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Cultura e seu poder de construção da identidade humana

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Cultura e seu poder de construção da identidade humana 
O Homem se caracteriza a partir de diferentes e diversas dimensões, 
mas não se limita a eles uma dessas dimensões, talvez uma das mais amplas 
e complexas para o entendimento seja a cultura. Vamos, portanto, discutir 
essa a dimensão ou característica que expressa o sentido da produção 
humana. 
O Homem não se limita ao mundo natural; ele o transcende e o 
transforma. Transcende porque tem expectativas que não se limitam ao mundo 
como ele se apresenta e nem à sua materialidade. Transforma porque o recria 
constantemente, imprimindo sua marca: a marca da cultura. Em razão disso é 
que dizemos que o Homem se humaniza produzindo seu mundo, gerando sua 
marca cultural ou as diferentes manifestações culturais. Ou seja, 
diferentemente de outros seres, o humano se autoproduz reproduzindo o meio 
que o circunda; recria o mundo natural e o já criado, criando novo significado e 
novas formas de aproveitamento das realidades já existentes. 
Esse processo de refazer e resinificar é um dos traços culturais. A cultura 
é um dos traços definidores do Homem, ao ponto de se poder dizer, como num 
trocadilho, que “por natureza o homem é um ser cultural” (RABUSKE, 1999, p. 
56). Isso mostrar que embora haja diferença entre o que é natural e o cultural 
que o cultural por ser tão próximo lhe é quase essencial. Com a ressalva de 
que é natural, ao ser humano, produzir cultura. Por isso: 
“Convém não atribuir à natureza o que diz respeito à cultura; ou seja, não 
considerar como universal o que é relativo. Essa compreensão da irredutível 
diversidade das culturas – que é o eixo central da antropologia cultural – 
aparece ao mesmo tempo: 1) ao nível dos traços singulares dos 
comportamentos 2) ao nível da totalidade da nossa personalidade cultural”. 
(LAPLANTINE, 2000, p. 123) 
O homem é um ser cultural, mas a cultura não é tudo no ser humano. A 
cultura, essa capacidade recriadora, permite ao Homem reproduzir o mundo 
dinamizando a existência dos existentes. O fato de estar sempre criando ou 
recriando sua obra ou suas manifestações faz da cultura uma das marcas mais 
tipicamente humanas, pois é principalmente pela sua capacidade de recriar o 
mundo e as manifestações culturais que o homem se diferencia dos demais 
existentes: por ser cultural deixa de ser apenas homo para ser sapiens. Assim 
o “homo sapiens” se manifesta com outras habilidades e passa a ser “homo 
culturalis”. E a capacidade de criar e recriar, fazer e refazer lhe permite ser 
chamado de “homo faber” (MONDIN, 1982), pois entre outras a capacidade de 
produzir cultura possibilita a recriação. O Homem que se entende como 
sabedor de si ou consciente (por isso sapiens), produz o mundo (por isso 
é faber) circundante e aquilo de que tem necessidade para melhor se situar 
nesse mundo. A consciência de sua capacidade produtiva e criadora, 
juntamente com sua criação é o que determina sua dimensão cultural (por 
isso culturalis). 
Além disso, e do ponto de vista de sua distinção em relação aos demais 
existentes, afirma-se que “apenas a noção de cultura, ao contrário da de 
sociedade, é estritamente humana” (LAPLANTINE, 2000, p. 120). Ou mais: 
apesar de nossas semelhanças com os demais animais, também existem 
diferenças relevantes e a cultura está entre elas. 
“Entre nós e os animais da Terra há muitas semelhanças biológicas, genéticas 
e mesmo psicológicas. Por isso, mesmo sem possuirmos por enquanto uma 
linguagem comum, em boa medida nós nos entendemos. Mas há também 
diferenças relevantes, e uma delas é essencial. Podemos chamá-la de cultura. 
