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SALTÉRIO LITÚRGICO SALMOS E CÂNTICOS DA LITURGIA DAS HORAS SALTÉRIO LITÚRGICO SALMOS E CÂNTICOS DA LITURGIA DAS HORAS COM INTRODUÇÕES, COMENTÁRIO PATRÍSTICO E ORAÇÕES CONCLUSIVAS SECRETARIADO NACIONAL DE LITURGIA IMPRIMATUR Porto, 25 de Março de 1999 Solenidade da Anunciação do Senhor JÚLIO TAVARES REBIMBAS Arcebispo-Bispo Emérito do Porto Comissão Episcopal de Liturgia Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor. © Secretariado Nacional de Liturgia Depósito Legal nº ?????????????? ISBN 972-603-??-?? INTRODUÇÕES, TRADUÇÃO DOS COMENTÁRIOS PATRÍSTICOS E ORAÇÕES PARA OS CÂNTICOS DO ANTIGO E DO NOVO TESTAMENTO: José de Leão Cordeiro ORAÇÕES SÁLMICAS: Pedro Lourenço Ferreira APRESENTAÇÃO Os salmos e os cânticos do Antigo e do Novo Testa- mento são hinos que, sob a inspiração do Espírito Santo, foram compostos pelos autores sagrados. Por sua própria origem são capazes de elevar para Deus o espírito dos homens, de fazer nascer nos seus corações santos e pie- dosos afectos, de os ajudar admiravelmente a dar graças na prosperidade, ou de os consolar e robustecer na ad- versidade (cf. IGLH 100). Com o objectivo de levar os cristãos a utilizá-los na sua oração quotidiana e a entendê-los sempre melhor, dado que tais poemas nasceram numa cultura e num tempo lon- gínquos dos nossos, o Secretariado Nacional de Liturgia preparou esta segunda edição do Saltério Litúrgico, com importantes alterações relativamente à primeira, como se indica a seguir. 1 – Introdução aos salmos. Dado que os salmos e cânticos têm «um sentido literal que, mesmo em nossos dias, não podemos menosprezar» (IGLH 107), cada um deles vai precedido de uma breve introdução, a que demos o nome de sentido inicial, e que pretende facilitar a com- preensão histórica e literal do poema. Aí se indicam, entre parêntesis e em números árabes, os respectivos versículos. As citações aparecem em itálico. Segue-se uma outra introdução, que procura ajudar os que rezam os salmos e os cânticos a captar-lhes o sentido pleno, «particularmente o sentido messiânico, pois foi este o que levou a Igreja a adoptar o Saltério» (IGLH 109). Leva o nome de sentido actual. 2 – Texto do Saltério. O texto propriamente dito dos Salmos e dos Cânticos do Antigo e do Novo Testamento aparece distribuído em quatro semanas, tal como na Liturgia das Horas, e dividido em versículos, estrofes e partes. Os versículos vão numerados, à semelhança do 6 que sucede na Bíblia, mesmo os que foram omitidos no Saltério da Liturgia das Horas.1 Estes últimos vêm entre parêntesis [...], para facilitar o uso litúrgico do salmo. A numeração romana divide, por vezes, alguns salmos em partes, segundo as circunstâncias. 3 – Comentário patrístico. A seguir ao texto do sal- mo ou do cântico vem o comentário de Santo Agostinho, que explicou «todo o saltério como profecia referente a Cristo e à Igreja», tal como o fizeram os outros Santos Padres, «interpretação que, no geral, é legítima», pois nos salmos eles «ouviram Cristo a clamar ao Pai ou o Pai a dirigir-Se ao Filho, ou reconheceram neles até a voz da Igreja, dos Apóstolos e dos Mártires» (IGLH 109). Espe- ramos que o comentário do grande bispo e catequista de Hipona ajude os utilizadores do Saltério Litúrgico a sabo- rear ainda mais a beleza dos poemas inspirados por Deus. 4 – Orações conclusivas. Este Saltério foi ainda en- riquecido com orações sálmicas, também chamadas colec- tas salmódicas, que «ajudam a quem recita os salmos a entendê-los num sentido predominantemente cristão» (IGLH 112), e com orações para os cânticos do Antigo e do Novo Testamento. Estas orações «podem-se utilizar li- vremente, de acordo com a antiga tradição, da seguinte maneira: terminado o salmo ou o cântico, após uns mo- mentos de silêncio, reza-se a colecta, como que a resumir os afectos de quem salmodia e a concluir a oração» (IGLH 112). Algumas destas orações provêm da tradição 1 Além dos salmos 57, 82 e 108, foram omitidos da oração da Liturgia das Horas os versículos e Aleluia cujos números vão impressos em itálico, pertencentes aos salmos que vão impressos a negro; 20, 9-13; 27, 4-5; 30, 18-19; 34, 3ab.4-8.20-21. 24-26; 39, 15-16; 53, 7; 54, 16; 55, 8; 58, 6-8.12-16; 62, 10-12; 68, 23-29; 78, 6-7.12; 109, 6; 134, 1; 110, 1a; 111, 1a; 112, 1a; 113A, 1a; 114, 1a; 116, 1a.2c; 117, 1a; 134, 1a.21c; 135, 1a; 136, 7-9; 138, 19-22; 139, 10-12; 140, 10; 142, 12; 145, 1a.10c; 146, 1a; 147, 20c; 148, 1a.14d; 149, 1a.9a; 150, 1a.5d. APRESENTAÇÃO 7 litúrgica romana, africana e hispânica, outras são de composição moderna, traduzidas e adaptadas do «Le Psautier de la Bible de Jérusalém», mas a maior parte foram compostas para esta edição. 5 – Uso litúrgico dos salmos. No fim de cada oração conclusiva vem indicado o uso litúrgico do salmo ou do cân- tico, segundo os livros litúrgicos, seguido do número do versículo que justifica o uso desse salmo ou cântico. 6 – Apêndices. No apêndice I apresentam-se vários salmos e cânticos, que não fazem parte do Saltério distri- buído em quatro semanas. Em primeiro lugar o salmo 94, Invitatório a todo o Ofício Divino; a seguir, os salmos 57, 82 e 108, omitidos na Liturgia das Horas devido ao seu carácter imprecatório (cf. IGLH 131); depois, vários cânticos do Antigo Testamento e um do Novo Testamento, utilizados nas vigílias litúrgicas (cf. IGLH 73) e nalgumas solenidades especiais; por fim, os três cânticos evangélicos: Benedictus, Magnificat e Nunc dimittis. Todos estes sal- mos e cânticos, com excepção dos que são utilizados nas vigílias, vão acompanhados de suas introduções e comen- tário patrístico. O apêndice II é a lista dos salmos e dos cânticos, com a indicação da origem do comentário de Santo Agostinho e da Hora e dia em que são rezados. O apêndice III é a lista das obras de Santo Agostinho, das quais foram tirados os comentários dos salmos e cânticos da Liturgia das Horas. O apêndice IV é a distribuição dos Salmos na Liturgia das Horas. O apêndice V é um índice temático-litúrgico dos salmos. O apêndice VI é um índice de temas dos comentários de Santo Agostinho. Advertência muito importante Para elaborar estas introduções aos salmos e cânticos da Liturgia das Horas, servimo-nos do trabalho de in- vestigação intelectual de muitos autores que consultámos APRESENTAÇÃO 8 e resumimos. Não é fácil organizar saberes diversos e por vezes opostos, num discurso coerente. Apesar disso, atrevemo-nos a fazê-lo. O resultado é da nossa respon- sabilidade exclusiva. A elaboração do texto é nossa; as ideias, essas pertencem-nos a nós e a vários autores, que não citámos a cada momento para não dificultar a leitura da própria introdução O sentido inicial e o sentido actual de cada salmo e cântico resumem, em poucas linhas, aquilo que os autores de duas obras, cujo valor científico é sobejamente conhe- cido, explicam em mais de duas mil páginas: SALMOS (2 volumes), de Luís Alonso Schökel e Cecília Carniti, edito- rial Verbo Divino (1992), e LES LOUANGES DU SEIGNEUR, de Maurice Gilbert, editorial Desclée (1991). Consultámos ainda outras obras, entre as quais salientamos três, que se indicam pela ordem decrescente das datas de publicação: SAINT AUGUSTIN PRIE LES PSAUMES, de A. G. Hamman, edi- torial Desclée (1980); PSAUTIER CHRÉTIEN (4 volumes), edi- torial Téqui (1975); LES PSAUMES (4 volumes), de M. Manatti e E. de Solms, editorial Desclée (1966). As traduções dos comentários de Santo Agostinho foram feitas a partir do respectivo texto latino das Enarrationes in psalmos. Caberá àqueles que vierem a servir-se destes subsídios, fazê-lo da maneira que julgarem mais conveniente. Cada um tem valor por si mesmo. Consoante as situações, pode alguém servir-se deles, no todo ou em parte, para compreender melhor o sentido da sua oração pessoal ou para ajudar uma comunidade a orar. Dar-nos-emos por satisfeitos se este trabalho vier a ser útil, nem que seja a um só dos seus utilizadores. José de Leão Cordeiro APRESENTAÇÃO SEMANA I DOMINGO I Vésperas I Salmo140 (141) SENTIDO INICIAL Este salmo é uma súplica, difícil de interpretar. O salmista, certamente um fiel que vive em ambiente hostil à fidelidade a Deus, talvez no exílio, pede ao Senhor que escute a sua voz (1). Ele deseja que a sua oração suba até Deus como incenso e que as suas mãos se elevem como oblação da tarde, o que leva a pensar em alguém ligado ao culto (2). Guardai da maledicência a minha boca e os meus lábios, para não negar a minha fé, suplica ele com insistência (3), não me deixeis inclinar para o mal, nem tomar parte nos banquetes sagrados dos pagãos, nem seduzir pela vida fútil dos ímpios (4-5), cujos chefes rece- beram o castigo das iniquidades cometidas (6-7). Para Vós se voltam os meus olhos, defendei-me do laço e das ciladas dos malfeitores (8-9). 10 SENTIDO ACTUAL Toda a tradição cristã considerou este salmo como o cântico vespertino por excelência, por causa do versículo suba até Vós, Senhor, a minha oração como incenso, ele- vem-se as minhas mãos como oblação da tarde, que o livro do Apocalipse comenta assim: «Das mãos do Anjo subiu à presença de Deus o fumo do incenso, juntamente com as orações dos santos» (Ap 8, 4). A Liturgia das Horas começa, por ele, o ciclo do Saltério distribuído em quatro semanas. O gesto do orante que eleva as mãos durante a oração vespertina, recorda o de Jesus Cristo, de mãos estendidas na cruz, oferecendo o seu sacrifício pascal pela salvação de todos os homens. O salmo, a começar pelo seu título – oração na adver- sidade e nas fraquezas da vida – é um convite a tomar consciência das contínuas tentações que, todos os dias, põem em perigo a nossa fidelidade, a recorrer ao Senhor para que nos socorra sem demora, a pedir-Lhe que defenda a porta dos nossos lábios e não deixe o nosso coração in- clinar-se para o mal, nem praticar a iniquidade com os malfeitores, e a implorar-Lhe que o óleo dos ímpios nunca nos perfume a cabeça. No Evangelho, Jesus recomendou a todos os seus discípulos: «Vigiai e orai para não cairdes em tentação» (Mt 26, 41) e no Pai nosso ensinou-nos a pedir: «Não nos deixeis cair em tentação» (Mt 6, 13). Com palavras idênticas orava já o autor deste salmo. DOMINGO I 11 Salmo 140 (141), Oração na adversidade Das mãos do Anjo subiu à presença de Deus o fumo do incenso, juntamente com as orações dos santos (Ap 8, 4). 