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Maria Beatriz Machado PEDIATRIA – AULA 08 – FIBROSE CÍSTICA 1. INTRODUÇÃO Definição: A fibrose cística é uma doença autossômica recessiva (ou seja, é necessário que ambos os pais tenham o gene), caracterizada pela disfunção do gene CFTR (que é responsável pela produção e funcionamento de uma proteína que fica na membrana basal da célula, sendo uma proteína reguladora de condutância transmembrana de cloro) Explicarei isso melhor adiante em fisiopatologia. É a doença genética mais letal da raça branca, tendo maior prevalência nessa raça. No Brasil: As regiões mais acometidas são a Sudeste e Sul Isso ocorre porque a população destas regiões é considerada mais caucasiana centro-europeia. Epidemiologia: 1/7576 nascidos vivos 2. MUTAÇÃO GENÉTICA E FISIOPATOLOGIA Para que tenhamos uma homeostase iônica entre o meio intracelular e extracelular, precisamos da proteína CFTR, porque essa proteína é responsável por realizar o transporte iônico de SÓDIO para fora da célula, e CLORO para dentro da célula através de diferencial de potencial (sódio tem carga positiva e cloro tem carga negativa). Quando o sódio vai para fora da célula, a água também vai, e isso é necessário para que a água deixe as secreções intraluminais (extracelulares) com a viscosidade adequada, fazendo com que esse fluído alcance seu objetivo final. Quando temos uma mutação no gene que codifica a CFTR, é o grau dessa mutação que determina se teremos um funcionamento parcial ou muito prejudicado dessa proteína, ou ainda, se teremos uma quantidade reduzida dela. Quando a CFTR não tem funcionamento adequado (ou sua quantidade é diminuída), não teremos transporte adequado de sódio, cloro e água, e assim as secreções intraluminais terão sua viscosidade aumentada, o que a longo prazo, leva à uma tubulopatia obstrutiva, e perda de função do órgão onde está essa secreção. 3. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Ordem de frequência das manifestações: 1ª: Broncopneumosinusopatia crônica (sistema respiratório) 2ª: Síndrome de má absorção/síndrome má absortiva (sistema gastrointestinal - sistema exócrino do pâncreas) 3ª: Síndrome perdedora de sal 4ª: Azospermia obstrutiva 5ª: História familiar positiva (por ser uma doença genética) O Dr não comentou sobre Aqui precisamos entender que: O que vai definir qual a manifestação que o paciente vai apresentar (ou se vai apresentar mais de uma), é o tipo e grau de mutação do gene CFTR. Portanto: Basta UMA destas manifestações para desconfiarmos de fibrose cística e pesquisarmos. 3.1. BRONCOPNEUMOSINUSOPATIA CRÔNICA É a 1ª manifestação mais frequente. O sistema respiratório é o que possui maior quantidade de CFTR, e por isso é o sistema mais acometido do organismo na fibrose cística Por isso abordamos essa doença na pneumologia. Quando temos disfunção, ou baixa quantidade de CFTR, o muco produzido pelas células caliciformes das vias aéreas (superior e inferior) fica mais viscoso, o que diminui o batimento ciliar, prejudica a excreção Maria Beatriz Machado desse muco, e gera obstrução dos brônquios terminais, limitando fluxo aéreo e dilatando a via aérea de condução de ar. Quando o brônquio (via aérea inferior) fica alargado e perde sua função, damos o nome de: Bronquiectasia Neste caso chamamos de bronquiectasia cística, uma vez que está sendo causada pela fibrose cística. Quando temos essa bronquiectasia, teremos um aprisionamento aéreo, ou seja, o ar fica em parte retido nos pulmões, e a longo prazo isso causa: Aumento do diâmetro ântero-posterior, Baqueteamento digital e timpanismo à percussão. Além disso, o muco parado no sistema de condução de ar faz com que esse meio se torne um ambiente propício para proliferação bacteriana Por essa razão os pacientes com fibrose cística possuem infecções respiratórias de repetição. Portanto, as manifestações respiratórias que o paciente com fibrose cística pode apresentar são: Dispneia Tosse produtiva Baixa oxigenação Aumento do diâmetro ântero-posterior Baqueteamento digital Timpanismo à percussão Infecção crônica da via aérea superior Termo clínico para o acometimento respiratório na fibrose cística: Broncopneumosinusopatia crônica. Conforme temos perda de função deste órgão, chega um momento em que ele se torna colonizado por bactérias que são extremamente agressivas, como Pseudomonas e complexo Burkholderia, e quando isso ocorre, a expectativa de vida diminui para 5 a 10 anos. 3.2. SÍNDROME DE MÁ ABSORÇÃO/SÍNDROME MÁ ABSORTIVA Também temos muita CFTR no pâncreas. E nesse momento precisamos lembrar das funções do pâncreas, que são tanto exócrinas quanto endócrinas: Exócrinas: Produção e liberação de enzimas que auxiliam na digestão, como: Lipase (principalmente), amilase e tripsina. Endócrinas: Produção de hormônios como: Insulina, glucagon.. Quando temos disfunção, ou baixa quantidade de CFTR, o muco produzido pelas células pancreáticas se torna mais viscoso e obstrui os canais de liberação das enzimas, impedindo sua liberação na 2ª porção do duodeno. Quando isso ocorre, não teremos quebra e absorção de gorduras, o que leva a uma má absorção e esteatorreia (fezes com gordura, volumosas, explosivas e fétidas). Além disso, devido à má