E no caminho percorrido em larga escala por eles e nós, mas que de um ponto 
cm diante se divide e nos leva por trilhas diferentes em direção – quem sabe? 
– De um mesmo horizonte, a experiência da cultura é toda a diferença”. 
(BRANDÃO, 2008, 27) 
Vários outros seres podem ser produtivos ou sociais, mas só o humano 
é cultural, por ser capaz de, consciente e intencionalmente, reproduzir o seu 
mundo que só existe para o Homem como manifestação cultural. O mundo, não 
existe em si mesmo, mas por assim ser entendido pelo Homem. A natureza e 
as demais realidades existentes e que não dependem da vontade ou ação 
humana recebem sentido, tornam-se mundo, porque recebem significação do 
Homem manifestando-se como mundo humano e, portanto, cultural. 
É necessário destacar, entretanto, que o conceito cultura não é exclusivo 
da antropologia. Na medida em que outras ciências se utilizam desse conceito 
cresce a consciência da necessidade de um “diálogo” (COUCEIRO, 2002) entre 
historiadores, antropólogos, sociólogos, e outros cientistas para “construir uma 
nova ideia de cultura”. Essa necessidade se fundamenta no crescente polêmico 
que envolve esse conceito. A existência da polêmica indica a existência de 
discordância, por isso a necessidade do diálogo visto ser esse um “conceito 
polêmico, ampliado e transformado ao longo de décadas por antropólogos, 
historiadores e intelectuais em geral, a noção de cultura continua sendo alvo de 
discussão e reelaborações, gerando dificuldades e imprecisões” (COUCEIRO, 
2002, p. 15). Isso implica dizer que até a ideia de cultura é um elemento que o 
Homem vem reelaborando e transformando 
A autora, a partir da história da cultura, continua tecendo seus 
comentários, dizendo que os teóricos têm sugerido a utilização não de cultura, 
mas de culturas, por causa dos 
“Perigos da utilização do termo cultura no singular, enfatizando a 
impossibilidade de unir de forma harmônica e generalizante as manifestações 
culturais das várias esferas da sociedade. Cultura deveria, portanto, ser um 
termo empregado no plural, já que não se constitui num complexo unificado 
coerente, mas sim, num conjunto de ‘significados, atitudes e valores partilhados 
e as formas simbólicas (apresentações, objetos artesanais) em que eles são 
expressos ou encarnados’, que são construídos socialmente, variando, 
portanto, de grupo para grupo e de uma época a outra”. (COUCEIRO, 2002, p. 
15). 
Essa, entretanto, não será nossa preocupação. Mesmo porque, como diz 
Brandão (2008, p. 35), “com o olhar da vocação multicultural, compreendemos 
que as culturas humanas são diferentes, mas nunca desiguais. São qualidades 
diversas de uma mesma experiência humana”. Não pretendemos conceituar 
cultura, pois deve haver mais de uma centena de conceitos e definições 
(LAPLANTINE, 2000). Nem, tampouco pretendemos analisar as diferentes 
manifestações culturais apenas nos colocamos a indagação: como caracterizar 
a cultura? Como ato humano. Como caracterizar o ser humano? Como ser 
capaz de produzir as diferentes manifestações culturais. 
No cotidiano das pessoas a palavra cultura nem sempre tem o mesmo 
significado que recebe no meio acadêmico ou científico. Se conversarmos com 
as pessoas na rua, em seus ambientes de trabalho veremos que elas se 
referem à cultura relacionando-a às artes, à literatura, à escolarização. 