1 Senhor, a Vós clamo; socorrei-me sem demora, * escutai a minha voz quando Vos invoco. 2 Suba até Vós a minha oração como incenso, * elevem-se minhas mãos como oblação da tarde. 3 Guardai, Senhor, a minha boca, * defendei a porta dos meus lábios. 4 Não deixeis meu coração inclinar-se para o mal, * nem praticar a iniquidade com os malfeitores, † nem tomar parte em seus lautos banquetes. 5 Castigue-me o justo * e repreenda-me com misericórdia, mas o óleo dos ímpios nunca me perfume a cabeça; * enquanto fazem o mal, não deixarei de rezar. 6 Os seus chefes foram precipitados contra o rochedo * e compreenderam como eram suaves as minhas palavras. 7 Tal como terra cavada e lavrada, * foram seus ossos dispersos à boca do abismo. 8 Para Vós, Senhor Deus, se voltam os meus olhos; * em Vós me refugio, não me desampareis. 9 Defendei-me do laço que me prepararam, * defendei-me das ciladas dos malfeitores. [10 Caiam os ímpios em suas próprias armadilhas, e eu prossiga livremente o meu caminho.] Glória ao Pai e ao Filho * e ao Espírito Santo, como era no princípio * agora e sempre. Amen. VÉSPERAS I 12 COMENTÁRIO DE SANTO AGOSTINHO «Senhor, a Vós clamo; socorrei-me sem demora. Isto podemos dizê-lo todos nós. Não o digo eu; é o Cristo total que o diz. De facto, estas palavras foram ditas especial- mente em nome do corpo, porque, enquanto o Senhor estava neste mundo, orou como homem, e orou ao Pai em nome do corpo; e enquanto orava, caíam de todo o seu corpo gotas de sangue. Suba até Vós a minha oração como incenso, elevem-se minhas mãos como oblação da tarde. Todo o cristão sabe que esta expressão costuma atribuir-se à própria cabeça da Igreja. Na verdade, foi ao cair da tarde daquele dia que o Senhor voluntariamente entregou na cruz a vida que viria a retomar. Também ali estávamos nós representados. Com efeito, o que esteve suspenso na cruz foi o que Ele tomou da nossa natureza. Como seria possível que o Pai abandonasse algum momento o seu Filho unigénito, sendo ambos um só Deus? Todavia, ao cravar a nossa frágil natureza na cruz, clamou com a voz da nossa humanidade. Eis, portanto, o verdadeiro sacrifício vespertino: a paixão do Senhor, a cruz do Senhor, a oblação da vítima salutar, o holocausto agradável a Deus. E na ressurreição, aquele sacrifício vespertino converteu-se em oferenda matinal. Assim, a oração que se eleva, com toda a pureza, de um coração fiel, é como incenso que sobe do altar santo. Nenhum outro perfume é mais agradável a Deus; este incenso todos o devem oferecer ao Senhor». ORAÇÃO SÁLMICA Senhor, o vosso nome é digno de ser louvado desde o nascer ao pôr do sol. Suba até Vós a nossa oração como incenso na vossa presença e elevem-se para Vós as nossas mãos, como sacrifício da tarde. Por Nosso Senhor. Vésperas I Domingo I. DOMINGO I 13 Salmo 141 (142) SENTIDO INICIAL O salmista é um homem perseguido que em alta voz clama ao Senhor (2), pondo diante d’Ele a sua aflição e pedindo o seu auxílio (3). Ao descrever a perseguição que os inimigos lhe movem, pois esconderam um laço na senda que ele vai trilhando (4), e o abandono em que se vê, a ponto de não encontrar refúgio em ninguém (5), clama por Deus, sua herança na terra dos vivos (6), o único que o pode livrar dos seus perseguidores (7), e faz a promessa de dar graças ao seu nome se o Senhor o tirar da prisão em que se encontra (8). SENTIDO ACTUAL Os Padres da Igreja meditaram este lamento do salmista à luz do mistério pascal de Cristo. «Tudo o que descreve o salmo se realizou no Senhor durante a sua paixão», escreve S. Hilário, Bispo de Poitiers. A alusão aos laços que os perseguidores armaram a este homem na senda que ia trilhando, a referência à sepultura a que o salmista chama prisão e à exaltação na terra dos vivos, símbolo da ressurreição e ascensão ao céu, fazem deste poema uma profecia do mistério pascal, muito próprio para iniciar a celebração do dia do Senhor, como salmo pascal e dominical. Cristo, perseguido e crucificado, ora ao Pai, pondo diante d’Ele a sua aflição e descobrindo-Lhe a sua an- gústia, e Deus tira-O da prisão do túmulo e dá-Lhe em herança a terra dos vivos. Ele ora em nós e connosco, os justos que O aclamam pelo bem que nos fez, e que se reúnem, à sua volta, cada domingo. Por outro lado, nós cantamos-Lhe este salmo, dando graças ao seu nome e di- rigindo-Lhe a nossa súplica, a Ele que é o nosso refúgio e o nosso abrigo. VÉSPERAS I 14 Salmo 141 (142) Vós sois o meu refúgio Tudo o que descreve o salmo se realizou no Senhor durante a sua paixão (S. Hilário). 2 Em alta voz clamo ao Senhor, * em alta voz imploro o Senhor. 3 Ponho diante d’Ele a minha aflição, * diante d’Ele descubro a minha angústia. 4 Quando me desfalece o ânimo, * Vós conheceis o meu caminho. Na senda que vou trilhando, * esconderam um laço. 5 Olhai à direita e vede: * não há quem se interesse por mim. Não encontro refúgio, * não há quem olhe pela minha vida. 6 Clamei por Vós, Senhor; * disse: Sois o meu abrigo, † a minha herança na terra dos vivos. 7 Atendei o meu clamor: * estou reduzido à miséria. Livrai-me dos meus perseguidores: * eles são mais fortes do que eu. 8 Tirai-me desta prisão * e darei graças ao vosso nome. Os justos hão-de rodear-me, * pelo bem que me fizestes. DOMINGO I 15 COMENTÁRIO DE SANTO AGOSTINHO «Muitos clamam ao Senhor, não com a voz do seu espírito, mas com a voz do seu corpo. O homem interior, no qual Cristo começou a habitar pela fé, clama ao Senhor em alta voz, isto é, não pelo ruído dos seus lábios, mas pelo afecto do seu coração. Não é onde o homem ouve que Deus ouve; se não clamas com a voz dos pulmões, do peito e dos lábios, o homemnão te ouve, mas o teu pensamento é clamor para o Senhor. O teu clamor é a tua oração. Ninguém vê o teu pensamento, mas Deus vê-o. Coloca, pois, a tua oração diante do Senhor, lá onde apenas vê Aquele que recompensa. Nosso Senhor Jesus Cristo man- dou-te orar no quarto mais secreto. Se conheces o teu quarto mais secreto e o limpas, ali poderás orar ao Senhor. Está em nosso poder fechar a porta, a porta do coração entende-se, não a da parede, para não dar espaço algum ao tentador. Portanto, se acreditaste e abriste a porta a Cristo, fecha-a ao demónio. Cristo está dentro, estabe- leceu aí a sua morada. Põe diante d’Ele a tua oração». ORAÇÃO SÁLMICA Senhor, nosso refúgio na tribulação, atendei a voz da nossa súplica e completai em nós o que falta à paixão de Cristo, a fim de alcançarmos a herança celeste na terra dos vivos e darmos graças ao vosso nome. Por Nosso Senhor. Vésperas I Domingo I. VÉSPERAS I 16 Cântico Filip 2, 6-11 SENTIDO INICIAL São Paulo utiliza este hino primitivo para dizer aos Filipenses que Jesus Cristo, de condição divina (6), Se fez semelhante aos homens (7) e experimentou em Si todo o sofrimento humano, até à morte de cruz (8). Foi esse o caminho seguido pelo Servo sofredor (Is 53), que Se tor- nou o Homem Salvador. Por isso Deus O exaltou, ressus- citando-O de entre os mortos e dando-Lhe o nome que está acima de todos os nomes (9-10), a fim de que os anjos, os homens e os demónios O proclamem Senhor, e desse modo Deus Pai seja glorificado por toda a criação (11). SENTIDO ACTUAL Este cântico de Vésperas é um dos mais belos hinos da comunidade cristã do tempo dos Apóstolos, em honra de Cristo e do seu mistério pascal, pelo qual Jesus resta- beleceu a comunhão da humanidade com Deus, rompida pelo pecado do primeiro homem. No começo dos tempos, Adão, que era simples homem, desejando ser como Deus e não morrer, comeu do fruto proibido, desobedecendo a Deus; na plenitude dos tempos, Cristo, que é Deus, tornou-Se semelhante aos homens, obedecendo até à morte e morte de cruz. O despojamento de Cristo levou o Pai a manifestar o seu novo amor pela humanidade, exaltando Jesus que apa- recera como homem, dando-Lhe o nome que está acima de todos os nomes, e fazendo com que todas as criaturas se ajoelhem diante d’Ele, adorando-O, pois é o Senhor. Pela sua obediência, Cristo realizou o novo amor dos homens para com Deus e restabeleceu a comunhão inter- rompida pelo primeiro homem. Por Cristo, com Cristo e em Cristo, toda a humanidade passou da terra ao céu, da inimizade à amizade com Deus. É este o mistério pascal, que celebramos cada domingo, como o estamos a fazer nesta celebração de Vésperas no dia do Senhor. DOMINGO I 17 Cântico Filip 2, 6-11 Cristo, o Servo de Deus 6 Cristo Jesus, que era de condição divina, * não Se valeu da sua igualdade com Deus, † 7 mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a condição de servo, * tornou-Se semelhante aos homens. 