absorção das gorduras, teremos desnutrição e dificuldade de ganho de peso. Por último, a longo prazo, como as enzimas acabam ficando retidas no pâncreas, elas causam uma alteração das funções endócrinas do pâncreas; O paciente pode acabar desenvolvendo diabetes mellitus ao longo da 2ª década de vida (dependendo do grau de mutação do gene, e também da adesão ao tratamento). Portanto, as manifestações gastrointestinais que o paciente com fibrose cística pode apresentar são: Esteatorreia Má absorção de gorduras Dificuldade de ganho de peso Diabetes mellitus (2ª década de vida) Maria Beatriz Machado 3.3. SÍNDROME PERDEDORA DA SAL Quando transpiramos, liberamos água e sódio para tentar diminuir a temperatura corporal. Porém, 80% da água eliminada é reabsorvida. A proteína CFTR possui função invertida nas glândulas sudoríparas, ou seja, ela é responsável por transportar o sódio (a água vai junto) para o meio intracelular. Portanto, ela tem função de reabsorção para que não percamos muito sódio e água no suor. No paciente com disfunção, ou diminuição da CFTR, essa reabsorção de sódio, água e cloro fica prejudicada, então nos momentos de muito calor, esse paciente tem perda excessiva destes íons e água, o que pode levar ao choque hipovolêmico e hiponatrêmico (heat shock). Precisamos lembrar também que, como temos muito cloro na região extracelular das glândulas sudoríparas, então esse cloro não consegue ser reabsorvido, e também acaba sendo perdido em maior quantidade no suor. OBS: É importante lembrar que o cloro sai em maior quantidade no suor, porque um dos testes diagnósticos da fibrose cística é a dosagem de cloreto no suor. 3.4. AZOSPERMIA OBSTRUTIVA Essa manifestação é um pouco mais complicada, porque só é descoberta na vida adulta. O líquido seminal se torna mais viscoso, e o homem não consegue liberar espermatozoides, se tornando infértil. 4. OUTRA POSSÍVEL MANIFESTAÇÃO CLÍNICA 4.1. ILEO MECONIAL Uma outra manifestação clínica que acomete cerca de 20% dos pacientes com fibrose cística, é o íleo meconial. O bebê nasce, recebe amamentação, e mesmo assim não consegue evacuar nas primeiras 48h de vida. Isso pode ocorrer por dois motivos: Baixa ingesta de leite Mecônio muito viscoso: Essa é a razão da não eliminação de mecônio na fibrose cística. Devido à falta de água no meio extracelular, o mecônio fica muito viscoso, e o intestino não consegue eliminá- lo. Quando esse mecônio fica retido no intestino, ele leva a um abdome agudo obstrutivo, necessitando decirurgia. Essa manifestação é patognomônica da doença. OBS: Quando temos essa manifestação também temos que investigar a possibilidade de fibrose cística! 5. DIAGNÓSTICO Teste do cloro no suor (iontoforese estimulada por pilocarpina): PADRÃO OURO! Como realizar o exame: Pegamos uma gaze 2x2cm com pilocarpina (responsável por estimular a sudorese) e colocamos essa gaze no antebraço do paciente. Esperamos que ele produz suor, e coletamos cerca de 2ml. Esse suor é colocado no iontoforômetro e é medida a concentração de cloro nele. Resultados: Normal: < 40 mEq/L Duvidoso: 40 – 60 mEq/L Positivo: > 60 mEq/L Caso tenhamos UMA manifestação clínica + DOIS cloros no suor > 60 mEq/L = FIBROSE CÍSTICA Maria Beatriz Machado Podemos ainda fazer outros testes, como: Teste de mutação genética: Esse teste não é muito feito porque é caro e poucos serviços possuem estrutura para realiza-lo. Além disso, temos mais de 400 mutações genéticas relacionadas à fibrose cística já descobertas, e existem algumas mutações genéticas mais leves que também podem levar ao aumento de cloro no suor (mesmo não sendo relacionadas a fibrose cística). Teste de função da proteína CFTR 5.1. TESTE DO PEZINHO (TESTE DE TRIAGEM) Desde 2010 foi adicionada a dosagem de tripsina imunorreativa (IRT) no teste do pezinho. A IRT uma enzima liberada pelo pâncreas, e quando o bebê tem uma alimentação vigorosa nas primeiras 48 horas de vida, o seu nível plasmático tende a cair muito. Porém, no bebê que tem fibrose cística, o nível plasmático dessa enzima demora mais para cair. É colhido o teste do pezinho, e após 48 horas temos o resultado: Positivo: > 70 Se o bebê tiver MENOS de 30 dias quando recebermos esse resultado positivo: Coletar mais uma amostra de teste do pezinho. Se a segunda amostra for positiva também: Realizar dois exames de teste de cloro no suor. Se os dois exames forem positivos: É diagnosticada a fibrose cística. Se um dos exames for negativo: É descartada a fibrose cística. Se a segunda amostra for negativa: Devemos somente observar esse paciente, porque provavelmente a primeira amostra foi um falso positivo. Se houver qualquer manifestação clínica, então também realizamos os dois testes de cloro no suor. Se o bebê tiver MAIS de 30 dias quando recebemos o resultado positivo: Realizar dois exames de teste de cloro no suor. Se os dois exames forem positivos: É diagnosticada a fibrose cística. Se um dos exames for negativo: É descartada a fibrose cística. 6. OBSERVAÇÕES FINAIS Quando devemos suspeitar de fibrose cística? Bebê com baixo ganho ponderal, quadro respiratório crônico, ou qualquer uma das outras manifestações clínicas. Atenção especial para: Teste do suor > 60 Teste do pezinho com IRT > 70 Observar idade.