Veremos que as pessoas dizem que arte é cultura, que elas e referem à cultura 
literária e até mencionam nomes de livros. É comum ouvirmos dizer que “fulano 
é muito culto” ao se referir a uma pessoa que frequentou escolas, graduou-se 
e é dedicado à leitura e ao estudo. Não vamos dizer que essas não sejam 
manifestações da cultura, mas também não podemos deixar de dizer que essa 
forma de conceber a cultura é uma manifestação cultural. A partir desse ponto 
de vista, que está presente no cotidiano da maioria das pessoas, a cultura 
aparece como algo “do outro”, da pessoa ilustrada, do artista... raramente as 
pessoas se vêm como agentes da cultura, ou agentes culturais. De acordo com 
essa visão, a afirmação da cultura é a afirmação do “outro” e a negação do “eu”, 
pois o outro é capaz de cultura e eu, por ser menos escolarizado não produzo 
e nem estou no meio da cultura. “No Brasil a ideia de cultura (Pelo menos a 
denominada ‘culturade verdade’ ou a ‘alta cultura’) remete para um conjunto 
de bens materiais e imateriais possíveis de serem apropriado e elaborado por 
uma minoria, uma Elite endinheirada” (SILVA, 2008, p. 7). Essa forma negadora 
da própria capacidade cultural, da proporia cultura, pode ser visto como um 
elemento cultural. Podemos dizer que é um elemento cultural o fato de 
raramente as pessoas se sentirem produtoras e mantenedoras da cultura[2]. 
Em razão disso é que podemos dizer que entender o Homem como capaz 
de produzir cultura implica dizer que ele, entre outras coisas, se diferencia dos 
demais existentes por ser capaz de agir no mundo, não só como ser social, o 
que só é possível na relação com outros humanos, mas como ser criativo, o 
que pode ocorrer mesmo sem relações sociais – a solidão pode ser mais 
motivadora de atos criativos do que a balburdia do grupo. Por isso que a vida 
social é, antes cultural. 
“Essas formas de comportamento e de vida em sociedade que 
tornávamos todos espontaneamente por inatas (nossas maneiras de andar, 
dormir, nos encontrar, nos emocionar, comemorar os eventos de nossa 
existência...) são, na realidade, o produto de escolhas culturais. Ou seja, aquilo 
que os seres humanos têm em comum é sua capacidade para se diferenciar 
uns dos outros, para elaborar costumes, línguas, modos de conhecimento, 
instituições, jogos profundamente diversos; pois se há algo natural nessa 
espécie particular que é a espécie humana, é sua aptidão à variação cultural”. 
(LAPLANTINE, 2000, p. 22, grifos nossos). 
 
 Em outras palavras Mello (1982), reforça a afirmação da capacidade não 
só criativa, como da intencionalidade do ato humano que é uma ação distintiva. 
Por isso que o ninho do passarinho ou um favo de abelhas nunca serão cultura, 
por mais belos e bem construídos que sejam. Ao passo que qualquer obra 
humana, mesmo que feia ou malfeita, além de ato cultural é resultado da 
intencionalidade e está recheada de cultura. 
“Na realidade, a acultura, em sentido largo, é o conjunto de obras 
humanas. É a cultura que distingue o homem dos outros animais. Por mais 
perfeito que seja um ninho de passarinho, pouco representa como realização 
comparado com qualquer objeto feito pelo homem. A diferença está, ao nosso 
ver, na inconsciência que domina a atividade animal e na consciência que está 
presente ao ato humano”. (MELLO, 1982, p. 41) 
Deve-se reforçar que os atos humanos, além de carregados de 
intencionalidade, e de consciência recebem, também, uma dimensão simbólica 
e ritual. Ou seja, o Homem cria significados para o que faz e para o que cria. 
O Homem se caracteriza a partir de diferentes e diversas dimensões, 
mas não se limita a eles uma dessas dimensões, talvez uma das mais amplas 
e complexas para o entendimento seja a cultura. Vamos, portanto, discutir 
essa a dimensão ou característica que expressa o sentido da produção 
humana. 
