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Educação no Ocidente Medieval Nailda Marinho da Costa Bonato 2 • EducaçãonoOcidenteMedieval Meta Apresentar a evolução da Educação na Idade Média e a atuação da Igreja Católica nesse contexto. Objetivos Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: 1. 1.caracterizar a Educação no contexto das Escolas Monacais como possibilidade de difusão de uma universalidade cristã; 2. 2. apontar os tipos de instituições escolares que se constituíram na Idade Média, tendo em vista a atuação e a função da Igreja Católica no campo educacional; 3. 3. identificar elementos das universidades medievais presentes nas atuais universidades do Ocidente. 3 Hisória da Educação Introdução Na aula anterior você estudou sobre a Educação no Império Romano, ou seja, suas características, seus processos pedagógicos, alguns formuladores e pensadores da Educação da época, assim como a influência grega na Educação daquele povo – suas semelhanças e diferenças. Desse modo, no final da aula você aprendeu que, com a fragmentação do Império Romano, no Ocidente, o Cristianismo vai se firmando como elemento agregador no período medieval, após as invasões dos povos bárbaros, por volta do século V, sem contudo, perder de vista a Educação greco-romana. Assim, nesta Aula 4 trataremos da Educação na Idade Média. Entretanto, é bom que você saiba que, se nesse período histórico, em um primeiro momento, há uma forte dependência do clero para se conseguir certa formação intelectual. Em um segundo momento, os dogmas religiosos começam a ser questionados e novas ideias vão surgir. O primeiro Período da Idade Média é conhecido como Alta Idade Média e o segundo como Baixa Idade Média que se inicia na virada do ano mil. Nesse processo de cristianização, surge, na Idade Média, a Igreja Católica que exerce, além de influência religiosa, influência política. O mundo Clássico e Antigo, calcado em uma sociedade escravista, foi sendo subs- tituído por um mundo novo ligado pelo ideal cristão e calcado no modo feudal de produção – onde o poder é medido pela quantidade de terras que cada um possui. O Período Medieval dura cerca de mil anos. Inicia-se com a queda do Império Romano no ano 476 d.C e termina com a tomada de Constanti- nopla – atual Istambul; Capital da Turquia (Ásia) – pelos turcos em 1453. Assim, se no Período Medieval vamos encontrar as Escolas monacais, episcopais ou catedrais e as Escolas palatinas, é nesse Período que sur- ge uma nova instituição educativa que persiste até os dias atuais – a Universidade. É importante ressaltar que, naquele momento, a palavra universidade possuía outro significado. Então, vamos saber mais sobre esse assunto nesta aula? Para seu melhor entendimento desta aula, veja a cronologia. • 395 d.C – Divisão do Império Romano em Império Romano do Oci- dente e Império Romano do Oriente; • 395 a 1453 – Império Romano do Oriente; 4 • EducaçãonoOcidenteMedieval • 476 d.C. – Queda do Império Romano do Ocidente, marcando o início da Idade Média; • 1054 – Cisma do Oriente. Cisma = cisão, separação, dissidência reli- giosa ou política. Aqui se refere à criação da Igreja Cristã Ortodoxa Grega – os bizantinos recusaram a autoridade do papa de Roma e as duas Igrejas se separaram; • 1378 a 1417 – Cisma do Ocidente. Havia dois papas: um em Roma e o outro em Avinhão, na França; • 1453 – Queda do Império Romano do Oriente ou Império Bizanti- no com a tomada de Constantinopla, capital do Império Bizantino, pelos turcos; • 476 a 1453 – Período correspondente à Idade Média do Ocidente. A Sociedade Medieval Embora na Idade Média tenham sido produzidos novos conhecimen- tos culturais amplamente ancorados pela fé cristã, a época ficou sendo entendida por alguns como a Idade das Trevas, Período obscuro, A idade dos mil anos, sendo todas estas expressões, renascentistas. Conforme Maria Lúcia de Arruda Aranha (2006, p.101) “a cultura medieval é um amálgama de elementos greco-romanos, germânicos e cristãos, sem esquecer as Civilizações de Bizâncio e do Islã, que fecun- daram a primeira fase da Idade Média.” Islã No século VII, o profeta Maomé fundou a religião islâmica ou mul- çumana. De cunho monoteísta, seu livro sagrado, Alcorão ou o Corão, traz a palavra de Alá, que orienta a conduta moral e religiosa dos fiéis. Com isso, Maomé conseguiu unificar as tribos árabes, que viviam em constante conflito (prejudicando o comércio). Apesar de instaurar um governo teocrático (sem separar Religião e Estado), não despreza a ação guerreira. Após a morte de Maomé ocorre a expansão islâmica, criando-se um grande império que se estendeu renascentista A expressão renascentista tem origem no termo Renascimento ou Renascença – Movimento artístico e científico dos séculos XV e XVI que pretendeu ser um retorno à Antiguidade Clássica. Você verá sobre a Educação nesse Período, na Aula 5. 5 Hisória da Educação pelo Oriente Médio, norte da África até à Península Ibérica, na Eu- ropa. A Civilização Islâmica assimilou a dos povos vencidos. Dessa forma, os árabes conheceram a Filosofia, a Ciência e a Literatura dos gregos antigos, traduzindo obras clássicas – algumas chegando posteriormente aos latinos, como você poderá notar ainda nesta aula. Alcorão – Manuscrito do Al-Andalus (Península Ibérica)/ século XII Fonte: http://pt.wikipedia.org/ wiki/Ficheiro:AndalusQuran.JPG Nesse contexto, os árabes se destacaram nas áreas de Matemática, Medicina, Geografia, Astronomia e Cartografia. Por volta do sé- culo X, criaram escolas primárias para ensinar a leitura e a escrita. Nessas escolas aprendia-se o Alcorão de cor. Mas também havia preceptores particulares. Durante a influência árabe, as cidades de Córdoba, Toledo, Granada e Sevilha, na Espanha, tornaram-se grandes centros irradiadores de cultura (ARANHA, 2006, p.105). Na Filosofia, Avicena (século XI) e Averróis (século XII) foram responsáveis pela divulgação da obra de Aristóteles no Ocidente. No dizer de Aranha (2006), enquanto no Ocidente o Império Romano era dividido em diversos reinos pelos povos bárbaros, provocando uma retração econômica, social e cultural, os “povos do Oriente mantiveram uma cultura viva e efervescente”. Em 395 da era cristã, ainda na Antigui- dade, o Império Romano se divide em Império do Ocidente e Império do Oriente (ou Império Bizantino). 6 • EducaçãonoOcidenteMedieval O Império Bizantino se expande pela Grécia, Ásia Menor, Oriente Médio, parte da Itália, norte da África e sul da Espanha. Com o passar do tempo, retomam costumes anteriores ao Império Bizantino como, por exemplo, o uso da língua grega. No campo religioso, os imperadores tomam decisões que provocam divergências com a Igreja. Em 1054 ocorre o Cisma do Oriente, quando se cria a Igreja Cristã Ortodoxa Grega. No Cisma do Oriente, os bizantinos recu- sam a autoridade do Papa de Roma e as duas Igrejas se separaram. Conforme Aranha (2006), há pouca documentação sobre a Educa- ção Bizantina, mas é certo de que havia o predomínio do Ensino Religioso nas escolas e que os clássicos pagãos eram estudados sem restrições. A meta da Educação era a formação humanista e a preparação de funcionários capacitados para a administração do Estado. Sobre as escolas superiores destaca-se a Universidade de Constantinopla, importante centro cultural de 425 a 1453. Por volta do século XV, esse Império é reduzido a pequenos territórios na Grécia, além da cidade de Constantinopla. Após a Conquista Turca, o Império Bizantino entrou em declínio, assim como ocor- rera com o Ocidente no início da Idade Média. Você deve ter estudado no Ensino Médio, nas aulas de História, que o modo de produção existente na Idade Média era assentado no Feudalismo, certo? Deve estar se perguntado como ocorreu a transição do escravismo, modo de produção do período grego-romano, para o feudalismo, modo de produção instituído na Idade Média, e antes de falarmos da Educaçãoe das escolas é necessário que você entenda isso. Por volta do século V da era cristã, a sociedade ocidental europeia pas- sou por várias mudanças. Com a queda do Império Romano, a sociedade se torna agrária e autos-suficiente na atividade agrícola e no artesanato caseiro. Isto ocorre devido ao fato de muitos senhores romanos deixarem suas casas na cidade e irem morar no campo. Dessas propriedades rurais – burgos – surgem os feudos, que eram propriedades que o senhor de certos domínios concedia mediante a condição de submissão e prestação de serviços e rendas. Este nome, feudo, deu origem ao modo de produção Burgos refere-se a castelo, casa nobre ou mosteiro e suas cercanias – rodeados por muralhas de defesa. Muitas dessas propriedades se transformaram em cidades. Feudo O feudo diz respeito à propriedade nobre que o senhor de certos domínios concede mediante a condição de vassalagem e prestação de serviços e rendas. 