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A HISTORIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

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Monografia apresentada à
Faculdade de Educação São Luís
como exigência parcial para a
conclusão do curso de Pós
Graduação Lato Sensu em
Metodologia do Ensino-
Aprendizagem da Matemática no
Processo Educativo.
Orientadora: Profa. Dra. Lúcia
H. Vasques
CÍNTIA MORALES
MARIA BEATRIZ AMBRÓSIO
OTÁVIO LUCIANO CAMARGO SALES DE MAGALHÃES
REGINALDO PEDRASSOLI
UMA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NO
BRASIL ATRAVÉS DOS LIVROS DIDÁTICOS DE
MATEMÁTICA DOS ANOS FINAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO SÃO LUÍS
JABOTICABAL – SP
2003
2
“Só sei que nada sei”
Sócrates
3
Dedicamos esta monografia para todos aqueles que muito contribuíram
para a História da Matemática, da Educação e da Matemática.
Especialmente para àqueles que tivemos a oportunidade de nos
servirmos deles como fontes de informação.
Dedicamos esta monografia a nossos pais, filhos, irmãos, cônjuges,
familiares, alunos, professores e todos outros que nos ajudam a sermos
professores.
Dedicamos esta monografia a todos aqueles que acreditam na Educação
Matemática como forma de conseguirmos educarmos para a cidadania
plena.
4
Sumário
1 Brasil Colônia, Império e República Velha
1.1 A Educação Matemática no Brasil Colônia na Pedagogia Jesuítica
1.2 Paralelo entre a Matemática na Europa e no Brasil na Época dos Jesuítas
1.4 A Matemática para a Guerra: Artilharia e Fortificação
1.5 A influência dos livros didáticos militares de Bélidor e Bézout na produção dos
primeiros livros escolares de Matemática no Brasil no período que antecede a
chegada da família real no Brasil
1.6 A Matemática Escolar após a chegada da Família Real Portuguesa, durante o
Brasil Colônia e as obras do Marquês de Paranaguá, de Legendre e de Lacroix
1.7 Brasil Império – as primeiras universidades
1.8 A Educação Matemática no Brasil Império – a fundação do Colégio Pedro II
5
1.9 Os primeiros livros didáticos brasileiros para Liceus e Escolas Secundárias no
Brasil Império
1.10 Cristiano Otoni e a primeira Referência Nacional de Ensino da Matemática
1.11 Os livros didáticos do Brasil no final do século XIX – Transição de Brasil
Império para Brasil República
1.12 As escritas Matemáticas do início do século XX – o encontro da Matemática dos
Colégios com a Matemática das Escolas através dos livros da Congregação dos FIC.
1.13 Os livros didáticos da FTD no Brasil
1.14 Joaquim Gomes de Souza – o Souzinha
1.15 A Proclamação da República e a Reforma Benjamim Constant
1.16 A Matemática na Reforma Epitácio Pessoa, a primeira experiência de
uniformização do ensino
1.17 A experiência de “desoficialização do ensino”: a reforma Rivadávia Correia, de
1911
1.18 A segunda experiência de uniformização – a reforma Carlos Maximiliano de
1915
1.19 A Matemática na Reforma Rocha Vaz
2. Movimentos de Reformulação da Matemática: atuação de Euclides Roxo
2.1 Pano de Fundo Internacional: o vanguardismo de Felix Klein
2.2Pano de Fundo Internacional: a Criação do ICMI
2.3 A Escola Nova
2.4 Euclides Roxo e a reforma de 1929 no Colégio Pedro II – a unificação das
disciplinas matemáticas
6
2.5 Euclides Roxo e os co-autores de sua proposta
2.6 Malba Tahan – o mito
2.7 Euclides Roxo e Os primeiros livros didáticos
2.8 Euclides Roxo e A Reforma Francisco Campos
2.9 Decreto Lei 1006 de 30/12/1938: Livro Didático
2.10 Euclides Roxo e A Reforma Gustavo Capanema
2.11 Eugênio Raja Gabaglia
3. O Movimento da Matemática Moderna
3.1 Os Bourbaki, Piaget, o Estruturalismo e o início do Movimento da Matemática
Moderna no cenário internacional
3.2 A Educação Matemática no Brasil pré-Matemática Moderna: antes de qualquer
influências – o 1o Congresso Brasileiro de Educação Matemática.
3.3 O Boom mundial do Movimento da Matemática Moderna no Cenário mundial:
as vitórias parciais da URSS
3.4 Os motivos da internacionalização do Movimento da Matemática Moderna
3.5 O início do Movimento da Matemática Moderna no Brasil
3.6 A Conferência de Royaumont e as bases do Movimento da Matemática Moderna
3.7 A fundação do CIAEM e o início do Movimento da Matemática Moderna no
Brasil
3.8 A Nova LDB em 1961
3.9 O início formal da Matemática Moderna no Brasil – Sangiorgi e o GEEM
3.10 O Congresso de São José dos Campos e a Matemática Moderna
7
3.11 A Matemática Moderna atinge o Brasil
3.12 Os livros didáticos do Movimento da Matemática Moderna
3.13 A LDB 5692/71
3.14 O fracasso da Matemática Moderna e seus motivos
3.15 A pesquisa em Matemática no Regime Militar e o início dos programas de pós-
graduação
4. A Educação Matemática Contemporânea
4.1 O ressurgimento da Educação Matemática conforme ela é hoje – o GEPEM e os
Programas de Pós-Graduação em Educação Matemática
4.2 A Matemática da Resolução de Problemas
4.3 A Etnomatemática
4.4 Modelagem Matemática
4.5 Uso de Tecnologias
4.6 Abordagens Históricas
4.7 Uso de Jogos
4.8 O método Kumon
4.9 Propostas Curriculares
4.10 Revista do Professor de Matemática
4.11 Os ENEMs e a fundação da SBEM
4.12 SBEM x SBM
4.13 Um livro ousado: Matemática Atual, de Antônio José Lopes Bigode
4.14 Os PCNs de Matemática e a nova LDB
4.15 As avaliação do PNLD
8
4.16 O livro de Matemática de Imenes & Léllis
4.17 O SNHM e a fundação da SBHMat
4.18 Análise do Programa para o Ensino Fundamental de Matemática de 1995 do
Estado de Minas Gerais
4.19 A fartura de material hoje existente
9
Resumo
Este trabalho foi originalmente concebido com o título: “Uma avaliação histórico-
crítica dos currículos dos livros didáticos de Matemática nos anos finais do Ensino Fundamental
e propostas de alternativas”. O trabalho já contava com 238 páginas (espaço 1,5) e ainda
restavam 2 capítulos para serem escritos e mais a análise detalhada de cerca de 20 livros. O
trabalho iniciado em dezembro de 2002, com prazo de conclusão para maio de 2003, em
setembro ainda não estava concluído, por isto, optou-se por reduzir o trabalho para o seu primeiro
capítulo, onde estudamos a história da Educação Matemática no Brasil.
É um trabalho original, com fontes de 2003 e informações que ainda não constam
de nenhum livro no Brasil, frutos de pesquisas feitas diretamente das fontes. O trabalho faz o
percurso da história do ensino da Matemática no Brasil, começando pelo ensino dos Jesuítas,
passando pela Matemática militar, pelos preparatórios, por Cristiano Ottoni, Euclides Roxo,
10
Malba Tahan, Raja Gabaglia, o Movimento da Matemática Moderna, Omar Catunda, e
concluindo com a Matemática da atualidade, dos PCNs, dos livros de Imenes & Léllis, Bigode e
Dante, do GEPEM, da SBEM e da RPM.
O trabalho visa principalmente a Matemática do que hoje chamamos de “anos
finais do Ensino Fundamental”, mas que antes se chamou 1º grau, ginásio, 1º ciclo, curso
fundamental, etc. Até a reforma feita por Euclides Roxo no Colégio Pedro II, analisamos a
evolução do ensino da Matemática no Brasil em todo Ensino Secundário (equivalente à segunda
metade do Ensino Fundamental e Ensino Médio); após a reforma do prof. Roxo, concentramos
apenas nos conteúdos do Ginásio.
Nossa tese mostra como os livros da atualidade foram se constituindo e quais são
as matrizes do ensino da Matemática no Brasil. Quais foram os fatores que determinaram a nossa
vulgata escolar. A cronologia e a forma como o trabalho foi feito mostrarão ao leitor todos os
fatores que contribuíram com a atual estrutura do ensino da Matemática no Brasil.
Este trabalho pretende ser burilado e aperfeiçoado a fim de virar um livro, a ser
publicado brevemente.
11
Introdução
Um interessante fenômeno que se observou durante a universalização da educação
escolar formal do ensino secundário iniciada no Brasil a partir de 1837 com a fundação do
Colégio Pedro II foi a padronização de programas e currículos. Na medida que a educação
escolar se ampliava, cada vez mais acreditavam na necessidade de que todas as escolas
ensinassem algo parecido, mesmas disciplinas, programas, cargas horárias, etc... Todas as
reformas educativas, mesmo as grandes transformações nas reformas FranciscoCampos (1931),
Gustavo Capanema (1942), LDB de 1961 e LDB de 1971 mantiveram a idéia de um programa e
currículo para as disciplinas que fosse nacional, ou, pelo menos estadual.
Hoje considerável parcela de pedagogos, professores e psicólogos acreditam que
para a formação plena do cidadão em todos os seus aspectos não existe a necessidade de uma
padronização universal de conteúdos, mas sim a adaptação de cada um dos conteúdos com a
12
realidade de cada educando em cada contexto onde ele vive. Ainda mais, novos paradigmas da
educação vindos a partir de 1850 e das teorias da aprendizagem foram aos poucos corroendo e
rompendo a concepção pedagógica fixista em relação aos conteúdos e enciclopédica da escola
brasileira. Porém, até recentemente, notava-se alguma padronização na maioria dos livros
didáticos, dando-nos a sensação que estes estão completamente desligados das teorias
psicológicas e das novas concepções pedagógicas existentes através dos avanços na educação
durante o século XX. Além disto, a maioria dos livros didáticos já mudou, mas o professorado,
mesmo dos locais mais ricos do país, ainda continuam seguindo a vulgata da época do Regime
Militar.
A Tese Monográfica que se segue é um trabalho que serve para a análise das
diversas programações para o ensino da Matemática da 5a até a 8a série do Ensino Fundamental
(ou os correspondentes em anos de ciclos), presentes em livros didáticos e apostilas de escolas
particulares, pela necessidade da ruptura com a vulgata escolar, que associa erroneamente um
conteúdo com uma série sem análise crítica e desrespeitando os princípios psicopedagógicos de
quem está aprendendo – uma concepção tecnicista fruto de paradigmas manipulados pela
ditadura militar. Esta análise visa mostrar que a grande parte dos livros didáticos e professores
desta disciplina estão alheios à evolução da educação no Brasil e no mundo, limitando-se a
maioria destes a terem apenas uma visão superficial do que pregam os novos PCNs e não
romperem com conceitos antiquados de organização curricular e de programas ultrapassados a
mais de 100 anos. Por estes motivos, a tese faz a história da Educação Matemática no Brasil,
tendo o livro didático como objeto central de estudo.
Um fenômeno que observamos é uma semelhança de programas entre todos os
livros das séries finais do Ensino Fundamental dos anos 70 até 1994, e em alguns até hoje (se não
13
fosse o PCN e as avaliações do PNLD seriam praticamente todos). Uma semelhança que impõe
um currículo anacrônico, equivocado e deseducativo, totalmente em desacordo com a realidade
brasileira, com as inúmeras pesquisas atuais em Educação e Educação Matemática, com os
parâmetros propostos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs e pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCNs e com a história da Educação Matemática em nosso país e no
mundo. Devemos ressaltar que esta semelhança não é fruto de qualquer pesquisa ou discussão,
como foram todos os cursos de Matemática padronizados em épocas anteriores, como na época
da reforma do ensino da Matemática de Euclides Roxo e a Matemática Moderna, e sim a
padronização se deve a criação de um conteúdo estereotipado e tradicional.
Quando citamos que acontece uma imposição, estamos dizendo que eles acabam
criando, no senso comum, que aquela programação é universal e deve obrigatoriamente ser
cumprida, mesmo sob pena de não conseguirmos ensinar nada – portanto, acaba tendo função
ideológica. O objetivo maior desta pesquisa que fazemos é alertar o maior número possível de
professores e outras pessoas da comunidade para que não fiquem presos naquela concepção de
currículo pré-determinado para cada série, dando-lhes uma visão histórica global da evolução de
programas de Matemática em nível de ginásio/1º grau/Ensino Fundamental no Brasil. Visamos
acabar com questões do tipo: “Em que ponto você está na 8a série?”, “Você já conseguiu dar tudo
na 7a série?”.
Nossa Tese fundamentará a necessidade da ruptura com currículos pré-
determinados, e, mostrará três fatos concretos: que os livros que quebraram a vulgata escolar
foram os mais bem avaliados no PNLD – Programa Nacional do Livro Didático do MEC –
Ministério da Educação e Cultura. Que quase a totalidade das experiências educacionais com
sucesso baseiam-se na ruptura com esta programação. E, que tanto os quase rivais Matemáticos e
14
Educadores Matemáticos, respectivamente da SBM – Sociedade Brasileira de Matemática e da
SBEM – Sociedade Brasileira de Educação Matemática concordam em um ponto: que os
programas curriculares brasileiros são completamente equivocados. De passagem ainda gostaria
de dizer que os melhores livros de Matemática ainda assim sofrem críticas, algumas delas por não
romperem definitivamente com o conteudismo, outras por desprezá-lo simplesmente, apesar de
concordarem que têm uma boa didática e metodologia adequada.
Nosso trabalho irá mostrar os diferentes programas curriculares e analisará
criticamente os problemas que representam, propondo alternativas viáveis para mudanças,
baseando-se nas novas pesquisas em Educação e Educação Matemática, através dos novos
paradigmas do ensino desta disciplina.
Só para dar alguns exemplos consagrados:
I. Ensina-se número primo na 5a série, e nunca mais se retoma o assunto. Ora, números
primos são conteúdos fundamentais na concepção da Matemática como ciência, mas
uma criança de 5a série não está preparada para saber nem um terço do que lhe é
ensinado no programa tradicional. Existem propriedades importantes e interessantes
desta classe de números que poderiam ser trabalhadas com muito sucesso em outras
séries ou mesmo no Ensino Médio e, muito do que é ensinado na 5a série poderia ser
compreendido com mais facilidade e naturalidade na 7a ou 8a série, como exemplo o
Teorema Fundamental da Aritmética, ensinado na 5a série. É necessário um ensino em
espiral: onde conteúdos sejam repetidos em séries posteriores em níveis maiores de
aprofundamento.
II. Em Geometria, os primeiros conceitos são ponto, reta e plano, e os sólidos só são
vistos no Ensino Médio, se é que são. O conceito de ponto, altamente abstrato e de
15
maior dificuldade de compreensão é visto anteriormente ao de cone, pirâmide ou
esfera, conceitos palpáveis e compreensíveis apenas pelos sentidos, não fazendo
sentido serem ensinados no final do curso.
III. Exagera-se no algebrismo, e os conteúdos seguem uma ordem determinada,
esgotando-se um conteúdo e não mais retomando eles. Na 6a série ensina-se Equações
e Inequações do 1o Grau, na 7a série ensina-se Polinômios (incluindo Produtos
Notáveis e Fatoração), Frações Algébricas e aprofunda-se um pouco as Equações. Na
8a série ensina-se Radicais Algébricos e Equação do 2o Grau. Não existem variações.
Os conteúdos de Equações do 1o Grau, Polinômios e Fatoração poderiam ser diluídos
nas três séries; todos conteúdos poderiam ser enxugados, alguns tópicos como
Equações Biquadradas e Inequações do 2o Grau poderiam ser suprimidos do Ensino
Fundamental.
IV. Não são interligados os conteúdos de Aritmética, Geometria, Álgebra e Matemática
Aplicada. Os conteúdos não se misturam e são ensinados como estanques. Alguns
professores chegam a separar aulas para Álgebra e aulas para Geometria, o que é um
retrocesso, visto que a unificação da Matemática foi uma evolução (veja as idéias e
lutas do prof. Euclides Roxo).
Existem outros inúmeros exemplos. O original de nosso trabalho ia analisar os
conteúdos ensinados no Ensino Fundamentais em nossos livros didáticos de 5a até 8a série,
estabelecendo os problemas encontrados no posicionamento de cada conteúdo em determinado
momento do currículo de quatro anos e fazer comparações superficiais com o que é proposto
pelos Parâmetros Curriculares Nacionais e nas principais pesquisas em Educação e Educação
Matemática da atualidade. Este projeto fica para uma próxima monografia, pois esta dará
16
fundamentais coordenadas sobre como esta estrutura de livros didáticos foiconstituída. E, o que
fazemos aqui, por si só, é uma tese completa.
Apesar de ser um tema muito amplo e complexo, um trabalho deste tipo, com
ênfase elementar faz-se necessário, principalmente se voltado para a grande massa de professores
que não tem acesso às pesquisas em Educação em geral. Com certeza, sua feitura muito
colaborará com os colegas e com a comunidade regional, apesar de concordarmos que o trabalho
é feito com algum amadorismo.
É importante dizermos que nosso trabalho não é original, não contém idéias ou
descobertas novas e não são utilizadas fontes primárias para o trabalho histórico (apenas para a
análise dos livros didáticos).
O trabalho se dividirá em quatro capítulos, abaixo descritos:
1 Brasil Colônia, Império e República Velha. Descreve os antecedentes da
História da Educação Matemática no Brasil, que começa no século XVI com a chegada dos
jesuítas no Brasil, e termina em 1929, quando Euclides Roxo começa a reformular os programas
do Colégio Pedro 2, que servia como modelo para todas escolas do país
2. Movimentos de Reformulação da Matemática: atuação de Euclides Roxo.
Descreve o primeiro grande movimento internacional de modificação da Matemática, liderado
por Felix Klein, e representado no Brasil pela ABE e por Euclides Roxo. Mostra como a
Matemática foi constituída como única disciplina, e quando se começou a preocupação como a
cognição no ensino da Matemática.
17
3. O Movimento da Matemática Moderna. Fala sobre este grande movimento,
que mexeu com o mundo e suas relações com a Guerra Fria, com a axiomática, com Jean Piaget e
com a Ditadura Militar.
4. A Educação Matemática Contemporânea. Comentamos a atualidade das
pesquisas em Educação Matemática, o tecnicismo, os primeiros programas de Educação
Matemática, os PCNs, os livros novos, a SBEM, os ENEMs, de 1976 até hoje.
O trabalho descreverá a História da Educação Matemática no Brasil, aproveitando-
se das pesquisas recentes e dos últimos eventos e trabalhos que vem sendo organizados por
educadores da PUC-SP, da UNICAMP, da SBHMat e da PUC-RJ que estão organizando toda a
História da Educação Matemática no Brasil. O capítulo, com maioria das fontes do ano de 2003,
usa de trabalhos de um grupo de professores da PUC-SP, coordenados pelo prof. Wagner
Rodrigues Valente, que estão realizando o grandioso projeto “História da Educação Matemática
no Brasil, 1920-1960”. Outras fontes, também publicadas em 2003, referem-se a estudos sobre o
Movimento da Matemática Moderna iniciado no fim dos anos 50. Grande parte de informações
foi coletada pelo colega Otávio durante o V Seminário Nacional de História da Matemática,
ocorrida em Rio Claro, de 13 a 16 de abril de 2003, onde o colega coletou direto das fontes e de
verdadeiros personagens de nossa história, inclusive autores de livros didáticos informações
valiosíssimas para este trabalho.
O capítulo dará um panorama da Matemática e da Educação no Brasil e no cenário
internacional para que possam ser compreendidas como ocorreram as mudanças mais importantes
no Ensino da Matemática Brasileira e em seus livros didáticos.
18
1 Brasil Colônia, Império e República Velha
A Compreensão da História da Educação Matemática1, da Matemática e da
Educação em Geral são fundamentais para que se possa fazer qualquer consideração acerca de
livros didáticos. Esta tese monográfica terá como objetivo dar um panorama histórico da
Educação Matemática e das áreas com ela relacionadas: Educação e Matemática, no Brasil; a
justificativa desta longa abordagem está na necessidade de dar uma visão clara ao leitor deste
trabalho monográfico sobre a urgente necessidade de mudarmos os currículos e programas de
Matemática na Educação Básica, principalmente esquecendo a idéia de “tal conhecimento é de tal
série”.
 