O Homem não se limita ao mundo natural; ele o transcende e o 
transforma. Transcende porque tem expectativas que não se limitam ao mundo 
como ele se apresenta e nem à sua materialidade. Transforma porque o recria 
constantemente, imprimindo sua marca: a marca da cultura. Em razão disso é 
que dizemos que o Homem se humaniza produzindo seu mundo, gerando sua 
marca cultural ou as diferentes manifestações culturais. Ou seja, 
diferentemente de outros seres, o humano se autoproduz reproduzindo o meio 
que o circunda; recria o mundo natural e o já criado, criando novo significado e 
novas formas de aproveitamento das realidades já existentes. 
Esse processo de refazer e resinificar é um dos traços culturais. A cultura 
é um dos traços definidores do Homem, ao ponto de se poder dizer, como num 
trocadilho, que “por natureza o homem é um ser cultural” (RABUSKE, 1999, p. 
56). Isso mostrar que embora haja diferença entre o que é natural e o cultural 
que o cultural por ser tão próximo lhe é quase essencial. Com a ressalva de 
que é natural, ao ser humano, produzir cultura. Por isso: 
“Convém não atribuir à natureza o que diz respeito à cultura; ou seja, não 
considerar como universal o que é relativo. Essa compreensão da irredutível 
diversidade das culturas – que é o eixo central da antropologia cultural – 
aparece ao mesmo tempo: 1) ao nível dos traços singulares dos 
comportamentos 2) ao nível da totalidade da nossa personalidade cultural”. 
(LAPLANTINE, 2000, p. 123) 
O homem é um ser cultural, mas a cultura não é tudo no ser humano. A 
cultura, essa capacidade recriadora, permite ao Homem reproduzir o mundo 
dinamizando a existência dos existentes. O fato de estar sempre criando ou 
recriando sua obra ou suas manifestações faz da cultura uma das marcas mais 
tipicamente humanas, pois é principalmente pela sua capacidade de recriar o 
mundo e as manifestações culturais que o homem se diferencia dos demais 
existentes: por ser cultural deixa de ser apenas homo para ser sapiens. Assim 
o “homo sapiens” se manifesta com outras habilidades e passa a ser “homo 
culturalis”. E a capacidade de criar e recriar, fazer e refazer lhe permite ser 
chamado de “homo faber” (MONDIN, 1982), pois entre outras a capacidade de 
produzir cultura possibilita a recriação. O Homem que se entende como 
sabedor de si ou consciente (por isso sapiens), produz o mundo (por isso 
é faber) circundante e aquilo de que tem necessidade para melhor se situar 
nesse mundo. A consciência de sua capacidade produtiva e criadora, 
juntamente com sua criação é o que determina sua dimensão cultural (por 
isso culturalis). 
Além disso, e do ponto de vista de sua distinção em relação aos demais 
existentes, afirma-se que “apenas a noção de cultura, ao contrário da de 
sociedade, é estritamente humana” (LAPLANTINE, 2000, p. 120). Ou mais: 
apesar de nossas semelhanças com os demais animais, também existem 
diferenças relevantes e a cultura está entre elas. 
“Entre nós e os animais da Terra há muitas semelhanças biológicas, 
genéticas e mesmo psicológicas. Por isso, mesmo sem possuirmos por 
enquanto uma linguagem comum, em boa medida nós nos entendemos. Mas 
há também diferenças relevantes, e uma delas é essencial. Podemos chamá-
la de cultura. E no caminho percorrido em larga escala por eles e nós, mas que 
de um ponto cm diante se divide e nos leva por trilhas diferentes em direção – 
quem sabe? – De um mesmo horizonte, a experiência da cultura é toda a 
diferença”. (BRANDÃO, 2008, 27) 
Vários outros seres podem ser produtivos ou sociais, mas só o humano 
é cultural, por ser capaz de, consciente e intencionalmente, reproduzir o seu 
mundo que só existe para o Homem como manifestação cultural. O mundo, não 
existe em si mesmo, mas por assim ser entendido pelo Homem. A natureza e 
as demais realidades existentes e que não dependem da vontade ou ação 
humana recebem sentido, tornam-se mundo, porque recebem significação do 
Homem manifestando-se como mundo humano e, portanto, cultural. 