7 Hisória da Educação que se disseminou na Idade Média, Muitas pessoas procuraram proteção e trabalho ao lado do castelo dos senhores feudais. As escolas, o Direito Romano e as moedas quase desaparecem. No comércio, predominam os negócios à base de troca. No Feudalismo, o poder central se enfraquece, no caso, o rei. De carac- terística aristocrática, na sociedade medieval, a condição dos homens era dada pela quantidade de terras que cada um possuía. Conforme Angela Maria Souza Martins,neste Período,“Cria-se uma rígida hierarquia social, na qual a nobreza (senhores feudais) e o clero ocupam o topo e na base estão os servos da gleba” (2004, p.34). Figura 4.1: Na Idade Média a estrutura social beneficiava a nobreza e o clero. Trabalhadores, até hoje, ficam na base da pirâmide social. Fonte: http://hgp-recursos.blogspot.com.br/2008/03/pirmide-dos-grupos-sociais-sculo-xiii.html A alta e a pequena nobreza se constituíam de duques, marquesas, condes, viscondes, barões e cavaleiros, que disputavam entre si e, com isso, alguns senhores feudais ao acumularem terras foram se tornando mais poderosos do que o rei. Porém, essa nobreza torna-se dependente do clero, diante da falta de formação intelectual necessária para gerir os negócios dela. Geralmente mantinha-se um clérigo em sua residência para as necessidades de escrita e leitura. Na falta deste, o pároco da igreja local era a alternativa. Na sociedade medieval, surge, no lugar do escravo, um novo sujeito social – o servo da gleba – parte de um feudo. Embora livre, dependia 8 • EducaçãonoOcidenteMedieval do seu senhor. Se por um lado o servo tinha todos os direitos dos homens livres (casar, fundar uma família, passar a terra para os filhos depois de sua morte, assim como os bens que tivesse adquirido), por outro lado, o seu trabalho era em troca de um pedaço de terra para plantar, colher e extrair, apenas para o seu sustento, de modo que o resto era entregue ao senhor feudal, ficando dependente deste. Assim configurava-se o Feudalismo. As- sim funcionava o Sistema de vassalagem e suserania. Na sociedade feudal, estabelece-se, entre suseranos e vassalos, uma relação de dependência. O suserano é o senhor feudal, ou seja, aquele que possui um feudo do qual outros dependem, e vassalo é aquele que depende do senhor feudal, a quem se vincula por juramento de fé e homenagem: é o súdito. Nessa sociedade medieval, estática e hierarquizada, acreditava-se que Deus determinara a cada um o seu lugar. O que era oferecido ao povo, mesmo sem saber ler, era a poesia e a música, “com predominância de temas religiosos. As canções populares e a literatura lendária contavam as histórias de santos e ensinavam a devoção e o comportamento cristão ideal”, diz Aranha (2006, p.112). Diante da forma como a sociedade feudal foi se montando, vejamos agora o porquê de a Igreja Católica ter se constituído, nesse Período, um elemento unificador do saber. Com a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.), o Cristianismo vai se firmando e ascendendo como religião oficial do Estado. Nesse processo de mudança, vai surgindo uma instituição social que, além de religiosa, adquire também força política. Você deve estar se perguntando que instituição social é essa, correto? A resposta é a Igreja Católica. Assim, no campo da Educação, vai desapare- cendo a escola clássica pagã, da Antiguidade, e surgindo a escola cristã. Por parte do clero, a Igreja Católica era grande detentora de terras. Além de influência religiosa conseguiu também influência política. Na sociedade medieval o conhecimento reconhecido era o da Igreja Cató- lica ou aquele por ela aceito e ligado às ideias divinas. Caso contrário, toda forma de conhecimento era considerada heresia. O conhecimento era como um instrumento utilizado para a conversão dos hereges à fé cristã. Aliada a isso, estava a possibilidade de domínio e detenção dos bens econômicos e posse de terras. Apesar dos conflitos e das heresias, a herança cultural greco-latina foi guardada nos mosteiros que tinham, dessa maneira, o monopólio da ciência e da cultura medieval. Nessa nova concepção de mundo os monges eram os letrados. Assim, traduziam, reinterpretavam e adaptavam obras gregas para o latim à luz do Cristianismo. Hereges aqueles que professam doutrinas contrárias a fé cristã; ao que foi estabelecido pela Igreja. 9 Hisória da Educação Mosteiros e monges Mosteiro beneditino de Santo Domingo de Silos – Burgos/Espanha. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Sto_Dom_de_Sil-0.JPG Etimologicamente, as palavras mosteiro (monasterion) e monge (monachós) são formadas pelo mesmo radical grego monos, que significa só, solitário. Monge é o religioso que procura a perfeição na solidão, afastando-se da vida mundana. Crendo que o corpo é a morada do pecado, submetiam-se a mortificações, como o uso do flagelo (castigo), repudiavam os prazeres sensuais, faziam abs- tinência sexual, jejuavam e dedicavam o tempo às orações – para atingir a espiritualidade. Por isso, são chamados ascetas. A palavra ascese, segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, significa exercício prático que leva à efetiva realização da virtude, à plenitude da vida mo- ral. Ascetismo é uma moral que desvaloriza os aspectos corpóreos e sensíveis do homem. Ju er ge n K ap p en b er g 10 • EducaçãonoOcidenteMedieval Os cristãos, ao contrário dos gregos, subordinavam os valores mundanos aos supremos valores espirituais. Tendo em vista a vida após a morte, as noções de mal e de pecado tornaram-se centrais. Assim, os monges temiam o acesso dos fiéis à produção intelectual da Antiguidade, entretanto não podiam ignorar essa herança cultural. A solução era adaptá-la à fé cristã. Aos poucos, à luz do cristianismo, as bibliotecas dos mosteiros foram ampliando seus acervos com o trabalho de monges copistas, ou seja, de tradutores que vertiam para o latim os textos selecionados da literatura e da filosofia gregas. Reinterpretaram e adaptaram a partir da leitura de bibliotecários, que controlavam leituras permitidas ou proibidas, os textos que integram a nossa literatura clássica. Para saber mais sobre os mosteiros e a Educação na Alta Idade Média veja, também, o texto de OLIVEIRA, Terezinha. Os mosteiros e a institucionalização do ensino na Alta Idade: uma análise da histó- ria da educação. Disponível em: http://www.ucdb.br/serieestudos/ publicacoes/ed25/S_Estudos_n25_inteira.pdf Atividade 1 Atende ao Objetivo 1 Os monges copistas Se conhecemos importantes tratados filosóficos, médicos ou textos literários da Antiguidade greco-romana, muito se deve ao traba- lho realizado nos mosteiros beneditinos durante a Idade Média. Ali, os chamados monges copistas passavam seus dias copiando, restaurando ou traduzindo os textos clássicos que sobreviveram às invasões germânicas. Usavam para isso um novo tipo de escrita, a minúscula Carolina, que facilitava sensivelmente a leitura, pois empregavaletras pequenas e arredondadas. Os pergaminhos nos 11 Hisória da Educação quais eram copiados os manuscritos eram ricamente ilustrados com desenhos em miniatura chamados iluminuras, retratando cenas do cotidiano e imagens religiosas. Em uma época na qual a maior parte da população era analfabeta, mosteiros e abadias funcionavam como um dos poucos centros da cultura letrada. Suas bibliotecas reuniam os maiores acervos da Europa Medieval. (FAVIER, Jean. Carlos Magno. São Paulo: Estação Liberdade, 2004, p. 429) O texto que você acabou de ler descreve o trabalho dos monges copistas, tão importante para a preservação dos textos clássicos. Caracterize o contexto histórico e as condições para o surgimento do Monaquismo, destacando a necessidade da atividade pedagógica. Resposta Comentada Se você, ao caracterizar o contexto histórico da época, levou em conta a decadência das escolas romanas e leigas, após a queda do Império Ro- mano, seguida do crescimento do Cristianismo no período Medieval e sua influência na Educação, com destaque para o surgimento e a atuação das escolas monacais, catedrais e palatinas, o perfil do aluno aceito, tipo de ensino ministrado e a presença dessas escolas no período Carolíngio, você bem desenvolveu a sua resposta. 12 • EducaçãonoOcidenteMedieval O Monaquismo, então, surge como um movimento religioso relacionado com a necessidade de o Império contar, tanto com clero mais bem quali- ficado, quanto com nobres capazes de garantir uma boa administração. A atividade pedagógica passou a ser uma necessidade na medida em que monges, que se dedicavam à preservação e transmissão cultural, atuando como guardiães da ciência e da cultura medieval ao preservar e difundir o conhecimento de textos clássicos, contribuíram para a criação de um projeto educacional e de Escolas episcopais e palatinas. É fato que no contexto de fim do Império Romano, os mosteiros atuaram como espaços de disseminação de uma comunidade de pertencimento, em um mundo em desagregação, ao difundir a ideia de uma universa- lidade cristã. Ao mesmo tempo, atuaram como espaços de preservação da vida, da escrita, da memória e dos saberes humanos, sagrados e profanos, durante a Idade Média. Também foram espaços de proteção contra ataques e pilhagens, assim como espaços de ensino tanto para monges quanto para a comunidade. Desse modo, você poderá ressaltar o papel dos monges na difusão dos valores cristãos, ou seja, que não possuíam apenas uma vida contemplativa e sim ativa. Os monges copistas expressavam o trabalho, conservavam o conhecimento humano e disseminavam o evangelho, contribuindo assim para a harmonia social. Por fim, você também poderá ressaltar a atualidade desses valores uni- versais pregados nos mosteiros ao ressaltar um espírito de comunidade e convívio social, tal como percebemos como um dos objetivos da institui- ção escolar de hoje em dia, considerando as diferenças de tempo e lugar. Constate, agora, como se dava a transmissão do saber nesse Período marcado pela instauração da fé católica. Inicialmente temos, como exemplo, o que ficou conhecido como o período da Patrística. Iniciado ainda na An- tiguidade, esse Período teve como principal representante Santo Agostinho. A Filosofia Cristã: o Período da Patrística – Santo Agostinho Na passagem da concepção pagã de mundo para a concepção cristã era preciso prevenir os desvios da fé. Era preciso harmonizar razão e fé, 13 Hisória da Educação sendo que a primeira deve se subordinar a segunda. O Homem ideal deveria abdicar do mundo terreno e controlar, racionalmente, as suas paixões valorizando o mundo espiritual. Estudiosos começaram a adap- tar o Pensamento grego à concepção cristã. Na luta contra os pagãos e no trabalho de conversão, fazia-se necessário demonstrar que a fé não contrariava a razão. O ponto de partida era sempre a verdade revelada por Deus; a autoridade indiscutível do texto sagrado. Embora a fé fosse considerada mais importante, e a razão