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Autor: Prof. Emerson Quintino Augusto Rezende Colaboradores: Prof. Rodrigo Stolf Prof. Welliton Donizeti Popolim Harmonização e Criatividade em Cardápios Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 Professor conteudista: Emerson Quintino Augusto Rezende Graduado em Medicina Veterinária (1995) e pós‑graduado em Higiene de Alimentos e Vigilância Sanitária pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo – USP (2000), em Gestão e Serviços em Comércio pela Faculdade São Judas Tadeu (1997) e em Didática e Metodologia em Ensino Superior pelo Centro Universitário Anhanguera (2010). Iniciou a docência em Gastronomia em 2005, ministrando disciplinas teóricas e práticas, como Harmonização e Cardápios, Higiene e Vigilância Sanitária, Carnes e Aves, Logística Gastronômica, Peixes e Frutos do Mar, Enologia, e Gestão de Empreendimentos Gastronômicos. É consultor de higiene, cardápios e atendimento a clientes em estabelecimentos alimentícios. Tem formação de sommelier pela Associação Brasileira de Sommeliers – ABS (2013) e de bartender pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – Senac (2012). Docente e conteudista na Universidade Paulista (UNIP) desde 2012. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) R467h Rezende, Emerson Quintino Augusto. Harmonização e Criatividade em Cardápios / Emerson Quintino Augusto Rezende. ‑ São Paulo: Editora Sol, 2018. 88 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIV, n. 2‑022/18, ISSN 1517‑9230. 1. Harmonização de cardápios. 2. Criatividade em cardápios. 3. Cervejas e vinhos. I. Título. CDU 642.09 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona‑Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Elaine Pires Ana Fazzio Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 Sumário Harmonização e Criatividade em Cardápios APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 CERVEJA .................................................................................................................................................................9 1.1 A origem da cerveja ...............................................................................................................................9 1.2 Famílias de cerveja ............................................................................................................................... 13 1.3 Ingredientes ............................................................................................................................................ 14 2 HARMONIZAÇÃO COM CERVEJA .............................................................................................................. 16 2.1 Aguçando os sentidos para uma boa harmonização ............................................................ 16 2.2 Tipos de harmonização com cerveja ............................................................................................ 19 Unidade II 3 VINHOS ................................................................................................................................................................ 27 3.1 Velho Mundo e Novo Mundo .......................................................................................................... 28 3.2 Enólogo, enófilo ou sommelier? ..................................................................................................... 32 4 HARMONIZAÇÃO COM VINHO .................................................................................................................. 35 4.1 Tipos de harmonização com vinho ............................................................................................... 35 4.2 Tipos de vinho e suas harmonizações .......................................................................................... 36 4.3 Tipos de taça........................................................................................................................................... 39 Unidade III 5 CAFÉ ...................................................................................................................................................................... 44 5.1 A origem do café .................................................................................................................................. 44 5.2 Tipos e características ......................................................................................................................... 45 6 DESTILADOS ....................................................................................................................................................... 47 6.1 Principais destilados ............................................................................................................................ 48 Unidade IV 7 DRINKS NÃO ALCOÓLICOS .......................................................................................................................... 61 8 HARMONIZAÇÃO DE CARDÁPIOS ............................................................................................................ 68 7 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 APRESENTAÇÃO A disciplina Harmonização e Criatividade em Cardápios tem como objetivo demonstrar ao aluno a evolução das bebidas alcoólicas e não alcoólicas de acordo com o desenvolvimento das sociedades, das técnicas e dos equipamentos. Busca apresentar aspectos culturais e regionais, sua importância local, mundial e como as bebidas influenciaram nos costumes e na gastronomia como um todo. Foram abordados temas como hábitos de consumo, pratos e bebidas típicos, harmonização com alimentos, processo de descobrimento das bebidas, sua comercialização e também a importância da religião no princípio da produção das bebidas alcoólicas. De igual modo, deu‑se atenção à importância das bebidas alcoólicas nas sociedades antigas e modernas e à maneira como elas influenciaram na globalização. Quanto ao café, discorreu‑se sobre sua trajetória evolutiva, cultura, distribuição e consumo. Tratamos também dos drinks não alcoólicos, que vêm sendo muito solicitados para confraternizações.Vamos ver que a criatividade na montagem de cardápios é responsabilidade do criador do prato