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Autor: Prof. Lupércio Aparecido Rizzo Colaboradores: Profa. Silmara Maria Machado Prof. Nonato Assis de Miranda Tópicos de Atuação Profissional © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) R627t Rizzo, Lupércio Aparecido Tópicos de atuação profissional / Lupércio Aparecido Rizzo. – São Paulo: Editora Sol, 2014. 144 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-111/14, ISSN 1517-9230 1. Profissões. 2. Atuação profissional. 3. Pedagogia. I. Título. CDU 316.343.657 Professor conteudista: Lupércio Aparecido Rizzo Meu nome é Lupércio Aparecido Rizzo e moro na cidade de São Caetano do Sul, no estado de São Paulo. Minha formação não obedece àquele antigo padrão estabelecido como exemplar para um profissional acadêmico; em outras palavras, não tenho uma caminhada de estudos sem interrupções e dentro de uma lógica de excelência estudantil. Sabe que isso até me ajuda no que diz respeito ao tema e aos assuntos que trataremos nesse material? Em minha caminhada acadêmica e pessoal, atuei em inúmeras funções, fui metalúrgico – o que era natural para quem nascia da década de 1970 e 1980 no ABC paulista – trabalhei como vendedor autônomo, fui proprietário de um comércio do ramo alimentício (malsucedido, diga-se de passagem), caminhoneiro, entre outros. Meu ingresso na universidade para cursar Pedagogia se deu quando eu já tinha uma idade bem avançada em relação ao perfil do universitário; em seguida, fiz pós-graduação em Didática e mestrado em Educação. Hoje, sou professor licenciado da UNIP porque estou atuando em outros projetos, o que mostra que nossa atuação é bastante ampla e permite a busca e o trabalho em diversas áreas e por meio de vários modelos. Embora minha formação inicial seja em Pedagogia, trabalho nos cursos de graduação em Turismo, Pedagogia e Administração, além da pós-graduação. CENTRO UNIVERSITÁRIO PLANALTO DO DISTRITO FEDERAL – UNIPLAN Reitoria Reitor: Prof. Yugo Okida Vice-Reitor: Prof. Fábio Nogueira Carlucci Pró-Reitor Acadêmico: Prof. Humberto Venderlino Richter Pró-Reitor Administrativo: Prof. Robson do Nascimento Sumário Tópicos de Atuação Profissional APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 CULTURA ..............................................................................................................................................................11 1.1 Valoração da cultura ........................................................................................................................... 14 1.1.1 Evolucionismo social e cultural......................................................................................................... 14 1.1.2 Determinismo geográfico e biológico ............................................................................................ 16 1.1.3 Relativismo cultural ............................................................................................................................... 17 1.2 Tipos de cultura ..................................................................................................................................... 18 1.2.1 Cultura erudita ......................................................................................................................................... 18 1.2.2 Cultura popular ....................................................................................................................................... 19 1.2.3 Cultura de massa .................................................................................................................................... 19 2 EDUCAÇÃO EM AMBIENTES DIVERSOS .................................................................................................. 25 2.1 Qualidade de vida x Pedagogia Hospitalar ................................................................................ 26 2.1.1 Como tudo começou ............................................................................................................................. 28 2.2 Legislação e direitos da criança hospitalizada ......................................................................... 34 2.2.1 Determinação legal ................................................................................................................................ 35 3 A PEDAGOGIA HOSPITALAR ........................................................................................................................ 43 3.1 O professor hospitalar ........................................................................................................................ 44 3.2 Interdisciplinaridade e autoestima ............................................................................................... 46 3.2.1 As múltiplas inteligências .................................................................................................................... 48 4 ESTRATÉGIAS E A CLASSE HOSPITALAR ................................................................................................. 49 4.1 Atendimentos lúdicos integrados em hospitais....................................................................... 50 4.1.1 A sala de espera ....................................................................................................................................... 52 4.1.2 Brinquedoteca .......................................................................................................................................... 53 4.1.3 Contadores de histórias........................................................................................................................ 55 4.1.4 ONGs – Doutores da Alegria e Criança Segura ........................................................................... 57 4.2 Classe hospitalar: exemplos de sucesso ...................................................................................... 58 4.2.1 Hospital Municipal Dr. Mario Gatti ................................................................................................. 58 4.2.2 Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP) ...................... 59 4.2.3 O Centro Infantil Boldrini .................................................................................................................... 60 4.2.4 Graacc .......................................................................................................................................................... 61 4.3 Atuação e objetivos do professor hospitalar ............................................................................ 61 Unidade II 5 EDUCAÇÃO SOCIAL ......................................................................................................................................... 68 5.1 Breve histórico ....................................................................................................................................... 68 5.1.1 A iniciativa das ONGs ............................................................................................................................ 69 5.2 Pedagogia Social ....................................................................................................................................71 5.2.1 PedagogiaSocial e espaços não escolares ................................................................................... 72 5.2.2 O pedagogo em programas assistenciais ...................................................................................... 74 6 PEDAGOGIA EMPRESARIAL ......................................................................................................................... 76 6.1 Histórico e base legal .......................................................................................................................... 76 6.1.1 O papel do pedagogo ............................................................................................................................ 78 6.2 O conhecimento e o mundo atual ................................................................................................ 79 6.2.1 Capital intelectual .................................................................................................................................. 82 7 O PEDAGOGO NAS EMPRESAS .................................................................................................................. 85 7.1 Atuação do pedagogo nas empresas ........................................................................................... 87 7.2 Terceiro setor .......................................................................................................................................... 98 7.2.1 Organização do terceiro setor .........................................................................................................101 7.2.2 Organizações não governamentais ............................................................................................... 110 8 EDUCAÇÃO NÃO FORMAL.......................................................................................................................... 112 8.1 Pedagogia Social ................................................................................................................................. 112 8.1.1 Construção histórica da Pedagogia Social ................................................................................. 112 8.2 O curso de Pedagogia ....................................................................................................................... 