apenas seu instrumento, impôs-se uma sistematização, conhecida como “filosofia cristã”, que se estendeu por dois grandes períodos: o da Patrística e o da Escolástica. O período da Patrística, assim chamado por se referir à Filosofia dos Padres da Igreja, visando à expansão do Cristianismo, teve início no período de decadência do Império Romano, – ainda no século II. Embora iniciada ainda na Antiguidade, é significativa por influenciar a Educação na Idade Média. A Patrística caracterizava-se pela defesa da fé absoluta em Deus e a conversão dos não cristãos e o combate à heresia, –de modo que textos em defesa da Igreja Católica e do Cristianismo eram permanentemente elaborados. A união entre fé e razão era discutida, onde a razão era subordinada à fé. Neste movimento, teólogos retomam a Filosofia Platônica, dando destaque a alguns temas, adaptando-os à ótica cristã de valorização do supra-sensível, a fim de fundamentar uma moral rigorosa, que defendia a abdicação do mundo e o controle racional das paixões. Podemos citar como representantes da Patrística Clemente de Alexandria, Orígenes e Tertuliano. Mas seu principal representante é Santo Agostinho. Vamos saber um pouco mais sobre ele e suas ideias? Figura 4.2: Santo Agos- tinho – Afresco de San- dro Botticelli Fonte: http://pt.wikipedia. org/wiki/Ficheiro:Sandro_ Botticelli_050.jpg 14 • EducaçãonoOcidenteMedieval Aureliano Agostinho (354 a 430 d.C.) nasceu em Tagaste, Província romana situada na África. Faleceu em Hipona, localizada na Argélia, onde ocupou o cargo de bispo da Igreja Católica. De família burguesa, seu pai, Patrício, era pagão, recebendo o batismo pouco antes de morrer, e a sua mãe, Mônica, era uma cristã fervorosa e exercia sobre o filho uma notável influência religiosa. Agostinho faleceu em Hipona (hoje Annada, na Argélia), onde ocupou o cargo de bispo da Igreja Católica. [Fonte: www.mundodosfilosofos.com.br/agostinho.htm] Santo Agostinho destacou-se entre os Padres e se inspirou na filo- sofia de Platão. Ele pertenceu à seita persa dos maniqueus, do final da Antiguidade. Para eles o mundo era dividido entre o bem e o mal. Santo Agostinho se preocupou com a origem do mal. Antes de se converter ao Cristianismo, também foi influenciado pela Filosofia Estóica que contestava uma divisão rígida entre o bem e o mal. Antes da conversão vivia em crise existencial. Deu aulas de retórica em Tagaste, Roma e Milão, onde entrou em contato com o neoplatonismo. Ao converter-se ao Cristianismo, dedicou-se à elaboração da filosofia cristã. Escreveu, entre outras obras, A cidade de Deus e Confissões. Sobre a Educação escreveu De Magistro (Do Mestre), obra na qual dialoga com seu filho, Adeodato, de 16 anos. Santo Agostinho viveu o conflito de ter sido criado dentro da pedagogia pagã e a necessidade de adaptá-la às novas necessidades que a ela se co- locava da construção de uma nova fé – a cristã. Em Agostinho, o conflito foi resolvido, fazendo da cultura clássica um instrumento de adaptação às novas ideias. Assim, influenciado pela filosofia de Platão, distingue dois tipos de conhecimento: (a) o que advém dos sentidos é imperfeito, mutável; (b) o outro é o perfeito conhecimento das essências imutáveis. Este último provém do pensamento filosófico de Platão. Filosofia de Platão Platão começa explicando o conhecimento através da alegoria da caverna, propondo, em seguida, a Teoria da Reminiscência. Nes- ta Teoria, a alma teria contemplado as essências no mundo das ideias antes da vida presente. Se você quiser conhecer a alegoria da caverna indicamos PLATÃO. A república. Livro VII. Apresen- Neoplatonismo Movimento filosófico desenvolvido, no século III, por pensadores inspirados nos ensinamentos de Platão. O Neoplatonismo defendia o universo pagão, ao invés do cristão. 15 Hisória da Educação tação e comentários de Bernard Piettre; tradução de Elza Moreira Marcelina. 2ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília,1996. Agostinho reinterpretou o pensamento platônico à Teoria da Ilumi- nação. Maria Lúcia de Arruda Aranha nos ajuda a entender melhor o pensamento agostiniano. O ser humano receberia de Deus o conhecimento das verdades eternas, o que significa não desprezar o próprio intelecto, pois, como o Sol, Deus ilumina a razão e torna possível o pensar cor- reto. O saber, portanto, não é transmitido pelo mestre ao aluno, já que a posse da verdade é uma experiência que não vem do exterior, mas de dentro de cada um. Isso é possível porque Cristo habita no homem interior. Toda educação é, desta forma, uma auto-educação, possibilitada pela iluminação divina. (ARANHA, 2006, p.113) Para Santo Agostinho o Homem deveria ser submetido a uma intensa educação religiosa. Ele defendeu a superioridade da alma humana, a supremacia da alma sobre o corpo e reconheceu a diferença entre a fé e a razão, pois a fé nos faz acreditar em coisas que nem sempre podemos entender pela razão. (MANCINI, 2006). Resumindo, Agostinho cria a Teoria da Iluminação e, nesta Teoria, Deus ilumina a razão humana e, assim, por Iluminação o Homem tem acesso à verdade. Neste cenário, outro teórico da filosofia cristã é São Tomás de Aquino. Principal expoente do Período da Escolástica – assim chamado por se referir à filosofia das escolas cristãs ou dos doutores da Igreja, viveu na Baixa Idade Média – no século XIII. Antes de falarmos de Tomás de Aquino se faz necessário conhecer o período carolíngio de Carlos Magno. 16 • EducaçãonoOcidenteMedieval A Educação no Império Carolíngio Figura 4.3: Império Carolíngio Fonte: http://www.mundovestibular.com.br/articles/4857/1/Origem-e-declinio-do-Imperio- Carolingio/Paacutegina1.html Após o declínio do Império Romano do Ocidente era necessário unificar a Europa que se encontrava dividida em vários reinos devido às invasões bárbaras. Entre os vários reinos se destaca o de Carlos Magno (c. 2 de Abril de 747 - 28 de janeiro de 814) que, para contar com o apoio da Igreja, se converteu ao Cristianismo. A dinastia carolíngia foi entregue a Carlos Magno em 768 iniciando o período conhecido como Renascimento Carolíngio, que foi até o ano de 814, no qual mudanças importantes vão surgir. Carlos Magno foi o monarca responsável pelo apogeu da dominação dos francos na Europa Medieval. Formou um vasto território e o organizou administrativamente. Foi o momento de maior esplendor do Reino Franco que ocupava a região central da Europa. Nesse sentido, realizou a doação de terras a todos os nobres que o auxiliavam durante as batalhas e dividiu todos os domínios imperiais em duzentos condados administrados por um nobre e um bispo. No ano 800, Carlos Magno se aproximou da Igreja Católica sendo coroado, pelo papa Leão III, o primeiro imperador do Sacro Império Romano- Carlos Magno Foi rei dos Francos (de 771 a 814) e rei dos Lombardos (a partir de 774). Ao assumir o trono em 768, empenhou-se em expandir seus domínios. Anexou o norte da Itália, em mãos dos lombardos, submetendo a Saxônia, a Baviera e a Bretanha. Estabeleceu o controle franco sobre o nordeste da Península Ibérica, derrotando os ávaros e obtendo a submissão de boêmios, morávios e croatas. Dividido o reino em condados, nas regiões fronteiriças criou as Marcas, sob o controle de um funcionário, o que originou o termo “marquês”. Suas ações favoreceram o desenvolvimento dos poderes jurídico-militares regionais localizados. Franco conforme o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, o termo franco é relativo aos indivíduos dos francos, entendido como confederação dos povos germânicos que conquistaram parte da Gália. 17 Hisória da Educação -Germânico, restaurando, assim, o antigo Império Romano do Ocidente e, consolidando, desta forma, o Império Carolíngio. Este Império ia dos Pirineus – uma cordilheira no sudoeste da Europa, formando uma fron- teira natural entre França e Espanha – à metade do norte da Itália. Carlos Magno lutou contra os muçulmanos e os povos saxões da Germânia, impondo sua dominação. Desse modo, o Período conhecido como Renascimento Carolíngio se inicia no século VIII, em que mudanças importantes vão surgir e marcar, profundamente, o processo de expansão do Cristianismo na Europa. O Imperador consagrado passa a ser um defensor e disseminador da fé cristã pelas terras por ele dominadas. Assim, o chamado Renascimento Carolíngio foi um fenômeno cultural apoiado pela Igreja Católica. Carlos Magno leva para o seu reino muitos intelectuais, entre eles o anglo-saxão Alcuíno de York (735-804). Diretor da Escola do Palácio e conselheiro de Carlos Magno, em tudo que era relativo às questões de educação, era como uma espécie de Ministro da Educação, como diz Gal (1989). Segundo este Autor, Alcuíno fora criado em uma escola episcopal na Inglaterra. Por isso era um gramático e um professor impregnado por um programa de Estudos Clássicos baseado nas sete artes liberais. As Sete Artes Liberais (cerca de 1180) Fonte: http://pt.wikipedia. org/wiki/Ficheiro:Septem- artes-liberales_Herrad- von-Landsberg_Hortus- deliciarum_1180.jpg H er ra d v on L an d sb er g 18 • EducaçãonoOcidenteMedieval As sete artes liberais eram assim chamadas por serem as Artes dos indivíduos livres. O conteúdo do ensino nas escolas na Idade Média era o estudo clássico das sete artes liberais, com base nos ensinamentos dos tempos gregos na Antiguidade. Na Idade Média, constituem o trivium e o quadrivium. O primeiro é composto pelas seguintes matérias: Gramática, Retórica e Dialética. Já o segundo é composto por: Aritmética, Geometria, Música e Astronomia. Este Currículo sofreria acréscimos e remodelações com o aparecimento das universidades – como veremos adiante. A Reforma Educacional de Carlos Magno manteve os conhecimentos clássicos greco-romanos sendo Alcuino o responsável pelo desenvolvimento do projeto escolar. Escolas foram fundadas e aristocratas estimulados a se alfabetizarem. A corte