1 1 É muito importante ressaltar que este texto narra a história da Educação Matemática nos níveis que hoje
correspondem ao Fundamental (a partir da 5ª série) e ao Médio. A evolução da Matemática no primário e nos cursos
superiores, além de cursos paralelos não oficiais, técnicos e coisas do gênero não estarão presentes neste texto.
19
A abordagem que faremos, em grande parte, remeterá a muitos fatos que estão
sendo pesquisados e sistematizados desde meados do ano de 2002 sobre a evolução da Educação
Matemática. A maioria destas informações ainda não está publicados em livros ou artigos, ou
sequer são pesquisas concluídas concluídos. Muito do que aqui está escrito são depoimentos e
conferências feitas por próprios personagens da história da Educação Matemática no Brasil.
Acredito que este primeiro capítulo será de enorme valia para o leitor, apesar de
correr um pequeno risco de estar usando informações talvez equivocadas, visto que, muitas delas
são teses ainda não defendidas ou apreciadas por um pequeno público.
É importante dizer que o trabalho que se segue pode ser uma obra prima, pois não
existem textos que descrevam os momentos históricos da Educação Matemática no Brasil da
forma que faremos daqui para frente.
Tememos que tenhamos exagerado em alguns pontos, mas, com toda certeza,
temos muita coisa que faltamos explicitar com detalhes, muitas vezes, por falta de fontes. Mesmo
assim, o trabalho não é inviabilizado.
1.1 A Educação Matemática no Brasil Colônia na Pedagogia Jesuítica
De 1549 até 1759 o ensino era dominado pela Companhia de Jesus, a ordem
jesuíta e tinha um caráter clássico-humanista, dando ênfase às línguas e humanidades. A
Matemática ensinada era estritamente prática, e ensinava quase exclusivamente a escrita dos
números e as operações, mesmo assim, destinado apenas a um pequena elite. Os jesuítas
 
