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Doenças exantemáticas - aspectos gerais: Introdução: São moléstias infecciosas em que as erupções cutâneas são a característica dominante. São extremamente frequentes na infância. Na grande maioria das vezes, são originárias de doenças virais autolimitadas e benignas, mas algumas vezes podem ser expressões de moléstias mais graves, como a meningococcemia, especialmente se houver outros sintomas associados. Das várias doenças exantemáticas, aqui trataremos das mais clássicas: sarampo, escarlatina, rubéola, eritema infeccioso, mononucleose infecciosa, exantema súbito, varicela e herpes. Mecanismos de agressão à pele: Os microrganismos podem causar erupção cutânea por vários mecanismos que, em geral, coexistem: - Invasão e multiplicação direta na própria pele (varicela zoster e herpes simples); - Ação de toxinas (escarlatina, infecções estafilocócicas); - Ação imunoalérgica com expressão na pele (mecanismo mais comum nas viroses exantemáticas); - Dano vascular, podendo causar obstrução e necrose da pele (meningococcemia, febre purpúrica brasileira). Sarampo: É uma doença quase erradicada no Brasil, devido às campanhas de vacinação. Mas até poucos anos atrás causava grandes epidemias. É causada pelo Paramixovírus, que é transmitido por via aérea, por meio de aerossol e tem o tempo de incubação de 8 a 12 dias. Já o tempo de contágio é de 2 dias antes antes do início do pródromo até 4 dias após o aparecimento do exantema (aplicar vacina até 72h após o contágio e imunoglobulina humana normal após 6 dias). Deve ser feito o isolamento respiratório (uso de máscara) até 4 dias após o início do exantema. O quadro clínico é marcado por pródromos que duram 3 a 4 dias, com tosse, febre, cefaléia, mal-estar e prostração intensa. A febre é intensa, atingindo um pico concomitante ao aparecimento do exantema. A tosse é seca e intensa e acompanha-se de uma coriza abundante. Os olhos ficam hiperemiados, com lacrimejamento e fotofobia e, nos casos mais graves, ocorre edema bipalpebral. Aparece, então, o enantema (mucosas). A orofaringe fica hiperemiada e aparecem manchas branco-azuladas, pequenas, chamadas de manchas de Koplik. Elas aparecem 1 ou 2 dias antes do exantema e desaparecem 2 ou 3 dias depois. O exantema inicia-se atrás do pavilhão auricular e dissemina-se rapidamente para o pescoço, face e tronco e membros. Ele é maculopapular, eritematoso e morbiliforme (mas em algumas áreas pode confluir). Na fase do exantema, a doença atinge seu auge, deixando o paciente toxemiado, febril, com os olhos hiperemiados e fotossensíveis, intensa rinorreia e tosse. O exantema começa a esmaecer em torno do 3º ou 4º dia, na mesma sequência que apareceu, deixando manchas acastanhadas. As complicações do sarampo são numerosas, como laringite, traqueobronquite, pneumonite intersticial, ceratoconjuntivite, miocardite, adenite mesentérica, diarreia com importante perda de proteína e panencefalite esclerosante subaguda. Otite média é a principal complicação bacteriana. Em crianças menores de 1 ano de idade e desnutridas, com possibilidade de óbito. Devem ser considerados, além do sarampo clássico, outras duas formas de apresentação. O sarampo modificado acomete pessoas com imunidade relativa ou na aquisição intra-uterina de anticorpos. O tempo de incubação é de mais de 3 semanas, os pródromos são mais leves, raramente observa-se manchas de Koplik e o exantema também é leve. Já o sarampo atípico ocorre em crianças previamente vacinadas com vírus morto (má conservação?), mas é mais grave, marcada por febre alta, cefaleia, mialgia, pneumonite grave e derrame pleural. O exantema é bastante variável, macular, vesicular ou petequial. O diagnóstico é feito pela dosagem de anticorpos na fase inicial (2 a 3 semanas) ou pela pesquisa de anticorpos IgM que se positivam no 6º dia do exantema, mas na prática, muitas vezes, se dá de forma clínica. A prevenção é feita com vacina de vírus vivo e atenuado, aplicada no 12º mês de vida, e a dose de reforço