114 8.3 O pedagogo nas ONGs ..................................................................................................................... 115 8.3.1 Atuação como orientador educacional .......................................................................................116 8.3.2 Atuação junto à elaboração e/ou coordenação de projetos ............................................... 119 8.3.3 Atuação como coordenador pedagógico ................................................................................... 120 8.3.4 Atuação em assessoria educacional ..............................................................................................121 7 APRESENTAÇÃO A disciplina Tópicos de Atuação Profissional tem como objetivo apontar possíveis áreas de atuação do pedagogo. Tendo isso como premissa, esse trabalho buscou explicitar alguns conceitos-chave na área da educação, quais sejam: a cultura e suas derivações, a educação formal e informal e a sociedade, na qual essa atividade está inserida e na qual atua em suas diversas vertentes. Entende-se aqui que esses temas são de especial relevância na trajetória dos profissionais que se dedicam a esse tema. A cultura, que aparece nesse trabalho em primeiro lugar, é o conjunto de ações e costumes de um grupo de pessoas construído historicamente ao longo do tempo, intencionalmente ou não. Claro que esse conceito é demais superficial e, portanto, essa disciplina tem início exatamente aí, ou seja, abordar o que é cultura e a forma como ela é tratada. Embora não pareça o cerne da disciplina, abordar o conceito de cultura, suas derivações e implicações, é importante porque a transposição da educação para dentro de um hospital ou de uma empresa, assim como a atuação pedagógica em causas sociais, é, antes de qualquer coisa, uma questão cultural. Não no sentido erudito do termo, mas no propósito de retirar o conhecimento formal e intencional dos intramuros que a escola, na maior parte das vezes, representa. Por outro lado, compreender que aqueles com os quais trabalhamos têm uma cultura própria que deve ser valorizada e que o espaço deve ser tratado levando em conta suas peculiaridades é fundamental. Para isso, novamente proponho sair do lugar comum: é importante para o profissional da educação o trabalho com conceitos. Nesse sentido, iniciamos tratando do que é, conceitualmente, o produto do nosso trabalho, a cultura. O trabalho de quem se dedica à educação, formal ou não, é, em última análise, o esforço na manutenção da cultura de uma dada sociedade. Fazer com que ela aconteça sem ter noção e compreensão das implicações que representa é, sem dúvida, um equívoco. Por conta disso é que, como já dito, começamos exatamente por aí. Trabalhar no ensino é atuar no sentido de modelar comportamentos, produzir e reproduzir conceitos e saberes. Essa função é muito importante para a sociedade e para os indivíduos porque norteia a forma de organização de uma sociedade, de uma empresa ou de um indivíduo, daí a importância e a necessidade de conhecermos o que é cultura, quais foram as etapas percorridas pela humanidade até o atual conceito dela. Ainda nesse tópico, lembramos que a educação nunca deixa de ser política e que tem sempre uma intencionalidade intrínseca a ela mesma, alheia muitas vezes à vontade do professor; nesse sentido, percorreremos um trajeto que mostrará como a educação foi e ainda é usada para determinados fins. A proposta é entender que a educação tem a função de preservar a cultura de uma comunidade e que isso tem início assim que há uma junção de pessoas, ou seja, no momento da formação de grupos. Esse movimento já traz em si o embrião do que entendemos como educação. A perpetuação de costumes, a introdução aos costumes do grupo, enfim, tudo isso já se configura em ensino e tem seu começo no mesmo instante em que o homem surge na Terra. O direito à educação e o dever do Estado de levá-la a todas as pessoas é uma regulamentação que vem fazer frente ao processo cultural que nasceu na sociedade com vistas a oferecer educação a todos. O mesmo movimento se dá com a Pedagogia Empresarial, embora não como obrigatoriedade legal, mas como imposição de mercado e fruto do processo que obriga as organizações a terem em seus quadros 8 profissionais capacitados, oferecendo treinamento e aprendizado dentro das suas instalações ou em locais vinculados a elas. Como se vê, todo o movimento que expande a atuação do pedagogo para diversas áreas tem fundo na visão de uma sociedade que busca respeitar seus cidadãos e torná-los mais aptos para o mercado de trabalho. No limite, trata-se de uma questão cultural, o que justifica mais uma vez nosso início. Historicamente falando, esse processo de expansão da atuação docente foi se modificando à medida que a sociedade tornava-se mais complexa. Esse conhecimento é importante, pois assumimos que a educação cresceu e institucionalizou-se para atender aos interesses dos governos, que estendiam seus domínios e necessitavam doutrinar novos povos. Essa é a raiz da educação formal. Qual a relevância desse conhecimento? Entender que, em um primeiro momento, a educação não tinha por objetivo a felicidade e crescimento da população; tinha outro, sim: o de estender os domínios dos poderosos e fazer com que leis, regras e costumes dos senhores fossem assimilados. Mesmo com essa intencionalidade, a educação não era para todos, ao contrário, poucos tinham acesso a ela. Na Grécia Antiga, berço da civilização ocidental, a educação era restrita aos nobres, apenas homens, e ainda assim aos que podiam pagar. A figurado professor não existia, o aluno era deixado aos cuidados de um preceptor, homem que ficava com a guarda do estudante até julgar que o processo havia terminado. Isso só se modifica com a expansão do Império Romano. Seu domínio impõe a necessidade de tornar sua cultura comum aos novos territórios, mas note que em nenhum momento se fala em educação voltada para o bem do aluno, sempre no sentido de doutriná-lo. Esse relato histórico tem a função de possibilitar a criação de um cenário no qual se vislumbre claramente que o profissional da educação, ou seja, o pedagogo, é uma figura historicamente nova. A educação esteve nas mãos dos padres jesuítas por muito tempo. Após esse período, considerava-se um dom ser professor: ser docente era uma dádiva divina, não apenas restrito aos padres, mas reservado a quem foi abençoado para isso. Assim, essa atividade não deveria ser remunerada, uma vez que o que se recebe por dom não deve ser cobrado. Ao menos, era essa a forma de pensar construída naquela época, estamos falando dos séculos XVIIII, XIX e boa parte do século XX. Ainda considerando a educação um dom e tendo a principal função de cuidar das crianças, nada melhor do que essa função ficar a cargo das mulheres. Decorre daí que a professora passa a ser a “tia”, não precisando ser remunerada e tendo como principal tarefa cuidar dos pequenos. Nesse momento, a educação já é vista como um direito de todos e aqui caminhamos em ritmo acelerado para a nossa disciplina. Uma vez que é um direito de todos e as pessoas evidentemente não são iguais e em estão em condições de igualdade, cria-se o isolamento educacional. Muitas pessoas ficam impedidas ou impossibilitadas de receber educação adequada. O profissional da educação vai sendo preparado em cursos de magistério e depois em graduação de Pedagogia e passa a atuar nas escolas, espalhadas por todos os lugares e cheias de gente carecendo de educação. Por muito tempo, esse foi o único lócus de atuação do pedagogo e aqueles asilados da educação assim permaneceram. Com a crescente especialização do pedagogo, crianças e alunos com alguma dificuldade passaram a ser atendidos particularmente, dando origem ao trabalho de orientação pedagógica, ou seja, 9 cria-se aqui um ramo de atuação para o pedagogo, que pode, a partir de cursos de especialização, atuar também como psicopedagogo. Entretanto, a grande mudança e expansão do trabalho desse profissional acontece quando deixa de esperar na escola pelos que desejam ou precisam de educação e, em vez disso, passa a ser portador de cultura e conhecimento, começando a atuar junto àqueles que não podem frequentar a escola ou que estão em seus locais de trabalho. Hospitais passam a receber em seu interior o processo educativo, uma vez que se assume que a educação é direito de todos. Cria-se assim a Pedagogia Hospitalar, gerando um importante campo de atuação para o pedagogo. Outra frente que se abre é o campo empresarial, isso se dá à medida que as organizações se atentam para o potencial e a necessidade que tem de treinarem e prepararem seus profissionais para a atuação na organização em face a um contexto de concorrência e globalização. É com esse intuito que elaboramos esse material: tratar do conceito de cultura e da forma como ela se coloca no âmbito da educação, abordar o trabalho hospitalar da educação, da sua importância nas empresas, além do trabalho em projetos sociais voltados ao resgate ou ao auxílio aos menos favorecidos, que vem tomando corpo e forma mais consistente em tempos de responsabilidade social. Se pensarmos em um mundo mais humano e menos desigual, constataremos que a presença do pedagogo é vital em todas as áreas nas quais há concentração humana. Compreender isso é relevante porque evidentemente esse material não engloba todos os campos possíveis de atuação do pedagogo, apenas aborda os principais e oferece ferramentas para a prospecção por parte do pedagogo para novas e infinitas possibilidades de atuação. INTRODUÇÃO Olá, caro(a) aluno(a)! É com satisfação que introduzimos a disciplina Tópicos de Atuação Profissional. Nesse espaço, estudaremos e discutiremos as possibilidades de atuação do profissional da educação e apresentaremos alguns exemplos bem-sucedidos de expansão da educação para além dos muros da escola. Esse é o momento propício para essa disciplina, uma vez que o conceito e algumas teorias sobre educação já estão assimilados e compreendidos. Dessa forma, você já deve ser capaz de pensar sobre a educação de forma a construir e planejar modelos e estratégias educativas para as mais diversas situações e com diferentes públicos, levando em conta as especificidades de cada cultura e sendo capacitado para fomentar a criação de espaços educativos. Os alunos dos cursos superiores têm, em geral, grande expectativa quanto ao mercado de trabalho, o que, se por um lado é positivo, por outro faz com que eles direcionem seus esforços para uma área de atuação mais comum ou esperada no que diz respeito à sua formação. Com os cursos de Educação não é diferente, os alunos concluem a faculdade pensando em atuar em escolas e, como a concorrência por uma vaga no mercado de trabalho é grande, surgem frustrações. 