8 Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, * obedecendo até à morte e morte de cruz. 9 Por isso Deus O exaltou * e Lhe deu o nome que está acima de todos os nomes, 10 para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem, * no céu, na terra e nos abismos, 11 e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor, * para glória de Deus Pai. COMENTÁRIO DE SANTO AGOSTINHO «Cristo Jesus, que era de condição divina, aniqui- lou-Se a Si próprio, assumindo a condição de servo, mas sem deixar de ser Deus. Graças a esta condição de servo, o invisível fez-Se visível ao nascer do Espírito Santo e da Virgem Maria. Nesta condição de servo, o Todo-poderoso tornou-Se débil ao padecer sob Pôncio Pilatos. Nesta condição de servo, o imortal morreu, porque foi crucificado e sepultado. Nesta condição de servo, o rei dos séculos ressuscitou ao terceiro dia. Nesta condição de servo, o criador das coisas visíveis e invisíveis subiu ao céu que nunca deixou. Nesta condição de servo, Ele, que é o braço do Pai, está sentado à direita do Pai. Nesta condição de servo há-de vir julgar os vivos e os mortos, porque nela quis participar da sorte dos que morrem, não obstante ser a vida dos vivos. VÉSPERAS I 18 Não nos envergonhemos do nome de Cristo. Sofreu a morte de cruz, mas se não tivesse derramado o seu sangue, ainda continuaria por pagar o documento da nossa dívida. Sim, é verdade, acredito num homem humilhado até à morte, mas quem é esse homem? Quem veio e que recebeu? Naquilo que recebeu de nós, mostrou-te o que tu és e o que serás quando chegar a hora do prémio. O nascer e o morrer conhecia-lo bem, mas ignoravas o ressuscitar e o subir ao céu. Ele tomou o que sabias e mostrou-te o que ignoravas. A ressurreição do Senhor é a nossa esperança e a sua exaltação a nossa glória». ORAÇÃO Senhor, que na vossa infinita sabedoria exaltastes o vosso Filho e Lhe destes um nome que está acima de todos os nomes, fazei-nos proclamar na terra o seu louvor e con- templar no céu a glória do seu triunfo pascal. Por Nosso Senhor. Vésperas I Domingo I, II, III, IV. DOMINGO I 19 Ofício de Leitura Salmo 1 SENTIDO INICIAL O poema de abertura do saltério, que é mais um convite do que uma oração, começa, tal como o sermão da montanha, por uma bem-aventurança: Feliz o homem. São Jerónimo chamava-lhe “pórtico de entrada do grande palácio do livro dos salmos”. Nele se afirma que existem dois caminhos que todo o homem e toda a mulher podem percorrer: o caminho dos justos, palmilhado por aquele que se compraz na lei do Senhor e nela medita dia e noite, e que leva a Deus (1-3), e o caminho dos pecadores, aos quais o salmista chama ímpios, que afasta de Deus e leva à perdição (4-6). O caminho é a conduta de cada um, o seu modo de viver. SENTIDO ACTUAL Ser feliz é o ideal de toda a vida humana, e o primeiro poema do saltério começa por uma proposta de felicidade: Feliz o homem. Mais do que nenhum outro, Jesus Cristo foi o Homem que pôs em prática este salmo. Ele não seguiu o conselho dos ímpios: «O meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que Me enviou» (Jo 4, 34). Toda a tradição cristã viu, na árvore plantada à beira das águas, um símbolo da cruz de Cristo, árvore da vida, da qual recebemos os frutos. Maria, mãe de Jesus, foi a primeira a recebê-los, antes mesmo da sua Conceição e por isso é a Imaculada, a «bendita entre as mulheres» (Lc 1, 42), porque realizou, como ninguém, a palavra do seu Filho: «Felizes os que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática» (Lc 11, 28). OFÍCIO DE LEITURA 20 Como mais tarde o viria a fazer o Evangelho, também os salmos prometem a felicidade a quem escolhe o caminho dos justos. Para nós, depois da encarnação do Verbo, esse caminho é Cristo: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida» (Jo 14, 6). Perseverar n’Ele é graça que se pede e se recebe, e não simples fruto do querer humano. Os antigos monges rezavam os salmos do Ofício Divino uns a seguir aos outros, pela ordem em que se encontram no saltério. A presença do salmo 1, seguido imediatamente dos salmos 2 e 3 no Ofício de Leitura deste Domingo, é o caso mais flagrante onde esse princípio se verifica ainda hoje na Liturgia das Horas. Salmo 1 Os dois caminhos Felizes daqueles que, pondo toda a sua esperança na cruz, desceram à água do Baptismo (Um autor do séc. II). 1 Feliz o homem que não segue o conselho dos ímpios, * não se detém no caminho dos pecadores, † nem toma parte na reunião dos maldizentes: 2 mas antes se compraz na lei do Senhor * e nela medita dia e noite. 3 É como árvore plantada à beira das águas: † dá fruto a seu tempo e sua folhagem não murcha. * Tudo quanto fizer será bem sucedido. 4 Não assim, não, os ímpios: * são como palha que o vento leva. 5 Os ímpios não se aguentarão em julgamento, * nem os pecadores na assembleia dos justos. 6 O Senhor vela pelo caminho dos justos, * mas o caminho dos pecadores leva à perdição. DOMINGO I 21 COMENTÁRIO DE SANTO AGOSTINHO «Este salmo refere-se à pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo, cabeça e membros. Ele foi o único que nasceu de Maria, sofreu, foi sepultado,ressuscitou, subiu ao céu, e agora está sentado à direita do Pai e intercede por nós. Se Cristo é nossa cabeça, nós somos seus membros. A Igreja inteira, espalhada por toda a terra, é o seu corpo, mas a cabeça do corpo é Ele. Todos os fiéis, não apenas os que vivem hoje, mas também aqueles que vi- veram antes de nós e os que viverão depois de nós, até ao fim dos tempos, fazem parte deste corpo cuja cabeça subiu ao céu. Nós conhecemos, portanto, a cabeça e o corpo: a cabeça é Ele, nós somos o corpo. Quando ouvimos a sua voz, devemos reconhecer nela a da cabeça e a do corpo, porque tudo o que Ele sofreu, sofremo-lo nós n’Ele, e o que nós sofremos, sofre-o Ele em nós. Se a cabeça sofre, pode a mão dizer que não sofre? Se a mão sofre, pode dizer a cabeça que não sofre? Quando um dos nossos membros sente qualquer dor, todos os outros acorrem em sua ajuda. Se, quando Ele sofreu, também nós sofremos n’Ele, agora, que está sentado à direita de Deus, tudo o que Igreja sofre – tribulações deste mundo, tentações e angústias, que nos purificam como o ouro no fogo – o sofre Ele também. Cristo, une, portanto, a cabeça e o corpo, pelo que, na sua voz, nós reconhecemos a nossa, e na nossa Ele reco- nhece a sua. Escutemos, portanto, o salmo, e nele ou- viremos falar Cristo». ORAÇÃO SÁLMICA Senhor, que no vosso Filho nos indicastes o caminho, a verdade e a vida, fazei que, meditando dia e noite na vossa lei, encontremos a luz da vossa verdade, e a força da água da vida nos faça produzir frutos de vida eterna. Por Nosso Senhor. OL Domingo I; Advento; Quaresma; Páscoa 3; Catecumenado; Comum dos Santos. OFÍCIO DE LEITURA 22 Salmo 2 SENTIDO INICIAL Este salmo, que é uma pergunta seguida de várias res- postas, descreve, em primeiro lugar, o tumulto e a revolta dos povos contra o Senhor e contra o seu ungido (1-3) e depois a réplica que lhes é dada por Deus: Fui Eu quem ungiu o meu Rei (4-6). É então a vez do ungido do Senhor proclamar que foi feito herdeiro e rei do universo: Ele disse-me: “Tu és meu filho, Eu hoje te gerei” (7-9), antes do próprio salmista se dirigir aos chefes e aos juizes deste mundo e de lhes dizer: Servi o Senhor, aclamai-O; felizes todos os que n’Ele confiam (10-12). Trata-se de um salmo claramente messiânico, por detrás do qual se adivinha o oráculo de Natã a David: «Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho» (2 Sam 7, 14). Sobre cada novo rei de Israel repousava a esperança mes- siânica suscitada pela profecia que veio a realizar-se, em plenitude, em Jesus de Nazaré. SENTIDO ACTUAL A Igreja apostólica interpretou a revolta dos chefes ju- daicos e das autoridades romanas contra Jesus e contra os primeiros responsáveis da comunidade cristã de Jerusa- lém, como realização da profecia deste salmo: «Realmente, Herodes e Pôncio Pilatos coligaram-se nesta cidade com as nações e os povos de Israel contra Jesus, o Santo Servo de Deus» (Act 4, 27). Agora, este Filho «que Deus res- suscitou dos mortos para não mais voltar à corrupção» (Act 13, 34) e «que é o resplendor da glória» de Deus, co- locado acima dos anjos (Heb 1, 4-5), reinará «sobre todas as nações» (Ap 12, 5), mas a sua realeza nada tem a ver com a dos homens que dominam os povos, porque «não é deste mundo» (Jo 18, 36). As antífonas do Tempo comum DOMINGO I 23 e do Tempo pascal orientam a nossa oração para Cristo ressuscitado e glorificado. O combate contra o Senhor e o seu ungido prossegue até ao fim dos tempos na pessoa dos mais pobres. Quando alguém é maltratado, onde quer que seja, é o drama do Messias rejeitado e morto que se repete. Mas a mensagem deste poema é muito importante, por afirmar que o resultado final da luta entre as forças do bem e do mal, terminará pela vitória de Deus e do seu Cristo. Salmo 2 O Messias, rei e vencedor Coligaram-se contra Jesus, vosso Servo, a quem ungistes (Actos 4, 27). 1 Porque se agitam em tumulto as nações * e os povos intentam vãos projectos? 2 Revoltam-se os reis da terra * e os príncipes conspiram juntos † contra o Senhor e contra o seu Ungido: 3 «Quebremos as suas algemas * e atiremos para longe o seu jugo». 4 Aquele que mora nos céus sorri, * o Senhor escarnece deles. 5 Então lhes fala com ira * e com sua cólera os atemoriza: 6 «Fui Eu quem ungiu o meu Rei, * sobre Sião, minha montanha sagrada». 7 Vou proclamar o decreto do Senhor. * Ele disse-me: «Tu és meu filho, Eu hoje te gerei. 8 Pede-me e te darei as nações por herança * e os confins da terra para teu domínio. 9 Hás-de governá-los com ceptro de ferro, * quebrá-los como vasos de barro». OFÍCIO DE LEITURA 24 10 E agora, ó reis, tomai sentido, * atendei, vós que julgais a terra. 