras literárias. De acordo com a professora Tania Carvalhal 
(2010, p. 8) “O surgimento da literatura comparada está vincu-
lado à corrente de pensamento cosmopolita que caracterizou o 
século XIX, época em que comparar estruturas ou fenômenos 
análogos, com a finalidade de extrair leis gerais, foi dominan-
te nas ciências naturais.” E é bom entendermos que os estu-
dos literários comparados vão além das literaturas nacionais, 
pois deve, segundo Tania Carvalhal, colaborar para as formas 
e evolução crítica e histórica dos fenômenos literários em ge-
47
ral (2010, p. 85). Portanto, esse processo comparativo literário 
“colabora para o entendimento do Outro, procedimento indis-
pensável de integração cultural.” (CARVALHAL, 1997, p. 8).
Para Sandra Nitrini (1997, p. 19), “as origens da literatu-
ra comparada se confundem com as da própria literatura”, ou 
seja, surge com a invenção da literatura grega e romana. Pois, 
segundo a autora, basta haver duas literaturas para haver a 
comparação, embora ela destaque que ainda não existia um es-
tudo comparativo que fosse além de uma visão empírica acerca 
do texto literário. No entanto, Nitrini afirma que a dimensão 
do que há hoje sobre literatura comparada começa no século 
XIX, com estudos mais sistematizados e termos mais apropria-
dos para o comparatismo literário.
Segundo Antony Bezerra (2012, p. 2), há termos que qua-
se sempre estão presentes nos estudo comparativo: “tradição 
(algo estático), influência (como algo capital), empréstimos 
(sem o expediente da reconstrução)” o que pode ser entendido 
como uma construção sem originalidade. No entanto, é bom 
lembrar que não apenas as similitudes entre dois textos devem 
ser motivo de comparação, mas principalmente as discrepân-
cias devem assumir o papel importante nesse estudo. O ana-
lista precisa observar o que cada autor põe em seu texto que 
mereça ser destacado como marca registrada, imprimindo uma 
característica própria na obra. É o que tentaremos mostrar e 
discutir nesse artigo.
Mesmo a Literatura Comparada tendo “surgida em contrapo-
sição aos estudos de literaturas nacionais ou produzidas em um 
mesmo idioma” diversos são os trabalhos (artigos, dissertações e 
teses) que comparam obras nacionais ou de um mesmo idioma, 
porque ela sempre traz “a noção da transversalidade, seja com 
48
relação às fronteiras entre nações e idiomas, seja no que concerne 
aos limites entre áreas de conhecimento.” E foi seguindo, como 
elemento norteador do nosso estudo, esse segundo e último item 
que desenvolvemos nosso artigo, tendo como suporte teórico 
complementar os estudos sobre a melancolia.
O estado de morbidez conhecida como melancolia provém 
do grego (melas: negro, chole: bile) e tem como característica 
“um desequilíbrio humoral, que acarreta uma oscilação entre 
dois estados psíquicosopostos: o humor depressivo e o humor 
exaltado.” (VASCONCELLOS, 2009, p. 23).
O termo melancolia apresenta um vasto campo semântico, 
que de acordo com as variadas nomenclaturas recebe grada-
ções de sentido, que segundo Viviane Vasconcellos (2009, p. 
23) são exemplos:
[...] a angústia, em Kierkegaard, e tam-
bém em Heidegger; o absurdo existen-
cial, de Schopenhauer, a náusea, de Sar-
tre, o ressentimento, em Nietzsche, o 
sofrimento do protagonista, de Goethe, a 
melancolia, de Dürer; mesmo o tédio, de 
Baudelaire, a nostalgia, de Proust, além 
do horror, em Kafka, o luto pelo não-vivi-
do, em Thecov, ou, entre nós, em Manuel 
Bandeira e Emílio Moura; a depressão, 
para a psiquiatria moderna; também, o 
luto e melancolia, em Freud.
Percebemos que existe uma quantidade enorme de estudos 
que versam sobre a melancolia, embora cada qual a sua ma-
49
neira. Nesse trabalho tomamos como referência os estudos de 
Sigmund Freud acerca da melancolia. Percebemos na citação o 
quanto o termo já foi abordado ao longo do tempo por diferen-
tes correntes filosóficas, psicanalíticas e literárias.