10 Unidade I Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 É exatamente nesse contexto que essa disciplina é relevante, ao possibilitar a você, aluno(a), uma visão mais ampla acerca das possibilidades profissionais resultantes da sua formação, além, evidentemente, de outras atividades que possam, eventualmente, trazer-lhe satisfação pessoal e profissional. O texto a seguir traz os seguintes assuntos: Unidade I: apresenta uma análise do conceito de cultura tendo como pressuposto algumas abordagens sociológicas e antropológicas, abordando temas como relativismo cultural, determinismo e diversidade da cultura. Em seguida, trata-se da educação implementada em ambientes diversos tendo como objetivo, nesse momento, sair daquela visão estritamente escolar quando se pensa em educação. A unidade em questão contempla também a Pedagogia Hospitalar, que atualmente representa um espaço interessante para o trabalho do profissional de Educação. Unidade II: aborda a educação social. Nesse sentido, pode-se afirmar que há o retorno à função primeira da Educação, que é a inclusão social aliada à possibilidade de apropriação das produções culturais levadas a públicos em condições desfavoráveis. A Pedagogia Empresarial também está contemplada nessa unidade, uma vez que as corporações vêm buscando cada vez mais os profissionais da educação para atuarem em setores como recrutamento, treinamento, planejamento e integração e cabe a você, aluno (a), fazer frente a essa demanda, tirando dela o maior proveito possível. Essa unidade termina com a prática da educação não formal, procurando refletir sobre a necessidade de encarar a educação como processo que se dá em todos os espaços e das mais diversas maneiras. Resumidamente, o que estudaremos nessa disciplina diz respeito a uma ampliação e alargamento da visão do profissional em relação à educação e, consequentemente, à sua atuação e possibilidades de sucesso, quer seja como profissional, quer seja enquanto pessoa. Dessa forma, nos resta desejar a você, um ótimo estudo! 11 Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 Tópicos de ATuAção profissionAl Unidade I 1 CULTURA A cultura, sob todas as formas de arte, de amor e de pensamento, através dos séculos, capacitou o homem a ser menos escravizado. André Malraux A cada conceito ou relação que nos referirmos ao longo desse trabalho ou disciplina, procederemos, sempre que possível, a uma retomada histórica. Isso porque as coisas, os pensamentos, os fatos não sãoeventos soltos no tempo e no espaço. Quando contextualizamos, damos sentido e significado ao conhecimento. A palavra “cultura” tem origem latina, deriva de “colo”, ou seja, cultivo. De certa forma, poderíamos relacionar com aquilo que deve ou pode ser cultivado. Posteriormente, com o advento do pensamento grego, a palavra foi adotada como algo a ser aprendido por meio da educação formal, substituindo assim a palavra paideia, até então usada pelos gregos como simbolismo de algo ou de conjuntos de conhecimentos que deveriam ser transmitidos às crianças. Quando traçamos ou estabelecemos um paralelo entre o desenvolvimento do conceito de cultura e a evolução da humanidade, visualizamos o quanto o conceito de cultura sofreu variações com o tempo. Cabe uma ressalva nesse momento: o termo evolução vai ser utilizado aqui no sentido temporal, ou seja, mudanças ocorridas no ser humano no curso da História através de séculos de adaptação à natureza e de convivência entre os seres. Essa ressalva explica-se pelo fato de que a palavra “evolução”, tomada ao pé da letra, pode nos remeter a melhorias ou a condições mais confortáveis e justas na vida das pessoas e no relacionamento delas com o mundo. Entretanto, não é possível afirmar que sempre existem melhorias, são inúmeros os exemplos de deterioração na qualidade de vida de milhões de pessoas decorrentes de supostos avanços da ciência. A dominação de um povo sobre outro é uma característica que marcou e marca a espécie humana, e o conhecimento que determinados grupos possuem é, sem dúvida, um fator determinante para isso. Claro que alguns podem afirmar que o motivo de domínio ou superioridade de um povo sobre outro está atrelado a questões materiais ou de propriedade de certos bens naturais, como o petróleo em certos países, os minerais em outros, recursos hídricos, enfim, a cada momento histórico um ou outro recurso parece mais importante. Mas a questão ainda é o conhecimento, isso porque todos os outros recursos precisam ser modificados, extraídos, produzidos, isto é, o conhecimento é a chave ou instrumento de poder e dominação. 12 Unidade I Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 Saiba mais Um bom exemplo para compreensão do poder do conhecimento e da cultura é o filme A guerra do fogo, do diretor Jean-Jacques Annaud. Neste filme, três grupos de seres humanos em diferentes estágios de evolução disputam o conhecimento sobre o uso do fogo e demonstrando claramente a importância do uso adequado da linguagem. A posse e a construção dos mais diversos conhecimentos sempre ocorreram em tempos e condições desiguais; o que é natural, posto que as respostas às necessidades e às adaptações também são diferentes. Por conta disso tudo, já podemos partir para uma primeira definição do conceito de cultura, que seria: tudo aquilo que não nasce junto com o ser humano, em outras palavras, tudo o que é construído pelo ser humano, quer individualmente, quer coletivamente. Figura 1 – Cultura e diversidade A superação das barreiras, indo além do orgânico, possibilitou ao homem, de certa forma, libertar-se da natureza e espalhar-se pelo mundo. O ser humano é o único animal a conseguir tal feito. De fato, o que faz o habitante humano de latitudes inclementes não é desenvolver um sistema digestivo peculiar, nem tampouco adquirir pelo. Ele muda o seu ambiente e pode assim conservar inalterado o seu corpo original. Constrói uma casa fechada, que o protege contra o vento e lhe permite conservar o calor do corpo. Faz uma fogueira ou acende uma lâmpada. Esfola uma foca ou um caribu, extraindo-lhe a pele com que a seleção natural, ou outros processos de evolução orgânica, dotou esses animais; sua mulher faz-lhe uma camisa e calças, sapatos e luvas, ou duas peças de cada um; ele os usa, e dentro de alguns anos, ou dias, está provido 13 Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 Tópicos de ATuAção profissionAl de proteção que o urso polar e a lebre ártica, a zibelina e o tetraz levam longos anos para adquirir. Demais, o seu filho e o filho de seu filho, e seu centésimo descendente nascerão tão nus e fisicamente tão desarmados como ele e o seu centésimo ancestral. (KROEBER apud LARAIA, 2009, p. 41). No curso da História, como é do seu conhecimento, grupos de povos ou nações foram se desenvolvendo diferentemente e adquirindo poder e influência sobre outros povos. Uma vez que todos nascem iguais, podemos afirmar que a cultura faz com que uns sejam pretensamente mais desenvolvidos que outros, mas como isso se deu? Figura 2 – Cultura desenvolvida? Ainda na busca de uma conceituação mais apurada para o conceito de cultura, poderíamos afirmar que ela compreende e é tudo aquilo que pensamos, nossa maneira de nos vestirmos, a forma como organizamos nossos laços de amizade e de família, o que escolhemos como lazer, como trabalhamos, enfim, absolutamente tudo o que nos torna humanos e sociais. Em última fala, pode-se dizer que é o conjunto de conhecimentos e procedimentos que faz com sejamos aceitos e pertencentes a um grupo social ou uma sociedade. Lembrete Cultura é todo o conjunto de conhecimentos, hábitos, saberes, crenças que construímos e conhecemos ao longo da vida; em outras palavras, tudo aquilo que não nasceu conosco. Contudo, o que leva um grupo de pessoas ou um indivíduo a julgar que sua cultura ou outra qualquer é superior, melhor ou mais correta? A resposta a essa questão é fundamental para compreendermos algumas relações de poder que existem entre os diferentes povos ou dentro de uma mesma comunidade. Essas relações atenuam-se quando levamos educação de qualidade para fora da escola, justificando assim a presença do pedagogo em várias localidades nas mais diversas condições. 