ou do drink, mas que depende muito da variedade de ingredientes na região, bem como da sazonalidade dos ingredientes e da facilidade de compra, podendo ser necessário acrescentar ou substituir alguns itens, o que pode ser feito de acordo com as preferências do criador. Experimente e aproveite as sugestões propostas. Não caia na mesmice, siga no caminho da curiosidade e descubra novos prazeres com a harmonização. Bons estudos! INTRODUÇÃO Ao falarmos de bebidas, estamos tratando de costumes e hábitos milenares mundiais que acompanham a sociedade desde o início dos primeiros povoados. A cerveja, por exemplo, era tão importante que na Idade Média foi capaz de criar rotas terrestres e marítimas de comércio, promovendo a comunicação entre povos de diferentes línguas. Podemos chamar tal situação de primeiro intercâmbio ou de globalização comercial. O vinho, por sua vez, era – e é visto – como bebida das elites, mas atualmente vem ganhando espaço no comércio gastronômico como bebida popular devido ao grande comércio – importação e exportação – e à facilidade de ser encontrado em vários lugares que antigamente não comercializavam a bebida. Hoje, o vinho pode ser encontrado em adegas, restaurantes e até nos mais simples, como padarias, mercados de bairro, lojas de conveniência etc. Já o café, com seu poder de socialização sempre presente em nossa cultura, foi exportado por vários países produtores, chegando aos mais remotos e longínquos lugares do globo, com seus variados tipos e subtipos, para atender à demanda dos consumidores. 8 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 Os temas citados serão aprofundados, mas que o aluno não se limite ao conhecimento destes, buscando informações mais específicas do assunto que mais lhe agradar, lembrando que a harmonização é um tema muito amplo no que compete a alimentos e bebidas. 9 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 HARMONIZAÇÃO E CRIATIVIDADE EM CARDÁPIOS Unidade I 1 CERVEJA A definição de cerveja diz que esta é uma bebida carbonatada alcoólica, obtida por meio da fermentação do malte da cevada, ou de outros cereais, e aromatizada com lúpulo. A cerveja é feita de cevada, mas pode ser feita de cereais chamados não maltados, como milho, arroz, aveia, sorgo, centeio, trigo, painço e amaranto. Porém os especialistas costumam dizer que a origem da cerveja vem da cevada e que esta tem que estar presente no processo de produção. O mosto, por sua vez, é conhecido pelo processo de mosturação, ou brassagem, que nada mais é que a mistura do malte triturado com água em temperatura específica, que transforma o amido presente nos cereais em açúcares fermentáveis, dando origem ao álcool e ao gás carbônico. Para transformar o amido em açúcar durante o processo de malteação, as amilases alfa e beta agem naturalmente, ou seja, nada é adicionado para que o processo de transformação ocorra, somente controlam‑se o tempo, a temperatura e as leveduras. Claro que nas atividades industriais existem fatores e técnicas que aceleram o processo, mas, por outro lado, também é por esse fator que os produtos chamados artesanais ganharam desde 2005 um espaço muito grande entre os consumidores de cerveja, culminando em uma revolução no mercado das chamadas cervejas artesanais. Houve um aumento no nível de exigência das cervejas artesanais, o que possibilitou a abertura de novos mercados, gerando mais concorrência, movimentando e criando micro e macrocervejarias. Não vamos entrar na questão química e bioquímica da produção das cervejas, bem como nos detalhes do processo de produção, mas é fundamental que o aluno identifique que o processo de produção é simples, podendo ser natural, mas que também pode ser acelerado, com o objetivo de gerar maior rentabilidade econômica – fundamental para a indústria cervejeira. Por outro lado, a produção artesanal foi criada para uma demanda de consumidores com paladar mais apurado ou que desejava um produto que apresentasse maior qualidade dos ingredientes como diferencial, uma cerveja gourmet, elaborada com ingredientes nobres, feita de maneira mais lenta e com processo de produção primando por qualidade, sem adição de aceleradores (técnicas ou produtos) ou dos chamados adjuntos cervejeiros, carboidratos etc. 1.1 A origem da cerveja Não se pode afirmar com precisão a data das primeiras cervejas – que aqui vamos chamar de cervejas primitivas ou rústicas e que foram produzidas pelo homem até a Idade da Pedra ou período Neolítico –, mas Franco (2001) afirma que sua origem foi na mesma época que o homem deixou de ser nômade e 10 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 Unidade I tornou‑se sedentário, formando os primeiros vilarejos nos quais começou a dominar o plantio de grãos, por volta de 10.000 a.C. Com o homem passando a criar animais e a cultivar cereais para sua subsistência, a cevada, o milho e o trigo eram os grãos eleitos para uma colheita rápida, de fácil estoque e manipulação para a alimentação básica, como pães e sopas. Sabemos também que o início da civilização ocorreu na região da Mesopotâmia, que hoje conhecemos como países da Ásia Menor – Israel, Síria, Iraque, oeste do Irã e sul da Turquia. MESOPOTÂMIA Babilônia EGIPTO Tebas Trópico de Câncer N ilo N ilo Mediterrâneo Golfo Pérsico Mar Vermelho TigreEufrates Damasco Jerusalém Ninive AssurBiblos Sidon Tiro Saïs Crescente Fértil 0 200 400 600 quilômetros 0 200 400 milhas Co rre do r S íri o- Pa le st in ian o JJ Figura 1 – Região da Mesopotâmia O primeiro contato com a cerveja primitiva foi algo que ocorreu totalmente por acaso, ou seja, por meios naturais, quase um acidente. Alguém colheu a cevada, colocou em um recipiente e não armazenou da maneira correta, que seria em um lugar coberto e protegido da chuva. E foi exatamente isso que aconteceu: a água da chuva fez com que os grãos se abrissem para germinar, e, em contato com a água, começou o processo natural de fermentação, pois é quando está para germinar que o grão tem mais amido e origina uma nova planta. O amido é o principal nutriente para a alimentação dos levedos (micro‑organismos). Estes farão a transformação do amido, presente no grão do cereal, em álcool. 