Algumas informações fundamentais, obviamente, constarão do texto, mas, esta história não pretende abordar tópicos
20
abominavam as ciências2. Neste período, não havendo universidades (mas existindo 17 escolas
superiores jesuítas espalhadas por todo o território brasileiro), os nobres e a elite concluía o
ensino superior em Portugal, fundamentalmente na Universidade de Coimbra3, e, mesmo assim,
pouco se aprendia ou ensinava lá acerca de Matemática.
A Companhia de Jesus, a ordem dos jesuítas fundada por Santo Inácio de Loyola
(conhecido também como Inigo), iniciou-se no Brasil no dia 29 de março de 1549, com a
chegada de seis jesuítas que vieram junto com o governador-geral do Brasil, Tomé de Souza.
Estes jesuítas, comandados pelo padre Manuel da Nóbrega, instalaram inicialmente uma escola
na Bahia. O objetivo da ordem era combater a Contra-Reforma Católica e ela passa a ser utilizada
pela Igreja para restabelecer a inquisição, combatendo as heresias através da educação e da
 
de outros níveis, senão daquela chamada “Educação Secundária”.
2 Talvez uma exceção seja o ensino da Física pré-Galileu (que continha Matemática), legitimada por Aristóteles, um
dos filósofos que fundamentou a escolástica, através da obra de São Tomás de Aquino. A escolástica, a filosofia de
São Tomás de Aquino e Santo Agostinho, tentava explicar as coisas da natureza através da razão, ao mesmo modo de
Aristóteles e Platão, porém, tais coisas jamais poderiam entrar em conflito com o que estava escrito na Bíblia, pois,
tais coisas deveriam ser aceitas pela fé.A escolástica aconteceu em três períodos, entre 800 e 1200 onde se formou o
método escolástico e deu-se a primeira discussão sobre a filosofia de Aristóteles, conhecida pela Igreja nesta época.
A segunda fase aconteceu entre 1150 e 1300 (a alta escolástica), onde, com a descoberta de novos textos de
Aristóteles tenta-se conciliar a filosofia aristotélica com as concepções cristãs por Tomás de Aquino. A última etapa,
de 1300 a1400 aconteceu a escolástica tardia, onde ela entra em decadência. A Física era estudada por Aristóteles, e,
por isto, considerada importante pela Igreja.
3 É fundamental que façamos alguns comentários sobre a Universidade de Coimbra, pois esta influenciou a
Academia Real Militar no Brasil, de onde iniciou a produção Matemática brasileira. Em 09/08/1220 é autorizada por
D. Dinis (1261-1325), o Rei Trovador, de Portugal a abertura da Estudos Gerais de Lisboa (Universidade). Em
12/11/1288, o papa Nicolau IV completa a autorização em uma Bula papal onde autoriza os cursos de Humanidade,
Direito Canônico, Leis, Medicina e Artes na Universidade de Lisboa, além da permissão do pagamento de salários
pela Igreja de Portugal. A presença de estudantes em Lisboa gerava descontentamento da população, que não
compreendia a situação, o que obrigou a mudança da universidade para Coimbra em 15/02/1306, devido a conflitos
de rua. Por motivos semelhantes a Universidade de Coimbra/Lisboa sofreu sucessivas mudanças de sede. Em 1338
voltou para Lisboa, em 1354 voltou para Coimbra, em 1377 foi para Lisboa novamente, e definitivamente foi para
Coimbra em março de 1537 com decreto de D. João III (1502-1557), o Piedoso, que patrocinou a Inquisição e os
jesuítas, sendo ele o responsável pela vinda da ordem para o Brasil. A importância da Universidade de Coimbra se
deu quando em 1541, D. João III proibiu os jovens acadêmicos portugueses de irem graduar-se em outros países (a
maioria não ia estudar em Coimbra, mas em Salamanca, na Espanha, que agora serviria de modelo para a
Universidade de Coimbra). Logo a Universidade de Coimbra criou o Colégio de Artes (Escola de Menores), aberto
em 21 de fevereiro de 1548, sob o comando da Companhia de Jesus. Todos que desejassem freqüentar estudos
propedêuticos na Universidade de Coimbra deveriam freqüentar tal escola, que não era obrigatória apenas para os
que iriam fazer o curso de Direito. O Colégio de Artes da Universidade era gratuito e autônomo da reitoria da
21
evangelização. Sabe-se que a ordem tinha uma cega obediência à hierarquia da Igreja Romana e
características militares (Inácio de Loyola antes de ser padre tinha sido soldado, e, chamavam os
jesuítas brasileiros de “Soldados de Deus Na América” (1540)). Os jesuítas se destacaram tanto
no mundo católico que fizeram 41 santos (27 mártires) e 139 beatos (131 mártires). (Pito, 2003).
A educação jesuíta formava o “homem culto” de Portugal, com tradição
escolástica (os textos utilizados eram quase todos inspirados em São Tomás de Aquino), amor à
autoridade, desinteresse pelas ciências e desprezo pelas atividades técnicas e artísticas.
De 1549 a 1553 os jesuítas continuam expandindo suas missões e fundando
colégios religiosos. Existiam três cursos superiores jesuítas principais: Filosofia e Ciências,
Letras Humanas, Teologia e Ciências Sagradas, e vários outros, como o curso de Artes e o de
Matemática (existente no Brasil apenas de 1757 até 1759). Dentre estes cursos, apenas os de
Filosofia, Artes e Matemática tinham algum estudo de Matemática. Muitos jesuítas se destacaram
no Brasil: Nóbrega, José de Anchieta, Luiz de Grã, Leonardo Nunes, Cristóvão Gouveia, Antônio
Vieira. (Pito, 2003).
Em 1599 a ordem jesuíta lança o seu novo “Ratio Studiorum”4, documento
pedagógico que descreve as formas que os jesuítas deveriam ensinar. Neste documento
estabeleceram-se o ensino de humanidades, retórica e gramática no nível equivalente ao ensino
médio (studia inferiora), enquanto as Ciências e a Matemática eram ensinadas apenas nos cursos
de Ciências e Filosofia no nível superior (studia superiora), mesmo assim de forma altamente
superficial e em pequena quantia. (Miorim, 1998).
 
Universidade de Coimbra. É importante destacar que Portugal chegou tarde na fundação de uma universidade na
Europa. A Itália começou a ter universidades em 1000, e a França em 1150.
4 ou mais precisamente “Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Jesu”.
22
Nos primeiros programas jesuítas havia uma aula diária de Matemática em cada
ano do curso superior de filosofia. No Ratio Studiorum de 1586 o tempo destinado ao estudo da
Matemática foi reduzido para dois anos. No Ratio Studiorum de 1599 (que vigorou até 1814,
depois dos jesuítas serem expulsos do país), sugeria-se que os estudos de Matemática
começassem apenas em meados do segundo ano do curso. (Miorim, 1998).
Apesar da pouca importância dada à Matemática, nenhuma proposta educacional
da ordem deixou de falar sobre a utilidade do estudo da Matemática. Miorim, em seu livro
“Introdução à História da Educação Matemática”, relata na página 81 um importante trecho do
Ratio de 1856, onde entre alguns trechos temos: “Ensinam (...) aos filósofos exemplos de sólidas
demonstrações, (...) sem falar dos serviços prestados pelo trabalho dos matemáticos ao Estado, à
medicina, à navegação e à agricultura. É necessário, pois, esforçar-se para que as matemáticas
floresçam em nossos colégios do mesmo modo que as demais disciplinas” (Ratio, 1856, apud
Château, 1992, apud Miorim, 1998).
Miorim acredita que estas orientações não foram seguidas no Brasil, pois os
jesuítas não viam com bons olhos as matemáticas. “O estudo das relações misteriosas entre
números e entre estes e as letras – a gematria – inquietavam os religiosos, Além disto, “a busca
de relações abstratas que aparentemente não ocupavam nenhum lugar na escola dos seres” era
encarada como uma “ciência vã”” (Miorim, 1998). Miorim ainda cita uma crítica do poeta Jean
Bouhier (1673-1746), presidente do Parlamento de Dijon, filólogo e historiador: “O estudo das
ciências especulativas, como a geometria, a astronomia, a física é um entretenimento
sobremaneira vão; todos esses conhecimentos, estéreis e infrutíferos, são inúteis por si mesmos.
Os homens não nasceram para medir linhas, examinar as relações entre os ângulos e perder
23
todo o seu tempo em considerações sobre os distintos movimentos da matéria” (Dainville, 1954,
apud Château, 1992, apud Miorim, 1998).
Sabemos que existiram escolas jesuítas preocupadas com o ensino da Matemática,
como foi o exemplo do Colégio de Roma, dirigido pelo padre Chistopher Clavius5, grande
defensor das matemáticas. Com a revolução cartesiana a Matemática começou a ser encarada
com melhores olhos, havendo vários jesuítas admitindo a importância da Matemática a partir de
1744. Várias obras, porém, confirmam que no Brasil, a ordem quase não se preocupou com o
ensino da Matemática ou da Ciência6.
Entretanto o “Auto de Inventário e Avaliação dos Livros Achados no Colégio dos
Jesuítas do Rio de Janeiro e Seqüestrados em 1775” foram encontradas obras dos matemáticos
jesuítas Clavius, Kircher7 Boscovich8 além do curso de bombeiros José Alpoim, provando que os
jesuítas, apesar de não ensinarem a Matemática, a conheciam com profundidade, acompanhando
as pesquisas da época. Devemos ressaltar que o livro “Elementos”9 de Boscovich fora escrito em
1752, e, em 1759 já estava na biblioteca dos jesuítas, o que mostra a atualidade dos estudos por
parte dos membros da ordem. (Valente, 1999).
 