14 Unidade I Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 1.1 Valoração da cultura Outros conceitos são importantes para o entendimento da cultura, são eles: o etnocentrismo, o evolucionismo social e cultural, o determinismo geográfico e o determinismo biológico. Eles são fundamentais para o processo de reflexão pelo qual passa esse início da disciplina que estamos estudando. Isso porque são condições e concepções de cultura e sociedade que, por longos períodos, explicaram e justificaram as relações de poder que persistem entre os povos e, com isso, restringiram a educação ao espaço da escola, frequentado por poucos, e mantendo o profissional da educação em uma área muito restrita, de acesso a raros afortunados. Além disso, há inúmeras manifestações de intolerância entre os povos e mesmo dentro de uma mesma sociedade, que têm origem nos conceitos que foram citados acima. O rompimento desse paradigma de intolerância, incompreensão e elitismo cultural caminha lado a lado com a inserção do pedagogo nas mais diversas áreas da sociedade, formando um movimento relativamente linear, ou seja, quando mais relativizada a cultura, mais espaços para atuação daqueles que se ocupam da disseminação da cultura formal, os pedagogos. Assim sendo, vamos esclarecer esses conceitos um de cada vez, iniciando pelo evolucionismo social e cultural. 1.1.1 Evolucionismo social e cultural Por muito tempo, a origem do mundo e a evolução dos seres vivos, sejam eles humanos ou não, pautaram-se pela explicação religiosa, as teorias dogmáticas que colocavam em Deus as respostas para todas as perguntas prevaleciam1. Essa corrente de pensamento justificava inclusive a dominação entre os povos e casos de violação de direitos: a justificativa aqui era divina, logo, diferenças de cultura eram tidas como erradas, uma vez que certos grupos ou povos postavam-se frente ao mundode forma diversa, fora dos padrões seguidos por grupos que acreditavam ter a benção divina. Historicamente falando, Estado e Igreja caminhavam muito próximos, e toda forma de poder era validada e justificada pela religião. Figura 3 – Tortura na idade medieval 1 Não cabe nessa disciplina a discussão sobre a origem do mundo, não se trata de desconsiderar crenças e tradições sejam elas quais forem, contudo, nesse momento estamos restritos ao âmbito da ciência e o dogmatismo impediria o aprofundamento das nossas reflexões, tornando inclusive, este estudo sem efeito. 15 Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 Tópicos de ATuAção profissionAl Com o advento do evolucionismo biológico e da teoria da evolução das espécies de Charles Darwin, há uma mudança paradigmática acentuada, a religião perde um pouco de sua força e certos procedimentos e ações de exploração de determinados povos sobre outros deixam de ser explicados por meio da religião. Em outras palavras, cai por terra a explicação ou justificativa que coloca certas culturas como desalinhadas com os desígnios da Igreja, bons e maus, no sentido de oposição, e de abençoados ou não, deixam de existir. Note que, até esse momento, existia uma explicação religiosa para justificar a crença de que uma cultura é mais avançada ou melhor do que outra, mas as relações de dominação entre os povos não deixam de existir, as desigualdades e preconceitos continuam tão fortes quanto antes e por vezes até maiores. Historicamente, esse ambiente se dá por volta dos séculos XII e XIII, ou seja, em plena expansão europeia e com intenso movimento de colonização. Logo, as relações de poder estavam em plena efervescência, com culturas sendo dizimadas e com a imposição de culturas mais antigas ou pertencentes aos países mais ricos sendo impostas em todo o mundo. O que justificaria sociológica e culturalmente a dominação e o extermínio de inúmeras culturas mundo afora? Uma adaptação da teoria do evolucionismo e uma transferência de contextos biológicos para situações sociológicas. A isso se dá o nome de evolucionismo cultural, entendido como o raciocínio por meio do qual todas as sociedades passariam por um processo de evolução, algo como um avanço ou melhoria. Logo, certas sociedades estariam em condições melhores do que outras em um movimento linear de desenvolvimento. Segundo esse pensamento, todas as sociedades e culturas passariam pelos mesmos processos e estágios de evolução e desenvolvimento. Percebe-se aí claramente um movimento preconceituoso e discriminatório à medida que se toma uma determinada cultura como modelo de desenvolvimento e correção em todos os aspectos. Figura 4 – Evolucionismo cultural Quando colocamos nossa cultura ou sociedade como referência de modelo a ser seguido por julgá-la mais correta estamos sendo etnocentristas. O que isso significa? Etnocentrismo é a postura ou pensamento que se coloca no centro das reflexões e se percebe como modelo padrão, a partir daí 16 Unidade I Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 avaliando os demais. Importante notar que as relações de poder passam por essa condição à medida que se estabelece sempre o melhor e o superior. Essa teoria colocava os povos europeus como mais avançados na linha evolutiva. Note que, nesse raciocínio, todos os povos evoluem, mas como o processo não cessa, a cultura que está no topo ou na ponta da linha da evolução sempre estará à frente das demais. Esse raciocínio não durou muito tempo, as respostas dadas por ele não justificavam as relações de poder e os estudiosos da cultura e das sociedades o questionavam, daí a necessidade de buscar outras explicações para as diferenças culturais. Lembrete O evolucionismo cultural defende a existência de linha evolutiva da qual todos os povos fazem parte, todos evoluem em estágios diferentes, sempre com os mais avançados a frente. Dessa forma, ainda seguindo na linha do tempo na busca de um conceito mais apurado de cultura e do entendimento de que todas as culturas são igualmente importantes, passamos agora a dois outros conceitos já citados: o determinismo geográfico e o determinismo biológico. 1.1.2 Determinismo geográfico e biológico O determinismo geográfico é uma concepção teórica acerca das diferenças culturais que justificam dominações de um povo sobre outro, inferioridades culturais por meio da tese de que pessoas nascidas em certos lugares estão predeterminadas a serem de um jeito ou de outro. Em outras palavras, uma criança nascida na Europa, por exemplo, seria mais inteligente e melhor ser humano do que uma criança nascida na África; sendo assim, o lugar de nascimento é que determinaria se um povo era melhor ou não. Ainda temos, nessa visão, uma Europa no centro do pensamento e na ponta do desenvolvimento, mas é importante notar que essa forma de ver as pessoas e os povos de uma forma geral existe até hoje, são conhecidas teses que defendem que certos povos árabes são mais econômicos, que os orientais seriam mais aptos para os números e assim por diante. Com o passar do tempo e com o aumento das colonizações, conseguidas e aprimoradas com as melhorias nas navegações, os representantes dos países se estabelecem cada vez mais nos locais colonizados. Então, surge um problema para a teoria do determinismo geográfico: afinal, o que seria dos filhos de colonizadores que nascessem nos locais mais distantes? A resposta a essa questão se dá com o advento do determinismo biológico, ou seja, os aspectos genéticos e hereditários seriam o marco e o balizamento para o desenvolvimento da personalidade, da capacidade intelectual, enfim, a cultura seria uma herança biológica. O leitor está acompanhando, creio eu, o caminho pelo qual o conceito de cultura percorreu até hoje, ou seja, os estudos sociológicos sempre estiveram relacionados e conectados com o pensamento de determinadas épocas. Não é diferente do que se faz em educação, importante ressaltar. O que estou afirmando é que ensinamos aquilo que acreditamos e isso não existe sem intencionalidade; assim 17 Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 Tópicos de ATuAção profissionAl chegamos à afirmação presente logo no início desse material: a educação é uma prática eminentemente política. Lembrete Determinismo geográfico é a teoria ou explicação segundo a qual certas culturas e seus povos são mais desenvolvidos e melhores que outras em decorrência da sua localidade. Voltando ao determinismo biológico. Sua tese não se confirma quando analisamos aspectos culturais, e os exemplos para refutar essa teoria são inúmeros. Vários são os casos conhecidos de jogadores de futebol que investiram na carreira dos filhos e esses não possuem as mesmas habilidades que seus pais, casos de pessoas adotadas e que incorporam os costumes da nova família, isso quando não há mudança de país. Talvez a maior prova disso esteja na maioria das nossas famílias: quantos de nós possuímos irmãos e irmãs que são absolutamente diferentes entre si embora descendam dos mesmos pais e tenham sido criados da mesma forma? Lembrete Determinismo biológico é o pensamento que sustenta que há uma hereditariedade nas características culturais e que isso garante superioridade de um povo sobre outro. 