11 Servi ao Senhor com temor, aclamai-O com respeito. * 12 Reverenciai-O para que não Se irrite e fiqueis perdidos; porque num repente se inflama a sua ira. * Felizes todos os que confiam no Senhor. COMENTÁRIO DE SANTO AGOSTINHO «O letreiro colocado sobre a cruz de Cristo, designava-O como Rei dos judeus. Deste modo, o Salvador mostrou que nem sequer causando-Lhe a morte, os judeus podiam impedir que fosse rei Aquele que há-de vir com poder e glória, para dar a cada um segundo as suas obras. Está escrito no salmo: Fui Eu quem ungiu o meu Rei sobre Sião, minha montanha sagrada. A inscrição foi escrita em três línguas, em hebraico, em grego e em latim, para indicar que Ele reinaria não só sobre os judeus mas sobre os pagãos. Depois de ter dito, dirigindo-se aos judeus, fui Eu quem ungiu o meu Rei so- bre Sião, minha montanha sagrada, o salmo acrescenta, visando os gregos e os latinos: Tu és meu filho, Eu hoje te gerei. Pede-me e te darei as nações por herança e os confins da terra para teu domínio. Os povos pagãos não falam apenas o grego e o latim, mas essas duas línguas são as que mais se distinguem: a língua grega, pela sua literatura, a língua latina, pela habilidade política dos romanos. Essas três línguas signi- ficavam que o conjunto dos povos viria a reconhecer a soberania de Cristo. Contudo, a inscrição não dizia rei das nações, mas rei dos judeus, para lembrar desse modo a origem dos cristãos. Está escrito: A lei virá de Sião, e de Jerusalém a palavra do Senhor. Embora os filhos do reino, que não quiseram que o Filho de Deus fosse seu rei, se tenham lançado por um DOMINGO I 25 tempo nas trevas, muitos de entre eles virão do Oriente e do Ocidente para tomar parte no banquete, não com Platão e com Cícero, mas com Abraão, Isaac e Jacob, no reino dos céus». ORAÇÃO SÁLMICA Senhor Deus, que gerastes o vosso Filho Jesus Cristo e O consagrastes Rei de Sião, a vossa Igreja, e lhe destes a vitória sobre os seus inimigos, concedei que O reco- nheçamos e O sirvamos para podermos escapar da sua ira e tomar parte no seu reino. Ele que é Deus convosco, na unidade do Espírito Santo. OL Domingo I; Natal 7; Epifania 10; Paixão 2; Páscoa 7.12; Cristo Rei 6.7; Cristãos perseguidos 13. Salmo 3 SENTIDO INICIAL Este salmo é a expressão da confiança em Deus, para o presente, alicerçada na experiência do passado. Certo dia, um homem, ao ver-se rodeado de inimigos que diziam a seu respeito: “Deus não o vai salvar”, pede ao Senhor que venha em seu auxílio e Deus responde-lhe da sua montanha sagrada (2-5). Daí por diante, ao deitar-se e ao levantar-se, ele acredita na presença do Senhor a seu lado (6-7) pelo que Lhe implora, continuamente, a salva- ção para si próprio e a bênção para o povo a que pertence (8-9). OFÍCIO DE LEITURA 26 SENTIDO ACTUAL Os Padres da Igreja referiram este salmo, de conteúdo pascal, à morte e ressurreição de Cristo, por causa do ver- sículo que diz: deito-me e adormeço, e me levanto, e sempre o Senhor me ampara, comentado deste modo por Santo Ireneu: “Jesus adormeceu e ergueu-Se do sono da morte, porque Deus era o seu protector”. Ao longo da história, muitas foram as ocasiões em que os cristãos utilizaram este salmo, particularmente em tempos de perseguição. Na boca dos discípulos de Cristo dos nossos dias, ele continua a ter pleno sentido como profissão de fé e comooração de confiança, pois foi assim que Jesus o rezou. As antífonas do Tempo comum e do Tempo pascal recordam que o Senhor ressuscitado na manhã do primeiro Domingo é a alegria e a glória dos que n’Ele se refugiam e esperam. Salmo 3 O Senhor é o meu protector Jesus adormeceu e ergueu-Se do sono da morte, porque Deus era o seu protector (S. Ireneu). 2 Senhor, são tantos os meus inimigos, * tão numerosos os que se levantam contra mim! 3 Muitos são os que dizem a meu respeito: * «Deus não o vai salvar». 4 Vós, porém, Senhor, sois o meu protector, * a minha glória e Aquele que me sustenta. 5 Em altos brados clamei ao Senhor, * Ele respondeu-me da sua montanha sagrada. 6 Deito-me e adormeço e me levanto: * sempre o Senhor me ampara. 7 Não temo a multidão, * que de todos os lados me cerca. DOMINGO I 27 8 Levantai-Vos, Senhor, * salvai-me, ó meu Deus. Vós batestes no rosto de todos os meus inimigos, * quebrastes os dentes dos ímpios. 9 A salvação vem do Senhor. * Desça sobre o povo a vossa bênção. COMENTÁRIO DE SANTO AGOSTINHO «Em altos brados clamei ao Senhor, não com a voz da boca, mas com a voz do coração que o homem não ouve, mas que, para Deus, se eleva como um clamor. Foi com esta voz que Susana se fez ouvir, e com a mesma voz o Senhor nos mandou rezar sem ruído, com as portas fe- chadas, no segredo do coração. Ninguém diga que se reza menos intensamente, quando nenhuma palavra nos sai da boca. Nós bem desejamos orar silenciosamente no nosso coração, mas há pensa- mentos estranhos que vêm perturbar a nossa prece e nos impedem de dizer: Com a minha voz clamei ao Senhor. Só podemos dizer isto com verdade, quando a nossa alma não mistura à oração nenhum cuidado humano, e fala ao Senhor, onde só Ele ouve. A esta oração se chama clamor, pela força da própria intenção». ORAÇÃO SÁLMICA Senhor, salvação dos que em Vós esperam, atendei a prece da vossa Igreja em oração e reconhecei nela a oração do vosso Filho que em nós prolonga os sofrimentos da sua paixão, para que também nós possamos ressuscitar com Ele, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo. OL Domingo I; Páscoa 6; Bênção 9; Súplica 8. OFÍCIO DE LEITURA 28 Laudes Salmo 62 (63), 2-9 SENTIDO INICIAL Este salmo, que a tradição bíblica diz ser de David, quando se encontrava no deserto de Judá, tanto pode ser o cântico de um sacerdote, como de um membro do coro ou de um rei. Com efeito, ele ultrapassa a alegria de estar junto de Deus, no seu santuário, dia e noite. Ele é sobretudo o grito de alma de alguém que desde a aurora procura o Senhor e tem sede de Deus como terra sequiosa, sem água (2), que deseja contemplá-l’O no santuário e sentir a sua graça que vale mais que vida (3-4), que quer bendizê-l’O e levantar as mãos em seu louvor (5-6). Deus é todo o seu bem e, por isso, o salmista recorda-O dia e noite e a Ele se encontra sempre unido (7-9). SENTIDO ACTUAL Pelo tom de louvor de muitos dos seus versículos, a Igreja considera este cântico como o mais fundamental dos salmos da manhã: Desde a aurora Vos procuro, a minha alma tem sede de Vós..., assim Vos bendirei toda a minha vida e em vosso louvor levantarei as mãos..., os meus lábios hão-de cantar-Vos louvores..., com vozes de júbilo Vos louvarei. Jesus, que vivia sempre unido ao Pai e com quem o Pai estava sempre (Jo 8, 29), muitas vezes, ao romper da manhã, procurou a solidão para orar (Mc 1, 35) e outras vezes passou mesmo toda a noite em oração (Lc 6, 12). A Igreja, Esposa de Cristo, continuamente impelida pelo Espírito «que sopra onde quer» (Jo 3, 8) e a exemplo dos seus santos e santas, faz a mesma experiência de oração. Por isso, logo na primeira hora da manhã, o cristão é DOMINGO I 29 convidado a rejeitar as obras das trevas e a revestir as armas da luz, a procurar Deus para contemplar o seu poder e a sua glória, e a dessedentar-se na água da vida. Feliz daquele que anseia por Deus como a terra seca deseja receber a chuva. Um dia será saciado no reino dos céus, para o qual foi criado. Feliz daquele que tem sede ardente de Deus desde a hora em que, na manhã do primeiro dia da semana, Cristo ressuscitou dos mortos. Salmo 62 (63), Sede de Deus Criastes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em Vós (S. Agostinho). 2 Senhor, sois o meu Deus: desde a aurora Vos procuro. * A minha alma tem sede de Vós. Por Vós suspiro, * como terra árida, sequiosa, sem água. 3 Quero contemplar-Vos no santuário, * para ver o vosso poder e a vossa glória. 4 A vossa graça vale mais que a vida: * por isso os meus lábios hão-de cantar-Vos louvores. 5 Assim Vos bendirei toda a minha vida * e em vosso louvor levantarei as mãos. 6 Serei saciado com saborosos manjares * e com vozes de júbilo Vos louvarei. 7 Quando no leito Vos recordo, * passo a noite a pensar em Vós. 8 Porque Vos tornastes o meu refúgio, * exulto à sombra das vossas asas. 9 Unido a Vós estou, Senhor, * a vossa mão me serve de amparo. LAUDES 30 [10 Os que procuram tirar-me a vida baixarão às profundezas da terra; 11 Serão passados à espada, feitos presa de chacais. 12 E o rei há-de alegrar-se em Deus, hão-de congratular-se os que Lhe são fiéis † quando se fechar a boca aos ímpios.] COMENTÁRIO DE SANTO AGOSTINHO «Os salmos que cantamos foram ditados pelo Espírito Santo e escritos antes de nosso Senhor Jesus Cristo ter nascido da Virgem Maria, mas profetizam-no a Ele, que havia de vir muitos anos depois. Na voz de Cristo nós re- conhecemos a nossa, e na nossa voz Ele reconhece a sua. Escutemos, portanto, o salmo, e nele ouviremos falar Cristo. A minha alma tem sede Vós. Eis-nos no deserto. Vede a sede que tortura o salmista, mas observai como é bom sentir sede de Deus. Há alguns que têm sede, mas não de Deus. Aquele que procura possuir alguma coisa, arde de desejo. O desejo é a sede do coração. Vede quantos de- sejos atormentam o coração dos homens: o ouro, a prata, as terras, as honras. Todos esses desejos estão nos nossos corações de carne. Todos os homens ardem em desejos, e quase não se encontra um que diga: A minha alma tem sede de Vós. A sede devora os homens neste mundo, e eles não com- preendem que se encontram num deserto onde é de Deus que a sua alma tem sede. Digamos então nós: A minha alma tem sede de Vós. Seja este o grito de nós todos, porque unidos a Cristo fazemos apenas uma alma. Sinta a nossa alma sede de Deus. DOMINGO I 31 Não somos cristãos para pedir a felicidade terrena, mas para possuir outra felicidade, que receberemos quando tiver desaparecido toda esta vida do mundo. Não vos pareça inacreditável nada disso. Se Deus nos fez quando não existíamos, não Lhe será difícil voltar a dar-nos o que éramos. Não há estabilidade nas idades da vida. Por toda a parte há fadiga, em todo o tempo, cansaço, em todo o lugar, corrupção. Com os olhos fixados na esperança da ressurreição que Deus nos promete, em meio de todas as carências que sentimos, cresce em nós a sede da vida in- corruptível. Assim, de muitas maneiras, a nossa alma tem sede de Deus. Neste deserto, quanto mais sofremos mais sede temos, quanto mais nos fatigamos mais sede temos duma incorruptibilidade, para além de toda a fadiga». ORAÇÃO SÁLMICA Senhor, que nos criastes para Vós, fazei que o nosso coração passe a noite desta vida a pensar em Vós, e desde a aurora Vos procure para Vos contemplar no vosso santuário e ser saciado com saborosos manjares entre cânticos de louvor da multidão em festa. Por Nosso Senhor. Laudes Domingo I; Mártires 4; Iniciação Cristã 2; Profissão Religiosa 2; Comunhão 6; Defuntos 2. LAUDES 32 Cântico Dan 3, 57-88.56 SENTIDO INICIAL Os três jovens Ananias, Azarias e Misael, por causa da sua fidelidade a Deus, são metidos num forno em chamas e miraculosamente guardados incólumes. Cheios de alegria e «numa só voz louvam e glorificam a Deus» (Dan 3, 51) com este cântico. Nele, todas as obras de Deus são convidadas a louvar o Senhor: as criaturas celestes (57-63), as