Sobre a melancolia, Freud em “Luto e melancolia” (1980, p. 
276), descreve a seguinte passagem:
Os traços mentais da melancolia são um 
desânimo profundamente penoso, a ces-
sação de interesse pelo mundo externo, 
a perda da capacidade de amar, a inibi-
ção de toda e qualquer atividade, e uma 
diminuição dos sentimentos de autoes-
tima a ponto de encontrar expressão em 
autorrecriminação e autoenvilecimento, 
culminando numa expectativa delirante 
de punição.
Dessa forma, percebemos que as marcas essenciais do dis-
curso do melancólico são “o excesso de ideias e a repetição 
obsessiva de imagens e temas.” (VIANA, 2004, p. 13).
 
3. Quanto às estruturas formais dos poemas
O soneto O Ébrio, do poeta Cancão, foi publicado inicial-
mente no livro Flores do Pajeú (1969) e depois na obra Palavras 
ao Plenilúnio, organizada por Lindoaldo Campos (2007), utiliza-
mos a versão do livro Flores do Pajeú. Já a décima foi catalogada 
na Antologia Ilustrada dos Cantadores, livro organizado por Linha-
res e Batista (1976, p. 264). O soneto O Ébrio é constituído no 
50
estilo petrarquiano, dois quartetos e dois tercetos, com todos 
os versos decassilábicos, como ocorre comumente nos sone-
tos. Sabe-se que o poeta além de apresentar nos seus poemas 
um eu poético extremamente lírico, sentimentalista, é também 
um exímio metrificador.
No primeiro quarteto do soneto de Cancão, as rimas são 
pobres, pertencem à mesma classe morfológica (substantivos 
– meia/cadeia e adjetivos – sorteado/esfarrapado), com esquema 
de rimas interpoladas ou opostas (ABBA) e dois tercetos decas-
silábicos com rimas (CCD e EED, respectivamente), o mesmo 
esquema de rimas presente no soneto de Augusto do Anjos. 
Quanto ao timbre, elas são perfeitas, ou seja, as vogais tôni-
cas são idênticas (meia/cadeia e sorteado/esfarrapado), dessa 
forma, as rimas são soantes ou consoantes, isto é, a correspon-
dência é perfeita entre vogais e consoantes. Todos os versos 
desse quarteto são versos graves, pois as rimas são formadas 
por palavras paroxítonas. No segundo quarteto há também ri-
mas pobres e ricas, respectivamente (verbos – palavreia/camba-
leia e adjetivo + substantivo – deformado/estado). Quanto ao 
timbre, as rimas são perfeitas e todos os versos desse quarteto 
são versos graves. E as rimas são soantes. Os tercetos também 
apresentam rimas graves. Quanto ao timbre, todas as rimas são 
soantes (humanidade/cidade, alento/sentimento e mormaço/
palhaço). Quanto ao valor, as rimas dos tercetos também são 
pobres, formando-se a partir de palavras de uma mesma classe 
gramatical (substantivos – humanidade/cidade, alento/senti-
mento) e ricas (substantivo – mormaço e adjetivo – palhaço), 
note-se que o vocábulo palhaço é substantivo, mas no poema 
é tomado como adjetivo (bobo, tolo, louco, irrisório, insigni-
ficante etc.). A Décima é toda em redondilha maior, ou seja, 
51
versos heptassílabos com esquema de rima (ABBAACCDDC), 
com rimas perfeitas, soantes, ricas e pobres.
O soneto Idealismo encontra-se no livro Eu, de Augusto dos 
Anjos, única obra publicada em vida por esse autor paraibano, 
em 1912, ou seja, faz exatamente cem anos. O soneto Idealismo 
é também composto no estilo petrarquiano, isto é, dois quar-
tetos decassílabos, com esquema de rimas interpoladas ou opos-
tas (ABBA) e dois tercetos decassilábicos com rimas (CCD e 
EED) num total de 14 versos. No primeiro quarteto do soneto 
de Augusto dos Anjos, as rimas são pobres, semelhantes às do 
soneto de Cancão, ou seja, pertencem à mesma classe grama-
tical (verbos – calo/falo e substantivos – mentira/lira.). Quan-
to ao timbre, elas são perfeitas, ou seja, as vogais tônicas são 
idênticas (calo/falo e mentira/lira), dessa forma, as rimas são 
soantes ou consoantes. Todos os versos desse quarteto são versos 
graves, pois as rimas são formadas por palavras paroxítonas. No 
segundo quarteto há uma rima preciosa (amá-lo/Sardanapalo) 
e outra rica (verbo – inspira e substantivo – hetaira). Quanto 
ao timbre, elas também são perfeitas e apresentam uma corres-
pondência perfeita entre vogais e consoantes, longo são soantes. 