1.1.3 Relativismo cultural Por conta dessas questões e das inconsistências apontadas nas mais diversas correntes de pensamento, chega-se ao que chamamos de relativismo cultural. Trata-se de uma visão mais abrangente, pois, de acordo com essa linha de pensamento, não há culturas mais evoluídas, deixam de existir conhecimentos ou tradições mais importantes. É relevanteperceber que não se pode nem ao menos ter a crença de que certas pessoas são mais cultas do que outras: o que existe são diferentes saberes e caminhos pelos quais as pessoas e os povos trilham suas vidas. Nas palavras de José Luiz dos Santos, podemos constatar o quanto é importante o conhecimento e a valorização e respeito das mais diversas formas de cultura: A cultura diz respeito à humanidade como um todo e ao mesmo tempo a cada um dos povos, nações, sociedades e grupos humanos. Quando se considera as culturas particulares que existem ou existiram, logo se constata a sua grande variação. Saber em que medida as culturas variam e quais as razões da variedade das culturas humanas são questões que provocam muita discussão. Por enquanto, quero salientar que é sempre fundamental entender os sentidos que uma realidade cultural faz para aqueles que a 18 Unidade I Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 vivem. De fato, a preocupação em entender isso é uma importante conquista contemporânea. Cada realidade cultural tem sua lógica interna, a qual devemos procurar conhecer para que façam sentido as suas práticas, costumes, concepções e as transformações pelas quais passam. É preciso relacionar a variedade de procedimentos culturais com os contextos em que são produzidos. As variações nas formas de família, por exemplo, ou nas maneiras de habitar, de se vestir ou de distribuir os produtos do trabalho não são gratuitas. Fazem sentido para os agrupamentos humanos que as vivem, são resultado de sua história, relacionam-se com as condições materiais de sua existência. Entendido assim, o estudo da cultura contribui no combate a preconceitos, oferecendo uma plataforma firme para o respeito e a dignidade nas relações humanas. (SANTOS, 1987, p. 8). Lembrete Relativismo cultural é a tese que defende que não há culturas mais ou menos evoluídas, há sim diferentes modelos e características culturais, apenas isso. 1.2 Tipos de cultura Embora devamos não fazer grandes distinções entre as culturas sob o risco de sermos preconceituosos, podemos estabelecer três divisões: cultura erudita, cultura popular e cultura de massa. 1.2.1 Cultura erudita A cultura erudita é a produção elaborada, acadêmica, focada em sistemas educacionais, especialmente nas universidades; é confundida com culturas de elite por ser produzida por grupos pequenos. São produções da cultura erudita as obras-primas que revolucionam os diversos campos do saber ou da ação, as descobertas científicas, revoluções ou mudanças no modo de pensar, grandes produções literárias etc. Pode-se dizer que a marca fundamental dessa especificidade de cultura é que ela produz um corte no padrão cultural, estabelecendo novos modelos, por isso se tornam clássicos. O que a faz ser erudita é o rigor com que é produzida e, por isso mesmo, ser acessível a um público restrito tanto na produção quanto na fruição. Por conta disso, supõe-se que é incompreensível para a maioria da população, por não ser capaz de produzi-la ou compreendê-la. A crítica às sociedades muito dividas ou àqueles que valorizam em demasia essa cultura é a possibilidade e até a tendência a desvalorizar outras manifestações culturais e as pessoas que, em geral, não tem acesso a ela. 19 Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 Tópicos de ATuAção profissionAl Figura 5 – Cultura erudita 1.2.2 Cultura popular Trata-se um conceito complexo por ser oriundo de diversas camadas e manifestações, populares ou não. O risco desse enfoque deriva da concepção de folclore como realidade pronta e acabada, quando na verdade toda cultura é dinâmica, em constante transformação. Aliás, a vitalidade da cultura popular absorve e reelabora as inúmeras influências de outros costumes, como as que resultam do contato do mundo rural com o urbano, ou do impacto da tecnologia e da cultura de massa. A visão de uma parcela considerável da sociedade em relação à cultura popular é de discriminação e preconceito, isso porque alguns a ignoram ou desprezam, achando-a não original, monótona, repetitiva, vulgar e, por consequência, inferior à cultura de elite. Ainda há os que podem julgá-la como sendo manifestação pitoresca ou exótica, isso a tornaria algo próximo ao espetáculo; percebe-se isso quando se alteram os hábitos culturais para que se adaptem ao turismo. Figura 6 – Dança popular 1.2.3 Cultura de massa A cultura de massa resulta dos meios de comunicação de massa, ou seja, a mídia. Podem ser tidos como meios de comunicação de massa: o cinema, a televisão, o rádio, a imprensa escrita, as revistas de 20 Unidade I Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 grande circulação, enfim, tudo aquilo que atinge uma grande quantidade de pessoas pertencentes a todas as classes sociais e de diversas formações culturais. Figura 7 – Cultura de massa Essa cultura, distinta da erudita e da popular, teve início principalmente com a evolução da burguesia e com evolução da complexidade do cotidiano das grandes cidades, que se deu no período da revolução industrial. É nesse momento que surge uma produção cultural produzida por grandes grupos profissionais que vinculam informações e ideias com grande penetração popular, abordando diversos temas e formando opiniões nas diferentes classes sociais, dando início a massificação das ideias. Figura 8 – Consumismo e massificação Note que isso não nos leva a um mundo ideal, mas nos fornece a concepção e o embasamento teórico para que possamos trabalhar com a diversidade de indivíduos, tradições e histórias que marcam nossos alunos e, de forma mais ampla, com o mundo em que vivemos. As relações de poder existem 21 Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 Tópicos de ATuAção profissionAl e são muito fortes; entretanto, esse poder e essas relações são hoje estabelecidos por meio de vários instrumentos, cabendo a nós, educadores, entender toda a complexidade com que o poder se estabelece. Figura 9 – Choque cultural Para embasar ainda mais nossas reflexões, convido você a ler o texto fornecido na íntegra logo a seguir, intitulado “Ritos corporais dos Nacirema”, do antropólogo norte americano Horace R. Miner. Tomando o texto como referência, percebemos o quanto nossa visão em relação ao outro é de estranhamento; por mais que estudemos sobre diversidade cultural, ainda mantemos em nós uma visão bastante egocêntrica. Após a leitura, analise com calma o nome do próprio texto. Ritos corporais dos Nacirema O antropólogo está tão familiarizado com a diversidade das formas de comportamento que diferentes povos apresentam em situações semelhantes, que é incapaz de surpreender- se mesmo em face dos costumes mais exóticos. De fato, se nem todas as combinações logicamente possíveis de comportamento foram ainda descobertas, o antropólogo bem pode conjecturar que elas devam existir em alguma tribo ainda não descrita. Desse ponto de vista, as crenças e práticas mágicas dos Nacirema apresentam aspectos tão inusitados que parece apropriado descrevê-los como exemplo dos extremos a que pode chegar o comportamento humano. Foi o Professor Linton, em 1936, o primeiro a chamar a atenção dos antropólogos para os rituais dos Nacirema, mas a cultura desse povo permanece insuficientemente compreendida ainda hoje. Trata-se de um grupo norte-americano que vive no território entre os Cree do Canadá, os Yaqui e os Tarahumare do México, e os Carib e Arawak das Antilhas. Pouco se sabe sobre sua origem, embora a tradição relate que vieram do leste. Conforme a mitologiados Nacirema, um herói cultural, Notgnihsaw, deu origem à sua nação; ele é, por outro lado, conhecido por duas façanhas de força: ter atirado um colar de conchas, usado pelos Nacirema como dinheiro, através do rio Po-To-Mac e ter derrubado uma cerejeira na qual residiria o Espírito da Verdade. 22 Unidade I Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 A cultura Nacirema caracteriza-se por uma economia de mercado altamente desenvolvida, que evolui em um rico habitat. Apesar de o povo dedicar muito do seu tempo às atividades econômicas, uma grande parte dos frutos deste trabalho e uma considerável porção do dia são dispensados em atividades rituais. O foco destas atividades é o corpo humano, cuja aparência e saúde surgem como o interesse dominante no ethos deste povo. Embora tal tipo de interesse não seja, por certo, raro, seus aspectos cerimoniais e a filosofia a eles associadas são singulares. A crença fundamental subjacente a todo o sistema parece ser a de que o corpo humano é repugnante e que sua tendência natural é para a debilidade e a doença. Encarcerado em tal corpo, a única esperança do homem é desviar essas características através do uso das poderosas influências do ritual e do cerimonial. Cada moradia tem um ou mais santuários devotados a este propósito. Os indivíduos mais poderosos dessa sociedade têm muitos santuários em suas casas e, de fato, a alusão à opulência de uma casa, muito frequentemente, é feita em termos do número de tais centros rituais que possua. Muitas casas são construções de madeira, toscamente pintadas, mas as câmeras de culto das mais ricas têm paredes de pedra. As famílias mais pobres imitam as ricas, aplicando placas de cerâmica às paredes de seu santuário. O ritual do corpo executado diariamente por cada Nacirema inclui um rito bucal. Apesar de serem tão escrupulosos no cuidado bucal, este rito envolve uma prática que choca o estrangeiro não iniciado, que só pode considerá-lo revoltante. Foi-me relatado que o ritual consiste