5 Chirstophori Clávio, escritor da Obra Mathemática (Tomo 1: Complemento e Comentário da Geometria de
Euclides, Seno, Tangente e Secante, Triângulo retilínio e esférico. Tomo 2: Complementos de Geometria Prática,
Aritmética Prática e Álgebra. Tomo 3: Complementos da Matemática esférica de Sacrobosco e Astrolábio. Tomo 4:
Explicação de Astrolábio. Tomo 5: Construção de Instrumentos para astronomia. Tomo 6: Calendário Romano),
nasceu em Bamberg, Alemanha, em 1537, e morreu em Roma em 1612. Jesuíta desde 1580, foi amigo de Galileu,
mas foi contra o heliocentrismo coperniciano. Foi o jesuíta que mais fez propaganda da Matemática.
6 É importante falarmos que em 1890, a Bibliothéque de la Compagnie de Jésus,na França, catalogou as várias obras
de Matemática. A obra foi conduzida pelo jesuíta Sommervogel, e, hoje tal inventário é conhecido por seu nome.
7 Athanasius Kircher nasceu em 1602 e morrei em 1680 em Roma. Foi aluno de colégios jesuítas em 1618. Foi
nomeado professor de Filosofia e Matemática em 1630. Lecionou Matemática no Colégio Romano de 1635 até 1643.
Escreveu sobre vários assuntos e tem vários de seus livros, em muitos assuntos, catalogados no inventário de
Sommervogel.
8 Rogério José Boscovich, nasceu em 1711. Foi noviciado em Roma em 1725 pelo Colégio de Roma. Em 1773 foi
nomeado diretor da Marinha em Paris. Exonerado do cargo, muda para Milão onde vive até 1787, quando morre.
Escreveu 108 livros.
24
A primeira obra jesuíta sobre ciências naturais foi a História Naturalis Brasiliae,
publicada na Holanda por Piso e Marcgraf em latim, sem nenhuma difusão no Brasil. (Pito,
2003).
Em Portugal, porém, existem muitas informações sobre aulas elementares de
Matemática em escolas superiores. O Colégio jesuíta de Santo Antão inaugurou em 1590 as
“Aulas da Esfera”, aulas de cosmografia baseadas em tratado do inglês João de Sacrobosco10,
escritos no séc XIII. Temos também informações sobre aulas de Matemática na Universidade de
Évora11. Fora do domínio dos jesuítas foi muito importante e de destaque o papel do grande
matemático português Pedro Nunes12 no ensino da Matemática escolar. É importante destacar
que, inicialmente, toda a Matemática feita em Portugal foi motivada pelas grandes navegações.
D. Manuel I (1469-1521), o venturoso, criou em 1518, empolgado com a descoberto do Brasil, na
Universidade de Lisboa aulas de Astronomia, que continham Matemática – de início nomeou
 
9 Este livro continha Aritmética, Geometria Plana e Sólida, Trigonometria Plana e Esférica, Cônicas, Lugares
Geométricos, etc...
10 Sacrobosco na realidade chamava-se John of Hollywood. Sua cosmologia baseava-se na obra de Ptolomeu,
considerando a Terra como o centro do universo.
11 O Colégio jesuíta do Espírito Santo, que também mantinha escolas menores (ou secundárias), onde se ensinava
Matemática, a partir de 1559 (autorizado seu funcionamento em 15/04/1558 passou a ter o curso superior de
Teologia, passando-se a denominar Universidade de Évora. Em 1692 começou a ter aulas superiores de Matemática
lecionadas pelo jesuíta Alberto Buckowski.
12 Pedro Nunes (1502-1578) começou a lecionar Matemática em 16/10/1544 na Universidade de Coimbra, onde foi
professor desta até 1557. De 1529 a 1532 havia sido professor na Universidade de Lisboa. Aposentou em 1562.
Ministrou cursos de Geometria Euclidiana, Tratado da Esfera de Sacrobosco e Teoria dos Planetas de Purbáquio. É
considerado o primeiro matemático da península ibérica. Entre seus feitos devemos destacar a correção que fez na
obra do francês Oronce Fine. Oronce Fine (1494-1555) escreveu a obra “De Rebus Mathematicis Hactenus
Desideratus” onde dava a “solução” de dois dos três problemas clássicos dos gregos, conhecidos como “A
Quadradura do Círculo” e “A Duplicação do Cubo”. Nunes publicou em Coimbra em 1546 (e depois de Basel em
1592) a obra “De erratis Orontii Finoei”, onde mostrava os erros da solução de Oronce Fine. Os dois problemas, e o
terceiro, “A Trisseccção do Ângulo”, problemas gregos que exigiam tais construções com régua e compasso apenas,
foram demonstradas impossíveis apenas no final do século XIX. Após a aposentadoria de Pedro Nunes, somente em
1589 ele foi substituído na Universidade de Coimbra, por André de Avelar, que foi professor de 1589 até 1620. A
cadeira de Matemática foi provida intermitentemente de 1654 até 1681, quando D. Pedro II chama de Friburgo, João
König dos Reis, que ocupa a cadeira de 1682 até 1685. Outro sucessor importante de Pedro Nunes em sua cadeira na
Universidade de Coimbra foi Inácio Monteiro (1724-1812), que lecionou de 1753 a 1755 em Coimbra. Ele escreveu
o importante “Compendio dos Elementos da Mathematica e Philosophia Libera”.
25
médicos para o cargo, que faz conjeturáramos a inexistência de professores qualificados.
Inicialmente, em Portugal toda a Matemática era centrada na construção de navios e técnicas de
navegação13.
Os jesuítas fundaram 17 escolas no Brasil nos seus mais de 200 anos de
permanência. A primeira escola jesuíta foi a escola de “ler e escrever” (primária) de Salvador,
onde o primeiro mestre escola foi Vicente Rijo Rodrigues (1528-1600). A segunda escola,
fundada em 1550 em São Vicente-SP, por Leonardo Nunes, era em um pavilhão de taipa, onde
ensinava doze órfãos trazidos de Portugal. Nestes dois cursos não haviam aulas de Matemática,
de modo algum.
O primeiro curso jesuíta brasileiro que ensinou Matemática foi o primeiro curso
superior de Artes, fundado em 1572 no Colégio de Salvador, da Bahia. Um curso de 3 anos em
artes, bacharelado ou licenciatura, tinha em seu programa os quatro assuntos estudados por
Aristóteles e pela escolástica (Física, Lógica, Metafísica e Ética), e o estudo da Matemática fazia-
se necessário para a compreensão da Física, portanto haviam aulas de Matemática. Ressaltamos
que um dos professores do Colégio da Bahia foi Valentim Estancel, de quem falaremos em breve.
Com o mesmo programa foi criado no ano seguinte o curso de Artes no Rio de Janeiro. Ensinava-
se Geometria Elementar e Aritmética nos cursos de Artes.
Dos 17 colégios jesuítas, apenas 8 tinham cursos de Filosofia ou de Artes, ou seja,
em apenas 8 existia algum tipo de ensino de Matemática.
 
13 A Escola de Sagres, fundada pelo Infante D. Henrique (1394-1460) ensinava Matemática, Navegação Náutica,
Cartografia e Construção Naval. A Matemática servia-se para as grandes navegações portuguesas. Nesta escola
estudava-se Matemática, e, Pedro Nunes foi professor nela.
26
Em 1605, sabe-se que haviam aulas de Aritmética nos colégios de Salvador,
Recife e Rio de Janeiro. O programa era de Razão e Proporção e Geometria Euclidiana
Elementar.
Em 1757, dois anos antes da expulsão dos jesuítas, foi fundado no Colégio da
Bahia, a Faculdade de Matemática, onde se estudava Geometria Euclidiana, Perspectiva,
Trigonometria, Equações Algébricas, Razão, Proporção e Juros. Um célebre aluno do curso, foi o
famoso matemático português José Monteiro da Rocha, nesta escola ele estudou Filosofia com
Jerônimo Moniz e Matemática com o alemão João Brewer. Formou-se, portanto, no Brasil, um
grande matemático português. Após a expulsão dos jesuítas ficou no Brasil mais alguns anos, e,
logo em seguida foi tornar-se bacharel em Cânones na Universidade de Coimbra, em 1770. Em
1772 foi convocado para montar o corpo docente da Universidade de Coimbra em 1772.
O sociólogo Gilberto Freyre considera que a educação jesuíta foi uma destruidora
das culturas indígenas, e, agentes europeus para desintegrar os valores nativos. (Pito, 2003). A
igreja, recentemente, admitiu que errou ao destruir as culturas indígenas no Brasil através da
ordem jesuíta.
É importante lembrar que a educação superior jesuíta não eram consideradas
oficialmente por Portugal, e, serviam-se mais para formar padres e outros cargos da hierarquia
religiosa. Os estudantes brasileiros graduados no Brasil eram obrigados a realizarem os mesmos
cursos em Portugal, mesmo na Escola de Artes da Universidade de Coimbra, que pertencia aos
próprios Jesuítas14.
Como a educação jesuíta mais interessava aos próprios jesuítas e à igreja do que a
Portugal, o governo português percebeu que a ordem não atendia a seus interesses, mas a
27
interesses particulares, que colocava em risco o poder da coroa portuguesa, tanto político-
ideológico, quanto comercial. Os jesuítas educavam em causa própria, e não pela coroa, e se
fortaleciam.
O Primeiro Ministro Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), o Marquês
de Pombal, déspota esclarecido, governantede Portugal, ordenou que a ordem fosse expulsa em
1759, com seus bens confiscados e fechados (25 residências, 36 missões menores, 17
estabelecimentos, colégios e seminários, inclusive inúmeros seminários menores e escolas
primárias “de ler e escrever” criadas em quase todo o país (Pito, 2003)).
Imediatamente as ordens beneditinos, carmelitas e franciscanos15 fundaram escolas
“de primeiras letras” (primárias).
Apenas 83 anos depois, em 1842, os jesuítas voltam ao Brasil, sem hegemonia ou
força, fundando o Colégio de Desterro em Santa Catarina, o seminário de Pernambuco e o
Colégio São Luís de Itu. (Pito, 2003).
1.2 Paralelo entre a Matemática na Europa e no Brasil na Época dos Jesuítas
Enquanto isto, a Matemática na Europa dava saltos espetaculares: criava-se o
Método Científico (Galileu), desenvolvia-se o simbolismo a Álgebra Clássica (Recorde, Viete,
Bombelli, Oughtred e Harriot), resolviam-se as equações de 3º e 4º graus (Cardano e Tartáglia),
criavam-se as frações decimais (Stevin), inventavam-se os logaritmos (Napier e Briggs);
 