11 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 HARMONIZAÇÃO E CRIATIVIDADE EM CARDÁPIOS O mosto, após alguns dias, foi descoberto por alguém que teve a coragem de beber o líquido, gostou e convenceu outros a beber. Foi o primeiro contato do ser humano com o álcool, e sabemos de seus efeitos no corpo humano, promovendo uma “alegria” geral nos consumidores, que, quando ficaram sóbrios, quiseram repetir o processo que havia ocorrido naturalmente, mas de maneira que eles mesmos pudessem controlar a produção, sem depender da natureza para tal fim. Entre erros e acertos, continuaram a produzir a cerveja de gosto rústico. Ela foi sendo melhorada conforme avançavam no domínio dos materiais, recipientes, estocagem, agricultura, fogo, equipamentos e, posteriormente, no conhecimento químico e bioquímico. Continua‑se progredindo até hoje, com novas técnicas, receitas, ingredientes e equipamentos. Saiba mais Você pode encontrar mais informações sobre o início da cultura, da civilização e da história da cerveja nos artigos a seguir: HISTÓRIA da cerveja. 2015. Disponível em: <https://www.brejas.com.br/historia‑cerveja.shtml>. Acesso em: 16 mar. 2018. MENEGHETTI, D. Como é feita a cerveja? Mundo Estranho. 2017. Disponível em: <https://mundoestranho.abril.com.br/ciencia/ como‑e‑feita‑a‑cerveja/>. Acesso em: 16 mar. 2018. A carbonatação é uma técnica fundamental na produção cervejeira. Ela tem influência direta na harmonização com pratos, logo, é de suma importância compreendê‑la. Trata‑se do efeito que produz as bolhas na bebida, formadas no processo de fermentação, mas que tem a importante função de conservar a qualidade da cerveja. A técnica é uma reação química que faz com que aconteça a dissolução do dióxido de carbono (CO2) na água, o que resulta no borbulhamento. É um processo muito utilizado pela indústria de bebidas (refrigerantes, chopes e cervejas). Tem a função de manter as características organolépticas do líquido (propriedades características de um alimento, como cor, sabor, cremosidade e textura) e conservar a validade do produto por mais tempo, desacelerando o desenvolvimento de bactérias e micro‑organismos. A cerveja primitiva não tinha o mesmo paladar, olfato e visual da cerveja atual. Era um líquido muito espesso, de gosto ácido e forte, que possuía o aspecto de um creme. Seu teor alcoólico não tinha um padrão como o de hoje (de 4% a 12,5%), variava muito devido a fatores climáticos – como temperatura ambiente e amplitude térmica –, época da safra e colheita. Amplitude térmica é a diferença da temperatura mínima e máxima de um dia, pois a variação da temperatura ambiente ou do equipamento tem o poder de parar ou aumentar a reação química da fermentação. 12 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 Unidade I Lembrete Os antropólogos afirmam que a invenção da cerveja foi um marco para a socialização, pois, desde os primórdios, faz parte de várias culturas ao redor do mundo. Atualmente é vista como elemento de confraternização, aproximação e envolvimento, está presente em todas as classes sociais e é consumida especialmente em momentos de lazer, como festas, happy hours etc. Segundo Melo (2000), a palavra cerveja vem do latim cervisia ou cerevisia, sendo registrada por Plínio, o Velho (23 a 79 d.C.), e transmitida dos gauleses para os romanos, que adaptaram seu nome aos dialetos locais até chegar ao que hoje conhecemos como cerveja. Embora os registros escritos tenham surgido tardiamente, sabemos por evidências científicas do consumo de cerveja no início das civilizações. Estudos comprovaram por DNA a presença de álcool de cereais na parte interna de fragmentos de cânforas nas regiões da Mesopotâmia, bem como a presença de vinho, também registrado na mesma época e região. Quando comparados os processos de produção, é muito mais fácil e rápido produzir a cerveja pela rapidez na colheita dos cereais, sem uma dependência extrema da natureza, que é justamente o caso dos vinhedos, pois as uvas demoram consideravelmente de uma safra a outra e têm uma dependência climática bastante peculiar. Para produzir vinho, o homem dependia mais da natureza e do uso de técnicas, como maturação e conservação. As civilizações pré‑americanas produziam milho, como foi comprovado quando os espanhóis desembarcaram no que hoje é o México e na América Central. Na África, se cultivava o milhete, um tipo de milho pequeno. Os persas usavam o trigo, e os asiáticos, o arroz. Podemos observar que em todas as culturas produtoras de bebidas alcoólicas houve avanços semelhantes quanto ao desenvolvimento de suas bebidas típicas ou regionais, mas, em um contexto geral, foram avançando conforme o comércio entre os povos foi provocando um intercâmbio comunicativo, mercadológico e também tecnológico. Com o avanço mercadológico, novas rotas foram criadas, provocando contato entre os povos. Consequentemente, esse intercâmbio cultural surgiu com novos ingredientes. As chamadas especiarias, que tanto encantavam os nobres, começaram a transitar entre os continentes, promovendo avanços no que hoje conhecemos como globalização mercantil. Com esses novos ingredientes e com o avanço do comércio entre os países, o homem deu um enorme avanço no conhecimento das chamadas técnicas de conservação na produção da cerveja, como no século IX, com a introdução do lúpulo, que é uma planta trepadeira produzida em uma área restrita do hemisfério norte. 13 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 HARMONIZAÇÃO E CRIATIVIDADE EM CARDÁPIOS Outro importantíssimo fator que divulgou, registrou e aprimorou o processo de produção, comércio e os costumes sociais foram as religiões. Por deterem o conhecimento da escrita, influenciarem todas as classes sociais e, claro, possuírem poder de persuasão pela doutrina religiosa, seus mosteiros, abadias, priorados, catedrais e casas episcopais tinham autorização para produzir cerveja nas épocas específicas do calendário religioso. Com a prática vem a maestria. A cerveja era chamada de pão líquido, pois seus ingredientes eram idênticos aos da produção de pão. Outro fator que monges e abades tinham a seu favor era que, em épocas de jejum, a bebida era como um alimento e tinha permissão para ser consumida no período, com a finalidade de fortalecer e nutrir o corpo, desde que fosse produzida no local. A produção começou a superar o consumo, e o excesso era vendido aos nobres, aos soldados e ao povo em geral, promovendo, assim, cada vez mais, a espera pelo chamado produto sazonal. Cada venda era muito esperada, e havia grande expectativa de que a produção daquele momento superasse em qualidade e sabor a anterior. 