É necessário destacar, entretanto, que o conceito cultura não é exclusivo 
da antropologia. Na medida em que outras ciências se utilizam desse conceito 
cresce a consciência da necessidade de um “diálogo” (COUCEIRO, 2002) entre 
historiadores, antropólogos, sociólogos, e outros cientistas para “construir uma 
nova ideia de cultura”. Essa necessidade se fundamenta no crescente polêmico 
que envolve esse conceito. A existência da polêmica indica a existência de 
discordância, por isso a necessidade do diálogo visto ser esse um “conceito 
polêmico, ampliado e transformado ao longo de décadas por antropólogos, 
historiadores e intelectuais em geral, a noção de cultura continua sendo alvo de 
discussão e reelaborações, gerando dificuldades e imprecisões” (COUCEIRO, 
2002, p. 15). Isso implica dizer que até a ideia de cultura é um elemento que o 
Homem vem reelaborando e transformando 
A autora, a partir da história da cultura, continua tecendo seus 
comentários, dizendo que os teóricos têm sugeridoa utilização não de cultura, 
mas de culturas, por causa dos 
“Perigos da utilização do termo cultura no singular, enfatizando a 
impossibilidade de unir de forma harmônica e generalizante as manifestações 
culturais das várias esferas da sociedade. Cultura deveria, portanto, ser um 
termo empregado no plural, já que não se constitui num complexo unificado 
coerente, mas sim, num conjunto de ‘significados, atitudes e valores partilhados 
e as formas simbólicas (apresentações, objetos artesanais) em que eles são 
expressos ou encarnados’, que são construídos socialmente, variando, 
portanto, de grupo para grupo e de uma época a outra”. (COUCEIRO, 2002, p. 
15). 
Essa, entretanto, não será nossa preocupação. Mesmo porque, como diz 
Brandão (2008, p. 35), “com o olhar da vocação multicultural, compreendemos 
que as culturas humanas são diferentes, mas nunca desiguais. São qualidades 
diversas de uma mesma experiência humana”. Não pretendemos conceituar 
cultura, pois deve haver mais de uma centena de conceitos e definições 
(LAPLANTINE, 2000). Nem, tampouco pretendemos analisar as diferentes 
manifestações culturais apenas nos colocamos a indagação: como caracterizar 
a cultura? Como ato humano. Como caracterizar o ser humano? Como ser 
capaz de produzir as diferentes manifestações culturais. 
No cotidiano das pessoas a palavra cultura nem sempre tem o mesmo 
significado que recebe no meio acadêmico ou científico. Se conversarmos com 
as pessoas na rua, em seus ambientes de trabalho veremos que elas se 
referem à cultura relacionando-a às artes, à literatura, à escolarização. 
Veremos que as pessoas dizem que arte é cultura, que elas e referem à cultura 
literária e até mencionam nomes de livros. É comum ouvirmos dizer que “fulano 
é muito culto” ao se referir a uma pessoa que frequentou escolas, graduou-se 
e é dedicado à leitura e ao estudo. Não vamos dizer que essas não sejam 
manifestações da cultura, mas também não podemos deixar de dizer que essa 
forma de conceber a cultura é uma manifestação cultural. A partir desse ponto 
de vista, que está presente no cotidiano da maioria das pessoas, a cultura 
aparece como algo “do outro”, da pessoa ilustrada, do artista... raramente as 
pessoas se vêm como agentes da cultura, ou agentes culturais. De acordo com 
essa visão, a afirmação da cultura é a afirmação do “outro” e a negação do “eu”, 
pois o outro é capaz de cultura e eu, por ser menos escolarizado não produzo 
e nem estou no meio da cultura. “No Brasil a ideia de cultura (Pelo menos a 
denominada ‘cultura de verdade’ ou a ‘alta cultura’) remete para um conjunto 
de bens materiais e imateriais possíveis de serem apropriado e elaborado por 
uma minoria, uma Elite endinheirada” (SILVA, 2008, p. 7). Essa forma negadora 
da própria capacidade cultural, da proporia cultura, pode ser visto como um 
elemento cultural. Podemos dizer que é um elemento cultural o fato de 
raramente as pessoas se sentirem produtoras e mantenedoras da cultura[2]. 