14 Até 1808 não eram permitidas no Brasil Escolas Superiores, e mesmo jornais, livros, panfletos, etc...
15 Os franciscanos chegaram a elaborar um plano de escolas que ensinassem Retórica, Hebraico, Grego, Filosofia,
História Eclesiástica, Teologia Dogmática, Teologia Moral, Teologia Exegética. A Matemática ficou de fora mais
28
desenvolvia-se a moderna Teoria dos Números (Fermat), a Geometria Analítica (Fermat e
Descartes), a Geometria Projetiva (Desargues e Pascal), a Probabilidade (Fermat e Pascal), o
Cálculo Diferencial e Integral (Fermat, Cavalieri, Barrow, Leibniz e Newton). Além das
inúmeras aplicações do Cálculo Diferencial e Integral em todas as ciências e os embriões da
Topologia e das Geometrias não-euclidianas.
Neste período existem poucas informações sobre o desenvolvimento da
Matemática no Brasil, como alguns trabalhos do Padre Valentin Stancel S.J. (1621-1705), sendo
este considerado o primeiro matemático brasileiro, que foi citado no livro “Princípios
Matemáticos da Filosofia Natural” de Newton (D’Ambrósio, 2003). Também temos o
surgimento dos primeiros livros e cursos de Matemática totalmente brasileiros, escritos por José
Fernandes Pinto Alpoim (1695-1765), que, em 1744 escreveu “Exame de Artilheiros” e em 1748
escreveu “Exame de Bombeiros”, livros utilizados para a preparação de alunos para ingresso
nestas funções (D’Ambrósio, 2003). Veremos mais detalhes sobre tais livros no item 1.4.
O que se pode dizer é que tanto a Matemática quanto a Educação Matemática
praticamente inexistiam no Brasil até a expulsão dos jesuítas. A Matemática como teoria e como
divulgada no mundo não era ensinada para qualquer brasileiro, nem mesmo nas universidade em
Portugal, sendo restrita a alguns intelectuais autodidatas como o padre Valentim, que era jesuíta.
1.3 A Matemática pós-jesuítica no Brasil Colônia – As aulas régias
 
uma vez. A fundação desta faculdade foi aprovada em 11/06/1776. Este plano copiava os Estatutos Novíssimos da
Universidade de Coimbra. Não aconteceu a fundação da Faculdade.
29
Com a expulsão dos jesuítas em 1759, começaram a surgir novas aulas, cursos e
escolas, incluindo o aparecimento das primeiras escolas laicas. Em 1772, no dia 6 de novembro
foi publicado um alvará pelo governo de Portugal instituindo as “aulas régias”, onde disciplinas
eram ministradas isoladamente: gramática, latim, grego, filosofia e retórica, e, depois, conteúdos
matemáticos: aritmética, geometria e trigonometria (surgindo cerca de 1800, junto com inglês,
francês e desenho).
As aulas avulsas representavam um retrocesso em termos institucionais, pois as
aulas eram avulsas, dadas em diferentes locais, sem articulação entre as disciplinas, sem
planejamento de trabalho escolar. Os professores recrutados, contratados e pagos pelo governo
mostravam-se ignorantes, sem competência alguma no conteúdo que lecionavam e sem qualquer
senso pedagógico. (Miorim, 1998). Além disto, a freqüência às aulas régias era quase nula.
Tais aulas começaram a modificar os conteúdos escolares dos jesuítas, e, surgiram
as disciplinas Aritmética, Álgebra e Geometria.
Miorim, cita em seu livro uma passagem do livro de Maria Thetis Nunes (Ensino
Secundário e Sociedade Brasileira): “Encontramos um edital do governador de São Paulo
ordenando que em cumprimento do bando lançado no dia 20 do mês anterior, todos os
estudantes e pessoas conhecidamente curiosas se alistassem na aula que se havia de abrir para o
ensino de geometria. Àqueles que, infringindo o determinado nesse edital, se não apresentassem
a alistar perante o Revmo. Padre Frei José do Amor Divino Duque, “aplicar-se-ia a pena de se
sentar praça de soldado” (Nunes, 1962 apud Miorim, 1998). Ou seja, ameaçavam-se as pessoas
para garantir alunos nos cursos de Geometria.
30
Sabe-se que as aulas de Matemática eram mais impopulares, e tinham mais
resistência, por não fazerem parte do currículo tradicional, mas, todas as aulas régias
encontravam resistências.
Miorim relata: “No relatório apresentado pelo ministro do Império, Antônio Pinto
Chiachorro da Gama, em 1834, sobre a situação em que se encontravam as aulas avulsas no
Brasil, com relação ao ensino das matemáticas os dados apresentados eram os seguintes: - Na
Província do Rio de Janeiro, duas das vagas existentes, uma de Geometria e outra de Aritmética,
Geometria e Álgebra; a primeira estava vaga, ou seja, não estava em funcionamento, e a
segunda, embora estivesse “provida”, não possuía alunos matriculados. – Nas demais
províncias a situação não era diferente: das 13 vagas existentes – apenas para Geometria -, duas
delas estavam em funcionamento, enquanto as demais se encontravam vagas(Haidar, 1972, p.20-
1)” (Miorim, 1998). Miorim conclui “Estas informações nos mostram que, ainda na primeira
metade do século XIX, as aulas avulsas das disciplinas matemáticas existiam em um número
bastante reduzido e que, além disso, eram pouco freqüentadas.”
Miorim ainda associa o desinteresse pelas aulas régias com as reformas
educacionais feitas em Portugal pelo Marquês de Pombal, influenciadas pelos enciclopedistas
franceses. Também fala sobre um outro efeito da influência francesa: a fundação do Seminário de
Olinda.
O Seminário de Olinda, fundado em 1798 pelo bispo Azeredo Coutinho, começou
a funcionar em 1800, sendo a primeira instituição brasileira a dar verdadeira importância aos
estudos matemáticos e das ciências físicas e naturais. Tal importância era explícita. Este
seminário foi um foco de irradiação de novas idéias sobre o ensino (em especial, o ensino da
Matemática) no Brasil no ensino secundário até o início do século XX. (Miorim, 1998).
31
1.4 A Matemática para a Guerra: Artilharia e Fortificação
Manuel de Campos, jesuíta e professor de Matemática, primeiro tradutor dos
“Elementos de Euclides” para o Português, em sua obra “Elementos de Geometria plana e
sólida16”, de 1735, classifica a Geometria em duas partes: prática e especulativa17. A Geometria
Prática trataria das medidas vulgares, próprias de uso humano, como “Distancias, Alturas,
Profundidades, Níveis, Aquedutos, Áreas, Corpos, etc...”. Já a Geometria Especulativa, que
promoveu e aperfeiçoou a Prática a toda quantidade contínua, consta de 3 partes: Elementos de
Euclides, Esféricos de Theodósio, e Cônicos de Apolônio. (Valente, 1999).
Talvez, Arquimedes, utilizando-se da Geometria Prática, foi o primeiro homem a
tratar com objetos de guerra, destruindo com armas mecânicas o exército do general Marcelo,
durante as Guerras Púnicas, em defesa de sua cidade: Siracusa, no século III a. C.C.
Diferentemente da Geometria Especulativa de Pitágoras,Euclides e Platão, ligada
à Filosofia e à Religião; a Geometria Prática, dos Engenheiros, iniciada por Arquimedes, tinha
objetivos fundamentalmente bélicos.
 