1.2 Famílias de cerveja Surgem inúmeras perguntas sobre os subtipos e variações existentes quanto aos tipos de cerveja, ainda mais hoje em dia, dado o surgimento de tantas marcas industriais, gourmets e artesanais novas. É consenso a classificação das famílias das cervejas em três: ales, lagers e lambics (espontâneas). As principais diferenças dessas famílias estão nos seus processos de produção. As ales são produzidas com alta fermentação, ou seja, a temperatura de produção tem que se manter entre 15˚ C e 24˚ C, sendo essa a temperatura ideal para a sobrevivência dos levedos Saccharomyces cerevisiae que farão a fermentação, transformando os açúcares em álcool. As cervejas da família lagers são produzidas em tanques com temperaturas que variam de 5˚ C a 15˚ C. Os levedos específicos são Saccharomyces pastorianus, Saccharomyces uvarum e Saccharomyces carlsbergensis. Esses levedos farão a fermentação do mosto, gerando álcool por meio do açúcar dos carboidratos contidos nos grãos maltados. As lambics são feitas como as cervejas ditas primitivas. Poucos são os locais de produção, como, por exemplo, nas proximidades de Bruxelas, na Bélgica, pois seus levedos são selvagens ou de cepas cultivadas dos levedos selvagens, eles dependem totalmente da ação da natureza de espalhar os pólens e levedos pelo vento, entrando, assim, em contato com o mosto aberto em locais tradicionais. Isto só ocorre em determinada época do ano e em regiões de natureza intocável. Existem marcas industriais desse tipo de cerveja, como a gueuze e kriek, com levedos cultivados Saccharomyces, Brettanomyces e Lactobacillus, que possuem um sabor mais ácido e têm um valor mais elevado por ter um processo de produção lento, sazonal e produzida em menor escala. As cervejas da família lagers representam hoje em dia aproximadamente 90% das cervejas consumidas no mundo, mas têm menos estilos ou subtipos do que as ales. A principal característica que diferencia uma família de cerveja da outra é que a produção depende de controle de temperatura. 14 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on -1 6/ 03 /1 8 Unidade I Lembrete Cerveja artesanal é todo produto feito com processos rigorosos de qualidade, desde a matéria‑prima até o envasamento, tornando o ato de produção mais elaborado. O preparo artesanal é considerado um diferencial, principalmente se comparado ao preparo industrial. No fim do século XIX, quando começou a dominar a fermentação na faixa de baixa temperatura (lagers), o homem já tinha passado pela Revolução Industrial e já possuía o conhecimento e o domínio das leveduras. Uma vez que passamos a controlar a temperatura em recipientes, climatizando equipamentos de lugares de produção, pudemos avançar no processo desse tipo de cerveja, que promove notas herbais e florais. Antes do descobrimento dessa família, as cervejas ales vendiam 98% das cervejas do mundo todo; mas apenas alguns anos após seu surgimento, as lagers já dominavam 70% do mercado de cerveja, sendo, atualmente, as mais consumidas do mundo, com índice aproximado de 90%. Devemos contemplar aqui as outras famílias, elas têm menor importância no comércio mundial de cervejas, mas, nem por isso, devem ser esquecidas. Estas são as cervejas híbridas, que podem ser produzidas tanto com baixa como com alta fermentação. Há poucos estilos, e estão entre eles, por exemplo, vienna, kölsch, altbier e a california common. As cervejas trapistas são consideradas por muitos autores como um estilo à parte, no qual os monges e abades têm um processo pequeno de produção com fabricação dentro dos mosteiros e abadias. Possuem selo internacional ITA (Associação Trapista Internacional), porém esse tipo de associação não permite lucro, devendo os valores recebidos ser doados à caridade. 1.3 Ingredientes Todo consumidor elege sua marca ou estilo de preferência, mas é necessário abrir mão desse costume, pois não se pode definir que uma marca é melhor que todas as outras ou que um estilo de cerveja é superior a todos os outros se não nos propusermos a conhecer (degustar) estilos diversos. Para ter contato com novas experiências gustativas, é preciso estar aberto a novos desafios, a novos gostos. Então, para falar de gosto, devemos mencionar que ele é individual, mas sofre influências desde o nascimento. Seu paladar é formado e influenciado por hábitos, cultura alimentar, regionalidade, religião, tradições etc. O que isso tem a ver com os ingredientes? Tem muito a ver. Algumas religiões não permitem a ingestão de álcool, enquanto outras, em ritual, relacionam o vinho com o sangue de Cristo. Algumas religiões não consomem carne suína, e há cervejas defumadas, que lembram gustativamente o bacon. Tudo isso tem influência na vida do consumidor. 15 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 HARMONIZAÇÃO E CRIATIVIDADE EM CARDÁPIOS No Brasil, até a abertura do comércio internacional, na década de 1990, fomos reféns de poucas marcas cervejeiras. A partir daí, começamos a ter contato com estilos de cerveja antes desconhecidos. Atualmente, possuímos muitas marcas novas, temos acesso à importação, crescemos muito como produtores artesanais e até marcas importadas produzem em nossas terras. Para que esse avanço econômico pudesse acontecer, foi fundamental ter matéria‑prima e demanda. O Brasil tem grande potencial mundial de produção e os ingredientes necessários para tornar isso realidade. A água, fundamental para a produção da cerveja, compõe de 90 a 95% da bebida. Segundo Morado (2009), embora a água seja fundamental para a produção da cerveja, não é necessário que ela seja de alta qualidade, pois, com os processos físicos, químicos e bioquímicos, os filtros industriais podem tornar uma água não tão boa em uma água de excelente qualidade. A tecnologia atual permite adequar a água a cada receita a ser empregada. Malte é o cereal que dará composição à cerveja. Pode ser cevada, centeio, sorgo, milho, trigo, aveia, arroz, painço, amaranto, aveia