forças do ar e as variações dos tempos (64-73), as criaturasterrestres sem inteligência (74-81), todos os homens, de modo particular o povo de Israel (82-87) e, por último, os próprios três jovens Ananias, Azarias e Misael (88). A parte final do cântico foi organizada pela Igreja, que lhe acrescentou o versículo: Bendigamos o Pai, o Filho e o Espírito Santo, e o fez terminar por um dos bendito do princípio: Bendito sejais, Senhor... a Vós, o louvor e a glória para sempre (56). SENTIDO ACTUAL A cena dos três jovens no forno de Babilónia é uma das páginas mais célebres do Antigo Testamento. A Igreja primitiva utilizou-a muito na catequese. Prova disso é a sua aparição frequente nas pinturas das catacumbas. A razão há-de procurar-se na identidade de situações vividas pelos três jovens, que se recusaram a adorar a estátua do rei de Babilónia, e pelos cristãos que, em tempo de perseguição, não dobravam o joelho, não queimavam incenso nem faziam libações à estátua do imperador roma- no. Num e noutro caso, o desfecho tinha sido e continuava a ser a condenação à morte. A catequese que a Igreja queria e quer ensinar é sim- ples: tal como os jovens israelitas tinham sido protegidos por Deus, no meio das chamas, assim o vão ser também os DOMINGO I 33 cristãos, sejam quais forem os tormentos a que possam ser submetidos. Os três jovens, no meio das chamas, cantavam numa só voz: Bendito seja Deus; a Igreja, perseguida e submetida aos sofrimentos do martírio, sentirá a brisa suave da protecção do Senhor. A garantia disso é a própria vida de Jesus que, embora perseguido e levado à morte, venceu a morte, ressuscitou e subiu ao Céu. Continuamos a precisar da força que nos vem da suges- tiva cena do livro de Daniel. A memória da ressurreição de Jesus, que cada manhã de domingo traz até nós, é a melhor garantia de que nada nem ninguém nos fará mal, pois estamos nas mãos de Deus, e por isso Lhe cantamos um hino de louvor com a voz, com a vida e com as obras. Cântico Dan 3, 57-88.56 O louvor das criaturas Louvai o Senhor, todos os seus servos (Ap 19, 5). 57 Obras do Senhor, bendizei o Senhor, * louvai-O e exaltai-O para sempre. 58 Céus, bendizei o Senhor, * 59 Anjos do Senhor, bendizei o Senhor. 60 Águas que estais sobre os céus, bendizei o Senhor, * 61 poderes do Senhor, bendizei o Senhor. 62 Sol e lua, bendizei o Senhor, * 63 estrelas do céu, bendizei o Senhor. 64 Chuvas e orvalhos, bendizei o Senhor, * 65 todos os ventos, bendizei o Senhor. 66 Fogo e calor, bendizei o Senhor, * 67 frio e geada, bendizei o Senhor. 68 Orvalhos e gelos, bendizei o Senhor, * 69 frios e aragens, bendizei o Senhor. 70 Gelos e neves, bendizei o Senhor, * 71 noites e dias, bendizei o Senhor. 72 Luz e trevas, bendizei o Senhor, * 73 relâmpagos e nuvens, bendizei o Senhor. LAUDES 34 74 Bendiga a terra o Senhor, * louve-O e exalte-O para sempre. 75 Montes e colinas, bendizei o Senhor, * 76 tudo o que germina na terra bendiga o Senhor. 77 Fontes, bendizei o Senhor, * 78 mares e rios, bendizei o Senhor. 79 Monstros e animais marinhos, bendizei o Senhor, * 80 aves do céu, bendizei o Senhor. 81 Animais e rebanhos, bendizei o Senhor, * 82 homens, bendizei o Senhor. 83 Bendiga Israel o Senhor, * louve-O e exalte-O para sempre. 84 Sacerdotes do Senhor, bendizei o Senhor, * 85 servos do Senhor, bendizei o Senhor. 86 Espíritos e almas dos justos, bendizei o Senhor, * 87 santos e humildes de coração, bendizei o Senhor. 88 Ananias, Azarias. Misael, bendizei o Senhor, * louvai-O e exaltai-O para sempre. Bendigamos o Pai, o Filho e o Espírito Santo; * louvemo-l’O e exaltemo-l’O para sempre. 56 Bendito sejais, Senhor, no firmamento dos céus, * a Vós o louvor e a glória para sempre. COMENTÁRIO DE SANTO AGOSTINHO «Louvem-Vos, Senhor, todas as vossas obras. Mas como hão-de louvar-Vos se não têm voz para o fazer? Os três jovens que caminhavam entre as chamas sem se queimarem, e que tiveram tempo para louvar a Deus, enumeraram todos os seres da criação, desde os do céu até aos da terra, e a todos disseram: Bendizei o Senhor, lou- vai-O e exaltai-O para sempre. Vede como cantam hinos de louvor. Deus criou e organizou todas as coisas. Este ordena- mento formosíssimo, subindo do mais pequeno ao maior e baixando do mais elevado ao mais inferior, nunca inter- rompido, mas adaptado a seres tão diversos, todo ele louva DOMINGO I 35 o Senhor. Porque louva o Senhor? Porque quando vês e contemplas a beleza das suas obras, por elas louvas ao teu Deus. A terra muda tem um certa voz, tem rosto. Tu olhas e vês a sua face, a sua superfície, vês a sua fecundidade e a sua força, vês como a semente aí germina e como até, muitas vezes, faz brotar o que nela não foi semeado. Vês isto, e com a tua inteligência interrogas a terra, uma vez que a tua forma de investigar é uma interrogação. Pois bem: quando, admirado, tiveres investigado, apro- fundado e encontrado o vigor imenso, a grande beleza, o excelso poder, que não pode provir das coisas criadas nem da sua força, no mesmo instante lembrar-te-ás que a terra só pode mostrá-lo por tê-lo recebido do próprio Criador. O que nela encontraste é a voz do seu louvor para que louves tu ao Criador. Por ventura, ao veres toda a beleza desta terra, não te responde ela a uma só voz: “Não fui eu que me fiz, mas Deus”? Examinem os vossos santos a criatura que Vos louva, para que no louvor das vossas obras Vos bendigam. Ouvi a sua voz que louva. Que dizem os vossos santos quando Vos louvam? Como é poderoso o Senhor que fez a terra e a encheu de bens, que lhe entregou as sementes diversas para que produzissem tão grande variedade de frutos. Como Deus é poderoso, como Deus é grande. Pergunta e a criatura responder-te-á. E pela sua resposta, que é o seu louvor, tu, o santo de Deus, bendirás ao Senhor e pro- clamarás o seu poder». ORAÇÃO Deus eterno e omnipotente, aceitai o louvor das criaturas que pelos nossos lábios chega até Vós, e assim como livrastes os três jovens dos tormentos das chamas, fazei que o vosso povo seja defendido de todos os perigos e não cesse de cantar a vossa glória. Por Nosso Senhor. Laudes Domingo I e III. LAUDES 36 Salmo 149 SENTIDO INICIAL O motivo do louvor deste hino é a vitória que o Senhor concede aos oprimidos. O salmo começa por um convite, dirigido pelo salmista a Israel, para que cante ao Senhor um cântico novo (1) e se alegre em Deus que o criou e o governa como seu rei (2), o ama e lhe dá a vitória (3-4). Não se trata, porém, de os fiéis se limitarem a cantar hinos jubilosos em suas casas mas também de se prepararem para a luta (5-6), na qual o próprio Senhor Se quer servir deles para castigar as na- ções e os povos, os reis e os nobres que cometem in- justiças contra os humildes (7-9). SENTIDO ACTUAL O povo da nova aliança canta ao Senhor um cântico novo, com este poema que a Igreja antiga cantava diaria- mente e ao qual chamava laudes, ou seja louvores. Nele se exprime a alegria dos santos, dos “filhos da Igreja, novo povo de Deus, que se alegram em seu Rei, Cristo Jesus» (Hesíquio). Eles sentem-se solidários dos oprimidos, face aos povos e nações, aos reis e aos nobres, e reconhecem o Senhor como seu Criador e seu Rei. Entretanto, a sua espiritualidade combativa já ultra- passou aquela que este salmo lhes apresenta, porque aprenderam de Cristo que Ele recusa tanto as legiões de anjos como a espada de Pedro, não aceita uma violência justa contra uma injusta, nem quer responder à espada com a espada. A sua vitória é diferente. Ressuscitados com Cristo, revestidos da sua vitória, vencedores com Ele do mal e da morte pela espada de dois gumes que é a Palavra de Deus, nós, os seus fiéis, exultamos de alegria pela vitória pascal do domingo, e re- cebemos a sua glória de povo de reis, assembleia santa, povo sacerdotal. DOMINGO I 37 Salmo 149 A alegria dos santos Os filhos da Igreja, novo povo de Deus, alegrem-se em seu Rei, Cristo Jesus (Hesíquio). 1 [Aleluia] Cantai ao Senhor um cântico novo, * cantai ao Senhor na assembleia dos santos. 2 Alegre-se Israel em seu Criador, * rejubilem os filhosde Sião em seu rei. 3 Louvem o seu nome com danças, * cantem ao som do tímpano e da cítara, 4 porque o Senhor ama o seu povo, * coroa os humildes com a vitória. 5 Exultem de alegria os fiéis, * cantem jubilosos em suas casas; 6 em sua boca os louvores de Deus, * em sua mão a espada de dois gumes: 7 para tirar vingança das nações * e aplicar o castigo aos povos, 8 para ligar os seus reis com cadeias * e os nobres com algemas, 9 para executar neles a sentença escrita. * Esta é a glória de todos os seus fiéis. [Aleluia] COMENTÁRIO DE SANTO AGOSTINHO «Louvemos o Senhor com a palavra, com o pensamento e com as boas obras, e cantemos-Lhe, como nos exorta este salmo, um cântico novo, pois assim começa: Cantai ao Senhor um cântico novo. O homem velho canta um cân- tico velho; o novo, um cântico novo. O Antigo Testamento canta um cântico velho; o Novo Testamento, um cântico novo. Todo o que ama as coisas terrenas canta o cântico LAUDES 38 velho. Quem quiser cantar o cântico novo, ame os bens eternos. O próprio amor é novo e eterno; é sempre novo, porque não envelhece. Cristo é a vida eterna. Ele é eterno com o Pai. Nós, quando caímos no pecado, tornamo-nos velhos. O homem tornou-se velho pelo pecado, mas foi renovado pela graça. Todos os que se renovam em Cristo para começarem a pertencer à vida eterna, cantam o cântico novo. Este cântico é também o cântico da paz, o cântico do amor. Todo o que se afasta da união dos santos, não canta o cântico novo. Seguiu os velhos rancores, e não a caridade que é nova. Que contém esta caridade? A paz, o vínculo duma sociedade santa, a harmonia espiritual, o edifício de pedra vivas. E onde está tudo isto? Não está num lugar determinado, mas por toda a terra. Diz assim outro salmo: Cantai ao Senhor um cântico novo, cantai ao Senhor, terra inteira. Daqui se conclui que aquele que não canta com a terra inteira, canta o cântico velho, sejam quais forem as pala- vras que os