entre 4 e 5 anos de idade. Recomenda-se também outro reforço por volta dos 12 anos. Rubéola: É uma doença causada pelo Togavírus, transmitido por via aérea, por meio de perdigotos. O tempo de incubação é de 14 a 21 dias e o tempo de contágio é de poucos dias antes até 5 a 7 dias depois da erupção. Os contactantes devem ser observados cautelosamente e o doente deve fazer isolamento respiratório e de contato para casos adquiridos pós-parto até 7 dias após o exantema. As crianças com infecção congênita são consideradas infectantes até 1 ano de idade ou até que a pesquisa de vírus na nasofaringe e na urina se negative. Em crianças, dificilmente há pródromos. Mas em adolescentes e adultos podem aparecer sintomas gerais brancos antecedendo 1 a 2 dias o exantema, que se inicia na face, espalhando-se rapidamente para o pescoço, tronco e membros. O exantema é maculopapular róseo, pode coalescer no tronco e tem curta duração, de no máximo 3 dias. Em alguns casos, observa-se no palato mole lesões petequiais, conhecidas como sinal de Forscheimer, que não é patognomônico mas é típico. Outro achado importante é a linfonodomegalia, que pode anteceder em até 7 dias o exantema e acomete principalmente os gânglios da cadeia cervical e retroauricular. Metade dos casos também apresenta encefalite discreta. As complicações na criança são raras, citando-se a púrpura trombocitopênica, a encefalite e a artralgia. A grande importância da rubéola é na gestação, devido à possibilidade de dano fetal (Sd. da rubéola congênita - RCIU, catarata, cardiopatia e surdez). A vacinação em crianças visa fundamentalmente proteger as mulheres suscetíveis do seu convívio. O diagnóstico feito pelo isolamento do vírus do material de nasofaringe ou urina ou com pesquisa de anticorpos IgG e IgM no soro. Já a prevenção é feita com vacina de vírus vivo e atenuada que é aplicada após os 12 meses de idade. Eritema infeccioso: É uma infecção causada pelo Parvovírus humano B19, transmitido por via aérea, por meio de perdigotos. O tempo de incubação é de 4 a 14 dias e o tempo de contágio é desconhecido. Em relação aos contactantes, deve-se realizar observação cuidadosa, em especial em pessoas que tenham alguma hemoglobinopatia. Em geral, não há pródromos. O primeiro sinal costuma ser o exantema, que se inicia na face como maculopápulas que confluem, tornando-se uma placa vermelho-rubra, concentrada principalmente na região das bochechas. Poupa a região perioral, a testa e o nariz, conferindo um aspecto de “asa de borboleta”, semelhante ao observado no lúpus eritematoso. Dá às crianças o aspecto de “cara esbofeteada”. Depois de 1 a 4 dias, o exantema evolui acometendo os membros (primeiro na face extensora, depois na face flexora). O exantema pode persistir por um período de mais de 10 dias e exacerbar-se ou reaparecer (até 1 a 2 semanas) quando a criança é exposta ao sol, faz exercícios, ou quando há alterações de temperatura. A evolução, em geral, é afebril, podendo ser acompanhada de artralgias e artrites. O hemograma é normalou com discreta eosinofilia. Nos adolescentes e nos adultos, os sintomas são mais proeminentes, principalmente o comprometimento articular. Dentre as complicações conhecidas, a mais grave é a morte fetal em gestantes acometidas. O Parvovírus Humano B19 é responsável por outras apresentações clínicas. Ele tem como célula-alvo o eritroblasto do hospedeiro, deixando o paciente anêmico. A síndrome das luvas e meias também é atribuída a essa espécie viral. Apresenta-se como lesões purpúricas simétricas e eritematosas indolores nas mãos e nos pés. Eventualmente também acomete bochecha, cotovelo, joelho e nádega. Pode ser acompanhada por sintomas gerais, mas é autolimitada, melhorando em 1 a 2 semanas. O diagnóstico do eritema infeccioso é feito através da sorologia para o Parvovírus Humano B19. Não há prevenção. Roséola infantil ou Exantema súbito: É uma doença exantemática causada pelo Herpesvírus Humano 6 (HVH6) e 7 (HVH7). A transmissão é, provavelmente, por meio de perdigotos. O tempo