etc. Para uma bebida ser considerada cerveja, é necessário ter cevada na composição, mas a legislação permite outros cereais. O cereal é a fonte de amido que será convertida nos açúcares necessários aos levedos. Os levedos, também conhecidos como leveduras, fermentos ou micro‑organismos, são acrescentados ao mosto para consumir os açúcares, gerando no líquido fermentado álcool e gás carbônico. Cada fábrica cria sua própria cepa de cultivo, que recebe o nome científico de Saccharomyces sp e pode ser de alta ou de baixa fermentação. O lúpulo, uma planta trepadeira de nome científico Humulus lupulus, mas somente cultivada em algumas regiões do globo (paralelos 35° a 55° norte e sul), é prima da Cannabis sativa, promove aroma, sabor amargo, tem efeito conservante natural e é antioxidante. A flor de lúpulo tem que ser processada industrialmente para ser adicionada ao mosto, e somente a flor fêmea é utilizada na produção da cerveja. Figura 2 – Produção de lúpulo (Humulus lupulus) 16 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 Unidade I Visto os ingredientes essenciais, vamos mencionar os não essenciais, mas que podem fazer toda a diferença no sabor e no aroma de um estilo de cerveja. São as ervas aromáticas, como cidreira e capim‑santo; as frutas, como framboesa e mirtilo; as cascas, como as de limão e laranja; os rizomas e tubérculos, como mandioca e gengibre; as especiarias, como baunilha, cravo e canela; e os açúcares fermentáveis, como mel, melaço e açúcar de beterraba. Atualmente, temos cervejas que são armazenadas em barris de carvalho já utilizados para armazenar vinhos. Esses barris vão propiciar aroma e sabor diferentes à cerveja. O mercado europeu também está experimentando a produção de cerveja de cola, cerveja de laranja e cerveja de limão. Se tais experiências vão obter êxito no mercado, só o tempo dirá, pois se não houver consumo (demanda) não haverá produção (oferta). Ao falar de ingredientes, temos a obrigação de abordar o assunto da Lei da Pureza. Em meados do século XVI, a Alemanha já era uma grande produtora e consumidora de cerveja, gerando interesse do Estado no controle e na arrecadação de impostos sobre ela. O duque Wilhelm IV promulgou a Lei da Pureza em 1516 com o intuito de padronizar a qualidade da produção, restringindo os ingredientes utilizados, que, a partir de então, poderiam ser somente água, cevada e lúpulo. Na época não se tinha o conhecimento sobre micro‑organismos (leveduras, bactérias, fungos etc.). Outros países começaram a adotar leis parecidas com a finalidade de controlar a produção, gerar impostos e, consequentemente, padronizar o processo de produção (ingredientes e técnicas), evitando, assim, transtornos com a saúde pública e tornando a competição igualitária entre todas as empresas produtoras. A B C D Figura 3 – Ingredientes da cerveja. Da esquerda para a direita: água, malte, lúpulo e levedura 2 HARMONIZAÇÃO COM CERVEJA 2.1 Aguçando os sentidos para uma boa harmonização Para iniciarmos a explanação sobre a harmonização, temos de mencionar os quatro sentidos que fazem com que a harmonização aconteça por completo. Falaremos sobre a visão, em seguida sobre o tato, o olfato e o paladar. Vamos detalhar a importância de cada um deles na degustação e na harmonização das cervejas. É na visão que se inicia o processo de preparo à degustação. O visual pode abrir o apetite, e o nosso corpo reage salivando, já sabendo que aquele alimento tem um tipo de gosto conhecido e que pode 17 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 HARMONIZAÇÃO E CRIATIVIDADE EM CARDÁPIOS promover satisfação gustativa. Até mesmo o tipo de copo que acompanha cada estilo de cerveja é uma forma de complementar o visual,promovendo maior interesse àquela degustação. Com a visão, definimos padrões de qualidade, mesmo antes de tocar no alimento, pois a forma, a cor, a altura, a cor da espuma e o copo estar embaçado ou não são indicativos visuais de que a cerveja está em estado normal e dentro dos padrões de preferência. A cor é um elemento de identificação dos estilos de cerveja. O estilo bock (SRM 35) é visualmente bem diferente do pilsen ou do indian pale ale (SRM 10 a 18). O SRM (Standart Reference Method) nada mais é que um dos sistemas internacionais de medição da coloração que cada estilo de cerveja deve ter para não sair do padrão do estilo. No SRM uma medição espectrofotométrica é feita, nela mede‑se de 0 a 40 a absorção de luz na cerveja, sendo esta enquadrada em um respectivo grupo a depender da coloração atingida. Cor SRM 10 20 30 40 Figura 4 – Tabela de cores SRM (Standard Reference Method) Assim, não encontraremos uma pilsen ou uma IPA (indian pale ale) com a medição de SRM 30, pois isso alteraria seu sabor, uma vez que, para ter uma cor mais escura, os maltes seriam tostados ou torrados ou, ainda, corantes seriam adicionados, saindo do padrão que a qualificaria como uma cerveja clara e devendo ser enquadrada em outro estilo de cerveja, como o bock. O tato é de todos os sentidos aqui citados o menos exigido em uma degustação de cerveja, mas, mesmo assim, requer alguns cuidados, pois com o toque sente‑se a temperatura do copo, que é um importante quesito para iniciar a degustação. A temperatura correta de degustação é de três a oito graus Celsius; em temperatura menor que essa as papilas gustativas não serão de todo útil, pois não será possível sentir o gosto em sua plenitude. O olfato precisa ser treinado para perceber sensações que rotineiramente não notamos. Podemos sentir na cerveja o aroma de grama, lúpulo, banana, pão torrado ou tostado, chocolate, defumados, mel, frutas, acidez e especiarias, como canela, alecrim, anis etc. Alguns dos aromas não são adicionados à cerveja, mas são ésteres, componentes orgânicos que resultam do álcool e do ácido. É bom lembrar que esses ésteres são muito desejáveis na família ale, mas nunca esperados nas cervejas da família lagers. Toda essa diferença faz‑se por respeito aos estilos e às suas características típicas. O que é parte específica de um estilo de cerveja pode não ser desejado em outro. 