torna-se um centro de homens sábios e parte do passado cultural romano é recuperado. As escolas funcionavam junto aos mosteiros (escolas monacais), aos bispados (escolas catedrais) e às cortes (escolas palatinas). Nessas escolas eram ensinadas as sete artes liberais. Carlos Magno ambicionava a reforma da vida eclesiástica e do sistema de ensino. Homem de pouca instrução, chegou a estudar com Alcuíno, mas não conseguiu aprender a escrever. Quanto a isso, nos diz Anibal Ponce (1998), ao discutir a violência utilizada pelos senhores feudais, que preocupados em aumentar suas riquezas, desprezavam a instrução e a cultura. “O próprio Carlos, que foi aluno de Pedro, de Pisa e de Alcuíno, e que se esforçou tanto para preparar juristas hábeis, tentou aprender a escrever, mas não o conseguiu.” (PONCE, 1998, p.91) De fato, Carlos Magno fundou em seu palácio uma escola que serviu de modelo. Ao lado da igreja, escolas para o povo e, nos mosteiros, escolas para sacerdotes. As Escolas Monacais Surgidas por volta do século V com o gradual desaparecimento das escolas leigas pagãs, as escolas monacais - assim chamadas por se locali- zarem junto aos mosteiros, se mantêm no período de Carlos Magno. A educação dada nos mosteiros era a alternativa não só para quem quisesse seguir a vida religiosa, mas também para aqueles que se interessavam, de 19 Hisória da Educação alguma forma, em estudar. Criar escolas não era o objetivo primeiro dos mosteiros, porém a atividade pedagógica torna-se necessária para instruir novos irmãos. O aspirante, para ser aceito nessa escola, já deveria saber ler e escrever, além de ser capaz de cumprir o lema do mosteiro: orar e laborar. Nas escolas monacais eram ensinados o Latim e as Humanidades, Filosofia e Teologia para os melhores alunos. Nessas escolas, são fundadas as primeiras bibliotecas, onde os monges copiavam os manuscritos de escritores gregos e romanos à luz do Cris- tianismo. Dentro dessa estrutura,“de um lado os monges, dedicados ao culto e ao estudo, do outro, os escravos, os servos e os conversos [con- vertidos], destinados ao trabalho” (PONCE, 1998, p.89). Nesta divisão do trabalho, existiam aqueles monges convertidos que realizavam atividades manuais, como cultivar, cozinhar e lavar; por aqueles monges “que não tinham condições de frequentar uma escola e se convertiam na fé católica para ter um lugar onde morar e servir a Deus”. (MANCINI, 2006, p.67). Por sua vez, concordando com Ponce, para Mancini, existiam dois tipos de educação nos mosteiros: uma destinada à formação dos futuros monges e outra destinada à plebe. Esta, destinada a familiarizar as massas campesinas com as doutrinas da fé cristã, e, assim, mantendo-as dóceis e conformadas; por outro lado, havia ainda aqueles que cuidavam da vida espiritual e cultural das abadias. Entretanto, não se pode deixar de reconhecer que grande parte dos escritos da Antiguidade chegou até nós graças ao trabalho desses monges copistas. Ressalte-se que entre os mosteiros se destaca o dos beneditinos. Em 529, São Bento funda, em Monte Cassino, na Itália, a Ordem Benedi- tina – considerada a primeira em importância na Idade Média. Esses monges, os beneditinos, eram submetidos a uma disciplina rigorosa e se dedicavam ao trabalho intelectual e manual. As Regras de São Bento consistiam num conjunto de postulados para o convívio social, dentro de um projeto cristão de sociedade (Oliveira, 2008). Escolas Episcopais ou Catedrais Nas cidades, as escolas episcopais funcionavam junto a uma catedral. Comuns no século VI, se multiplicaram na época de Carlos Magno. Inicialmente, seus alunos e mestres eram majoritariamente clérigos. O bispo exercia a disciplina e o controle da doutrina cristã. Na ausência deste, esse poder era delegado a um representante da Igreja denomina- do scholasticus, que tinha como função zelar e dirigir a escola-catedral. Abadia Circunscrição (divisão territorial) eclesiástica sob a jurisdição de um abade ou abadessa. O termo pode ser entendido também como um mosteiro governado por abade ou abadessa. Episcopal Conforme o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, o termo episcopal é relativo ou pertencente a bispo. Igreja Episcopal de uma diocese é entendida como uma circunscrição territorial sujeita à administração eclesiástica de um bispo ou, por vezes, arcebispo ou de um patriarca. Catedral é relativo à principal igreja de um bispado ou arcebispado. 20 • EducaçãonoOcidenteMedieval Embora não recebesse nenhuma remuneração, alguns mestres aceitavam presentes e às vezes até dinheiro dos estudantes. Essas escolas coexistiram com a Educação dada nos mosteiros. Escolas Palatinas A Escola Palatina, assim chamada porque funcionava ao lado do palá- cio, era anexada à corte e funcionava para servir à formação dos filhos e filhas dos nobres, tornando-se modelo de educação para todos os países da Europa Ocidental (GAL, 1989). Distintas das artes mecânicas dos servos, o conteúdo do ensino nessas escolas era o estudo clássico das sete artes liberais. Diferentes das artes liberais, próprias dos homens livres, as artes mecânicas eram consideradas como arte menor por sua origem no trabalho dos servos, ligados a trabalhos manuais e pesados. Após o Período Carolíngio ou do Império de Carlos Magno e o de- senrolar de seu fim, em torno de 987 (século X), deu-se a fragmentação do Império com novo período de retração. É fato que: A partir do século VIII, com as conquistas do Islã, os europeus perderam o acesso ao mar Mediterrâneo, e, com isso, o comércio declinou ainda mais, provocando regressão econômica e intensi- ficando o processo de feudalização. As pessoas se desinteressaram de aprender a ler e a escrever, e mesmo na Igreja muitos padres descuidavam-se da cultura e da formação intelectual. Apesar des- ses fatores, cada vez mais o Estado precisava do clero culto nas atividades administrativas. (ARANHA, 2006, p.107) Após a morte de Carlos Magno, em 814, o Império Carolíngio per- deu força. As terras do Império foram divididas entre os seus três filhos: Carlos, o Calvo, ficou com a França Ocidental (que deu origem ao Reino da França); Luís, o Germânico, com a França Oriental (a futura Alemanha); Lotário, com a França Central, repartida após a sua morte, em 870, entre Carlos e Luís o que contribuiu para a sua desintegração territorial, tendo em vista o enfraquecimento militar e novas invasões bárbaras. Em 987 morre Luís V, o último soberano carolíngio da França Ocidental. Com isto, os aristocratas escolhem Hugo Capeto, Conde de Paris, como rei marcando o fim da Dinastia Carolíngia sobre a França, dando origem à Dinastia Capetíngia, que governou o País até o século XIV. 21 Hisória da Educação A Formação do Cavaleiro, as Corporações de Ofícios e o Surgimento das Universidades Com o tempo os burgos, inicialmente relativos a “castelo, casa no- bre, fortaleza ou mosteiro, incluindo as cercanias, transformaram-se em cidades, cujos arredores abrigavam os servos libertos que se dedicavam ao comércio que passaram a ser chamados burgueses” (ARANHA, 2006, p.107), que eram pessoas que se dedicavam ao comércio. Como isso acon- teceu? Com o fim das invasões, as Cruzadas liberaram a navegação no Mediterrâneo, reiniciando-se o desenvolvimento do comércio e maior contato com o Oriente. Figura 4.4: Captura de Jerusalém durante a Primeira Cruzada (1099) Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:1099jerusalem.jpg A partir do século XI, na Baixa Idade Média – Período que se inicia na virada do Ano Mil –, a atividade da burguesia comercial em expansão co- meçava a provocar o reaparecimento das cidades e, consequentemente, dos burgueses citadinos. Durante esse período, os burgueses faziam movimentos contra as autoridades locais (senhores feudais e bispos), reivindicando a autonomia administrativa das cidades. Estas, quando emancipadas, passavam a ser denominadas comunas, constituindo as primeiras municipalidades Cruzadas Expedição militar de caráter religioso que se fazia naquele período histórico contra hereges e infiéis, provocando o contato com outros povos. Estes movimentos estenderam-se entre os séculos XI e XIII para recuperar Jerusalém – que estava sob o domínio dos turcos muçulmanos. A ideia era reunificar o mundo cristão que estava dividido pelo “Cisma do Oriente”. “Com as cruzadas, surgiram as ordens de cavalaria, como as dos hospitaleiros e a dos templários”. (BOTELHO; REIS, 2008, p. 61) 22 • EducaçãonoOcidenteMedieval de um governo laico, ou seja, autônomo em relação à religião e à Igreja. Assim, a partir dos anos mil, mudanças importantes fecundaram o período subsequente, mas sempre com ênfase na cristianização da paideia grega, no dizer de Aranha (2006); ou seja, uma releitura do pensamento grego à luz dos valores cristãos, aliada à revitalização das cidades. Por volta daquele século, o comércio ressurgiu, as moedas voltaram a circular e os negociantes formaram ligas de proteção. Como resul- tado das lutas contra o poder dos senhores feudais, aos poucos, as vilas se libertaram e se transformaram em comunas ou cidades livres. (ARANHA, p.107-8). A terra deixou de ser a base principal da riqueza e o dinheiro ocupa lugar como base de troca. Os artesãos vão para as cidades em busca de compradores e matéria-prima. É um momento de crescimento econômico e de prosperidade, mas também de turbulências, tendo em vista o poder e o controle dos senhores feudais, sobre a terra onde as cidades estavam se estabelecendo. Neste processo, surgem as Corporações de Ofícios. No momento, é importante que você entenda quais os motivos de sua existência, o que foram e como se constituíram essas Corporações. Repare como foi se dando a construção de campos de saber, a separação de funções mais manuais, a forma como a possibilidade de estudar vai se impregnando lentamente na rede social, dentreoutros movimentos. Todos estes