Todos os versos desse quarteto são versos graves. Os tercetos 
também apresentam rimas graves. Quanto ao timbre, todas as 
rimas são soantes (sagrado/imaterializado, verdadeira/caveira 
e fulcro/sepulcro). Quanto ao valor, as rimas dos tercetos são 
ricas (sagrado/imaterializado, verdadeira/caveira) e pobres (ful-
cro/sepulcro).
4. A força do niilismo exacerbado
Na obra de Cancão, em geral, não percebemos uma visão 
52
proeminentemente niilista, notamos um eu lírico que fala do 
amor pela natureza e em alguns poemas um apreço extremo 
pela Virgem Maria. Podemos dizer que Cancão foi, ou melhor, 
é um poeta telúrico, que segundo os amantes de sua poética, 
sua obra é muito paisagística. No entanto, especialmente no 
poema O Ébrio e na Décima heptassilábica, aqui destacados, per-
cebemos um eu lírico carregado de sentimento negativo, um 
tom ultrarromântico, com ênfase para a Décima. Outro fator in-
teressante, não apenas no soneto O Ébrio e na Décima, mas em 
outros poemas, Cancão faz uso, muitas vezes, de uma lingua-
gem simples, no entanto, ele consegue imprimir uma belíssima 
imagem poética que tem como um dos objetivos “desviar-nos 
do caminho reto e sentido” que de acordo com Perrone-Moisés 
(1990, p. 13-14) “o extremo desse desvio (ou sedução) se cha-
ma poesia”. O poeta consegue através de seus versos colocar o 
leitor diante de imagens que causam uma espécie de estranha-
mento e ao mesmo de entrega ao texto, porque o tempo todo 
o leitor é surpreendido pela descrição minuciosa de elementos 
da natureza que muitas vezes passam despercebidos. O olhar 
do eu lírico é como uma câmera que registra tudo o que passa 
em sua frente, porém, com um detalhe, faz vibrar aos nossos 
olhos muitas cores e formas que somente uma alma extreman-
te sensível conseguiria captá-las.
Já o livro Eu, de Augusto dos Anjos traz uma série de ele-
mentos “antipoéticos”, ou seja, palavras ou termos “estranhos” 
não usados na poesia até então, por exemplo, escarro, amonía-
co, hipocondríaco, carbono etc. Sua poesia revela-nos elementos 
cientificistas e pessimistas, além de usar com muita predile-
ção nos seus poemas uma das formas fixas, o soneto. O autor 
mostra em sua obra traços da literatura barroca, parnasiana e 
53
simbolista, bem como revela elementos que revelam marcas de 
uma poesia moderna. Do barroco, percebemos o pessimismo, 
uso exagerado de figuras de linguagem, elementos contradi-
tórios; do parnasianismo, a “arte pela arte”, ou seja, a busca 
pela metrificação e rimas ricas e preciosas, inclusive indo além 
do parnasianismo convencional brasileiro, ao mostrar uma re-
alidade político-sócio-econômica a qual não víamos praticada 
pelos poetas parnasianos; e do simbolismo a busca pelo trans-
cendental, como a morte e utilização de palavras com a inicial 
maiúscula,para dar ênfase à palavra destacada, como vimos no 
soneto, em anexo, objeto da presente leitura. Isso tudo prova 
o ecletismo, fusão de vários elementos estéticos presente na 
poesia de Augusto dos Anjos. Por isso mesmo que o poeta Au-
gusto dos Anjos é um autor que poderia ser inclassificável em 
nossa literatura.