seus lábios profiram. Porque hei-de prestar atenção ao que ele canta, se vejo o que ele pensa? E tu perguntas-me: vês o que ele pensa? Os factos o indicam, pois os olhos não penetram na consciência. Presto atenção ao que ele faz, e assim percebo o que ele pensa. Há certas coisas que ficam escondidas no interior; mas muitas são as que aparecem nas obras e se tornam manifestas mesmo aos homens. Daí a palavra: Pelos seus frutos os conhecereis. Quem não canta com a terra inteira o cântico novo, diga o que disser, ressoe embora em sua boca o Aleluia, todo o dia e toda a noite, não me preocuparei muito com o que canta o cantor, mas interrogarei os seus costumes e a sua vida. Perguntar-lhe-ei: que cantas tu? Ele respon- der-me-á: o Aleluia. O que é o Aleluia? Louvai ao Senhor. Vem até aqui, louvemos juntos ao Senhor. Se tu louvas ao Senhor e eu também O louvo, porque estamos em dis- córdia? Só a caridade louva o Senhor». DOMINGO I 39 ORAÇÃO SÁLMICA Bendito sejais, Senhor, pela alegria dos filhos da Igreja, que celebram com um cântico novo, na assembleia dos santos, a obra da criação e a vitória da ressurreição. Por Nosso Senhor. Laudes Domingo I; Natal e Páscoa 4; Igreja 2.4; Santos 5. Hora Intermédia Salmo 117 (118) SENTIDO INICIAL O salmo 117, o último do Hallel, é a evocação de uma vitória. Essa evocação tem lugar numa solene liturgia de acção de graças, na qual intervêm três figuras centrais: o rei, a multidão e os cantores. I O salmista, que é o próprio rei, começa por dirigir um convite a Israel a dar graças ao Senhor porque Ele é bom (1-4) e por dizer como, no meio da tribulação, ele invocou a Deus com toda a confiança e foi salvo, pelo que mais vale refugiar-se no Senhor do que fiar-se nos homens (5-9). II A seguir descreve pormenorizadamente os ata- ques que os adversários lhe dirigiram de todos os lados, cercando-o como vespas e empurrando-o para cair, e como o Senhor o amparou, por ser a sua fortaleza e o seu Salvador (10-14), e o livrou, não o deixando morrer (15-18). HORA INTERMÉDIA 40 III Por fim, pede aos sacerdotes que lhe abram as portas do templo para aí dar graças ao Senhor (19-20), diz a Deus os motivos do seu cântico (21-24) e, já no inte- rior da casa de Deus, pede-Lhe que salve os seus servos e lhes dê a vitória (25-27), repetindo o versículo inicial (28-29). SENTIDO ACTUAL Para os cristãos, a luta que se descreve neste salmo evoca o mistério pascal de Jesus, desde a paixão dolorosa até ao triunfo da ressurreição. Somos convidados a fazer dele, neste domingo, uma oração contemplativa do triunfo pascal e a dar graças ao Senhor porque é eterna a sua misericórdia, na Hora em que Cristo foi levantado na cruz para realizar a sua obra redentora. Abandonado, sozinho, rodeado de inimigos no dia da sua paixão, Jesus teve a seu lado o Pai, cuja mão fez pro- dígios em favor do seu Filho, ressuscitando-O e fazendo d’Ele a pedra angular da Igreja. Do mesmo modo que o salmista convida Israel a dar graças ao Senhor, porque Ele é bom, assim a Igreja, res- suscitada com Cristo, O aclama como seu Senhor e Lhe canta a sua acção de graças no dia da ressurreição. Salmo 117 (118) Cântico de triunfo Cristo é a pedra rejeitada pelos construtores, que veio a tornar-se pedra angular (Actos 4, 11). I 1 [Aleluia] Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom, * porque é eterna a sua misericórdia. DOMINGO I 41 2 Diga a casa de Israel: * é eterna a sua misericórdia. 3 Diga a casa de Aarão: * é eterna a sua misericórdia. 4 Digam os que temem o Senhor: * é eterna a sua misericórdia. 5 Na tribulação invoquei o Senhor: * Ele ouviu-me e pôs-me a salvo. 6 O Senhor é por mim, nada temo: * que poderão fazer-me os homens? 7 O Senhor está comigo e ajuda-me: * não olharei aos meus inimigos. 8 Mais vale refugiar-se no Senhor * do que fiar-se nos homens, 9 Mais vale refugiar-se no Senhor * do que fiar-se nos poderosos. II 10 Cercaram-me todos os povos * e aniquilei-os em nome do Senhor. 11 Rodearam-me e cercaram-me * e em nome do Senhor os aniquilei. 12 Cercaram-me como vespas, † crepitavam como fogo em silvas * e aniquilei-os em nome do Senhor. 13 Empurraram-me para cair, * mas o Senhor me amparou. 14 O Senhor é a minha fortaleza e a minha glória, * foi Ele o meu Salvador. 15 Gritos de júbilo e de vitória * nas tendas dos justos: 16 A mão do Senhor fez prodígios, * a mão do Senhor foi magnífica, † a mão do Senhor fez prodígios. HORA INTERMÉDIA 42 17 Não morrerei, mas hei-de viver, * para anunciar as obras do Senhor. 18 Com dureza me castigou o Senhor, * mas não me deixou morrer. III 19 Abri-me as portas da justiça: * entrarei para dar graças ao Senhor. 20 Esta é a porta do Senhor: * os justos entrarão por ela. 21 Eu Vos darei graças porque me ouvistes * e fostes o meu Salvador. 22 A pedra que os construtores rejeitaram * tornou-se pedra angular. 23 Tudo isto veio do Senhor: * é admirável aos nossos olhos. 24 Este é o dia que o Senhor fez: * exultemos e cantemos de alegria. 25 Senhor, salvai os vossos servos, * Senhor, dai-nos a vitória. 26 Bendito o que vem em nome do Senhor, * da casa do Senhor nós vos bendizemos. 27 O Senhor é Deus * e fez brilhar sobre nós a sua luz. Ordenai o cortejo solene com ramagens frondosas, * até ao ângulo do altar. 28 Vós sois o meu Deus: eu Vos darei graças. * Vós sois o meu Deus: eu Vos exaltarei. 29 Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom, * porque é eterna a sua misericórdia. DOMINGO I 43 COMENTÁRIO DE SANTO AGOSTINHO «Ouvimos, irmãos, como o Espírito Santo nos convida e exorta a oferecer a Deus um sacrifício de louvor. Não se pode exprimir com mais brevidade o louvor de Deus do que dizendo porque Ele é bom. Nada há melhor do que esse louvor. Digamos que o Senhor é bom, não apenas com o som das palavras, mas pelo amor que nos une a Ele. O nosso amor seja a nossa voz. O salmo começa e termina com as palavras dai graças ao Senhor, porque Ele é bom, porque é eterna a sua misericórdia, por não haver nada mais agradável do que o louvor de Deus e o Aleluia eterno. Cantámos a Deus:Este é o dia que o Senhor fez. Di- gamos acerca dele o que o Senhor nos der a conhecer. A Escritura profética quis ensinar-nos aqui alguma coisa. Não se trata de um dia vulgar, perceptível aos olhos do corpo, nem do dia que tem nascimento e ocaso, mas daquele dia que pode ter conhecido o seu princípio, mas desconhece o seu fim. O salmista já dissera antes: A pedra que os constru- tores rejeitaram tornou-se pedra angular. Tudo isto veio do Senhor: é admirável aos nossos olhos. E continua: Este é o dia que o Senhor fez. Associemos o começo deste dia à pedra angular. Quem é a pedra angular que os construtores rejeitaram senão Cristo o Senhor, que os doutores dos judeus rejei- taram? Como se tornou pedra angular? Porque se chama a Cristo pedra angular? Porque todo o ângulo une em si duas paredes de direcção contrária. Os apóstolos vieram do povo judeu, e desse mesmo povo veio também aquela multidão que ia adiante e atrás do jumento, acompanhando Jesus, e dizendo as palavras que aparecem neste salmo: Bendito o que vem em nome do Senhor. Desse povo vieram muitas igrejas das quais diz o Após- tolo: Eu não era pessoalmente conhecido das igrejas de Cristo que estão na Judeia. Apenas tinha ouvido dizer: ‘Aquele que nos perseguia outrora, anuncia agora o HORA INTERMÉDIA 44 Evangelho, a fé que então devastava’. E por causa de mim, glorificavam a Deus. Eram judeus, mas tinham aderido a Cristo como os apóstolos. Tendo-se aproximado e acreditado em Cristo, formavam uma parede. Faltava outra parede: a Igreja procedente dos gentios. Já se encontraram: paz em Cristo, unidade em Cristo, que fez das duas uma só realidade. Este é o dia que o Senhor fez. Considera o dia na sua totalidade: cabeça e corpo. A cabeça é Cristo, o corpo é a Igreja. Este é o dia que o Senhor fez». ORAÇÃO SÁLMICA Deus eterno e misericordioso, que atendestes a súplica do vosso Filho e fostes o seu Salvador, fazei brilhar sobre nós a luz da sua ressurreição, para exultarmos e cantarmos de alegria neste dia que o Senhor fez. Por Nosso Senhor. Laudes Domingo II, IV; HI Domingos I, III; Advento; Epifania; Ramos 26; Vigília Pascal; Páscoa 1. 17. 21. 22. 24; Santa Cruz 1; Eucaristia 26. DOMINGO I 45 Vésperas II Salmo 109 (110), 1-5.7 SENTIDO INICIAL Sem nunca o nomear, este salmo dirige-se provavel- mente ao rei David, quando, por volta do ano mil, ele se apoderou da cidade de Jerusalém e dela fez a capital do seu reino. As tradições judaica e cristã viram, no herói que nele aparece, a figura do Messias, rei e sacerdote. O salmista prediz a dignidade do ungido do Senhor e a sua origem divina: Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha direita, porque antes da aurora, como orvalho, Eu te gerei (1-3); a seguir descreve o seu sacerdócio eterno - Tu és sacerdote para sempre (4) - e a vitória que Ele alcançou sobre todos os inimigos (5-7). SENTIDO ACTUAL Jesus disse que este salmo falava de Si próprio, e rea- lizou tudo o que nele se anuncia. Ele é o descendente de David, gerado por Deus como orvalho antes da aurora. Rei desde o dia em que nasceu, o Pai deu-Lhe um sacer- dócio eterno e revestiu-O de todo o poder até à vitória total sobre o príncipe deste mundo. Tornado Senhor pela ressurreição, ouviu o Pai dizer-Lhe: Senta-te à minha direita. Ele bebeu da torrente do sofrimento, mas ergueu a sua fronte, levantou-Se do túmulo e, pelo abaixamento a que Se submeteu, foi elevado ao mais alto dos céus, na ascensão, e tornou-Se, para todos os que n’Ele acreditam, fonte de água viva a jorrar para a eternidade. No dia de Pentecostes, Pedro proclama que, ao ressus- citar Jesus, Deus O fez Senhor, realizando, assim, o pri- meiro versículo deste salmo: Disse o Senhor ao meu Senhor: “Senta-te à minha direita” (Act 2, 34-36), e o mesmo diz VÉSPERAS II 46 Paulo na Carta aos Efésios: «Deus ressuscitou Cristo dos mortos e sentou-O à sua direita nos altos Céus» (Ef 1, 20), para depois tirar a conclusão relativamente a todos os bap- tizados: «Portanto, já que fostes ressuscitados com Cristo, procurai as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus» (Col 3, 1). Na nossa boca, este salmo é um hino de vitória e de acção de graças a Jesus Cristo, na tarde de cada domingo. Ao fazer-nos contemplar o triunfo do Ressuscitado, ele torna mais firme a esperança que temos de participar nessa mesma glória. Como Cristo, também a Igreja tem inimigos poderosos. Mas ela escuta a voz do Senhor que lhe diz: farei de teus inimigos escabelo de teus pés. Esses inimigos são o pecado e a morte, dos quais Deus nos fez triunfar «pela ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos, para uma esperança viva» (1 Pe 1, 3). Salmo 109 (110) O Messias, rei e sacerdote É necessário que Ele reine, até que tenha posto todos os inimigos debaixo dos seus pés (1 Cor 15, 25). 