na inserção de um pequeno feixe de cerdas de porco na boca juntamente com certos pós mágicos, e em movimentá-lo então numa série de gestos altamente formalizados. Além do ritual bucal privado, as pessoas procuram o sacerdote da boca uma ou duas vezes ao ano. Estes profissionais têm uma impressionante coleção de instrumentos, consistindo de brocas, furadores, sondas e aguilhões. O uso destes objetos no exorcismo dos demônios bucais envolve, para o cliente, uma tortura ritual quase inacreditável. O sacerdote abre a boca do cliente e, usando os instrumentos acima citados, alarga todas as cavidades que a degeneração possa ter produzido nos dentes. Nestas cavidades são colocadas substâncias mágicas. Caso não existam cavidades naturais nos dentes, grandes seções de um ou mais dentes são extirpadas para que a substância natural possa ser aplicada. Do ponto de vista do cliente, o propósito destas aplicações é tolher a degeneração e atrair amigos. O caráter extremamente sagrado e tradicional do rito evidencia-se pelo fato de os nativos voltarem ao sacerdote da boca ano após ano, não obstante o fato de seus dentes continuarem a degenerar. Esperemos que, quando for realizado um estudo completo dos Nacirema, haja um inquérito cuidadoso sobre a estrutura da personalidade destas pessoas. Basta observar o fulgor nos olhos de um sacerdote da boca, quando ele enfia um furador num nervo exposto, para se suspeitar que este rito envolva certa dose de sadismo. Se isto puder ser provado, teremos um modelo muito interessante, pois a maioria da população demonstra tendências masoquistas bem definidas. 23 Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 Tópicos de ATuAção profissionAl Foi a essas tendências que o Prof. Linton (1936) referiu-se na discussão de uma parte específica dos ritos corporais que é desempenhada apenas por homens. Essa parte do rito envolve raspar e lacerar a superfície da face com um instrumento afiado. Ritos especificamente femininos têm lugar apenas quatro vezes durante cada mês lunar, mas o que lhes falta em frequência é compensado em barbaridade. Como parte desta cerimônia, as mulheres usam colocar suas cabeças em pequenos fornos por cerca de uma hora. O aspecto teoricamente interessante é que um povo que parece ser preponderantemente masoquista tenha desenvolvido especialistas sádicos. Os médicos-feiticeiros têm um templo imponente, ou latipsoh, em cada comunidade de certo porte. As cerimônias mais elaboradas, necessárias para tratar de pacientes muito doentes, só podem ser executadas neste templo. Essas cerimônias envolvem não apenas o taumaturgo, mas um grupo permanente de vestais que, com roupas e toucados específicos, movimentam-se serenamente pelas câmaras do templo. As cerimônias latipsoh são tão cruéis que é de surpreender que uma boa proporção de nativos realmente doentes que entram no templo se recuperem. Sabe-se que as crianças pequenas, cuja doutrinação ainda é incompleta, resistem às tentativas de levá-las ao templo, porque “é lá que se vai para morrer”. Apesar disso, adultos doentes não apenas querem, mas anseiam por sofrer os prolongados rituais de purificação, quando possuem recursos para tanto. Não importa quão doente esteja o suplicante ou quão grave seja a emergência, os guardiões de muitos templos não admitirão um cliente se ele não puder dar uma dádiva valiosa para a administração. Mesmo depois de ter-se conseguido a admissão, e sobrevivido às cerimônias, os guardiães não permitirão ao neófito abandonar o local se ele não fizer outra doação. O suplicante que entra no templo é primeiramente despido de todas as suas roupas. Na vida cotidiana, o Nacirema evita a exposição de seu corpo e de suas funções naturais. As atividades excretoras e o banho, enquanto parte dos ritos corporais, são realizados apenas no segredo do santuário doméstico. Da perda súbita do segredo do corpo quando da entrada no latipsoh, podem resultar traumas psicológicos. Um homem, cuja própria esposa nunca o viu em um ato excretor, acha-se subitamente nu e auxiliado por uma vestal, enquanto executa suas funções naturais num recipiente sagrado. Este tipo de tratamento cerimonial é necessário porque os excrementos são usados por um adivinho para averiguar o curso e a natureza da enfermidade do cliente. Clientes do sexo feminino, por sua vez, têm seus corpos nus submetidos ao escrutínio, manipulação e aguilhadas dos médicos-feiticeiros. Resta ainda outro tipo de profissional, conhecido como um “ouvinte”. Esse “doutor- bruxo” tem o poder de exorcizar os demônios que se alojam nas cabeças das pessoas enfeitiçadas. Os Nacirema acreditam que os pais enfeitiçam seus próprios filhos; particularmente, teme-se que as mães lancem uma maldição sobre as crianças enquanto lhes ensinam os ritos corporais secretos. A contramagia do doutor-bruxo é inusitada por sua carência de ritual. O paciente simplesmente conta ao “ouvinte” todos os seus problemas 24 Unidade I Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 e temores, principalmente pelas dificuldades iniciais que consegue rememorar. A memória demonstrada pelos Nacirema nestas sessões de exorcismo é verdadeiramente notável. Não é incomum um paciente deplorar a rejeição que sentiu, quando bebê, ao ser desmamado, e uns poucos indivíduos reportam a origem de seus problemas aos feitos traumáticos de seu próprio nascimento. Como conclusão, deve-se fazer referência a certas práticas que têm suas bases na estética nativa, mas que decorrem da aversão profunda ao corpo natural e suas funções. Existem jejuns rituais para tornarem magras pessoas gordas, e banquetes cerimoniaispara tornarem gordas pessoas magras. Outros ritos são usados para tornar maiores os seios das mulheres que os têm pequenos e torná-los menores quando são grandes. A insatisfação geral com o tamanho do seio é simbolizada no fato de a forma ideal estar virtualmente além da escala de variação humana. Umas poucas mulheres, dotadas de um desenvolvimento hipermamário quase inumano, são tão idolatradas que podem levar uma boa vida simplesmente indo de cidade em cidade e permitindo aos embasbacados nativos, em troca de uma taxa, contemplarem-nos. Já fizemos referência ao fato de que as funções excretoras são ritualizadas, rotinizadas e relegadas ao segredo. As funções naturais de reprodução são, da mesma forma, distorcidas. O intercurso sexual é tabu enquanto assunto é programado enquanto ato. São feitos esforços para evitar a gravidez, pelo uso de substâncias mágicas ou pela limitação do intercurso sexual a certas fases da lua. A concepção é, na realidade, pouco frequente. Quando grávidas, as mulheres vestem-se de modo a esconder o estado. O parto tem lugar em segredo, sem amigos ou parentes para ajudar, e a maioria das mulheres não amamenta seus rebentos. Nossa análise da vida ritual dos Nacirema certamente demonstrou ser esse povo dominado pela crença na magia. É difícil compreender como tal povo conseguiu sobreviver por tão longo tempo sob a carga que impôs sobre si mesmo. Mas até costumes tão exóticos quanto estes aqui descritos ganham seu real significado quando são encarados sob o ângulo relevado por Malinowski, quando escreveu: Olhando de longe e de cima de nossos altos postos de segurança na civilização desenvolvida, é fácil perceber toda a crueza e irrelevância da magia. Mas sem seu poder de orientação, o homem primitivo não poderia ter dominado, como o fez, suas dificuldades práticas, nem poderia ter avançado aos estágios mais altos da civilização. MINER, 1976, p. 174. Note o leitor que a palavra “nacirema” é “american” de traz para frente; logo, estamos nos referindo a nós mesmos, mas usando palavras diferentes e descrevendo a partir do outro prisma os rituais que são muito comuns para qualquer um de nós. 25 Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 Tópicos de ATuAção profissionAl Encerramos assim o tópico cultura, embora ele vá voltar às nossas discussões muitas vezes, nossa abordagem específica sobre ele termina nesse ponto. Figura 10 – Dia da diversidade cultural Saiba mais Um bom filme para melhor compreensão e reflexão acerca das diferentes culturas e do choque entre elas é o clássico Dança com lobos, que trata da expansão americana rumo ao oeste e o choque com os índios locais. É interessante notar o quanto a resistência com o desconhecido é parte marcante das nossas personalidades. Interessante também porque mostra um tipo de educação que se dá na apropriação de culturas dos dois modelos que se chocam, a cultura indígena e a cultura do homem da cidade norte-americana. 