acontecimentos contribuem para o nascimento futuro da Universidade, que englobará, de diferentes formas, funções manuais assim como o pensamento teórico que envolve as mesmas. É assim que, dessa arquitetura de escolas de pensamento na Idade Média, cria-se uma espécie de embrião para a cena universitária que vivenciamos hoje com tanta naturalidade. Estando a sociedade medieval organizada dessa maneira, vejamos como se davam as formas de formação e a educação dos homens e mulheres que podiam estudar. A formação do cavaleiro: uma formação militar Sobre a formação dos cavaleiros, Aranha (2006) nos informa que até o século X, os senhores feudais recrutavam seus soldados entre os homens livres. Com o descentralização da autoridade monárquica e a fragmentação dos reinos em inúmeros ducados e condados (respectivamente, territórios de Duques e de Condes), recorria-se ao cavaleiro – soldado que possuía cavalo e roupa adequada, armadura e era habilidoso com as armas. Corporação Trata-se de uma associação de pessoas do mesmo credo religioso ou profissão sujeitas às mesmas regras, obrigações, direitos, deveres, privilégios etc. Cavaleiro moço que, na Idade Média, sozinho ou acompanhado, “corria terras em busca de aventuras, a fim de defender os fracos, lutar pela igreja, pela justiça, desagravar damas e donzelas” etc. (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 1986) 23 Hisória da Educação A cavalaria era uma instituição da nobreza. De acordo com os costu- mes da época, o primogênito herdava as terras e a seus irmãos restava o caminho do clero ou da cavalaria. Para Aníbal Ponce (1998), na Idade Média, a nobreza pode ter carecido de escolas, mas não de educação. No caso da formação dos cavaleiros, o autor a descreve relacionando-a com um sistema parecido ao dos efebos da nobreza grega. Para que você entenda melhor, veja nas palavras desse autor, como ele descreve essa formação do cavaleiro, que passava por sucessivas iniciações, desde a condição do menino como pajem, passando a escudeiro, até a sua sagração como cavaleiro. O jovem nobre vivia sob a tutela materna até os sete anos, ocasião em que entrava como pajem ao serviço de um cava- leiro amigo. Aos quatorze, era promovido a escudeiro e nessa qualidade acompanhava o seu cavaleiro às guerras, torneios e caçadas. Por volta dos vinte e um anos, era armado cavaleiro. (PONCE, 1998, p.92) Das corporações de ofícios, as escolas episcopais ou catedrais, a universitas studii Nas cidades, com a expansão do comércio, o que antes era reservado apenas ao consumo familiar amplia-se. O contato com outros povos, so- bretudo com o Oriente, devido às Cruzadas, provoca também o aperfeiço- amento das técnicas dos trabalhos realizados. Dessa forma, organizam-se corporações de ofícios para regular a produção e as ocupações de alfaiate, ferreiro, boticário, sapateiro, tecelão, marceneiro, entre outras. Desse modo, para possuir uma oficina era preciso dispor de dinheiro e provar, através de exames, ser capaz de produzir uma obra em sua especialidade. Se aprovado pela corporação, o aspirante pagava uma taxa, recebia o título de mestre e a licença para montar o negócio ou mesmo empregar-se. Os aprendizes viviam na casa do mestre e não recebiam e nem pagavam qualquer valor pelos ensinamentos e pelo trabalho que exerciam na aprendizagem, porém eram alimentados por ele. (ARANHA, 2006) Efebo Na Grécia antiga, rapaz que atingiu a puberdade. Em Atenas, aqueles entre 18 e 20 anos submetidos à educação. 24 • EducaçãonoOcidenteMedieval Para saber mais sobre as Corporações de Ofício, veja SANTONI RUGIU, Antonio. Nostalgia do mestre artesão. Tradução de Ma- ria de Lourdes Menon. Campinas, SP: Autores Associados, 1998. (Coleção memória da educação). O autor é professor emérito na Universidade de Florença (Itália). Prefácio de Dermeval Saviani. Nesse processo, proliferaram-se as corporações de ofícios – universi- tas, denominação geral para associações juridicamente organizadas e reconhecidas por todos, que visavam controlar e regular a produção de diversas profissões surgidas na Idade Média. Essas Associações congrega- vam pessoas de um mesmo ofício submetidas a estatutos próprios. Dessa forma, a palavra universidade (universitas) não significava, inicialmente, um estabelecimento de ensino, mas qualquer assembleia corporativa seja de marceneiro, curtidores, sapateiros, carpinteiros, tecelões, herboristas, entre outras. Essas corporações de ofícios “exerceram um papel educativo fundamental e de ‘massa’, especialmente nas cidades, emancipando o trabalhador de uma ética apenas religiosa e eclesiástica, e marcando a sua mentalidade em sentido laico, técnico, racionalista.” (CAMBI, 1999, p.175) Entre essas corporações, vamos encontrar um tipo especifico - as Cor- porações de Estudos, constituídas inicialmente de mestres e alunos que cultivavam as ciências e que se reuniam para discussões sem a preocupa- ção de uma aplicabilidade imediata desses estudos - a universitas studii. Segundo outro autor chamado Roger Gal (1989), essas corporações de estudos eram, em parte, associações de apoio mútuo e, de igual modo, confrarias religiosas visando defender direitos de mestres e alunos. Com o tempo, essas corporações de estudos vão tomando outra configuração. Para continuarmos a nossa conversa sobre a origem das Universidades, a seguir tomaremos como ponto de referência a obra História da educação: da Antiguidade aos nossos dias, de Mario Alighiero Manacorda. É importante ressaltar que à época de sua produção, esta obra destinava- -se a ser difundida através de uma série de transmissões radiofônicas da Rádio-Televisão Italiana, sob o título A Escola nos Séculos, como conta Paolo Nosella na orelha do livro. Mario Alighiero Manacorda (1914-2013) Lecionou Pedagogia e História da Pedagogia nas Universidades de Cagliari, Viterbo, Florença e Roma. É considerado na Itália um dos maiores representantes italianos no campo da Pedagogia. 25 Hisória da Educação Agora você já sabe que a palavra universidade (universitas) se referia às diversas corporações de ofícios e que desta universitas surgiu um tipo muito especifico, a universitas studii. Agora vamos entender um pouco como era essa Corporação de Estudo? Com o surgimento da economia mercantil das cidades e a organização em comuna na Europa, surgem para a instrução os mestres livres - clérigos não ordenados ou leigos que atuavam junto às Escolas Episcopais sob a tutela jurídica da Igreja e também do Império. Munidos da licentia docendo (licença para lecionar) concedida pelo scholasticus, fora dos muros das escolas e de forma itinerante, esses mestres livres, que mudavam de um lugar para outro, ensinavam também aos leigos. Assim, satisfaziam as exigências culturais da burguesia e de uma nova sociedade em construção. Os clérigos não ordenados ou leigos ensinavam especialmente as ar- tes liberais do trivium - composto pelas seguintes matérias: Gramática, Retórica e Dialética - e do quadrivium - composto por: Aritmética, Geo- metria, Música e Astronomia. Em conformidade com a tradição clássica que remonta, por exemplo, a Santo Agostinho, a meta desse Currículo era preparar o estudante para os estudos teológicos, aos quais se somariam as faculdades de Direito e Medicina. Para Manacorda, é provável que esses mestres livres tenham contribu- ído para o surgimento das universidades devido a sua futura organização em corporações de estudo. Ele nos informa que, em Salerno, já antes do ano 1000, existia uma tradição da prática médica que foi assumindo, paulatinamente, o caráter de uma escola teórica. Dois séculos depois foi reconhecida como Studium generale, significando, com isso, que o título concedido era reconhecido em qualquer lugar, elemento característico de uma universidade. Esse reconhecimento favorecia a circulação dos mes- tres, pois com a autorização docente, podiam lecionar em qualquerlugar. Um outro tipo de ensino, iniciado no século XI, também se desenvol- veu sobretudo nas universidades italianas: a Ars Dictandi, que ensinava a escrever cartas e atos oficiais, diplomas, privilégios papais etc., e, às vezes, cartas familiares, do pai ao filho, do sobrinho estudante ao tio tutor etc. Este tipo de ensino teve seu apogeu no século XIII com alguns mestres em Bolonha. Foi em Bolonha, na segunda metade do século XI, que teve início o ensino de Direito Romano Civil, pelo qual “se costuma começar a história das universidades medievais” (MANACORDA, 1995, p.146). No século XII, o ensino do direito romano passou a abranger também o ensino do direito canônico. Portanto, percebem-se três campos de estudos distintos: as Artes Liberais, a Medicina e a Jurisprudência. Scholasticus e magister Escolásticos – denominação para os clérigos vinculados ao ensino. Esses clérigos introduziram para o estudo da Língua Latina o procedimento de retirar dos textos da Antiguidade Clássica apenas os trechos em que se evidenciava o aspecto formal da língua ou modelos de estruturação da ordenação lógica do discurso, como matéria de reflexão e ensinamento. O Scholasticus é o professor das Artes Liberais e mais tarde também professor de Filosofia e Teologia, sendo oficialmente chamado magister (mestre). Direito Canônico O direito canônico é o conjunto das normas que regulam a vida na comunidade eclesial. Está diretamente relacionado ao dia a dia dos católicos no mundo. Jurisprudência é um termo jurídico que significa as decisões reiteradas de um determinado tribunal sobre uma matéria de Direito. 