Em razão disso é que podemos dizer que entender o Homem como capaz 
de produzir cultura implica dizer que ele, entre outras coisas, se diferencia dos 
demais existentes por ser capaz de agir no mundo, não só como ser social, o 
que só é possível na relação com outros humanos, mas como ser criativo, o 
que pode ocorrer mesmo sem relações sociais – a solidão pode ser mais 
motivadora de atos criativos do que a balburdia do grupo. Por isso que a vida 
social é, antes cultural. 
“Essas formas de comportamento e de vida em sociedade que 
tornávamos todos espontaneamente por inatas (nossas maneiras de andar, 
dormir, nos encontrar, nos emocionar, comemorar os eventos de nossa 
existência...) são, na realidade, o produto de escolhas culturais. Ou seja, aquilo 
que os seres humanos têm em comum é sua capacidade para se diferenciar 
uns dos outros, para elaborar costumes, línguas, modos de conhecimento, 
instituições, jogos profundamente diversos; pois se há algo natural nessa 
espécie particular que é a espécie humana, é sua aptidão à variação cultural”. 
(LAPLANTINE, 2000, p. 22, grifos nossos). 
 
 Em outras palavras Mello (1982), reforça a afirmação da capacidade não 
só criativa, como da intencionalidade do ato humano que é uma ação distintiva. 
Por isso que o ninho do passarinho ou um favo de abelhas nunca serão cultura, 
por mais belos e bem construídos que sejam. Ao passo que qualquer obra 
humana, mesmo que feia ou malfeita, além de ato cultural é resultado da 
intencionalidade e está recheada de cultura. 
“Na realidade, a acultura, em sentido largo, é o conjunto de obras 
humanas. É a cultura que distingue o homem dos outros animais. Por mais 
perfeito que seja um ninho de passarinho, pouco representa como realização 
comparado com qualquer objeto feito pelo homem. A diferença está, ao nosso 
ver, na inconsciência que domina a atividade animal e na consciência que está 
presente ao ato humano”. (MELLO, 1982, p. 41) 
Deve-se reforçar que os atos humanos, além de carregados de 
intencionalidade, e de consciência recebem, também, uma dimensão simbólica 
e ritual. Ou seja, o Homem cria significados para o que faz e para o que cria. 
 “Existem sociedades animais e até formas de sociabilidade animal, que 
podem ser regidas por modos de interação antagônicas ou comunitárias, bem 
como de modos de organização complexos (em função das faixas de idade, 
dos grupos sexuais, da divisão hierarquizada do trabalho...). Indo até mais 
adiante, existe o que hoje não se hesita mais em chamar de sociologia celular. 
Assim, o que distingue a sociedade humana da sociedade animal, e até da 
sociedade celular, não é de forma alguma a transmissão das informações, a 
divisão do trabalho, a especialização hierárquica das tarefas (tudo isso existe 
não apenas entre os animais, mas dentro de uma única célula!), e sim essa 
forma de comunicação propriamente cultural que se dá através da troca não 
mais de signos e sim de símbolos, e por elaboração das atividades rituais 
aferentes a estes. Pois, pelo que se sabe, se os animais são capazes de muitas 
coisas, nunca se viu algum soprar as velas de seu bolo de aniversário. ” 
(LAPLANTINE, 2000, p. 121). 