16 O nome completo é Elementos de Geometria plana e sólida segundo a ordem de Euclides, príncipe dos geômetras,
accrescentados com três úteis appendices, etc. Para uso da real Aula da Sphera do Collegio de Sancto Antão.
Lisboa, na Offic. Rita Cassiana, 1735”.
17 Esta divisão, que relaciona Matemática e a “Arte da Guerra” é muita antiga. Conta-se que Platão se revoltou e
reprovou os trabalhos de Eudóxio e Archytas, dizendo que estes haviam “arruinado” a geometria a partir da criação
de instrumentos práticos (mesógrafos), a partir da obra de Arquimedes. Platão, cuja filosofia baseava-se na
valorização do mundo das idéias (racional) sobre o mundo dos sentidos, não admitia que idéias geométricas puras
pudessem se contaminar, transformando-se em objetos sensíveis, por trabalhos manuais e grosseiros. Nesta época
começou a se dividir a Geometria: a Prática referia-se a Mecânica (a “Arte da Guerra”), enquanto a Especulativa,
ligada à Filosofia. Os Filósofos não admitiam a transformação de objetos românticos, abstratos em coisas concretas e
manipuláveis, pertencente ao mundo das coisas, dos sentidos.
32
A partir do século XIV, na Idade Média começam a surgir as primeiras armas de
fogo, para uso na guerra. Eram duas espécies de armas: leves, para uso da infantaria e cavalaria; e
pesadas, para uso da artilharia. A artilharia tinha uma arma fundamental, o canhão (chamado
inicialmente de bombarda, uma versão rudimentar deste). Os primeiros canhões tinham pontarias
duvidosas e eram feitos com materiais fracos e de forma rudimentar, com o tempo, a pontaria e os
materiais de confecção foram se aperfeiçoando, o mesmo acontecendo com suas munições.
A evolução do canhão e das artilharias obrigava os reinos e governos a criar
fortificações cada vez mais sofisticadas. As técnicas de artilharia e de fortificações dependiam de
conhecimentos práticos de Aritmética e de Geometria18, isto, incentivou e obrigou a criação, em
todo o mundo, de Aulas de Artilharia e Fortificação. Tais aulas formariam Engenheiros,
importantes militares que deveriam elaborar, calcular e orientar estratégias de artilharia e elaborar
proteções para as cidades e reinos.
Os Engenheiros deveriam ter características de rapidez, solidez e economia. Este
engenheiro, surgido no final da Idade Média, existentes do século XVI ao final do século XIX
eram considerados como um oficial militar que é um matemático. Deveria ser um matemático
“hábil, expert e astuto”(Furetière apud Vérin, 1993 apud Valente, 1999). Geralmente o título de
engenheiro era fornecido pelo rei, duque, príncipe ou imperador. “As estratégias de ataque, por
meio dos aparelhos de guerra artilharia e a defesa por meio das fortificações concebidas para
resistir ao inimigo, representam, então, o núcleo do ofício do engenheiro” (Valente, 1999).
O século XVI e a importância da figura do engenheiro foi um fator muito
importante para o desenvolvimento da Matemática. Ela era considerada como uma “segurança
33
infalível” para as fortificações e artilharias, e virou questão de estado. Tornou-se muito
importante o ensino da Matemática, iniciada pelos seus entes abstratos e fundamentadas em suas
demonstrações para garantir a infalibilidade. A criação de tratados de Matemática para Artilharia
e Fortificações passa então a ser tratada como fator de prestígio e importância aos engenheiros.
Em 1647, D. João IV funda em Portugal, a “Aula de Fortificação e Arquitetura
Militar”, fruto da necessidade de reorganizar sua força militar, pois, até 1640, Portugal havia
ficado 60 anos sob domínio da Espanha. Portugal contratou então, importantes engenheiros para
ensinar aos militares do país os avanços tecnológicos na “Arte da Guerra”.
Em 1648, Portugal contratou engenheiros estrangeiros para virem ao Brasil para
formar militares capacitados em fortificações. Em 1699 é criada no Rio de Janeiro a Aula de
Fortificações. Seria um curso para três alunos maiores de dezoito anos. Sabe-se que até 1710 as
aulas não haviam começado pela falta de materiais (livros, compassos e outros instrumentos).
Em 19/08/1738, o governador de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro,
Gomes Freire de Andrade, edita uma Carta Régia, onde cria a importante Aula de Artilharia e
Fortificações do Rio de Janeiro19. A Carta Régia determina que o Ensino Militar deveria ser
obrigatório a todo oficial. Nenhum militar teria nomeação ou promoção sem aprovação na Aula
de Artilharia e Fortificações, com duração de 5 anos.
A Ordem Régia nomeia para a aula, José Fernandes Pinto Alpoim20. Alpoim era
um dos vários engenheiros militares formados pela filosofia racionalista de Descartes, que tinha
 
18 É importante observar que na época medieval e muito tempo depois, a matemática era vista como um
conhecimento útil para as “artes mecânicas”. Geometria era conhecimento útil para carpinteiros, arquitetos,
agrimensores. A Aritmética servia aos comerciantes. (Valente, 1999).
19 Também na Bahia foi criado tal curso, apesar de não haverem muitas informações sobre isto.
20 José Alpoim nasceu em 14/07/1700 em Portugal, filho de militar. Chegou ao posto de sargento-mor com o
“exercício de engenheiro” entre o Douro e o Minho. Lecionou na Academia Militar de Viana e Castelo, onde havia
se formado militar (concluiu o curso em Lisboa). Teve diversas missões como engenheiro de Portugal. Em 1729 foi
34
como objetivo a formação de cartógrafos, matemáticos e engenheiros militares conhecedores dos
novos métodos ingleses e franceses destas áreas do saber. Alpoim foi um dos primeiros
engenheiros militares a atuar no Brasil, reconhecido e elogiado.
Para facilitar suas aulas, cria dois livros, o Exame de Artilheiros21, em 1744 e o
Exame de Bombeiros22 em 1748. Considerados os primeiros livros de Matemática escritos
totalmente no Brasil (apesar de impressos em Lisboa e Madri, respectivamente).
Alpoim cita na dedicatória de seu livro “foi para facilitar o estudo aos novos
Soldados e Artilheiros do Batalhão” o motivo da escritura dos livros.
 
elogiado por levantar uma planta da beira do rio Douro. Lecionou na Aula de Artilharia e Fortificações do Rio de
Janeiro de 1738 até sua morte em 1765. (Valente, 1999).
21 Nome completo do livro “Exame de Artilheiros que comprehende Arithmetica, Geometria, e Artilharia, com
quatro appendices: O primeiro de algumas preguntas uteis; o segundo do methodo de contar as ballas, e bombas
nas pilhas; o terceiro das batarias; e o quarto dos fógos artificiaes. Obras de grande utilidade, para se ensinarem os
novos Soldados Artilheiros, por preguntas e respostas. Dedicado ao ilustriíssimo, e excellentissimo senhor Gomes
Freire de Andrada, do Conselho de sua Magestade, Sargento mor de batalhas de seus Exércitos, governador, e
Capitão General do Rio de Janeiro, e Minas Gerae. Por Jozé Fernandes Pinto Alpoym, Cavalleiro professo na
Ordem de Christo, e Sargento mor Engenheiro, e do novo Batalhão da Artilharia: Lente da mesma, por Sua
Magestade que Deos guarde, na Academia do Rio de Janeiro”. Lisboa: Na nova Officina de Jozé Antonio Plataes.
Anno de MDCCXLIV.
22 Nome completo do livro: “Exame de Bombeiros, que comprehende dez tratados; o primeiro da geometria, o
segundo de huma nova Trigonometria, o terceiro da Longemetria, o quarto da Altimetria, o quinto dos Morteiros, o
sexto dos Pedriros, o sétimo dos Obuz, o oitavo dos Petardos, o nono das Batterias dos Morteiros,com dous
Appendiz: o primeiro do mèthodo mais fácil, que se pòde inventar, para saber o numero de bàllas, e bomas nas
Pilhassic): o segundo, como dado hum numero de bàlas, ou bombas, se lhe pòdem achar os lados ds pilhas, que se
quizerem formar, ou sejaõ triangulares, ou quadrangulares, o décimo da Pyrobolia, ou fògos artificiaes da guerra,
com dous Appendiz: o primeiro dos fògos extraordinários, o segundo dos Fogaréus, e Candieiros de muralha. Obra
Nova. E Ainda Nam Escrita de Author Portuguez, utilíssima para se ensinarem novos Soldados Bombeiros, por
preguntas, e respostas. Dedicado ao ilustríssimo, e excellentissimo senhor Gomes Freire de Andrada Do Concelho
de Sua Magestade, Sargento Mor de Batalha de seus Exércitos, Governador, e Capitão General do Rio de Janeiro, e
Minas Gerais. Por Joze Ferandes Pinto Alpoym, Cavalleiro Professor na Ordem de Christo, Tenente de Mestre de
Campo General, com exercício de Engenheiro, e de Sargento Mayor; no Batalhão da Artelharia, de que he Mestre
de Campo Andrè Ribeiro Coutinho, Lente da mesma, por Sua Magestade, que Deos guarde, na Academia do Rio de
Janeiro” Em Madrid, Em la Officina de Francisco Martinez Abad, Año de MDCCXXXXVIII. Com todas licenças
necessárias.
35
Os livros eram estruturados totalmente por meio de perguntas e respostas. Os
conteúdos relacionados com “arte militar” são antecedidos da Matemática necessária para estes
conhecimentos.
A estrutura do Exame de Artilheiros é a seguinte: 1 Aritmética23, 2 Geometria24, 3
Artilharia25. Além disto haviam 4 apêndices com perguntas e respostas sobre artilharia, com
destaque para o “Apêndice II – Das Balas”, onde se ensinam como calcular o número de balas de
uma pilha, usando de conceitos de área e volume não ensinados durante todo o livro26. Apesar de
impresso em 1744 por ordem da Carta Régia de 15 de julho, a edição foi embargada por Alpoim
não ter usado a pragmática de tratamento das personalidades presentes na obra, segundo a
legislação. A despeito do embargo, o livro circulou quase que normalmente, baseando-se que o
embargo apenas exigia o recolhimento do livro, e não sua proibição. Existem vários indícios da
alta circulação do livro, entre eles, uma carta de 1763 onde o governador do Mato Grosso
recomenda o livro para o governador do Grão Pará, como material de ensino de artilharia.
(Valente, 1999).
 
23 O Tratado de Aritmética começa com perguntas do tipo “Que é a Aritmética?” “É a arte que ensina a fazer bem os
cálculos, ou seja, sobre os números ou sobre as letras do ABC que se chama Álgebra especial e vem da palavra
Arithmos, que significa número”. O tratado tem 33 páginas – 22 para as quatro operações fundamentais, 10 para
frações e 1 para regra de três. Em Valente (1999) o autor conjectura que os alunos de Alpoim deveriam ter 18 anos e
desconhecer as operações aritméticas. São 95 perguntas.
24 O Tratado de Geometria começa alertando a existência de geometria especulativa e prática: “Especulativa é a que
mostra as propriedades de tudo que é comensurável. A prática é a que dá as regras com que dirige as operações
para que saiam certas e desta é que havemos de tratar [...]”. Não há proposições geométricas no texto – ensina-se
somente o útil para artilheiros, com três objetivos: graduar uma esquadra, construir um nível e um petipé, como
ponto, linha, perpendicular, paralela, ângulo, círculo (útil para a graduação da esquadra), além de estudos sobre
triângulos, útil para a construção de um petipé. São 25 páginas e 75 perguntas sobre Geometria.
25 O Tratado de Artilharia apresenta todo o material e peças de artilharia e ensina o aluno a calibrar, carregar, obter
pontaria, por fogo, usar a artilharia no mar, táticas de locomoção, manejo detalhado de peças, etc... No texto, Alpoim
cita um trecho onde fica claro a sua proximidade com Manoel de Azevedo Fontes, responsável pela sedimentação do
pensamento cartesiano em Portugal, orientador desta filosofia nas escolas militares do país na época de D. João V.
26 Pelo fato de não haver ensinado áreas e volumes, o autor teve que inserir no apêndice uma série de casos de
cálculo do número de balas empilhadas, segundo a forma geométrica das pilhas.
36
Já o Exame de Bombeiros, impresso em 1748, como continuação do Exame de
Artilheiros, é estruturado em 10 tratados27. Os livros tinham objetivos estritamente militares28:
André Ribeiro Coutinho, mestre de Campo do Terço da Artilharia da Praça do Rio de Janeiro e
superior de Alpoim disse: Exame de Bombeiros he que por este Livro devem fazer os bombeiros
o seu exame para poderem chamar Mestres na Arte de deitar bombas (Castro, 1992 apud
Valente, 1999).
Devemos observar que os livros eram totalmente narrativos. Veja por exemplo o
livro de Valente (1999), páginas 49 e 50, com as perguntas 12 a 15 integralmente descritas, com
um longo texto explicando como se faz uma simples adição (432+245)29. Sem qualquer
compromisso com o que hoje conhecemos por rigor matemático, as perguntas eram estruturadas
como se os alunos ficassem constantemente interrogando ao mestre e o mestre dando as
respostas. Valente, na mesma obra, ainda supõe que a aula de Alpoim deveria ser feita na forma
de ditado, onde os alunos reproduziam totalmente seu curso em seus cadernos, obedecendo a
Ordem Régia de 1738 que o obrigava a ditar as lições. Valente termina a observação
 