26 • EducaçãonoOcidenteMedieval Acrescenta-se a eles, no início do século XIII, o ensino da Teologia pelos dominicanos, como Santo Tomás de Aquino, que eram frades per- tencentes à Ordem de São Domingos. Essas quatro Faculdades (facultas) compõem as universidades medievais. As faculdades de artes tiveram por muito tempo função propedêutica, ou seja, base para qualquer outro estudo e sem muita distinção das escolas de gramática. Nesse momento, a igreja Católica, que mantivera a hegemonia religio- sa, cultural e espiritual no Ocidente, passa a ser afrontada pelas heresias disseminadas com o ressurgimento das cidades. Temerosa, a igreja con- servadora instala a Inquisição ou Santo Ofício, cujos Tribunais se espalham a partir do século XII na Europa para apurar os “desvios da fé”. Inquisição ou Santo Ofício O termo Inquisição refere-se a várias instituições dedicadas à elimi- nação da heresia no interior da Igreja Católica. Fundada em 1184, no sul da França, a Inquisição foi criada inicialmente para combater alguns grupos religiosos, que praticavam a adoração de plantas e animais. O condenado era muitas vezes responsabilizado por uma “crise da fé”, por pestes, terremotos, doenças e miséria social, sendo entregue às autoridades do Estado para que fosse punido. Confisco de bens, perda de liberdade e até mesmo a pena de morte, muitas vezes na fogueira, são exemplos de penas aplicadas àqueles que eram acusados por “desvios da fé”. O delator que apontava o “herege” muitas vezes garantia a sua fé e status perante a sociedade. Na mesma época, a erudição, ou seja, o saber aprofundado em um ramo do conhecimento, que até então havia sido uma prerrogativa da esco- lástica, tornava-se dia a dia mais leiga. Nas universidades, os estudantes eram castigados por, entre outros motivos, não falarem apenas o latim. Assim, no início do século XIII, quando as universidades se conso- lidam e se difundem, surgem as novas ordens religiosas: as ordens de Pregadores, os dominicanos, e de Mendicantes, os franciscanos, que Escolástica Refere-se ao ensino filosófico próprio da Idade Média Ocidental, fundamentado na tradição aristotélica e inseparável da Teologia. Chama-se Escolástica por ser a filosofia ensinada nas escolas daquele período. Mendicantes São ordens religiosas que fazem voto de pobreza, vivendo apenas de esmolas. 27 Hisória da Educação renovam as escolas e os estudos. Os dominicanos dedicam-se à Teologia e os franciscanos às Artes Liberais. Essas ordens assumiram o trabalho de manter a ortodoxia religiosa, implantada pela Inquisição, com censura e rigor, determinando a puni- ção dos dissidentes da fé católica, a queima de livros e dos seus autores. Foram responsáveis pelo modelo de teorização do pensamento medieval: o modelo típico dos dominicanos - ligados à valorização da razão em si e como instrumento para penetrar e desenvolver o significado da fé, e o modelo dos franciscanos – destinado a sublinhar a superioridade da fé em relação à razão. Com título homônimo da obra literária de Umberto Eco de 1980, o filme O nome da rosa estrelado por Sean Conery e dirigido por Jean-Jacques Annaud, de 1986, é ambientado em um mosteiro be- neditino do Norte da Itália que continha o maior acervo cristão do mundo. O filme conta a história de um monge franciscano, William de Baskerville que chega a esse mosteiro acompanhado de um noviço, Adso Von Melk, e pretende participar de uma assembleia para decidir se a Igreja Católica devia doar parte de suas riquezas. Porém, a atenção de todos é desviada por muitos assassinatos que ocorrem no mosteiro. William de Baskerville começa a investigar o caso, mas os mais religiosos acreditam que tal fato é obra do Demônio. Antes que ele conclua suas investigações, Bernardo Gui, o Grão-Inquisidor, chega ao local pronto para torturar qualquer suspeito de ter cometido assassinatos em nome do Diabo. Por não gostar de Baskerville, o Inquisidor o coloca no topo da lista dos que são diabolicamente influenciados. Esta batalha, junto a uma guerra ideológica entre franciscanos e dominicanos, é travada enquanto o motivo dos assassinatos é lentamente solucionado. Ficou interes- sado no filme? Então, prepare a pipoca que a seção vai começar! Fonte: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-2402/ Ortodoxia religiosa que está conforme a doutrina religiosa; é rígida em suas convicções. 28 • EducaçãonoOcidenteMedieval Nesta Seção, então, você viu como foi o surgimento das universidades medievais, a universitas studii, e quais eram, a princípio, seus diferentes campos de estudo. Na próxima Seção você ficará por dentro de como foi a expansão dessas universidades pela Europa Ocidental. Atividade 2 Atende ao Objetivo 2 Daça um pequeno texto, explicando como se deu a formação do homem medieval cristão tendo em vista a atuação da Igreja Católica no campo da educação e do surgimento das escolas cristãs. Resposta comentada De início, é preciso dizer que, na passagem da concepção pagã de mundo para a concepção cristã, era preciso prevenir os desvios da fé. O Homem medieval deveria abdicar do mundo terreno e controlar, racionalmente, as suas paixões valorizando o mundo espiritual. Os pensamentos de Santo Agostinho e de Santo Tomás de Aquino, eram representativos desse ideal. Se você entendeu que para disseminação dessa visão de mundo e a for- mação desse novo Homem, as escolas se tornariam necessárias, prossiga. Assim, no lugar das escola pagã, vão surgindo,por volta do século V, as escolas monacais - assim chamadas por se localizarem junto aos mosteiros. Como você já sabe, nessas escolas, foram fundadas as primeiras biblio- tecas e nelas os monges copiavam os manuscritos de escritores gregos e romanos à luz do Cristianismo. Outro tipo de escola que merece destaque são as Escolas Episcopais ou Catedrais, assim chamadas por funcionarem nas cidades junto a uma 29 Hisória da Educação catedral, sendo comuns no século VI. O bispo exercia a disciplina e o controle da doutrina cristã e na sua ausência esse poder era delegado a um representante da Igreja denominado scholasticus. Destacam-se ainda, no período, as Escolas Palatinas - assim chamadas porque funcionavam ao lado do palácio para servir á formação dos filhos e filhas dos nobres. Essas escolaspermaneceram no período do Império Carolíngio. Por volta do ano 800, Carlos Magno se aproximou da Igreja Católica sendo coroado, pelo papa Leão III, o primeiro imperador do Sacro Império Romano-Germânico. A conversão dessa imperador marcou o processo de expansão do Cristianismo na Europa. A difusão da universidade na Europa Ocidental e seus estudantes Após o surgimento das universidades, a expansão pela Europa Ociden- tal foi rápida e enorme! Os dados trazidos por Franco Cambi (1999) são significativos. Vejamos: na Itália, por volta de 1200, havia studii de Artes Liberais em Pávia, Verona, Vicenza, Florença, Siena e Pádua; em 1300, já havia onze universidades e, em 1400, outras sete. Neste ano, na França, se contavam nove universidades; sete na Espanha (a começar por Salamanca); duas na Inglaterra (Oxford e Cambridge); em Portugal, na Alemanha e nos Países Eslavos. Esses números variam um pouco de autor para autor. Cintia Greyve Veiga (2007), em seu estudo sobre o surgimento das universidades nos séculos XII e XIII, recorre a Jacques Verger. De acordo com o modo como foram criadas, Verger classifica as Uni- versidades em três modalidades: as espontâneas, as formadas por migração e as instituídas por autoridades religiosas ou pela nobreza. 1. As universidades espontâneas: foram aquelas oriundas de escolas preexistentes. São exemplos,a Universidade de Oxford, na Inglaterra; as de Montpellier e Paris, na França; Bolonha, na Itália. 2. As universidades formadas por migração: são aquelas universidades que se organizaram pela instalação de uma corporação de mestres e alunos dissidentes de outra. É o caso da Universidade de Pádua, na Itália, nascida de um movimento dissidente da Universidade de Jacques Verger Nascido em 1943, em Telence Gironde, na França, é especialista em estudo dos saberes na Idade Média. Doutor em letras e professor na Universidade de Paris XIII. O estudo de Verger aborda os reflexos da intelectualidade medieval e sua ligação com a criação de uma nova instituição de ensino: a Universidade. 30 • EducaçãonoOcidenteMedieval Bolonha; da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, nascida da separação da Universidade de Oxford. 3. As universidades criadas por papas, imperadores, reis, príncipes: estas universidades traziam estatutos e privilégios definidos nas bulas ou cartas de fundação. Exemplos dessa modalidade são a Universidade de Nápoles, na Itália; as de Salamanca e Valladolid, na Espanha; a de Lisboa, em Portugal; as primeiras universidades germânicas. No fim da Idade Média, a Europa Ocidental, já contava com aproxima- damente um número de oitenta universidades, cada qual com sua história de origem. Mas, vamos nos aprofundar mais nesse assunto, conhecendo agora a vida universitária das Corporações de Estudos. É bom que você saiba que, inicialmente, a universitas studii não se vin- culava a um prédio ou estabelecimento escolar especifico, na forma que você conhece hoje, mas a um agrupamento de indivíduos, alunos e/ou professores com atividades de estudos leigos ou clérigos, com exceção dos estudos de Teologia. Os mestres ministravam suas aulas em qualquer lugar – salas alugadas, na própria casa ou mesmo em espaços das igrejas (VEIGA, 2007). De acordo ainda com a autora, na Europa, os primeiros prédios destinados especificamente às chamadas universitas studii datam do século XV. Assim, como vimos, os poderes papal e imperial (ou régio) agiram para regulamentar as universidades, criando algumas delas. A origem dessas instituições está “na confluência espontânea de clérigos de várias origens para ouvir aulas de algum douto famoso”. (MANACORDA, 1999, p.147). Naquela época, havia clérigos vagantes que não dispunham de muito dinheiro, mas havia também os que não deixavam de levar uma vida dissoluta de jogos, bebidas e mulheres. Dessas desordens e do desejo de levar uma vida de aventuras própria da juventude, nasceu o tipo de estudante “vagabundo” – o goliardo. Os goliardos não eram estudantes agradáveis para as cidades onde se instalavam. Os cantos goliárdicos remanescentes, especialmente da coletânea dos Carmina burana, falam mais de mulheres, vinho, caça deses- perada ao dinheiro, conflitos com os mestres e os cidadãos, do que de estudos sérios. (MANACORDA, 1999, p.147). Assim, aproveitavam a licença, obtida ou arrancada, para afastar-se de seus mosteiros. Goliardo talvez de Golias, o gigante filisteu, símbolo de Satanás – explica Manacorda. 