de incubação é de 5 a 15 dias e o tempo de contágio ocorre durante a fase de viremia, principalmente na fase febril. Os contactantes devem ser observados. O isolamento é desnecessário. Acomete apenas crianças entre 6 meses e 6 anos de idade, predominando em menores de 2 anos. O início da doença é súbito, com febre alta e contínua, de forma que a criança se torna irritada e anorética. É considerada uma das causas mais comuns de convulsão febril. Não há toxemia, apesar da magnitude da febre. Linfonodomegalia cervical é frequente, assim como hiperemia de cavum (adenoides). Após 3 a 4 dias de febre, quando essa cessa bruscamente, aparece o exantema, também de modo súbito, constituído por lesões maculopapulares rosadas que se iniciam no tronco e se disseminam para a cabeça e as extremidades. A erupção é de curta duração, de algumas horas a 2 ou 3 das, desaparecendo sem deixar descamação ou hiperpigmentação. O exantema pode passar despercebido. Apenas a presença do HVH6 ou HVH7 no sangue periférico fornece o diagnóstico de uma infecção primária. Testes para detecção de anticorpos podem apontar para uma infecção crônica, como em todos os Herpes Vírus, com reativações. Não há prevenção. Mononucleose infecciosa: É uma síndrome causada pelo vírus Epstein-Barr em 80% dos casos. A ocorrência de erupção cutânea não ultrapassa os 10 a 15 % dos casos. Os sintomas prevalentes nesta doença são febre, linfonodomegalia, hepatoesplenomegalia e faringoamigdalite. O tipo de exantema é variável, sendo na maioria das vezes maculopapular. As erupções são mais evidentes na presença de antibióticos (penicilina ou ampicilina). Outros agentes considerados são o Citomegalovírus, o vírus da imunodeficiência adquirida, o vírus da hepatite B e o Toxoplasma gondii. Varicela: A varicela é causada pelo vírus da varicela-zóster, do grupo herpes. A transmissão é por aerossol, contato direto e transmissão vertical. O tempo de incubação é de 10 a 21 dias e o tempo de contágio, de 10 dias após o contato até a formação de crostas de todas as lesões. O isolamento é respiratório e de contato. O cuidado com o contactantes é feito com imunoglobulina humana antivírus varicela zóster (VZIG), que deve ser indicada nas seguintes situações: crianças imunocomprometidas sem história prévia de catapora, gestantes suscetíveis, recém-nascidos cuja mãe tenha tido catapora dentro de 5 dias ou 48 horas após o parto, prematuros (>28 semanas) cuja mãe não tenha tido varicela e prematuros (<28 semanas) independente da história materna. O quadro clínico é marcado pelo exantema como primeiro sinal da doença, mas eventualmente pode-se notar febre baixa e mal-estar, principalmente em adultos. A erupção inicia-se na face, como máculas eritematosas, que rapidamente tornam-se pápulas, depois vesículas, pústulas e, finalmente, crostas. Estas lesões aparecem em surtos, geralmente por 3 a 5 dias, antecedidas por febre e promovendo um aspecto polimórfico do exantema. O envolvimento do couro cabeludo, das mucosas orais e genitais é frequente. As crostas permanecem por 5 a 7 dias e depois caem, deixando uma mácula branca que não é permanente. Quando a pele foi anteriormente traumatizada ou sofreu abrasão, as lesões costumam ser mais numerosas. A varicela costuma ser uma doença benigna, entretanto complicações às vezes muito sérias são observadas, como: - Infecções bacterianas secundárias: estrepto ou estafilo, podendo levar de piodermites a erisipela e celulite. Servem de porta de entrada para infecções sistêmicas. - Pneumonia: ocorre pneumonite intersticial em muitos casos, mas em geral é apenas um achado radiológico. Em alguns casos, assume proporções mais graves evoluindo para insuficiência respiratória. - Encefalite: o acometimento do SNC não é frequente. A região mais frequentemente atingida é o cerebelo. Pode causar ataxia, sonolência, coma, hemiplegia. - Manifestações hemorrágicas: podem ser decorrentes de trombocitopenia, que aparece na fase de convalescença, ou de uma coagulopatia de consumo. - Varicela e gravidez: quando acomete uma gestante, o feto pode sofrer consequências, como focomelia, coriorretinite, meningoencefalite, lesões cicatriciais de pele, morte fetal e aborto. Quando as lesões aparecem durante os primeiros 16 dias após o parto, denomina-se varicela congênita. - Síndrome de Reye: degeneração aguda do fígado acompanhada de encefalopatia hipertensiva grave. Em pacientes com imunodepressão ou que apresentam risco de doença grave com acometimento visceral, há indicação de tratamento antiviral com aciclovir. O diagnóstico é feito na fase de vesícula, com exame do líquido da lesão pela microscopia eletrônica. Anticorpos podem ser detectados pelo teste de imunofluorescênia indireta, mas na prática é feito de forma clínica. A prevenção é feita com a vacina antivaricela. Herpes simples: É causada pelo vírus da HSV-1, do grupo herpes, com transmissão por contato direto com secreções orais infectadas. O tempo de incubação é de 2 dias a 2 semanas e o tempo de contágio é de várias semanas após o surgimento da lesão na primo-infecção e de 3 a 4 dias nas reativações. O isolamento é feito apenas em pacientes com quadros mucocutâneos graves e os cuidados com os contactantes são gerais, com lavagem de mãos e evitar contato com as secreções orais. O quadro clínico da primo-infecção é de gengivoestomatite herpética acompanhada por febre que evolui, em 2 a 3 dias, com o aparecimento de lesões orais, vesiculares muito dolorosas, por vezes acometendo os lábios. As reativações apresentam-se como herpes labial, entretanto em pacientes com deficiência imunológica grave, as lesões podem ser disseminadas, lembrando varicela. Em crianças imunocompetentes, trata-se com aciclovir em casos extensos de comprometimento sistêmico. O diagnóstico é feito com a detecção de anticorpos no soro em duas titulagens ou com a presença de anticorpos da classe IgM. Escarlatina: É uma das manifestações clínicas provocadas pelo estreptococo beta hemolítico do grupo A (Streptococcus pyogenes). É comum em pré-escolares e escolares (3 a 15 anos)e frequentemente se associa à faringite. É incomum no período neonatal e durante a lactação, devido aos anticorpos protetores maternos. A transmissão ocorre por gotículas de saliva e de secreções nasais eliminadas pelo doente. Os estreptococos do grupo A responsáveis pelo desenvolvimento do exantema típico da escarlatina produzem a toxina eritrogênica, que pode ser do tipo A, B ou C e seus anticorpos são toxina-específico, de forma que uma mesma criança pode apresentar escarlatina até 3 vezes durante a vida. O quadro clínico se inicia com febre alta (>39ºC), calafrios, vômitos, cefaléia, prostração, amigdalite e dor abdominal. O exantema surge após 24 a 48 horas, com aspecto eritematoso e micropapular, dando à pele uma textura áspera semelhante à “lixa”. O rash se inicia no tórax e se dissemina para o pescoço e membros, poupando palmas e plantas. Na face, a fronte e as bochechas ficam hiperemiadas enquanto a região perioral se torna pálida (sinal de Filatov). Nas regiões flexurais o exantema é mais intenso, levando à formação de linhas transversais (sinal de Pastia). O rash começa a desaparecer após a 1ª semana e termina na 3ª. As amigdalas e a úvula geralmente estão edemaciadas e a língua, no primeiro dia da infecção, apresenta aspecto de “morango branco” (papilas hipertrofiadas e exsudato branco). No terceiro dia, a língua adquire aspecto de “morango vermelho” ou “framboesa”, pois o exsudato desaparece. O diagnóstico é clínico a partir do exantema típico. Nos casos duvidosos, a infecção pelo estrepto pyogenes pode ser confirmada por testes laboratoriais. Com o tratamento correto, encurta-se a duração da doença, reduz-se o tempo de contágio e evita-se complicações supurativas e febre reumática. Usa-se penicilina G benzatina IM ou amoxicilina VO por 10 dias (eritromicina, claritromicina ou azitromicina para alérgicos). Não há profilaxia. Camila Brito Referências: - Tratado de Pediatria - SBP; - Medcel 2019.
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