27 Alpoim neste livro, cita várias fontes e referências bibliográficas que permite-nos mapear o conhecimento por ele
descrito. O primeiro capítulo – “Tratado I – Da geometria dos Bombeiros”, Alpoim define conceitos fundamentais de
Geometria, como posições relativas de duas retas, círculo, circunferência, triângulos, triângulos semelhantes,
proporcionalidade, parábola, volumes, sempre dando uma utilidade prática. São 24 páginas e três pranchas de
desenhos. O segundo capítulo – “Tratado II – Da trigonometria dos Bombeiros”, ele define e ensina rudimentos
sobre trigonometria retilínea (segundo ele: “A parte da Geometria que ensina o método de achar o valor dos lados e
ângulos incógnitos de um triângulo retilíneo e dela já disse o Bispo Caramuel: Cunca Trigonus habet.” Os outros
capítulos eram estritamente dedicados aos conhecimentos específicos dos lançadores de bombas.
28 Não se pode negar que Alpoim tinha objetivos didático-pedagógicos ao estruturar as obras.
29 Um dos trechos diz: “Sejam as duas somas ou séries quatrocentos e trinta e dous 432 e duzentos quarenta e cinco
245, de que se quer saber o valor: dispondo-se, como fica dito, estas 432 duas somas, ficando as 5 unidades da
segunda debaixo das unidades da 245 primeiro; e as 4 dezenas da segunda debaixo das 3 dezenas da primeira; e as
2 centenas da segunda debaixo das 4 centenas da primeira; e logo começando da direita para a esquerda diremos: 2
e 5 fazem 7; e porque são unidades, escrevemos o 7 debaixo delas separado com uma risca; e passando ao segundo
lugar, diremos: 3 e 4 fazem 7, que escrevermos debaixo das dezenas; e passando ao terceiro lugar, diremos 4 e 2
fazem 6, que escreveremos debaixo das centenas, e assim teremos a nova soma, seiscentos setenta e sete 677, igual
às duas somas.”
37
comentando: “Vinte alunos, ouvindo e escrevendo o que o mestre ditava: seus escritos, seu
livro.” (Página 50).
Outra observação das obras é que, ao ensinar a multiplicação o autor recomenda o
uso da tabuada (reproduzida no final dos Tratados de Aritmética e de Geometria do Exame de
Artilheiros em forma de Tabela única30), mas não ensina como construí-la ou coloca isto como
pré-requisito31. Os livros não exigem qualquer pré-requisito32.
Apesar das obras de Alpoim serem inegavelmente os primeiros livros didáticos
brasileiros de Matemática, os objetivos dos livros não eram a Matemática, mas a artilharia e o
lançamento de bombas, objetivos estritamente militares, como já dissemos. Pois então, não
constituíram de obra didática de Matemática propriamente ditas.
1.5 A influência dos livros didáticos militares de Bélidor e Bézout na produção
dos primeiros livros escolares de Matemática no Brasil no período que
antecedea chegada da família real no Brasil
Além dos livros de Alpoim, constituíram referências importantes para a
constituição das matrizes escolares da Matemática no Brasil, as obras de Bernard Forest de
Bélidor e de Etienne Bézout.
 
30 Estas tabelas únicas, de duas entradas, chamadas de Tabela de Pitágoras foram as única usadas até meados do
século XIX quando começaram a surgir livrinhos de tabuadas na forma como são hoje.
31 Autores contemporâneos de Alpoim, como Bélidor, citado nos livros, ensinam seus alunos como construir a tabela
da multiplicação. Entre os autores citados por Alpoim, temos Antoine de Ville, Medrano, Blond, Daudet, Bardet,
Deidier, entre outros. (Valente, 1999)
32 Deve-se lembrar que, apesar disto, o aluno deve conhecer os números, sua escrita e conceitos como unidade,
dezena e centena. Tais informações não estão presentes na obra, que supõe conhecido o Sistema de Numeração
Decimal. Fato este não é citado por Valente (1999), mas fica implícito em sua narrativa.
38
Em 1720, a França percebera um êxito em protótipos escolares desenvolvidos
desde o início do século XVII. Motivados com os sucessos que a escola fornecia ao país, o rei da
França, criou nos batalhões do Regimento Real de Artilharia, 5 escolas de educação militar para
aspirantes. Tais escolas existiram até as vésperas da Revolução Francesa, eram constituídas de
parte teórica e prática e todas possuíam um professor de Matemática. Um dos primeiros deles foi
Bélidor33, nomeado pelo Duque de Orleans para a escola de artilharia de La Fere, onde lecionou
de 1720 até 1738, onde foi deposto por motivos políticos.
A principal obra matemática de Bélidor foi o “Noveau cours de mathématiques à
l’usage de l’artillerie et du génies”(baseado diretamente em suas aulas em La Fere), escrito em
1725 e depois reeditado em 1757 com maior precisão e mais rigor na escrita34. Foi o principal
livro de Matemática de Bélidor35.
A obra de Bélidor tinha explicações de altíssimo nível, melhor que muitos livros
didáticos brasileiros dos anos 70 e 80. Para um detalhamento da obra, com muitos comentários
em várias páginas, veja o livro de Valente (1999). Os capítulos do livro eram: 1 Introdução à
Geometria; 2 Razões, proporções, progressões, logaritmos, equações do 1º e 2º graus; 3
Posições relativas de duas retas; 4 Propriedades dos triângulos e dos paralelogramos; 5
 
33 Bélidor foi pessoa de notável talento e brilhante divulgador de Matemática – suas obras não preocupavam em ser
científicas, mas em sim serem didáticas. Um dos maiores postos de Bélidor foi estar hierarquicamente abaixo de
Jacques Cassini e Philippe de La Hire, no estudo do meridiano de Paris para o English Channel, terminado em 1718
e publicado em 1720 com o título de “De la grandeur et de la figure de la terre” Bélidor se notabilizou
principalmente pelas obras La science des ingénieurs (1729) e por “Architecture hydraulique” (1737-1739), obras
importantes na história da engenharia mecânica.
34 A edição de 1757 foi corrigida e revisada pelo professor M. Mauduit, professor do Colégio Real da França.
Apresenta rigor principalmente nas definições de sólidos geométricos. A obra de 1725 é escrita dirigindo-se sempre
aos alunos, enquanto na edição de 1757 isto não aparece tão acentuadamente. Cada capítulo do livro inicia-se com
definições e em seguida com proposições demonstradas ou problemas resolvidos – o autor procura fazer as
demonstrações com simplicidade e rapidez, sempre apresentando aplicações numéricas ou construções geométricas
quando possível. O livro é escrito em texto contínuo, com menção a figuras feitas em pranchas separadas.
35 O livro “Lê bombardier français”, para uso em combate, contém tábuas sistematizadas para descargas de fogo,
contendo também algo de Matemática.
39
Propriedades do círculo; 6 Polígonos regulares inscritos e circunscritos ao círculo; 7 Relação
entre perímetro e área de figuras semelhantes; 8 Área e volume dos sólidos; 9 Seções cônicas;
10 Trigonometria retilínea e nivelamento; 11 Cálculo das medidas em geral; 12 Aplicação da
geometria à medida de áreas e volumes; 13 Uso da geometria no cálculo de áreas equivalentes e
uso de compasso de proporção; 14 Do movimento dos corpos e do lançamento de bombas; 15
Mecânica estática; 16 Hidrostática e hidráulica.
Em 1763, o Conde de Oeiras (futuro Marques de Pombal) percebeu a precariedade
das forças armadas portuguesas, e, contratou o Conde Lippe para fazer a reformulação das forças
armadas em Portugal. Uma das primeiras ações foi a publicação de um Alvará em 15 de julho de
1763, onde instituía em 4 escolas Aulas de Artilharia. O alvará determinava como seriam as aulas
e quais seriam os livros utilizados. Eram todos livros franceses, entre eles o “Noveau cours de
mathématiques” de Bélidor36, traduzido para o português oficialmente em 1764.
Em 1767, Pombal foi alertado do prenúncio de novas lutas contra espanhóis nas
margens do Rio do Prata, no Brasil. Em 20 de junho enviou para o Brasil munição, 50 oficiais, 2
generais, exigiu instrução e adestramento das tropas e mandou cópias do alvará de 1763. Neste
momento substitui as Aulas de Fortificação, onde os manuais de Alpoim eram utilizados, pelas
Aulas do Regimento de Artilharia do Rio de Janeiro, usando várias cópias da tradução do
“Noveau cours de mathématiques” para o Português para estas aulas. Bélidor era obrigatório no
Brasil, portanto, o que é suficiente para caracterizarmos a importância do livro.
 