O professor C. R. Brandão (2008) assim se expressa a respeito de nossa 
capacidade simbólica ou da simbologia que caracteriza nossas produções 
culturais: 
“Somos seres criadores de diferentes culturas e de tantos modos de vida 
culturais porque aprendemos a saltar do sinal (como a fumaça que indica o 
fogo) ao signo (como os movimentos da dança nupcial de alguns pássaros, ou 
de algumas pessoas), e deles para o símbolo. Sim, o símbolo, uma criação livre 
e arbitrária do imaginário e da mente humana, que inventa em uma língua 
chamada Português a palavra ‘fogo’, para traduzir uma mesma coisa da 
natureza, dita e escrita de infinitas maneiras diferentes em várias línguas. 
Escrita e cantada com diversos significados, conforme esteja em um livro de 
física, em um escrito religioso, em um manual de sobrevivência na floresta, em 
um livro de formação de futuros bombeiros ou no poema com que um jovem 
apaixonado diz a mulher amada o que ele sente dentro do coração”. 
(BRANDÃO, 2008, p. 31, grifos no original) 
Essa dimensão da simbologia para a obra humana manifesta-se, por 
exemplo na diferenciação da habitação. Desde que as abelhas aprenderam 
fazer suas colmeias, as aves seus ninhos, as aranhas suas teias e as formigas 
seus formigueiros, mantêm a mesma estrutura. Com o Homem é diferente. Em 
um prédio de apartamento ou num conjunto habitacional, que o poder da 
produção em série exige produção em série, podemos observar que cada 
morador imprime sua marca distintiva em sua habitação. Elas podem ter 
semelhanças, mas não são iguais. E são diferenciadas por causa das 
características que dão especificidade para a cultura. 
Tomemos a liberdade de fazer uma longa citação das palavras do 
professor Brandão (2008), que nos comparaaos demais existentes, mostrando 
a preponderância não só do ato criativo, como intencional e prenhe de 
capacidade transformadora e cultural. Mostra, acima de tudo, nossa 
capacidade de aprender. Diz ele: 
“Claro, alguns bichos também lançam mão das “coisas do mundo” para 
criarem à sua maneira de viver em “seu mundo”. Quando os nossos primeiros 
ancestrais viviam a esmo e moravam em bandos em qualquer lugar, e não 
haviam dominado ainda o fogo, nem aprendido a habitar as cavernas, as 
abelhas já construíam colmeias cuja sábia arquitetura até hoje nos espanta. E 
formigas e cupins constroem de terra e de matéria de seus próprios corpos 
verdadeiros cidades quase perfeitas. E mesmo ninhos de passarinhos – olhe-
os com cuidado – como o do João Congo ou a casa do João de Barro, são 
verdadeiros prodígios de urna engenharia natural. Mas todos os animais 
“construtores” fazem sempre as mesmas coisas do mesmo modo, geração 
após geração, corno uma extensão natural de sua biologia. Fazem assim e 
sempre assim, com talvez mínimas mudanças ao longo dos milênios. Eles 
constroem com o que a biologia de seus corpos determina que façam. 
Nós não. Nós antes não sabíamos fazer e, então, aprendemos. A espécie 
humana, ao longo de sua história, foi aprendendo. E cada um de nós, por sua 
vez, recapitula esta história em sua biografia. Porque, uma a uma, aprendemos, 
ao longo da infância e da vida, todas as coisas que aprendemos. Que 
aprendemos para ser quem somos, para viver como vivemos, para sentir e 
pensar o que sentimos e pensamos, para criar, fazer e transformar tudo o que 
a sós ou solidariamente criamos, fazemos e transformamos”. (BRANDÃO, 
2008, p. 28, grifos nossos). Até aqui já assinalamos algumas características da 
cultura quando dissemos que ela depende 
dacapacidade interpretativa, recriativa, simbólica, intencional e conscient
e dos atos humanos. Além disso a cultura permite ao Homem dar 
novo significado e novas formas às produções já existentes. Isso porque o 
Homem, por ser cultural, consegue fazer escolhas e perceber os rituais que 
existem nas diferentes manifestações culturais. Mello (1982) faz os seguintes 
comentários a respeito de algumas características da cultura dizendo que ela é 
“simbólica”, ou seja, ela recebe um significado que é “conferido por aquele que 
o utiliza. Este significado é arbitrário”. (MELLO, 1982, p. 47). Em razão disso 
ela também é “social” visto que não existem manifestações culturais isoladas. 