18 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 Unidade I Ao tratar do paladar, chegamos à parte interessante, que representa a cerveja em contato com as dezenas de milhares de papilas gustativas na boca. São elas que nos fazem sentir os alimentos líquidos, sólidos e pastosos. A maneira correta de degustar cerveja é deixá‑la de cinco a oito segundos na boca, permitindo que o líquido circule suavemente para baixo da língua, depois ao céu da boca e às bochechas, pois nossas papilas estão em todas essas partes, não só na língua. Aprimorando a degustação com treino e tempo, poderemos identificar o “corpo” da cerveja, que está relacionado à viscosidade e à fluidez da bebida. Como exemplo de “corpo” da bebida, coloque um gole de água na boca e ingira, logo depois coloque um copo de leite misturado com chocolate meio amargo denso. O efeito será imediato. Assim, se conclui que o que chamamos de “corpo” da bebida equivale, na verdade, às sensações de viscosidade e fluidez. O corpo da cerveja também pode ser comparado com o “peso de boca” que a cerveja possui. Comparamos o peso que promove o copo de leite denso na boca com o copo de água. A comparação é proposital para termos noção da sensação que pode promover um estilo ou outro de cerveja, provando que não são todas iguais em suas características. A seguir, mais alguns conceitos importantes a respeito da cerveja: • Teor alcoólico: cervejas com alto teor alcoólico promovem na boca uma sensação de aumento de temperatura. Sempre utilize o método de degustação descrito anteriormente. • Adstringência: pode ser percebida quando temos a sensação de travamento das laterais da boca, que promove um tipo de secura e depois aumento na salivação. É o efeito do tanino nos maltes torrados ou do lúpulo presente na cerveja. • Carbonatação: sensação facilmente percebida pelo consumidor, bastando deixar a cerveja na boca. É uma sensação frisante, com as pequenas bolhas estourando levemente no céu da boca, como tomar água com gás e depois água sem gás, a diferença é imediata. Lembrete Antes de engolir, devemos manter um pouco a cerveja na boca para degustá‑la melhor. Todas as sensações devem ser aprimoradas com o tempo, sempre buscando estilos diferentes até encontrar o que você mais gosta. Não se feche a novas experiências ou estilos de cerveja, pois, atualmente, existem muitas marcas e muitos países produtores. Uma cerveja de um estilo tem características próprias, mas isso não significa que todas sempre serão iguais no sabor e no aroma. Há variantes de cepa, levedo, lúpulo, receitas secretas dos cervejeiros, variação de cor, ingredientes especiais e muitos outros fatores. 19 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 HARMONIZAÇÃO E CRIATIVIDADE EM CARDÁPIOS Sobre o termo drinkability, frisamos que é um conceito abstrato. Diz respeito à característica agradável que a bebida promove na boca do consumidor, o que a torna fácil e prazerosa de beber. Essas sensações se enquadram em uma cerveja de “corpo leve”. Observação Comece com estilos mais leves e, aos poucos, vá se aventurando em novos estilos, mais lúpulo, outras cores, aromas, espumas, até encontrar um estilo que te deixe satisfeito. Mas atenção: a moderação faz com que você evolua como aprendiz. 2.2 Tipos de harmonização com cerveja É verdade que muitos autores mencionam mais tipos de harmonização do que os três tipos tidos como oficiais. Vamos explanar os três tipos (harmonização por semelhança, contraste e corte) e comentar os outros existentes para abranger de forma mais contundente o assunto em questão. A harmonização não pode ser imposta como uma regra fixa ao consumidor, pois devemos lembrar que gosto não se discute, mas pode ser aperfeiçoado, uma vez que nosso paladar muda com o passar do tempo. Basta lembrar a primeira vez que você colocou na boca um gole de cerveja ou de vinho. Na maioria das vezes, não é uma experiência muito agradável, visto que, em geral, o paladar não é acostumado ao sabor ácido ou amargo. Com o passar do tempo, nos abrimos a novos sabores, a novos aromas e conhecemos outras variedades de alimentos e bebidas. Com a cerveja não é diferente. Muitos consumidores passam a vida toda tendo contato somente com um estilo de cerveja, pilsen (existem mais de 140 estilos de cerveja), e quando degustam uma cerveja mais encorpada, de cor mais escura ou com aroma diferente, não querem nem continuar a provar, dizendo que não é cerveja brasileira. Ressalta‑se que uma pilsen será sempre uma pilsen, mesmo que importada, porém, se tiver ingredientes nobres, apreciadores mais detalhistas notarão que há algo diferente no paladar, ou até no aroma, pois, como vimos, os ingredientes contribuem para uma diferenciação de qualidade no processo de produção e também no sabor do produto final. Embora uma pilsen seja sempre uma pilsen em qualquer lugar do mundo, o sabor será diferente de uma marca para outra pela diferença quantitativa e qualitativa dos ingredientes. Ainda que dentro do mesmo estilo de cerveja, a água, o malte, o lúpulo e os fermentos promoverão diferenças no sabor, e também há o segredo da receita de cada cervejaria no que diz respeito ao tempo de maturação, quantidade e proporção dos ingredientes. As harmonizações que serão mencionadas a seguir servem para qualquer estilo das trêsfamílias de cerveja, mas registramos que, por as cervejas artesanais possuírem um processo de produção mais demorado, primam pela qualidade desde a matéria‑prima até o envase e, com menor volume de vendas, não podem se dar ao luxo de não agradar ao público mais exigente. 