31 Hisória da Educação A Roda da Fortuna – no Codex dos Carmina Burana Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:CarminaBurana_wheel.jpg Carmina burana, compilados em um manuscrito do século XIII, são textos poéticos de provável autoria dos goliardos. O Códex (manuscrito em pergaminho semelhante a um livro) contém com- posições poéticas em latim, do Período Medieval, em folhas de pergaminho decoradas com miniaturas. Atualmente, o Manuscrito encontra-se na Biblioteca Nacional de Munique. Carl Orff (1895- 32 • EducaçãonoOcidenteMedieval 1982), compositor alemão, teve acesso a esse Códex e arranjou alguns dos poemas em canções seculares para solistas e coro. A palavra Carmina é o plural de Carmen (em português, Canção). O título inteiro significa literalmente: Canções dos Beurens; esta última palavra se refere ao fato de que os textos escolhidos por Orff para a cantada foram descobertos em um mosteiro beneditino da Baviera, em Benediktbeuren, no sudoeste da Alemanha. Os Carmina Burana exaltam o jogo, o amor e o vinho. É, portanto, uma obra coral baseada em poemas e canções profanas escritos em latim e alemão medievais, provavelmente entre os séculos XII e XII. Foi apresentada pela primeira vez na Alemanha em 1937. Fontes: http://www.bachiana.com.br/site/images/stories/arquivos/tradu- cao_carmina_burana_scm.pdf http://www.filologia.org.br/ixcnlf/13/04.htm http://www.das.ufsc.br/~sumar/perfumaria/Carmina_Burana/carmi- na_burana.htm Assim, esses estudantes vagantes criticavam a ordem social, religiosa e laica - atacavam os nobres e os frades, por exemplo. Como vimos, foram eles que constituíram associações, societates scholarium, que se tornaram, por volta do século XII, a universistas studii à semelhança das Corporações de artes e ofícios e com estatuto próprio garantidor de sua autonomia. Este estatuto variava de acordo com as Corporações de cada localidade e regulamentava os procedimentos dos sujeitos cujas atividades se ligavam ao studium: além de professores e alunos, bedéis, livreiros, copistas, barbeiros e boticários (vinculados ao estudo da Medicina). Cynthia Greive Veiga (2007, p.22) nos informa que as corporações de estudos possuíam algumas características comuns, como as “assembleias para tomada de decisões (realizadas em igrejas ou conventos), eleição de representantes, garantia dos privilégios, ritual de exames e colação de grau.” As universidades criadas por papas, imperadores, reis e príncipes traziam estatutos e privilégios definidos nas bulas ou cartas de fundação. Sucessivas bulas papais estabeleceram a proteção e os privilégios dos cooperados, como é o caso das prebenhas (renda eclesiástica que garantia o sustento dos mestres), e limitaram bastante os poderes locais dos bispos e chanceleres. Bedéis Mensageiros dos estudantes, aqueles que anunciam as festas, convocam reuniões e mediavam a compra e venda de livro. 33 Hisória da Educação Entretanto, esse controle das universitas através de privilégios, não era apenas pela autoridade eclesiástica (o papa), mas também pela nobreza (reis e príncipes) e/ou pelos dirigentes municipais. Os privilégios ou re- galias incluíam obter das cidades isenção de serviço militar, de impostos e taxas, aluguéis mais baixos, tanto para alunos quanto para os mestres. Alguns mestres também ocupavam cargos administrativos, prestavam serviços a soberanos ou exerciam o oficio em âmbito particular. Muitos reis fundaram universidadese concederam-lhes privilégios – como foi o caso, por exemplo, da Universidade de Bolonha que, já no início de 1100, apresentava sua vocação para tornar-se centro de estudo de Direito. Os estudantes vagantes honestos ou vagantes goliardos receberam apoio, em Bolonha, do imperador Frederico I, que reconheceu a univer- sitas (ou corporação estudantil) bolonhesa em 1158. No ano seguinte, o papa Alexandre III também a reconheceu. Inicialmente a expressão Universidade de Bolonha, por exemplo, era apenas uma abreviação da expressão Universidade dos Mestres e Estudantes de Bolonha. Outras intervenções do poder político acontecem, sancionando no- vos privilégios acadêmicos. Em Castela e Leão são sancionadas leis por Afonso X, o Sábio (1252-1284), estabelecendo o que era estudo, os tipos de estudo e por ordem de quem deveria ser feito. Dessas leis, destacamos as que se seguem para sua melhor compreensão e conhecimento de como deveria ser a vida universitária naquele momento nas universitas studii. Estudo é união de mestres e estudantes, que se realiza em qualquer lugar com a vontade e o objetivo de aprender as ciências. Existem duas espécies de estudo: a primeira é aquela que chamamos de ‘estudo geral’, em que há mestres das artes, como gramática, ló- gica, retórica, aritmética, geometria, música e astronomia, como também há mestres de decretos e senhores de leis; este estudo dever ser estabelecido por mandado do Papa, do imperador ou do Rei. A segunda espécie é aquela que chamamos de ‘estudo 34 • EducaçãonoOcidenteMedieval particular’, que é o ensino que um mestre ministra numa cidade qualquer, privadamente, a alguns alunos...(Lei I apud MANA- CORDA, 1999, p.151). A lei fala no estudo geral (studii generale) e em faculdades. Porém, neste caso, trata-se inicialmente de, apenas, duas: Artes e Direito (canô- nico e civil). Fundada em 1230 e consolidada em 1242, a Universidade de Salamanca, por exemplo, também oferecia Teologia e Medicina. As leis ainda mencionam também o papel dos livreiros. É necessário que em cada estudo geral, para que seja completo, existam livreiros que tenham em suas livrarias livros bons, legíveis e verazes no texto e nas glossemas, que os estudantes possam tomar por empréstimo esses livros, pra, copiando-os, fazer novos livros ou emendar os velhos (Lei XI, Ibid., p.153) Fala também sobre o direito de associação de mestres e estudantes: Os antigos proibiam que se fizessem associações e confrarias nas cidades e nos reinos, porque nada de bom nasce nelas; todavia, julgamos justo que os mestres e estudantes no estudo geral possam organizar-se, já que eles se unem com boas intenções, e são, de fato, forasteiros e de lugares distantes; convém, portanto, que de acordo com o direito que eles têm, todos se ajudem mutuamente naquilo que é necessário ao estudo, a si mesmos e às suas coisas. (Lei VI, Ibid). Como em Bolonha, em Paris, o afluxo de estudantes levou-os a reu- nirem-se em nações – picardos, normandos, ingleses e franceses – segundo suas origens. Em 1245, essas quatro nações das Artes elegeram um Reitor, que se tornou pouco a pouco o chefe da Universidade e o seu principal funcio- nário. O reitor que governava a universidade devia controlar a qualidade dos livros e seus preços. Possuindo jurisdição civil, convocava e presidia assembléias e era assistido por um conselho submetido às decisões das assembléias gerais e composto por delegados das nações de alunos e por alguns funcionários. Os estatutos de 1317 da Universidade de Bolonha impunham que o Reitor fosse um eclesiástico erudito, solteiro e usasse batina. Aníbal Ponce Picardos são pessoas naturais ou habitantes de Picardia, região da França, localizada ao norte do País. Normandos são os naturais ou habitantes de Normandia – região histórica do noroeste da França. Reitor Como herança da Idade Média, você sabe que a universidade atual tem um reitor ou uma reitora que a dirige. Mas também é o título que recebe o pároco de certas freguesias (divisão própria da igreja católica – povoação); o prior. 35 Hisória da Educação (1998, p.100) nos diz que, na época de Inocêncio II (1130-1143), – Papa que instituiu o celibato – a Universidade de Paris teve um atrito com o Chanceler da Catedral, que pretendia que os candidatos à licenciatura lhe jurassem fidelidade, além de se referir com indignação às assembleias de professores. O Papa, prevendo a importância futura da universidade, se pronunciou a favor do Chanceler. A exigência de que o reitor fosse clérigo foi, aos poucos, caindo em desuso e os interesses intelectuais, que a prin- cípio eram exclusivamente religiosos, passaram a ser filosóficos e lógicos. Mesmo com esse apoio político, a igreja Católica mantinha as uni- versidades sob sua influência através da concessão, com exame prévio dos títulos de estudo, da autorização para ensinar. “A ‘conventatio’ era a cerimônia pública que sucedia a da concessão da ‘licencia’, interna da uni- versidade. Portanto, na ação dos mestres livres nota-se uma continuidade ininterrupta, pelo menos na direção política, entre as escolas episcopais e as universidades.” (MANACORDA, 1999, p.150). Assim se organizaram as faculdades de artes (que aglutinavam mestres e alunos das Sete Artes Liberais) e as faculdades de estudos superiores de Teologia, Direito e Medicina. Quanto aos estudantes clérigos vagantes estes constituíram por muito tempo problemas para as cidades hospedeiras, para o Poder Público e para a Igreja. Esta instituiu que aqueles estudantes que se tornassem goliardos e não se corrigissem perderiam os privilégios concedidos. Se os goliardos chegavam até a mendigar para farrear, havia aqueles estudantes que trabalhavam para estudar. Agora você já sabe como se organizavam as universidades medievais, por quem elas eram compostas, todos os privilégios e concessões que lhes eram dadas e a influência da Igreja Católica sobre elas. Vamos, então, saber mais um pouco sobre como os estudos terminavam e os títulos