2 EDUCAÇÃO Em AmbIENTES DIVERSOS Trabalhar a questão da educação atualmente, em um contexto cada vez mais marcado pela diversidade cultural e espacial, é um desafio para qualquer educador, principalmente para o pedagogo que trabalhará em várias dimensões. De acordo com a proposta dessa disciplina, vale uma reflexão acerca do que Morais nos adverte: No Brasil, o processo de educação tem se caracterizado, desde a época colonial, pela inserção, na criança, do estigma “educação dentro de um país de terceiro mundo”. Critérios apenas econômicos e tecnocráticos geram rótulos como “primeiro” ou “terceiro mundo”. Povos ditos de terceiro mundo, como o brasileiro, têm, como quaisquer outros, riquezas incomensuráveis: formas de canto, formas de poesia, riquezas folclóricas, tipos diversos de música e de ritmos, instrumentos musicais, lendas e mitos, delícias culinárias, sabedoria popular, conhecimento nativo de plantas medicinais e alimentícias, uma enorme variedade de jeitos de ser e de viver. Nesse sentido, o Brasil, pelo seu 26 Unidade I Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 tamanho, pela sua variedade étnica, pelas características de sua história e de sua geografia tropical, é um país de primeiro mundo em termos espirituais, em termos de riquezas culturais e ecossociais. Educar também é mostrar isso ao indivíduo. Não se trata de uma educação nacionalizante, mas de uma educação que ajuda o indivíduo a encontrar um caminho espiritual afinado aos contextos existentes dentro do espírito da cultura nativa. Educar é produzir um tipo de indivíduo universal, mas revestido pela sua cultura nativa. Assim, não se produz um alienado. Educar não é só alfabetizar. Educar é ajudar a desabrochar as potencialidades individuais, as quais só podem ser cultivadas pelo contato entre o indivíduo dotado de uma attention a la vie (como viu Bergson) e outros indivíduos de seu meio, todos inseridos na sua cultura, na sua história, no seu meio. Educar é criar um terreno fértil para a elaboração harmoniosa e culturalmente contextualizada do indivíduo (e não apenas fazer que ele se encaixe dentro de um papel social predeterminado pela sociedade) (MORAIS, 2001, p. 3). 2.1 Qualidade de vida x Pedagogia Hospitalar Qualidade de vida é um assunto muito discutido atualmente pela sociedade, afinal, todos querem viver mais e melhor. A busca pelo equilíbrio entre a saúde física e mental para viver em harmonia é desejo de todos, não importa a que classe social pertença. Em toda parte, nos programas de TV, cursos, revistas ou até nas conversas informais do cotidiano há sempre alguém com uma receita mágica sobre como melhorar a sua qualidade de vida. O fato é que toda vez que nos remetemos ao termo qualidade de vidas pensamos quase automaticamente em um padrão de vida mais elevado. Dessa forma, imaginamos que aqueles que possuem cargos importantes, casas confortáveis, desfilam com roupas elegantes, utilizam celulares modernos e todas outras bugigangas tecnológicas são sinônimos de qualidade de vida. Grande engano, pois os inúmeros bens materiais ou seu acúmulo, bem como bons empregos, apenas indicam o padrão de vida; já a qualidade de vida está relacionada à quantidade de experiências positivas experimentadas ao longo da vida. Perceba que as experiências positivas que vivenciamos nem sempre estão relacionadas a viver de maneira mais ou menos confortável. Figura 11 – Qualidade de vida 27 Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 Tópicos de ATuAção profissionAl Dessa forma, qualidade de vida tem a ver com momentos memoráveis, superação dos desafios, emoções positivas, perseverança, valores, entre outras questões. Mas como ter qualidade de vida em um hospital ou vivendo em um hospital? Considere que muitas pessoas permanecem por longos períodos hospitalizados, seja por doenças, seja por acidentes. A cada ano, no Brasil, cresce o número de crianças que vivem hospitalizadas por conta de inúmeras enfermidades. Diante de tantos casos, a educação precisa chegar até o interno: trata-se de um direito do cidadão e um dever do governo. Essa sistematização educacional, com profissionais especializados, recebe o nome de Pedagogia Hospitalar. A Pedagogia Hospitalar tem por objetivo conscientizar, discutir e ampliar as ideias dos profissionais da educação quanto a proporcionar uma melhor qualidade de vida para todas as pessoas que necessitam de cuidado e um olhar especial para um atendimento individualizado, seja no atendimento domiciliário ou hospitalar. Ela vem se expandindo no atendimento à criança hospitalizada, e em muitos hospitais do Brasil tem se enfatizado como uma visão mais humanista,sendo implantada para o auxílio de tratamentos às crianças e adolescentes com diversas doenças. Assim, o trabalho do pedagogo não está voltado apenas para o ambiente escolar, mas também em hospitais ou trabalhos com enfermos domiciliares, ou seja, o trabalho do pedagogo não está atrelado apenas às questões cognitivas, mas tem uma preocupação global com o aprendiz, para as necessidades físicas, emocionais, afetivas e sociais do indivíduo. No Brasil, a legislação reconheceu através do Estatuto da Criança e do Adolescente Hospitalizado, Resolução nº 41 de outubro e 1995, no item 9, o “Direito de desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento do currículo escolar durante sua permanência hospitalar” (BRASIL, 1995). Em 2002, o Ministério da Educação, por meio de sua Secretaria de Educação Especial, elaborou um documento de estratégias e orientações para o atendimento nas classes hospitalares, assegurando o acesso à educação básica. Em Santa Catarina, a SED baixou Portaria que “Dispõe sobre a implantação de atendimento educacional na Classe Hospitalar para crianças e adolescentes matriculados na pré-escola e no Ensino Fundamental, internados em hospitais” (SANTA CATARINA, 2001). Todo o aluno que frequenta a classe possui um cadastro com os dados pessoais, de hospitalização e da escola de origem. Ao final de cada aula, o professor faz os registros nesta ficha indicando os conteúdos que foram trabalhados e outras informações que se fizerem necessárias. Fontes esclarece-nos que: Por uma questão pedagógica, as atividades realizadas no dia devem ter início, meio e fim. O grupo de hoje, quase sempre, não é o mesmo grupo de amanhã. Com isso, as crianças recém-chegadas ao hospital não se sentem perdidas nas atividades e podem participar como as outras. É aconselhável dar um desfecho para a atividade do dia, fazer uma avaliação junto com as crianças e expor os trabalhos produzidos. Outro ponto que merece destaque: o planejamento precisa ser bem feito, mas deve ser bem flexível e é regulado pelo interesse e disposição da criança. (FONTES, 2005, p. 25). Note que o desenvolvimento dessa modalidade educacional necessita de profissionais flexíveis, dedicados e atenciosos às crianças e jovens que precisam permanecer hospitalizadas, pois o objetivo é 28 Unidade I Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 estar atento às questões como troca de experiências por meio da socialização entre os pacientes e os profissionais. Apesar dessa prática pedagógica ser fundamentada em estudos teóricos, o que acontece no ambiente hospitalar ainda é bastante incipiente, o que faz com que essa modalidade de ensino seja pouco conhecida em nível nacional, bem como a sua produção científica. Isso porque o reconhecimento de uma determinada área do saber dá-se, em grande parte, pelo que ela tem produzido cientificamente. Embora haja falta de preparo, os hospitais devem dispor às crianças e aos adolescentes um atendimento educacional de qualidade e igualdade de condições de desenvolvimento intelectual e pedagógico com base na legislação vigente, que ampara e legitima o direito à educação. A preocupação advinda do processo da doença e o aumento da ansiedade são minimizados com a presença do ambiente escolar no período de internação, auxiliando na recuperação da saúde da criança. Assim, a educação vem transpondo os muros escolares e desmitificando o preconceito e a ideia de que o pedagogo está apto a exercer suas funções na sala de aula, quando na verdade, todo local em que há uma prática educativa torna-se um espaço de atuação para o profissional da educação. Saiba mais Um bom filme para compreendermos melhor o tema é Patch Adams – O amor é contagioso, do diretor Tom Shadayac. Nesse filme, Hunter Adams, interpretado por Robin Williams, interna- se em um sanatório depois de uma tentativa de suicídio. Ao ajudar outros internos, descobre que deseja ser médico para poder ajudar as pessoas. Seus métodos poucos convencionais causam inicialmente espanto, mas aos poucos conquistam a todos. 2.1.1 Como tudo começou Quando pensamos em hospital, automaticamente ficamos receosos, pois a ideia de ficar em um leito hospitalar está relacionada a doenças que nos remetem ao término da vida. Quando se trata de hospital infantil ou de uma ala infantil, o receio aumenta e vem tomado por fortes emoções. Afinal, quando pensamos em uma criança, a ideia que nos vem à mente é de alguém correndo, brincando; quando se trata de adolescentes, pensamos neles com seus iPods ouvindo músicas ou em bandos, falando e rindo alto. Hoje, os hospitais ou alas infantis encontram-se, em sua maioria, mais humanizadas. Em geral, as alas das crianças e dos adolescentes têm paredes com cores alegres, desenhos, brinquedos, jogos, TV, contadores de histórias, entre outras coisas que contribuem para o bem-estar. Tudo isso tem humanizado 29 Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 Tópicos de ATuAção profissionAl a relação do paciente com as doenças, tornando evidente a preocupação dos profissionais da saúde com a afetividade para a recuperação das enfermidades. No entanto, a criança acometida por alguma enfermidade é distanciada do ambiente escolar, o que gera imediatamente perda de socialização. As crianças tomadas por alguma doença grave, como câncer ou Aids, logo são vítimas do despreparo dos colegas ou de seus familiares, que, em alguns casos, não permitem que os colegas sadios se aproximem do doente. Isso contribui negativamente com a saúde psíquica e física do enfermo. Em geral, esse preconceito se deve à desinformação dos pais ou da sociedade que ainda não se relaciona com naturalidade com certos tipos de doença. Figura 12 – Hospital do Câncer O objetivo primeiro da classe hospitalar é o acompanhamento pedagógico de crianças e jovens com dificuldades