20 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 Unidade I Observação Cada família de cerveja tem uma característica própria, como teor alcoólico, cor (SRM), porcentagem de teor alcoólico e IBU (International Biterness Unid), mas, antes de tudo, é necessário escolher um estilo de cerveja, seguir uma receita e atingir os níveis de cada um dos itens que promovem a característica do estilo. Como dito anteriormente, regras de harmonização podem não ser cumpridas à risca, pois o consumidor tem seus hábitos, preferências, cultura alimentar, crenças religiosas etc., tudo isso influencia na alimentação e na ingestão de bebidas com álcool. No Brasil, muito se fala que a marca de cerveja A é melhor que a B, mas que a C vende mais porque tem publicidade na televisão durante o horário nobre. Porém o que devemos perceber é que essa discussão toda não leva a nada nos quesitos evolução e descobrimento de novos estilos. As cervejas A, B e C são do mesmo estilo (ou subgrupo). Os brasileiros consumidores de cerveja estão dando um importante passo na evolução de novos sabores e odores das cervejas industriais e, principalmente, das artesanais – importadas ou não –, pois em uma década houve grande evolução e crescimento das nano, micro e macrocervejarias, sendo que todas elas conseguem sobreviver no mercado entre as grandes indústrias cervejeiras. Isso mostra que o público consumidor evoluiu e aceita pagar mais caro por um produto que imprima mais qualidade e variedade na composição da cerveja, um produto diferenciado, premium, com experiência gustativa nobre e feito com primazia. Atualmente, o consumidor está deixando um pouco de lado um mercado no qual tudo é feito sempre da mesma forma, com a mesma receita e, às vezes, até com ingredientes de baixa qualidade. Para indicar cervejas com pratos ou tipos de alimentos, é preciso relembrar que não existe regra. O consumidor, por seus hábitos alimentares, pode pedir de acordo com suas preferências qualquer tipo de comida para harmonizar com sua bebida favorita. O sommelier, quando solicitado a indicar harmonizações, deve procurar primeiro perguntar ao cliente o que ele vai comer, para só depois indicar três tipos de bebidas, porque nunca devemos impor uma harmonização, e sim deixar o cliente optar pela escolha que mais lhe agradar. Opte por essa técnica de serviço, pois assim o cliente fica à vontade em vários fatores. Ele pode escolher bebidas destiladas, fermentadas, de alto teor alcoólico ou não. Não podemos constranger um cliente indicando somente um tipo de bebida com alto custo. Oferecendo três opções, estamos evitando problemas e dando ao consumidor o pleno controle da situação, de acordo com sua condição financeira e preferência. Indicações de harmonização partem das características sensoriais do alimento, este pode ser gorduroso (frituras), consistente (fibroso, macio) e/ou acompanhar molho (picante, à base de maionese). Há, de igual modo, que considerar o tipo de proteína (bovina, suína, peixe), carboidrato 21 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 HARMONIZAÇÃO E CRIATIVIDADE EM CARDÁPIOS (massa, porção) e salada (condimentos e especiarias). Enfim, a composição do alimento requer tipos diferentes de cerveja. Veja a seguir os tipos de harmonização com cerveja: • Harmonização por semelhança: nada mais é do que a combinação de comida com bebida nos mesmos níveis de complexidade. Alimentos leves com cervejas leves, pratos fortes ou pesados com bebidas fortes e encorpadas. Saladas são pratos leves que harmonizam muito bem com cervejas leves e refrescantes do tipo pilsen e de trigo (weizen). Cervejas mais fortes e encorpadas tendem a harmonizar muito bem com pratos fortes, como baião de dois ou feijoada, e hambúrguer bovino harmoniza com cerveja pale ale. Queijos também harmonizam com cerveja seguindo os mesmos quesitos, queijos leves com cervejas leves, por exemplo, queijo parmesão com cerveja estilo rauchbier, e queijo gorgonzola ou roquefort com cerveja weizenbock ou IPA. • Harmonização por contraste: é quando a harmonização ocorre pelos opostos dos ingredientes, promovendo sensações gustativas muito agradáveis no momento que a bebida limpa as papilas gustativas preparando a boca para o alimento, como cervejas amargas com alimentos adocicados, como uma cerveja Porter harmonizada com chocolate meio amargo ou sobremesas à base de fruta. Também servem de exemplo petiscos salgados com cerveja adocicada witbier ou lambics de frutas. Como deixar de mencionar alguns excelentes contrastes na gastronomia mundial, como porção de batata frita com pilsen (adocicada) e nossa famosa feijoada com as cervejas leves e adocicadas amber ale, weizen ou pilsen. • Harmonização por corte: esse tipo de harmonização tem a função de eliminar, minimizar ou cortar o gosto da comida com a bebida e vice‑versa, fazendo com que o consumidor esteja sempre com as papilas gustativas limpas para sentir o melhor sabor da comida e da bebida. O sal pode ser cortado pelo amargor da cerveja, a gordura pela carbonatação e a acidez de uma macarronada pelo corte do caramelo de uma amber ale ou red ale. Figura 5 22 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 Unidade I Podemos incluir a regionalidade na harmonização. É quando um prato tipicamente regional harmoniza muito bem com a bebida local. Um bom exemplo é a feijoada, que deveria harmonizar por semelhança com uma cerveja escura e encorpada, mas que, comumente, não é apresentada assim. A feijoada harmoniza muito melhor com uma cerveja nacional industrial leve e refrescante pilsen ou com caipirinha, que tem teor alcoólico elevado e é bem doce. Saiba mais Para saber mais sobre a cultura cervejeira, assista aos seguintes documentários: AMERICAN beer. Dir. Paulo Kermizian. EUA: Six Hundred Films, 2004. 105 minutos. BEER wars. Dir. Anat Baron. EUA: Ducks in a Row Entertainment Corparation, 2009. 89 minutos. COMO a cerveja salvou o mundo. EUA: Discovery Channel, 2011. 60 minutos. NOVOS mestres cervejeiros. Dir. Thomas Kolicko. EUA. 2013. 96 minutos. Permita‑se sair da rotina, mudar de marca, estilo ou família de cerveja. Perceba que atualmente as opções são muitas. Mercados pequenos já possuem mais de 15 rótulos de cervejas diferentes, restaurantes já estão se adaptando e oferecendo carta de cerveja com rótulos importados e nacionais, não sendo mais reféns das antigas e poucas marcas nacionais. Há outros quesitos que fazem a harmonização ser descontraída e marcante. A cerveja é um bom complemento a uma boa conversa em local agradável e com pessoas queridas, mas é fundamental que o álcool não controle a situação. Perder o controle pode transformar o que estava prazeroso em um grande transtorno. Divirta‑se com as possíveis combinações. Muitos são os estilos de cerveja existentes e as harmonizações com alimentos. Resumo Nesta unidade aprendemos que as possibilidades de harmonização são quase infinitas, considerando a variedade de estilo, as famílias das cervejas e os tipos e grupos de alimentos. Isso enriquece nossa imaginação e criatividade para montar um almoço ou jantar e pensar em qual estilo de 23 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 HARMONIZAÇÃO E CRIATIVIDADE EM CARDÁPIOS harmonização compor.