que os alunos rece- biam, bem como perceber a importância da Universidade para a Burguesia. A obtenção do grau Como qualquer corporação, na corporação da universitas studdi há a exigência de provas para obter os títulos de bacharel, licenciado e doutor, assim como o artesão que desejava trabalhar num ofício qualquer devia se inscrever no grêmio respectivo, trabalhando primeiro como aprendiz e depois como oficial até chegar a mestre. Para que você entenda melhor o que significava cursar uma faculdade na Idade Média, vejamos agora o que dizem Cynthia Greive Veiga (2007), 36 • EducaçãonoOcidenteMedieval Franco Cambi (1999) e Aníbal Ponce (1998). Como já vimos, fazer uma faculdade e se graduar significava frequentar as aulas de um professor da corporação de estudos – universitas studii e praticar os atos prescritos para se tornar um mestre (Faculdades de Artes) ou um doutor (Medicina, Teologia e Direito). Para concluir a Faculdade de Artes, os estudos duravam em média seis anos e os de Teologia até 15 anos. Cursar a Faculdade de Arte não era uma exigência legal para ingressar nos Estudos Superiores, porém o conhecimento prévio das disciplinas dessa Faculdade era uma exigência. De igual modo, para ingressar na mesma Faculdade era necessário o co- nhecimento de latim, adquirido numa escola ou com mestres particulares. Nesse sentido, a Universidade de Paris, por exemplo, foi se organizan- do em colégios para acolher os jovens estudantes, e em nações, segundo a práxis bolonhesa, como você já sabe: francesa, normanda, picarda e inglesa. Estes estudantes, “passando das artes liberais para as três facul- dades superiores, desempenhavam também um papel de docentes na faculdade inferior”. (CAMBI, 1999, p.183). Porém, ocorreram conflitos entre as corporações estudantis e as dos docentes das corporações supe- riores (Teologia, Direito e Medicina). Os estudos terminavam com uma “cerimônia de disputa oudebate” (determanatio) que designava o estudante como bacharel. Com mais dois anos de estudos, era designado magister (através da licentia docendo). Seis meses depois, era licentiatus. Os títulos de mestre e doutor eram antecedidos de debates com alunos e mestres. “O candidato recebia a insígnias de seu titulo – barrete, anel e livro e oferecia presentes e um banquete” (VEIGA, 2007, p. 27). Devido ao custo da solenidade, muitos deles se contentavam apenas com a licença e não recebiam o grau. Concretamente, a cerimônia final da aprovação – a conventatio - exigia muitos gastos. Vejamos o que diz Aníbal Ponce: O diplomado devia dar vários presentes ao promotor (correspondente ao nosso orientador de tese), aos doutores que integravam a sua banca examinadora e ao doutor que havia pronunciado o sermão de encerramento. E, se isso acontecia por ocasião da formatura, o mesmo acontecia quando do ingresso na universidade. Os próprios estudantes exigiam que o “calouro” patrocinasse um lauto festim, como parte do trote a que o submetiam. (PONCE, 1998, p.101). Insígnias Sinal distintivo de uma função, de dignidade, de posto, de comando, de poder e de nobreza. Também símbolo, emblema e divisa. No caso são representativos o barrete (chapéu quadrangular usado por clérigos), o anel e o livro. 37 Hisória da Educação Aníbal Ponce (1998) destaca a importância da Universidade para a burguesia, considerando que a conquista de um título universitário elevava o burguês quase ao nível da nobreza, ao ostentar os signos da dignidade doutoral – a borla, o capelo, o anel e o livro. Assim, a Universidade era uma instituição que permitia à burguesia participar de muitas vantagens, da Nobreza e do Clero, até então não tidas. Para o autor, a riqueza dos comerciantes criava nas universidades medievais um clima adequado para o aparecimento dos doutores, assim como no século V a.C., em Atenas, essa riqueza tinha feito surgir os sofistas e, em Roma, os retores, ou seja, destinados a quem pudesse pagar. Sofistas e retores Na Aula 2 você viu que os Sofistas eram os mestres do Período Clássico (séculos V e IV a.C). Foi com eles - sábios itinerantes que se encontravam em Atenas - que surgiu a docência propriamente dita, ou seja, a atividade específica de ensinar. Eram mestres na arte denominada Retórica e cobravam pelos seus ensinamentos. Figura 4.5: Estudantes obtendo o Grau de Doutor (1725) Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Dendrono_-_Der_zum_Doctorat_ gelangende_Student.jpg Jo ha nn G eo rg P us ch ne r 38 • EducaçãonoOcidenteMedieval Nesta seção, você conheceu como os alunos obtinham o grau na universidade durante a Idade Média. Na próxima seção, você ficará sabendo sobre um método de ensino utilizado na universidade: o Mé- todo Escolástico. O Método Escolástico e seus mestres O ensino fornecido nas universidades caracterizava-se, em primeiro lugar, pelo enciclopedismo, em consonância com o seu tempo. Sua in- tenção era religiosa, assim subordinado à Teologia. Quanto às técnicas, o recurso à memória, às classificações e ao verbalismo justifica-se, em parte, pela ausência de livros. A atividade docente na universidade é desenvolvida conforme o mé- todo da Escolástica, sendo esta a expressão mais fiel da Filosofia Cristã Medieval. De acordo com Maria Lucia de Arruda Aranha (2006), o perí- odo áureo da Escolástica ocorre nos séculos XII e XIII, tendo seu apogeu neste século e entrando em decadência até o Renascimento, Período que você estudará na Aula 5. No período da Escolástica, os teólogos procuravam apoiar a fé na razão e desta forma, justificar as crenças, converter os não crentes e combater os infiéis. No ensino oral, as duas principais atividades eram a lectio – prelação e a disputatio - debates entre mestres e alunos ou entre os próprios alunos. No período da Escolástica, na universitas studii, a Filosofia se torna estudo obrigatório do teólogo, sendo considerada “serva da teologia”, por- que a razão encontrava-se a serviço da fé. As argumentações se pautavam pela Lógica Aristotélica, sobretudo pelo silogismo – forma acabada do pensamento dedutivo. Você já estava por dentro de questões relativas à vida na universidade da Idade Média, como: a forma de organização e sua importância para a sociedade; como os alunos se formavam. Agora, conheceu também o método de ensino utilizado, o método Escolástico. Aqui destacaremos dois mestres da escolástica, bastante representativos da cultura medieval, cujo pensamento foi influenciado pelas ideias de Aristóteles. Você poderá saber mais sobre outros mestres da Escolástica consultando as referências bibliográficas apresentadas no final desta aula. Silogismo Nas palavras de Cinthya Greive Veiga, no Silogismo “elaborava-se uma dedução formal a partir da apresentação de duas proposições (premissas) e retira-se uma terceira premissa logicamente implicada”. Para nosso melhor entendimento trás como exemplo de silogismo: “Deus criou o universo; o universo é integrado por criaturas; logo, todas as criaturas são criação divina”. (VEIGA, 2007, p.25). No Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa encontra-se a seguinte definição para silogismo: “Dedução formal tal qual que, postas duas proposições, chamadas premissas, delas se tira uma terceira, nelas logicamente implicada, chamada conclusão”. (1986, p.1585) 39 Hisória da Educação Pedro Abelardo (1079-1142) As universidades atraíam milhares de estudantes vindos de diversos países. O papel era muito raro. Assim, os alunos quase não dispunham de livros e cadernos. Ouvia-se o mestre ler, falar, explicar e discutia-se. Nas universidades, o estudante podia ligar-se ao mestre que quisesse. Disputava- -se a audiência dos mais famosos, entre eles Pedro Abelardo. Este mestre nasceu em 1079 em Le Pallet, perto de Nantes, na França e faleceu em Chalon-sur-Saône – a 21 de abril de 1142. Em 1100, tornou-se discípulo de Guilherme de Champeaux, na Escola da Catedral, em Paris. Em 1102, fundou a Escola de Melun, onde se encontrava a corte do rei da França, Es- cola que foi transferida posteriormente para Corbeil, nos arredores de Paris. Clérigo não ordenado – filósofo comprometido com o celibato, Abe- lardo atuou em Paris, junto à escola episcopal, por volta de 1150. Mestre da pedagogia escolástica é conhecido pelo discurso caloroso e pelas po- lêmicas que enfrentou na vida pessoal. Instituiu um curso referente ao trivium (artes liberais), depois à Teologia, ao Direito e à Medicina, que vinham constituir o nível superior de ensino. MultimidiaMestre da pedagogia escolástica - Para saber mais sobre o pensamento de Pedro Abelardo, leia o artigo de Margarita Victoria Rodriguez intitulado “O pensamento filosófico medieval de Pedro Abelardo: educação e docência” Fonte: http://www.hottopos.com/notand18/pensfilabel.pdf De influência aristotélica, Abelardo delineará um quadro inovador dos processos educativos. Ao narrar o seu atormentado amor por Heloísa – amor que fora condenado pela Igreja, em sua obra autobiográfica Historia calamitatum mearum, põe em destaque uma nova identidade humana, mais individual, mais racional, mais livre, que se propõe também como modelo formativo. (CAMBI, 1999). 40 • EducaçãonoOcidenteMedieval Figura 4.6: Aberlardo e Heloísa Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Abelard_and_Heloise.jpeg Abelardo e Heloísa Para entender melhor o que estamos dizendo, assista ao filme “Em nome de Deus” - Direção de Clive Donner, 1988 – que conta a his- tória do conturbado romance entre Abelardo e Heloisa na Paris do século XII. Respeitado filósofo, professor em Paris e comprometido com o celibato, Abelardo, tutor da bela e inteligente Heloisa, por ela se apaixona sendo correspondido. Por conta de sua “vocação” precisam manter seu relacionamento escondido de todos. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=3CXEw6bp8Bo 41 Hisória da Educação Santo Tomás
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