graves de saúde física ou mental e que estão definitiva ou temporariamente impedidos de frequentar a escola regular. Não se trata de educação especial. É a educação escolar ordinária, aquela que nutre o sujeito de informações sobre o mundo dentro do currículo escolar definido pela educação nacional. Marca-se como diferença entre a classe hospitalar e a classe especial o fato de que a segregação das crianças não se deve à rejeição por outras classes – o que não deve existir – mas à doença que as impede de ir à escola. Longe de rejeitá-los, a escola vai até eles, no hospital. Assim, estando a escola a serviço das crianças hospitalizadas e buscando atendê-las, a Pedagogia Hospitalar tem seu início em 1935, próximo a Paris, por Henri Sellier, que tentava melhorar a condição de vida das crianças que não poderiam frequentar a escola. Diversos países europeus, assim como os Estados Unidos, passaram a seguir o exemplo de Sellier, com o objetivo de suprir as dificuldades escolares de crianças tuberculosas. Segundo Esteves (2008), com a explosão da Segunda Guerra Mundial, cresceu o número de crianças e adolescentes mutilados e/ou acometidos pelas mais diversas doenças e que foram impedidos de ir à escola, assim surge a classe hospitalar. Diante dessa triste realidade, o atendimento pedagógico dos jovens e enfermos foi uma maneira de contribuir com a melhora dos pacientes. O Centro Nacional de Estudos e de Formação para a Infância Inadaptada de Suresnes – CNEFEI – foi criado na França, em 1939, com 30 Unidade I Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 o objetivo de formar professores para exercer o magistério em institutos especiais e em hospitais. Nesse mesmo ano, o Ministério da Educação da França, percebendo a necessidade, criouo cargo de professor hospitalar. Atualmente, o CNEFEI funciona em regime de internato para os profissionais da educação, assistentes sociais e médicos que queiram dedicar-se aos pacientes impossibilitados de frequentar a escola, acometidos por alguma enfermidade. No Brasil Colonial, os doentes eram tratados com ervas, chá e os mais variados tipos de tratamentos alternativos. Somente com o início da industrialização surge uma preocupação do governo, na época Vargas, com o seguro social entre os diversos profissionais. De acordo com Rosen (1979), com a crescente industrialização, o número de enfermidades advindas pelo excesso de trabalho ou pelo trabalho realizado de forma inadequada cresceu. Com isso, a medicina social tornou-se uma resposta aos diversos problemas nesse âmbito. Com o aumento da população, a medicina acabou influenciada pela crescente demanda, assim, deixou de se preocupar com as questões psicológicas e passou a tratar apenas das questões de cunho físico e biológico, o que tornou o trabalho dos profissionais da saúde quase mecânico. A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo foi, em 1900, a pioneira no atendimento hospitalar no Brasil, destinando-se ao atendimento de pessoas com deficiência física. Os primeiros relatórios sobre as classes hospitalares datam 1931, mas somente em 1997 dá-se o início à implantação de classes hospitalares nos modelos propostos atualmente. As classes com mais tempo de atuação foram criadas no município do Rio de Janeiro (1950 e 1953), onde existe a classe hospitalar do Hospital Municipal de Jesus (hospital público infantil), que é a mais antiga classe hospitalar em funcionamento no país. Suas atividades foram iniciadas, oficialmente, em 14 de agosto de 1950 (MENEZES, 2004, p. 7). É apenas com o amparo legal que a classe hospitalar, bem como a educação especial, tem sua implantação assegurada em alguns princípios e fundamentos, tais como: “A Educação é direito de todos e dever do Estado e da família. O direito à educação se expressa como direito à aprendizagem e à escolarização” (BRASIL, 1988). O artigo 214 da Constituição Federal afirma que as ações do Poder Público devem conduzir à universalização do atendimento escolar. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional assegura que o Poder Público criará formas alternativas de acesso aos diferentes níveis de ensino (art. 5º § 5º), podendo organizar-se de diferentes formas para garantir o processo de aprendizagem (art. 23). (Brasil, 1996). Diante da condição de fragilidade da criança ou do adolescente doente, a continuidade escolar propicia não apenas questões de ordem cognitiva, mas, concomitantemente, auxilia o paciente nas questões afetivas e psíquicas, pois o isolamento não favorece a cura. O objetivo das classes hospitalares é, segundo a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, permitir o acompanhamento pedagógico-educacional e assegurar a continuidade do processo de desenvolvimento escolar de crianças e jovens do ensino regular, garantindo a manutenção do vínculo com a escola de origem, por meio de um currículo flexibilizado e (ou) adaptado (Brasil, 2008). 31 Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 Tópicos de ATuAção profissionAl Mesmo que assegurados por lei, o número é bastante inexpressivo em relação à necessidade. Menezes explica: Em março de 1998, havia no Brasil 30 classes hospitalares, distribuídas em dez unidades federadas e Distrito Federal. Segundo Viktor (2003), em agosto de 1999, esse número aumentou para 39 classes em 13 Estados. Os últimos números indicam que 75 hospitais, aproximadamente 2% dos quase 4 mil hospitais brasileiros, oferecem atendimento escolar, espalhados por 15 Estados, incluindo o Distrito Federal. O total de alunos atendidos mensalmente é de 2.100. Apenas dois hospitais são particulares e somente quatro deles disponibilizam computadores e acesso à internet. Mesmo com esse avanço quantitativo, há necessidade de consolidar ações voltadas para garantir os direitos educacionais das crianças e jovens hospitalizados (MENEZES, 2004, p. 8-9). Os tratamentos oncológicos são a maioria dos casos que requerem atendimento hospitalar, seguido dos casos de Aids, ambos obrigam a permanência mais longa no hospital. A tabela 1 apresenta a realidade de implantação de classes hospitalares no Brasil até o ano de 1997. Tabela 1 – Implantação de classes hospitalares no Brasil 1950/1997 Ano Nº de classes hospitalares Até 1950 1951-1960 1961-1970 1971-1980 1981-1990 1991-1997 Sem referência 1 1 1 1 8 9 9 TOTAL 30 Fonte: Menezes, 2004, p. 8. Apesar de a classe hospitalar apresentar seus primeiros registros em 1931, é a partir da década de 1980 que seu número cresce. Entretanto, como podemos observar, a adesão de hospitais é pouco significativa. Em 2001, o Ministério da Saúde, preocupado com valores mais humanísticos, anunciou o PNHAH – Programa Nacional de Humanização no Atendimento Hospitalar – direcionados a gestores e profissionais da saúde. O documento é inovador na tentativa de resgatar valores não apenas científicos, mas humanos nas relações entre profissionais da saúde e seus pacientes. Conforme podemos verificar no documento abaixo, O PNHAH nasceu de uma iniciativa do Ministério da Saúde de buscar estratégias que possibilitassem a melhoria do contato humano entre profissional de saúde e usuário, dos profissionais entre si, e do hospital com a comunidade, visando ao bom funcionamento do Sistema de Saúde Brasileiro (BRASIL, 2001b). 32 Unidade I Re vi sã o: J an an dr éa - D ia gr am aç ão : L éo - 3 1/ 05 /2 01 2 O documento nasce da inatisfação do cidadão com o atendimento aos serviços de saúde como a falta de médicos, de medicamentos e de hospitais. É notório que muito pouco se alterou, mas o documento é inovador ao se preocupar com a relação entre o profissional e o paciente, bem como com a formação dos profissionais da saúde em relação à humanização do atendimento, pois É no processo de formação que se podem enraizar valores e atitudes de respeito à vida humana, indispensáveis à consolidação e à sustentação de uma nova cultura de atendimento à saúde (CALEGARI, 2003, p. 30). Os públicos-alvo do programa seriam: secretarias municipais e estaduais de saúde e hospitais da rede pública do Brasil. Para efetivar as ações abordadas pelo PNHAH em busca de um atendimento com mais qualidade e melhor eficácia, são propostos os seguintes objetivos: • Fortalecer e articular todas as iniciativas de humanização já existentes na rede hospitalar pública. • Melhorar a qualidade e a eficácia da atenção dispensada aos usuários da rede hospitalar brasileira credenciada ao SUS. • Modernizar as relações de trabalho no âmbito dos hospitais públicos, tornando as instituições mais harmônicas e solidárias, de modo a recuperar a imagem pública dessas instituições junto à comunidade. • Capacitar os profissionais do hospital para um novo conceito de atenção à saúde que valorize a vida humana e a cidadania. • Conceber e implantar novas iniciativas de humanização dos hospitais que venham a beneficiar os usuários e os profissionais de saúde. • Estimular a realização de parcerias e intercâmbio de conhecimentos e experiências nessa área. • Desenvolver um conjunto de parâmetros de resultados e sistema de incentivos ao serviço de saúde humanizado. • Difundir uma nova cultura de humanização na rede hospitalar credenciada ao SUS. (BRASIL, 2001b). Para Calegari (2003, p. 34), com o intuito de implantar e multiplicar as metas frente às redes hospitalares públicas, estaduais ou municipais, o programa apresentou quatro planos distintos, assim definidos: • No plano pedagógico: contribuir para a educação continuada,
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