É interessante, acima de tudo, ter opções, conhecer novos sabores, estilos e marcas de cervejas. Destacamos que os mestres cervejeiros mantêm suas receitas em segredo, mostramos que existem diversas possibilidades de ingredientes que podem ser inseridos na produção da cerveja, e que elementos que vão desde o tempo de maturação até os recipientes (barris de carvalho) podem variar. Para os mestres cervejeiros, limites não existem. Eles podem criar dentro das regras de boa produção, adicionar criatividade, brincar com cores, especiarias, ervas e muitos outros recursos. Pela diversidade de produtos no Brasil, não é impossível encontrar e degustar uma cerveja com jambo, tomate, jabuticaba e até mesmo cervejas florais. A harmonização é uma indicação que soma os sabores da comida e da bebida, promovendo uma melhor sensação do alimento. Quando um prato é harmonizado com uma bebida, esta vira coadjuvante, cabendo ao prato o papel de protagonista. Tal fato se dá porque as características da comida são mais marcantes e influenciam diretamente na escolha da bebida, que deverá apresentar ingredientes e características específicas. Na harmonização, as bebidas também têm a importante função de limpar as papilas gustativas e a boca como um todo: bochecha, céu da boca e embaixo da língua. Assim, o consumidor terá condição de sentir os sabores em sua plenitude, os aromas e as texturas (cremosidade; viscosidade). É importante começar a reparar que o visual também tem fundamental importância na hora da degustação, pois indica se os parâmetros organoléticos estão normais e de acordo com o padrão de exigência do consumidor. As diferenças entre as famílias de cerveja podem e devem ser sentidas pelo aluno, criando novos horizontes para possíveis descobertas e harmonizações, ou pelo simples fato de variar estilos, conhecendo as cervejas tipicamente mais consumidas em outros países. Importante registrar que não existem regras fixas para a harmonização, mas sim sugestões de possíveis harmonizações com cerveja, lembrando que gosto é individual. 24 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 Unidade I Exercícios Questão 1. (Enade 2011) A cerveja é uma bebida fermentada cujo processo de elaboração tem se tornado cada vez mais regulado e controlado. Os ingredientes básicos para a produção dessa bebida incluem a cevada maltada, água, lúpulo e leveduras. Atualmente, o Brasil ocupa posição de destaque mundial como um dos maiores produtores de cerveja. VENTURINI FILHO, W. G. (Ed.). Bebidas alcoólicas: ciência e tecnologia. São Paulo: Editora Blucher, 2010, p. 461 (com adaptação). Com relação à matéria‑prima empregada e aos processos produtivos da cerveja avalie as afirmações que se seguem. I – Depois de cessado o processo de fermentação, no qual as leveduras consumiram o açúcar com produção de etanol, o lúpulo é adicionado e fornece o amargor característico da bebida. II – Além da levedura utilizada na fermentação, as cervejas podem ser adicionadas de bactérias pertencentes ao gênero Lactobacillus e Pediococcus, responsáveis pela maturação do produto. III – O processo de mosturação, no qual se mistura o malte moído à água, em temperaturas controladas, tem por objetivo solubilizar as substâncias do malte e, com o auxílio das enzimas, promover a hidrólise do amido. IV – De acordo com a legislação brasileira que trata da produção de cervejas, o malte de cevada pode ser parcialmente substituído por outros cereais maltados aptos para o consumo humano e por amidos e açúcares de origem vegetal, conhecidos como adjuntos. É correto apenas o que se afirma em: A) I. B) II. C) I e IV. D) II e III. E) III e IV. Resposta correta: alternativa E 25 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 HARMONIZAÇÃO E CRIATIVIDADE EM CARDÁPIOS Análise das afirmativas I) Afirmativa incorreta Justificativa: a função do lúpulo é favorecer a formação da espuma na cerveja e impedir o desenvolvimento de microrganismos, como bactérias, além de promover sabor e aroma amargo. Contudo, ele é adicionado após a filtração do mosto, que ocorre antes da fermentação. II) Afirmativa incorreta Justificativa: não são adicionadas bactérias e sim leveduras para o processo de fermentação. Bactérias podem, inclusive, causar contaminações e/ou prejudicar a fabricação da cerveja. III) Afirmativa correta Justificativa: a mosturação é bastante importante, pois a hidrólise do amido e ação das enzimas são aspecto importantes para a característica final da cerveja. IV) Afirmativa correta Justificativa: além da cevada, outros cereais podem ser utilizados na obtenção do malte, como milho, centeio, trigo, entre outros. Vale ressaltar que a qualidade do malte obtido por fontes diferentes também será diferente. Disso provêm a coloração e o sabor distinto das diversas cervejas. Questão 2. (Enade 2008) Cerveja é uma bebida obtida pela fermentação alcoólica do mosto oriundo do malte de cevada e água potável, por ação da levedura, com adição de lúpulo. As características de sabor e aroma de qualquer cerveja são determinadas, de forma preponderante, pelo tipo de levedura utilizada porque, embora o etanol seja o principal produto de excreção produzido pelas leveduras durante a fermentação do mosto, esse álcool primário tem pequeno impacto no sabor da cerveja, sendo o tipo e a concentração dos vários outros produtos de excreção formados durante a fermentação os responsáveis por essa propriedade. Assinale a opção correta a respeito dessas asserções. A) As duas asserções são proposições verdadeiras, e a segunda é justificativa correta da primeira. B) As duas asserções são proposições verdadeiras, e a segunda não é justificativa correta da primeira. C) A primeira asserção é uma proposição falsa, e a segunda é uma proposição verdadeira. 26 Re vi sã o: E la in e - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 1 6/ 03 /1 8 Unidade I D) A primeira asserção é uma proposição verdadeira, e a segunda é uma proposição falsa. E) Tanto a primeira como a segunda asserções são proposições falsas. Resolução desta questão na plataforma.
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