Um indivíduo pode produzir individualmente, mas essa produção passa a ter 
significado pelo e para o grupo quando passa a ser uma produção significativa 
para esse grupo. 
O autor ainda fala do caráter dinâmico e estável da cultura. Seu 
dinamismo se manifesta no processo de recriação e a estabilidade refere-se à 
“tradição e a institucionalização de padrões de comportamento”. Além disso a 
cultura é “seletiva” pois se desenvolve dentro de “um processo que implica 
sempre reformulações” (MELLO, 1982, p. 53) o que corresponde àquilo que 
estamos chamando de capacidade recreativa. Além disso o autor fala do 
caráter “universal e regional” da cultura, para afirmar que todas as sociedades 
possuem cultura e que ela “penetra todo o ser humano. Até a maneira de andar 
do homem é resultado da enculturação” (IDEM, IBIDEM p. 54). Por fim, a 
caracterização desse autor mostra que a cultura é “determinante e 
determinada”, pois molda padrões, mas, ao mesmo tempo, sofre influências 
no processo de reformulação. 
Em síntese, podemos dizer que a antropologia, uma ciência nova, 
procura apresentar uma palavra sobre o ser humano e, ao mesmo tempo, 
procura entender as manifestações humanas, suas criações. Da mesma forma 
que outras ciências, a antropologia quer entender o Homem, o que pode ser 
feito a partir de uma das mais claras manifestações do ser humano que é a 
cultura. Esse processo e produção humanos concretamente se manifestam em 
diferentes modalidades e com diversos rostos, mostrando as diversas faces do 
ser humano presentes nas criações humanas. O que implica dizer que o 
homem pode ser entendido não em si mesmo, mas a partir e naquilo que 
produz. Em resumo, só para reafirmar o que já foi dito, o homem se humaniza 
ao produzir o mundo; a produção do mundo, as formas de produzir e reproduzir, 
criar e recriar, são elementos culturais. Assim sendo o homem se humaniza não 
porque é diferente dos animais ou dos outros existentes, mas porque produz e 
se manifesta na cultura. 
Referências 
A BIBLIA DE JERUSALÉM. 4 reim. São Paulo: Paulinas, 1989 
ANTROPOLOGIA http://www.fflch.usp.br/da/vagner/antropo.html>acesso: 
18/10/2008 
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Viver de criar cultura, cultura popular, arte e 
educação. In. SILVA, René Marc da Costa (Org). Cultura popular e 
educação. Brasília: Salto para o futuro/TV Escola/SEED/MEC, 2008. 
CARNEIRO, Neri P. As Múltiplas Inteligências e Inteligência Musical. 
Disponível em Publicado em www.webartigos.com em 20/05/2008 
CHARDIN, P. Teilhard. O fenômeno humano. São Paulo: Cultrix, 1986 
COUCEIRO, Sylvia. Os desafios da história cultural. In. BURITY, Cultura e 
Identidade: perspectivas insterdisciplinares. Rio de Janeiro: DP&A, 2002 
DA MATTA, Roberto. Carnaval, Malandros e Heróis: para uma sociologia 
do dilema brasileiro. 6 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997 
HOMERO A Ilíada, São Paulo: Europa-América. [1980?] 
LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. 12 reimp da 1 ed, (1988), 
São Paulo: Brasiliense, 2000. 
MELLO, Luiz Gonzaga de. Antropologia Cultural iniciação, teoria e temas. 
Petrópolis: Vozes, 1982 
MONDIN. Batista. Introdução à filosofia. Problemas, sistemas, autores e 
obras. São Paulo: Paulinas, 1981 
________________. O Homem, quem é ele? Elementos de antropologia 
filosófica. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 1982 
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