1 Disse o Senhor ao meu Senhor: «Senta-te à minha direita, * até que Eu faça de teus inimigos escabelo de teus pés». 2 O Senhor estenderá de Sião o ceptro do teu poder * e tu dominarás no meio dos teus inimigos. 3 «A ti pertence a realeza desde o dia em que nasceste † nos esplendores da santidade: * antes da aurora, como orvalho, Eu te gerei». 4 O Senhor jurou e não Se arrependerá: * «Tu és sacerdote para sempre, † segundo a ordem de Melquisedec». 5 O Senhor, à tua direita, * esmagará os reis no dia da sua ira, DOMINGO I 47 [6 Julgará as nações, amontoará cadáveres, esmagará cabeças pela vastidão da terra.] 7 A caminho beberá da torrente; * por isso, erguerá a sua fronte. COMENTÁRIO DE SANTO AGOSTINHO «O Senhor, que nos fez ministros da sua palavra e do sacramento, nos ajude na exposição deste salmo que acabamos de cantar, que é breve quanto ao número de pa- lavras, mas grande pela profundidade das afirmações. Nele se anuncia a Cristo, porque, quando nosso Senhor e Salvador perguntou aos judeus de quem era Filho o Messias, tendo-lhes eles respondido: De David, logo lhes replicou: Então como é que David lhe chama Senhor, ao dizer: Disse o Senhor ao meu Senhor? Não nos envergonhemos do Filho de David, para que o Senhor de David não se envergonhe de nós. Com este nome o chamaram os cegos e mereceram recuperar a vista. Reconheçamos e confessemos nós também o Filho de David, para merecermos ser iluminados. Lembra-te, ó cristão, que Jesus Cristo, descendente de David, res- suscitou de entre os mortos e está à direita do Pai. Vamos ver quem bebe da torrente no caminho. E em primeiro lugar, que significa esta torrente? É a imagem da vida humana que corre. Assim como a torrente se forma das águas e da chuva abundante, e inunda, faz barulho, corre e correndo desliza até completar o seu curso, assim acontece com esta torrente de tudo o que é mortal. O homem nasce, vive e morre. Quando uns morrem, nascem outros, e ao desaparecerem estes surgem outros ainda: seguem-nos, aparecem, vão-se embora, ninguém permanece. O que é que resiste? O que é que não corre como as águas da chuva, em direcção ao abismo? VÉSPERAS II 48 Como um rio, formado por uma chuva inesperada e pelas gotas do orvalho, se lança no mar e não aparece mais – e não existia antes da tempestade – o homem forma-se no segredo de Deus, depois esgota-se e entra no mistério da morte. Entre dois silêncios, um murmúrio, e ele passa. Cristo veio beber nesta torrente, não recusou beber desta água. Beber nesta torrente era, para Ele, nascer e morrer. Nascimento e morte, eis a torrente. Cristo su- portou-a: nasceu, morreu. No caminho bebeu da torrente. E porque Ele bebeu da água da torrente, ergueu a sua fronte. Por outras palavras, na sua humildade obedeceu até à morte e morte de cruz. Por isso, Deus O exaltou e Lhe deu o nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem no céu, na terra e nos abismos, e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor para glória de Deus Pai». ORAÇÃO SÁLMICA Deus eterno e omnipotente, que fizestes sentar o vosso Filho à vossa direita e Lhe submetestes todas as coisas para glória do vosso Reino, concedei-nos a graça de Vosoferecer o sacrifício imaculado do vosso Filho e nosso Sumo Sacerdote para sempre. Ele que é Deus convosco, na unidade do Espírito Santo. Vésperas II Domingo I, II, III, IV; Natal 3; Ressurreição 2; Corpo de Cristo 4; Comum dos Pastores 4; Ministério Acólitos; Sagradas Ordens; Sacerdócio de Cristo 4. DOMINGO I 49 Salmo 113 A (114) SENTIDO INICIAL Em poucos versículos, mas de maneira viva, este hino pascal descreve, num estilo festivo, como Israel se tornou o povo de Deus ao sair do Egipto (1-2), como o mar e o Jordão se abriram para o deixar passar, e os montes e as colinas exultaram de alegria (3-4), o que leva o salmista, admirado, a interrogar a natureza, isto é, o Mar Vermelho, o rio Jordão, os montes e as colinas, perguntando-lhes a razão do seu proceder (5-6), e a recordar outros prodígios do Senhor no deserto ao transformar, em Meribá, o rochedo em lago e a pedra em fonte de água (7-8). Na liturgia judaica, este salmo é cantado na oitava da Páscoa, justamente por causa do tema da água e da pas- sagem do cativeiro para a liberdade. SENTIDO ACTUAL Salmo da passagem de Deus pela história dos homens, foi cantado por Jesus durante a última Ceia, na qual fez do seu corpo ressuscitado o novo santuário do Senhor e de nós um povo que tem sede da água viva do Espírito. A saída de Israel do Egipto, que este salmo canta, foi sempre interpretada, pela tradição cristã, como profecia da nossa passagem do paganismo para a fé, a terra da liber- dade, através da água do novo nascimento. O novo Israel que saiu do Egipto e se afastou do povo estrangeiro é a Igreja, que vai atravessando o deserto deste mundo, sus- tentada pela força do mistério pascal de Cristo que, pouco a pouco, a vai tornando santuário do Senhor e seu domínio. Ao rezá-lo neste dia e nesta hora, a liturgia convida-nos a cantar o dom inestimável de Deus que é o baptismo. Ao mesmo tempo, leva-nos a tomar consciência da nossa pe- regrinação para a liberdade definitiva, e a reconhecer que é muito maior prodígio fazer jorrar o rio de água viva que VÉSPERAS II 50 corre para a vida eterna, do que abrir em dois o Mar Vermelho ou fazer o Jordão voltar atrás. Cantar este salmo ao cair da tarde de Domingo é evocar a libertação do cativeiro do pecado e a peregrinação, no seguimento de Cristo, a caminho da pátria celeste. Salmo 113 A (114) Israel liberta-se do Egipto: as maravilhas do êxodo Sabei que também vós, que renunciastes a este mundo, saístes do Egipto (S. Agostinho). 1 [Aleluia] Quando Israel saiu do Egipto, * quando a casa de Jacob se afastou do povo estrangeiro, 2 Judá tornou-se o santuário do Senhor * e Israel o seu domínio. 3 O mar viu e recuou, * o Jordão voltou atrás, 4 os montes saltaram como carneiros, * como cordeiros as colinas. 5 Que tens, ó mar, para assim fugires, * e tu, Jordão, para voltares atrás? 6 Montes, porque saltais como carneiros, * e vós, colinas, como cordeiros? 7 Treme, ó terra, diante do Senhor, * diante do Deus de Jacob, 8 que transformou o rochedo em lago * e a pedra em fonte de água. COMENTÁRIO DE SANTO AGOSTINHO «Nós lemos e sabemos muito bem, caríssimos irmãos, o que conta o livro do Êxodo: o povo de Israel foi libertado por Deus da iníqua dominação egípcia, atravessou o mar a DOMINGO I 51 pé enxuto, e as águas do Jordão, por sua vez, retiraram-se, para deixar passar os sacerdotes, que levavam a arca do Senhor. O Espírito Santo lembra-nos o passado, a fim de nos transportar ao futuro. E assim, ao ouvirmos cantar quando Israel saiu do Egipto, não é tanto o passado mas o futuro que o salmista canta. Os milagres que se realizavam no presente tinham uma significação profética para o futuro. Vejamos, pois, qual a lição a tirar destes acontecimentos. Estes factos são figuras proféticas, estas palavras ensi- nam-nos a reconhecermo-nos nelas. Se soubermos guardar firmemente a graça que nos foi dada, somos o verdadeiro Israel, a posteridade de Abraão. É a nós que o Apóstolo diz: Sois descendência de Abraão. Nós estamos unidos, na pedra angular, àqueles filhos de Israel que abraçaram a fé em primeiro lugar, os apóstolos. Pois bem, caríssimos, vós sabeis que sois os verda- deiros filhos de Abraão, a casa de Jacob, os herdeiros da promessa. Vós sabeis que deixastes o Egipto ao renunciar a este mundo, e que não é na vossa língua bárbara, que não sabe louvar a Deus, que cantais Aleluia. Interrogai, pois, o vosso coração, e vede se a fé o cir- cuncidou, se a confissão o purificou. Em vós, o povo judeu foi consagrado a Deus, em vós reside o seu poder sobre Israel, porque Ele vos deu o poder de vos tornardes filhos de Deus». ORAÇÃO SÁLMICA Senhor, que nos libertastes do pecado mediante as águas do Baptismo, e em Cristo nos tornastes o vosso santuário, fazei que renunciemos a este mundo, para al- cançarmos a pátria celeste no mundo novo que há-de vir. Por Nosso Senhor. Vésperas II Domingo I; Páscoa e Baptismo 7. VÉSPERAS II 52 Nos domingos da Quaresma: Cântico 1 Pedro 2, 21-24 SENTIDO INICIAL Ao inserir este hino na sua Carta, São Pedro, que aca- bava de exortar os cristãos a viver como peregrinos neste mundo e a ter «entre os gentios um comportamento digno» (1 Pe 2, 11-12), tinha em vista levantar a coragem dos es- cravos cristãos, algumas vezes tratados com justiça por senhores bons e compreensivos, outras, porém, vítimas de grandes injustiças de senhores muito severos e até cruéis. É nesse contexto que o apóstolo lembra o exemplo de Cristo, para que sigamos os seus passos (21), pois não tendo Ele cometido pecado algum, não insultava quando O acusavam de ser pecador, nem respondia com ameaças quando era maltratado, mas entregava-Se nas mãos do Pai, o único que julga com justiça (22-23), indo até ao ponto de suportar os nossos pecados no seu corpo, e cu- rando-nos pelas suas chagas (24). SENTIDO ACTUAL «Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-Me» (Lc 9, 23). O cristão diz, com realismo, que a cruz não é um bem. Por isso não a procura. Ao contrário, unido a Cristo, até pede ao Pai que, se é possível, a afaste dele. Mas também não foge dela quando se lhe apresenta. Abraça-a com de- cisão e serenidade, leva-a com coragem, e confia na miste- riosa fecundidade da sua atitude, sabendo que a cruz não é um fracasso. Se assim fosse, Jesus não a teria aceite nem nos diria para O seguirmos por esse caminho. Para quem põe a sua confiança em Deus e espera os bens celestes, a DOMINGO I 53 cruz não é a última palavra da vida. Essa palavra é a do amor com que a levamos. O homem de fé aceita-se como pessoa pobre e limitada. Confia-se totalmente a Deus. Imita Jesus Cristo e sente-O perto de si. Ao abraçar a cruz, sabe que abraça o Cru- cificado. Unido a Ele, torna-se sinal da sua presença e ins- trumento de salvação para os outros: «Alegro-me nos sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo, pelo seu corpo, que é a Igreja» (Col 1, 24). Ninguém aprende estas coisas apenas por si mesmo. Temos de ser ensinados pelo Espírito Santo. Ele diz-nos que a resposta ao escândalo da cruz, é a paciência cheia de esperança. Quando o Espírito leva alguém a descobrir o mistério da cruz, esse homem ou essa mulher aprendem a estar «sempre alegres» mesmo no sofrimento que ela traz consigo (2 Cor 6, 10). Cântico 1 Pedro 2, 21-24 Paixão voluntária de Cristo, Servo de Deus 21 Cristo sofreu por nós, * deixando-nos o exemplo † para que sigamos os seus passos. 