36 Tal livro foi traduzido em 1764, com o nome “Novo Curso de Matemática de Monsieur Bellidoro”. Tradução feita
pelo capitão de infantaria e engenheiro militar Manuel de Souza, em Lisboa, baseando-se na obra de 1757. Sabe-se
também, que, em 1742, o também engenheiro e capitão da infantaria Miguel Luís Jacob traduzira a edição de 1724
para o Português, provando que a obra de Bélidor já era conhecida em Portugal a mais tempo do que se tem registro.
(Valente, 1999)
40
Em 1744 a aula muda o nome para Aula Militar do Regimento de Artilharia do
Rio de Janeiro, passando a incluir ainda aula de Arquitetura Militar, tendo como professor, o
Tem. Cel. Eng. Antônio Joaquim de Oliveira, que trouxe consigo de Portugal, mais 14 cópias do
curso de Matemática de Bélidor e ainda 1 cópia do “La Science des Ingénieurs”, outro livro de
Bélidor.
Em 1792, é criada no Rio de Janeiro, a Academia de Artilharia, Fortificação e
Desenho, com um curso de Matemática de 6 anos37, onde era utilizada a Geometria Prática de
Bélidor (parte do seu curso de Matemática) em combinação com a Aritmética de Bézout.
Em 1795 tal academia transforma-se na Academia de Aritmética, Geometria
Plana, Fortificação, Desenho e Língua Francesa, desdobrada pelo Conde de Rezende. As obras de
Bélidor e Bézout continuam, mas o próprio conde recomenda que sejam ignorados os aspectos
mais abstratos dos livros em função à “falta de luzes e de princípios que têm a maioria dos
discípulos”.
Voltando a França. Até 1738 toda educação militar francesa era baseada no livro
de Bélidor e do “Mémoires d’Artillerie” de Surirey de Saint-Rémy. Até então os alunos eram
examinados pelos próprios professores.
Em 1755, foi determinado que todos exames seriam aplicados por Camus, da
Academia Francesa de Ciências. Os conteúdos dos exames eram os livros do próprio Camus.
Camus ficou no posto até 1768, quando foi substituído por Bézout38
 
37 Os oficiais de infantaria e cavalaria cursariam 3 anos, os oficiais de artilharia 5 anos e os engenheiros 6 anos.
38 Etienne Bézout (1739-1783) tem seus méritos científicos em Matemática publicados pelas Memórias da Academia
Real das Ciências de Paris, em 1762, com o título “Sur plusieurs classes d’équations de tous lês degrés qui
admettent une solution algébrique.”
41
Em 1763, o Duque de Choiseul pediu para que Bézout escrevesse um livro de
Matemáticapara a Marinha, surgindo aí o seu primeiro cours de mathématiques. Em 1770, o
ministro da guerra encomendou um livro de Bézout para um curso de Matemática para artilharia.
A obra Matemática principal de Bézout denominou-se “Cours de Mathématiques
à l’úsage des gardes du pavillon et de la marine”39. Com 6 volumes e 5 capítulos: I- Aritmética,
II- Geometria, III- Álgebra, IV- Mecânica, V- Continuação do Curso de Matemática. Tratado de
Navegação. O sucesso da obra, um dos maiores best-sellers da história dos livros didáticos, deu-
se mais por ser a única referência para os exames militares na França por muitos anos. Publicados
entre 1764 e 1769.
Os livros de Bézout começaram a ser utilizados em Portugal em 1772, na recém
criada Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra, também nos cursos anexos de
desenho e arquitetura militar. Em 1779, na Academia Real da Marinha de Lisboa, os livros de
Bézout eram os livros textos. Nesta época muitos oficiais deixavam as Aulas dos regimentos e
passavam a freqüentar a Academia Real, onde havia um curso completo de Matemática. Apesar
disto, as Aulas do regimento continuaram a existir, e ainda usavam a obra de Bélidor.
Em 1786, o comandante do Regimento da Artilharia da Corte de Lisboa, substitui
em todas as Aulas dos regimentos, os livros de Bélidor por Bézout. A partir daí, toda Portugal
usava os livros de Bézout apenas.
 
39 O livro permaneceu a morte de Bézout em 1783. Peyrard (um tradutor dos Elementos de Euclides para o Francês)
reeditou o livro de Bézout em 1795, acrescido com notas explicativas. Garnier reeditou em 1800, Reyanud em 1912.
Ainda em 1849 eram indicados pelo ministro francês da Instrução Pública. O Arithmétique, publicado em 1764 teve
75 reedições entre 1770 e 1868, muitas delas traduzidas para outros idiomas, como o inglês. A versão em Português
do primeiro livro, o de Aritmética, foi feita por Monteiro Rocha, professor de Matemática e vice-reitor da
Universidade de Coimbra (Rocha chegou a estudar no Colégio Jesuíta da Bahia, quando criança), no ano de 1773. A
versão em Português teve várias reedições até 1826.
42
No Brasil os livros de Bélidor continuaram por mais tempo, permanecendo em
quase todos cursos militares a Geometria Prática de Bélidor com a Aritmética de Bézout (extratos
de seus livros).
Os livros de Bélidor e Bézout eram muito mais sofisticados do que os de Alpoim,
e se preocupavam com a Matemática em si própria, o que garantia sua qualidade. Enquanto
Alpoim era estritamente prático, sendo a Matemática apenas um mal necessário, para Bélidor e
Bézout, a Matemática era importante de ser compreendida. Note-se que ambos não usam termos
estritamente rigorosos como Axiomas, Teoremas, Lemas, Corolários, Escólios, etc... Bézout até
justifica o não uso dos termos, num de seus prefácios. Porém, o rigor matemático está presente
nos livros.
Vale comentar que os livros de Bézout foram usados pelo imperador francês
Napoleão Bonaparte, exímio conhecedor e entusiasta da Matemática (inventor de problemas e
teoremas). Um livro de Bézout anotado por Napoleão encontra-se na Biblioteca do Congresso
dos Estados Unidos.
1.6 A Matemática Escolar após a chegada da Família Real Portuguesa,
durante o Brasil Colônia e as obras do Marquês de Paranaguá, de Legendre e
de Lacroix
A chegada da Corte Portuguesa ao Brasil em 1808, a fundação da primeira
faculdade brasileira – a Academia Real Militar em 1810, a proclamação da independência em
1822, a 1ª lei de Instrução Elementar Brasileira de 1824, a criação das primeiras universidades
43
brasileiras no dia 11 de agosto de 1827 em Olinda e no Largo São Francisco em São Paulo
(cursos de Ciências jurídicas) e a fundação do Colégio Pedro II em 1837 (este últimos fatos já no
Brasil imperial) foram importantes fatos para o incentivo ao desenvolvimento do ensino da
Matemática no Brasil e marcos iniciais para o início da Matemática (não como área do
conhecimento, mas inicialmente como preparatório).
Como já dissemos, em 1779, D. Maria I cria a Academia Real da Marinha em
Lisboa. No dia 14 de dezembro de 1782, D. Maria I, cria a Academia Real dos Guardas-
Marinhas40, onde podiam ingressar estudantes de 14 a 18 anos, filhos de oficiais do exercício e da
marinha e alunos da Academia Real da Marinha. Em 1799, tal academia abaixou a idade de
ingresso para 12 anos.
De acordo com a Carta de Lei de 1º de abril de 1796, constituíam dos programas
do curso de 3 anos da Academia Real dos Guardas-Marinhas: 1º ano: Aritmética, Geometria e
Trigonometria reta com seu uso prático mais próprio aos oficiais do mar. 2º ano: Princípios de
Álgebra até as equações do segundo grau, inclusive, primeiras aplicações dela à Aritmética e
Geometria; Seções Cônicas e a Mecânica com a sua aplicação imediata ao Aparelho e Manobra.
3º ano: Trigonometria Esférica, Navegação Teórica e Prática e seus rudimentos de tática naval.
(Seguem demais conteúdos de marinharia). (Albuquerque, 1979 apud Valente, 1999).
Em 1808, a Academia Real dos Guardas-Marinha com todos seus estudantes,
materiais didáticos e professores se transferiu para o Brasil juntamente com a família imperial, se
instalando no Mosteiro de São Bento.
Ao mesmo modelo que as Guardas-Marinhas francesas, todas as referências para
aprendizado de Matemática eram as obras de Bézout. Nesta época, o Brasil que já conhecia suas
44
obras de Aritmética passou a conhecer as obras de Geometria e Álgebra. 41 A obra completa de
Bézout foi traduzida para o português por Custódio Villas-Boas, em 1796, pela Imprensa Régia,
com o nome de “Curso de Matemática, escripto para uso dos Guardas bandeiras e Guardas
marinhas: Elementos de Geometria, Trigonometria Rectilínea e spherica.
No dia 4 de dezembro de 1810, o futuro rei, D. João VI, lança uma Carta Régia
criando a Academia Real Militar, no Rio de Janeiro, em substituição da Academia de Artilharia,
Fortificação e Desenho. Tal Academia, importante na história da educação brasileira em mesma
magnitude que a Universidade de Coimbra, ministraria cursos de ciências exatas e engenharia em
geral, além de formar oficiais de artilharia, geógrafos e topógrafos para trabalharem em minas,
caminhos, portos, canais, pontes, fontes e calçados. Os estudantes de tal academia estudariam
ciências matemáticas, Física, Química, Mineralogia, Metalurgia e História Natural. A Academia
que começou a funcionar no dia 23 de Abril de 1811 copiava os moldes da revolucionária École
Polytechnique de Paris, fundada em 1794, nos moldes da Revolução Francesa, sendo destinada
para estudantes maiores de 15 anos e tendo status de curso superior.
Um dos trechos da Carta Régia que fundou a Academia Real Militar consta
“Título II: Número dos Professores, Ciências que devem ensinar, e dos seus substitutos. O lente
do primeiro ano ensinará Aritmética e Álgebra até às equações do terceiro e quarto grau, a
Geometria, a Trigonometria retilínea, dando também as primeiras noções da Esférica. Como os
estudantes não serão admitidos pela junta sem saberem as quatro primeiros operações da
 
40 Ou Companhia de Guardas-Marinha como chamam alguns historiadores.
41 O documento de criação da Academia Real da Guarda-Marinha, de 18 de agosto de 1779, assinado por D. Maria I,
estabelece: “Hei por bem que na Minha Corte, e Cidade de Lisboa se estabeleça uma Academia Real de Marinha
para um Curso de Matemática, o qual será composto das partes seguintes: da Aritmética, da Geometria, da
Trigonometria Plana e Esférica, da Álgebra e sua aplicação à Geometria, da Estática, Dinâmica, Hidrostática,
Hidráulica e Óptica e de um tratado completo de Navegação.”Tal seqüência é utilizada nos livros de Bézout. Aliás,
é a mesma estrutura dos cursos da Marinha da França. (Valente, 1999)
45
Aritmética, o lente ensinará logo a Álgebra, cingindo-se

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