Na verdade ele faz uso em seus poemas de elementos ou ca-
racterísticas de estilos de épocas diferentes, causando espanto 
não só pelo seu ecletismo, mas pelas suas expressões interdis-
ciplinares, pois muitos de seus poemas usam jargões da biolo-
gia, química, física, matemática, história etc. Acerca do cienti-
ficismo na poesia de Augusto dos Anjos, Derivaldo dos Santos 
(2002, p. 54) afirma que “A poesia nutre-se do leito científico. 
Ao nutrir-se, a sua formação discursiva também se contamina, 
fazendo emergir dessa relação contagiosa um jogo de cumplici-
dade, e, ao mesmo tempo, conflituoso.” Assim, a poesia augus-
tiana torna-se interdisciplinar, força o leitor a buscar uma visão 
mais global acerca da linguagem poética, levando-o a conhecer 
elementos de outras disciplinas para compreender seus poe-
mas, como o poema aqui citado, que interage com a história, a 
física e a bíblia.
54
No primeiro verso “Falas de amor, e eu ouço tudo e calo” 
vimos duas orações, a primeira, com o sujeito oculto “tu” e a 
segunda, com o sujeito “eu”; percebemos que o soneto dialoga 
com o leitor ou interlocutor do eu lírico, “Falas de amor...”, 
para em seguida revelar o seu silêncio diante do que ouve do 
leitor. Esse diálogo remete-nos ao realismo machadiano, esse 
tom prosaico renova tal característica na poesia brasileira, pre-
núncio do Modernismo. No segundo verso, ainda da primeira 
estrofe, o eu lírico arrebata todo amor humano com o verbo 
“ser”, afirma que o amor humano é hipócrita, falso, inclusive 
grafa o substantivo comum “Humanidade” com inicial maiús-
cula, característica simbolista, revela a magnitude da dissimu-
lação do amor, pois é fruto de toda raça humana. Há um ne-
gativismo extremo quanto ao amor do homem, ou seja, uma 
descrença absoluta da capacidade do amor ser sincero e puro 
como o pregado pelo ensinamento cristão. O eu lírico se dirige 
a toda e qualquer raça humana, através de um discurso inten-
samente pessimista.
Logo em seguida, nos dois últimos versos, ainda da primei-
ra estrofe, o eu lírico reafirma o que disse anteriormente e que 
raramente toca em sua “lira” esse amor frívolo, banal porque 
não é verdadeiro. Diante disso, revela mais uma vez a caracte-
rística pessimista de sua poesia.
Na Décima de Cancão percebemos o total desprezo e descren-
ça do eu lírico sobre um ser, que, de acordo como o eu poético 
descreve, revela-nos toda ira que esse eu possui pelo outro. Não 
há nenhuma ação que incrimine o indivíduo condenado pelo eu 
lírico, mas pelo tom com que ele se refere a esse ser, só pode ser 
algo bárbaro. Vejamos:
55
Uma fera endiabrada
Só pode ser como esta
Que uma criatura desta
Merecia ser queimada
Porque, sendo sepultada
Uma fera assim maldita
Sua sepultura grita
Não aguenta o arrojo
E o cemitério, com nojo
Abre a garganta e vomita!
Percebemos que o eu lírico afirma que o ser de quem ele 
está falando é tão ruim e miserável que nem mesmo o cemi-
tério – local onde ficam os restos mortais de todo e qualquer 
ser humano –, nem mesmo esse antro onde a matéria orgânica 
de todos nós irá se decompor; nem mesmo esse local onde re-
cebe a nossa carne em estado de putrefação é capaz de aceitá-
-lo, tamanha é a desgraça que esse ser representa. Percebemos 
que o cemitério é personificado através dos vocábulos “nojo”, 
“garganta”, “vomita”, isto é, o cemitério possui náusea, enjôo; 
o cemitério é capaz de abrir sua “garganta” e “vomitá-lo”. Há 
um niilismo exacerbado do eu lírico com relação a um ser que 
representa o outro. Através da musicalidade que é própria do 
verso heptassílabo e de uma linguagem metafórica, essa déci-
ma traz um eu lírico repleto de denúncia e de muita revolta.