22 Ele não cometeu pecado algum * e na sua boca não se encontrou mentira. 23 Insultado, não pagava com injúrias, † maltratado, não respondia com ameaças. * Mas entregava-Se Àquele que julga com justiça. 24 Suportou os nossos pecados no seu Corpo * sobre o madeiro da Cruz, a fim de que mortos para o pecado, † vivamos para a justiça. * Pelas suas chagas fomos curados. VÉSPERAS II 54 COMENTÁRIO DE SANTO AGOSTINHO «Irmãos, se amamos a verdade imitemos a Cristo. A melhor prova que podemos dar do nosso amor é imitar o seu exemplo.Na verdade, Cristo sofreu por nós, dei- xando-nos o exemplo para que sigamos os seus passos. Estas palavras do apóstolo São Pedro parecem dar a entender que Cristo só sofreu por aqueles que seguem os seus passos, e que a paixão de Cristo de nada aproveita senão àqueles que O seguem. Seguiram-n’O os santos mártires até ao derramamento do sangue, à semelhança da sua paixão. Seguiram-n’O os mártires, mas não só eles. Não foi cortada a ponte depois de eles terem passado; não secou a fonte depois de eles terem bebido. Qual é a esperança daqueles que seguiram a Cristo, como nós, mas não derramaram por Ele o sangue? Há-de perder a Igreja, nossa Mãe, os filhos que gerou quando go- zava de mais perfeita paz? Ninguém, irmãos caríssimos, deve menosprezar a sua vocação. Cristo sofreu por todos. Com toda a verdade está escrito a este propósito: Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhe- cimento da verdade». ORAÇÃO Senhor nosso Deus, fazei-nos seguir os passos do vosso Filho e imitar os exemplos da sua paixão, a fim de que, fugindo agora de todo o mal e de toda a mentira e amando os nossos inimigos como Ele amou, possamos um dia en- tregar o nosso espírito em vossas mãos como Ele entregou. Por Nosso Senhor. Vésperas II Domingos da Quaresma. DOMINGO I 55 Cântico cf. Ap 19, 1-2. 5-7 SENTIDO INICIAL O cântico com que terminamos a Hora de Vésperas, é uma aclamação a Deus, Senhor vitorioso e justo nos seus julgamentos (1), a quem todos os seus servos, pequenos e grandes devem louvar (5), e a Cristo, Cordeiro de Deus, para quem chegou o tempo das núpcias com a Igreja, Esposa que já está preparada (7). Estas aclamações, tiradas do Apocalipse, fazem parte da contemplação profética da destruição de Roma, a nova Babilónia, perseguidora dos mártires e figura do mal, vencido por Cristo. SENTIDO ACTUAL Os membros do novo povo de Deus, a caminho do reino, cantam na terra, ao Senhor que os libertou, o hino de louvor e exaltação que hão-de cantar eternamente na pátria celeste. Eles antecipam o seu cântico futuro porque não estão só à espera desse dia. Já vivem nele, porque a sua vitória e a de toda a comunidade foi inaugurada pela res- surreição de Jesus Cristo. O nosso cântico desta tarde, não é só por causa das coi- sas que hão-de vir, mas também por aquilo que já se reali- zou. Com ele, cantamos a salvação que nos foi trazida pelo Cordeiro, e que a sua Esposa, a Igreja, torna presente no mundo de cada tempo. Com ele participamos também da adoração em espírito e verdade que será a nossa ocupação eterna, quando cantarmos, na pátria definitiva: O Senhor Deus omnipotente reina em toda a terra. Exultemos de alegria e dêmos glória ao seu nome. VÉSPERAS II 56 Cântico Cf. Ap 19, 1-2.5-7 As núpcias do Cordeiro 1 Aleluia. A salvação, a glória e o poder ao nosso Deus, * (R.Aleluia.) 2 porque são verdadeiros e justos os seus julgamentos. R. Aleluia (Aleluia). Aleluia. 5 Louvai o Senhor nosso Deus, todos os seus servos, * (R.Aleluia.) e vós todos os que O temeis, pequenos e grandes. R. Aleluia (Aleluia). Aleluia. 6 O Senhor Deus omnipotente reina em toda a terra: * (R.Aleluia.) 7 Exultemos de alegria e dêmos glória ao seu nome. R. Aleluia (Aleluia). Aleluia. Chegaram as núpcias do Cordeiro * (R.Aleluia.) e a sua Esposa está preparada. R. Aleluia (Aleluia). Aleluia. Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, * (R.Aleluia.) como era no princípio, agora e sempre. Amen. R. Aleluia (Aleluia). COMENTÁRIO DE SANTO AGOSTINHO «O tempo da alegria, do descanso, da felicidade, da vida eterna e do reino sem fim que ainda não chegou, simbolizamo-lo pelo Aleluia. Mas ainda não possuímos esses louvores, ainda suspiramos pelo Aleluia. Que significa Aleluia? Louvai ao Senhor. Nos dias a seguir à ressurreição, repetem-se na Igreja os louvores de Deus, porque depois da nossa ressurreição também será perpétuo o nosso louvor. DOMINGO I 57 Louvemos, caríssimos irmãos, louvemos o Senhor que está nos céus. Louvemos a Deus. Digamos Aleluia. Façamos destes dias um símbolo do dia sem fim. Façamos do lugar da mortalidade um símbolo do tempo da imortalidade. Ca- minhemos depressa para a morada eterna: Felizes os que moram em vossa casa: podem louvar-Vos continuamente. Assim o diz a lei, o diz a Escritura, o diz a Verdade. Um dia chegaremos à casa de Deus, que está nos céus. Aí louvaremos o Senhor, não cinquenta dias, mas, como está escrito, pelos séculos dos séculos. Havemos de O ver, de O amar, de O louvar. Não acabará o que havemos de ver, não morrerá o que havemos de amar, não se calará o que havemos de louvar. Tudo será eterno, tudo será sem fim. Louvemos, louvemos, não apenas com a voz; louvemos também com o modo de viver. Louvem os lábios, louve a vida. Não andem zangadas a língua e a vida, mas animadas por uma caridade infinita. Voltemo-nos para o Senhor Deus, Pai todo-poderoso, com um coração tão puro quanto o permita a nossa fra- queza, e dêmos-Lhe grandes e sinceras acções de graças. Com toda a nossa alma, supliquemos à bondade infinita que se digne escutar favoravelmente as nossas preces e afastar, pelo seu poder, o nosso inimigo, tanto das nossas acções como dos nossos pensamentos. O Senhor aumente a nossa fé, dirija o nosso espírito, nos dê a graça de pensar espiritualmente, e nos conduza até à felicidade que é Ele mesmo, por Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina como Deus, na unidade do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos. Amen». ORAÇÃO Senhor Jesus Cristo, Cordeiro imolado e ressuscitado, que enchestes de beleza a Igreja, vossa Esposa, fazei-nos encontrar uma santa alegria no vosso triunfo pascal e cantar eternamente a vossa glória. Vós que sois Deus. Vésperas II Domingo I, II, III, IV. VÉSPERAS II SEGUNDA-FEIRA I Ofício de Leitura Salmo 6 SENTIDO INICIAL Este salmo é a súplica de um enfermo grave, que fala do seu sofrimento, do perigo em que se encontra e da con- fiança que tem em Deus. Muito doente e com a alma perturbada pelo silêncio do Senhor, o salmista pede-Lhe que tenha compaixão e o cure, em vez de o castigar na sua indignação, como se a doença fosse castigo (2-4), que salve a sua vida da morte restituindo-lhe a saúde (5-6). Descreve, em seguida, o estado de abatimento e de tris- teza a que chegou: estou exausto de tanto gemer, envelheci no meio de tantos inimigos (7-8); por fim, ao pressentir que Deus já acolheu a sua súplica, diz aos seus adversários que se afastem dele, cheios de confusão e cobertos de vergonha pelo mal que lhe fizeram (9-11). SENTIDO ACTUAL Jesus, que não cometeu pecado, orou na agonia com sentimentos semelhantes aos deste salmo ao dizer: «Agora a minha alma está perturbada... Pai, livra-me desta hora» (Jo 12, 27). Mas quando chegou o momento da paixão, entregou-Se à morte de cruz, num gesto de total abandono nas mãos do Pai, tornando-Se o grande modelo da nossa confiança. O pecado é uma doença e o maior dos nossos inimigos. Ele turva-nos os olhos e obscurece-nos a consciência. Mas o Senhor ouve a súplica e acolhe a prece daqueles que Lhe rezam este salmo com os sentimentos que ele desperta, que 59 se reconhecem pecadores mas simultaneamente Lhe pedem que os livre das ocasiões de pecar. Pelo seu carácter penitencial e meditativo, este salmo tem o seu complemento litúrgico de acção de graças, já aflorado nos versículos finais, no salmo 9 A, que iremos rezar depois dele. Salmo 6 Oração do homem aflito que pede clemência Agora a minha alma está perturbada... Pai, livrai-me desta hora (Jo 12, 27). 2 Senhor, não me repreendais na vossa ira, * nem me castigueis na vossa indignação. 3 Tende compaixão de mim, Senhor, porque estou doente,* curai-me, pois se desconjuntam os meus ossos. 4 A minha alma está muito perturbada, * e Vós, Senhor, até quando...? 5 Voltai, Senhor, salvai a minha vida, * curai-me pela vossa bondade. 6 No seio da morte ninguém se lembra de Vós. * Quem Vos poderá louvar na mansão dos mortos? 7 Estou exausto de tanto gemer: * passo a noite a chorar, † inundo de lágrimas o
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