Também no poema O Ébrio, de Cancão, o eu lírico denuncia 
de forma semelhante o desrespeito do homem perante o me-
nos afortunado, mas não na mesma perspectiva do eu lírico do 
soneto augustiano e da Décima. Porque o eu lírico revela seu 
olhar pessimista descrevendo apenas um sujeito que é vítima 
56
do descaso social. Não fica muito claro quem seja esse sujeito, 
pode ser um sujeito qualquer – leitura mais provável – como o 
próprio eu lírico. Tomaremos aqui a posição de que o eu lírico 
fala sobre o outro, já que os verbos estão em terceira pessoa. 
Na primeira estrofe percebemos que o bêbado é um indulgente 
por causa do próprio descaso da vida para com ele. É bem ver-
dade que o “infortúnio” que o faz jogado na sarjeta é um “casti-
go” construído pela falta de oportunidade na própria vida “Que 
o infortúnio lhe fez um sorteado”. Notamos que a palavra “sor-
teado” carrega o sentido de que a vida o fez “Todo sujo, sem 
pão, esfarrapado”, isto é, o eu lírico denuncia esse sujeito por 
não se apresentar conforme a ordem oficial – comportamento 
decente – por isso ele é jogado na prisão. O eu lírico revela-nos 
que pode ser uma prisão não apenas física, mas também, psi-
cológica. Porque, mesmo esse sujeito estando solto, ele é um 
excluído do próprio convívio social, isto é, o homem valoriza a 
aparência e o ter em detrimento da essência do ser.
Tanto o primeiro quarteto do poema Idealismo, de Augusto 
dos Anjos quanto o do poema O Ébrio, de Cancão apresentam um 
comportamento melancólico do eu lírico, ou seja, revelam “um 
desânimo profundamente penoso”, uma das características da 
melancolia, conforme descreve Freud (1980, p. 276). Nos dois 
sonetos e também na Décima, esse “desânimo” se refere ao olhar 
decepcionado do eu lírico sobre o sentimento bondoso do homem 
para com o próximo, por exemplo, “Este povo, de menos sen-
timento”, d’O Ébrio, “Uma fera assim maldita”, da Décima e “O 
amor da Humanidade é uma mentira”, do Idealismo.
No segundo quarteto, d’O Ébrio o eu lírico revela um ser 
profundamente corrompido, desfigurado “pela voragem do ví-
cio” e sem a faculdade do discernimento “Ele chora, sorri e 
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palavreia”, isso tudo plasmado pela falta de apoio das pessoas 
que o circundam. Percebemos que o eu lírico não descreve que 
não há ninguém que se compadeça ao estado de embriaguez 
do sujeito apontado no poema “ninguém olha, não sente o seu 
estado”. Existe uma espécie de exclusão provocada pela bebi-
da, uma exclusão que mais parece a que os excluídos pela bar-
reira instransponível da condição social sentem. Na realidade, 
há uma forte crítica social que denuncia o quanto a sociedade 
é intransigente e ao mesmo tempo excludente. Tudo o que é 
descrito nos versos do segundo quarteto reforça ainda mais 
o que o eu lírico já havia explicitado no primeiro, ou seja, há 
uma espécie de concatenação que, via de regra, é um aspecto 
importante na construção de um soneto.
Semelhante ao que ocorre n’O Ébrio, no segundo quarteto 
do poema Idealismo há um reforço sobre o que já fora dito no 
primeiro, é expresse de forma comparativa e massacrante. Por 
quê? Porque logo no primeiro verso o eu lírico faz uma pergunta 
exclamativa, para em seguida, em tom jocoso, revelar o porquê 
da pergunta sobre o amor “Quando virei por fim a amá-lo?!” 
para no momento seguinte se justificar, isto é, o nosso amor 
é igual ao do “sibarita” (pessoa dada aos prazeres carnais), e 
da hetaira (mulher dissoluta, devassa e cortesã da antiga Gré-
cia). Para completar a analogia, o eu lírico ainda reforça o amor 
profano, frívolo do homem; compara o amor da “Humanida-
de” ao de Messalina, prostituta famosa da Bíblia, ou seja, o 
nosso amor é devasso, pornográfico, voluptuoso e materialista. 
E também equipara ao de Sardanapalo (rei da antiga Assíria, 
indivíduo devasso e glutão). Nesse momento, percebemos no 
poema, elementos retirados da história, uma forma de hibri-
dizar disciplinas diferentes com a literatura. Mesmo que essa 
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comparação seja feita através de uma pergunta

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