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EA D Séculos 18 e 19: A Era do Liberalismo 3 1. OBJETIVOS • Compreender o Iluminismo, suas características e conse- quências. • Conhecer as tendências da sociedade e da Igreja no perí- odo Pós-revolução Francesa. • Analisar o Separatismo e o Liberalismo. • Conhecer o pontificado de Pio IX e alguns de seus aspectos. 2. CONTEÚDOS • Iluminismo e suas características. • Consequências da Revolução Francesa. • Separatismo. • Igreja e Liberalismo. • Pontificado de Pio IX. © História da Igreja Moderna e Contemporânea78 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1) Nesta unidade, você precisa estar atento ao contexto do surgimento e expansão do pensamento Iluminista, de modo especial, na Inglaterra e França. Também é impor- tante conhecer a França do período anterior à Revolução Francesa, ocorrida a partir de 1789 e suas consequên- cias para o pensamento ocidental e para as estruturas políticas e econômicas. 2) Importante é aprofundar a atitude da Igreja frente a essas mudanças, sabendo que, inicialmente, ela é con- trária a todas as novidades e, só com muita dificuldade, iniciará um processo de abertura e de mudança. 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Na unidade anterior, você obteve uma explicação sobre o Absolutismo. Agora, nesta terceira unidade, você conhecerá novas ideias e novos ideais que floresceram na sociedade europeia com o Ilumi- nismo, tendo em vista que, como vez que os princípios iluministas foram aplicados na prática, surgiu uma nova sociedade marcada pelo Liberalismo. Você poderá perceber, ainda, que a Igreja teve dificuldades para assimilar as novidades da sociedade liberal du- rante o século 19. Está preparado? Então, vamos aos estudos! 5. ILUMINISMO O Iluminismo foi o resultado, em grande parte, da difusão de dois sistemas filosóficos no século 16: o empirismo e o racio- nalismo. 79© Séculos 18 e 19: A Era do Liberalismo O empirismo negava toda diferença substancial entre o co- nhecimento sensível e o inteligível, pondo nos sentidos a única fonte do conhecimento, colocando à parte as ideias inatas, bem como exaltando e promovendo o método experimental. Já o racio- nalismo atribuiu um valor absoluto ao conhecimento racional, que se desenvolveu de modo independente dos sentidos, admitindo como único critério de verdade a razão, que possui em si mesma os princípios de todo conhecimento. Assim, foi fácil conseguir, por essas posições, a afirmação fundamental do Iluminismo: a plena autossuficiência do homem ou, ao menos, a tendência de conseguir esse ideal. Com a plena confiança nas suas próprias forças, o Iluminismo estava decidido a por fim ao Absolutismo do passado, abrindo novas estradas em Filosofia, Política e Economia. Aquilo que era presente no Renas- cimento, mas de modo confuso e contraditório, alcançou, com o Iluminismo, uma afirmação clara e bem distinta. Com base nas ideias de Comby (1994, p. 81-82), assim fala das "luzes" combatendo o Cristianismo. Sobre o triunfo da razão: A partir do final do século XVII tem início uma "crise da consciên- cia europeia". Pierre Bayle (Pensamento sobre o cometa, 1682, Dicionário Histórico e Crítico, 1695-1697) é uma das primeiras tes- temunhas dessa crise. No século XVIII, uma grande quantidade de escritores assume destaque: Voltaire, Diderot, d´Alembert... Educa- dos no cristianismo, freqüentemente entre os jesuítas, esses "filó- sofos" desejam julgar todas as coisas com as "luzes" da razão, que se opõem às obscuridades da revelação. Guarda-se dessa filosofia das Luzes –em alemão Aufklärung – seu aspecto de máquina de guerra anticristã. Sem negar tal coisa, é necessário dizer que esse ideal da razão corresponde também a uma distinção dos domínios; A ciência adquire sua própria linguagem e se afasta da metafísica Características essenciais do Iluminismo O Iluminismo contou com várias características, dentre as quais podemos destacar: 1) Fé na razão: essa, sempre idêntica em todos os séculos e em todos os povos, é a via e a norma única e absolu- © História da Igreja Moderna e Contemporânea80 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO ta da verdade. Não que ela recolha tudo em si; é, antes de tudo, o caminho a seguir, para que os nossos cami- nhos sejam deduzidos com base na experiência. Os ilu- ministas olhavam com desconfiança os grandes sistemas construídos pelos filósofos do século 16, que os chamam de "poetas metafísicos". 2) Fé e confiança na natureza humana: o homem em si é bom, não é corrompido pelo pecado e não tem necessi- dade de uma redenção que venha do alto para salvá-lo. Nessa concepção, o pecado original e a perda da felicida- de primitiva são negados ou passam completamente em segundo plano. Assim, deixado a si mesmo, o homem conquista a sua felicidade, descobre a verdade e segue aquilo que é do bem. A corrupção é fruto somente das leis más, derivadas de falsos princípios, e o homem pode encontrar o remédio necessário sozinho, sem ajuda ex- terna. E assim nasce o mito do "bom selvagem", ou seja, do homem simples e bom que vive nos bosques, longe da sociedade. 3) Desprezo pelo passado: os iluministas tratavam o passa- do como "idade das trevas" e exaltavam o presente e o futuro como a "era das luzes". Dessa forma, mal e bem estavam adequadamente divididos e, a partir daí, impe- rava a idade das luzes. 4) Otimismo: os iluministas possuíam um ardor que se po- deria chamar "profético" ou "messiânico"; para eles, co- meçava a idade de ouro, a nova fase da história humana, em que toda colina seria abaixada, todo obstáculo seria eliminado pela razão e pela tolerância, pelo fim de todo enigma; é aí que nos encontramos, mais uma vez, com o entusiasmo de alguns místicos medievais. Os iluminis- tas, no seu entusiasmo, anteciparam a fé no progresso humano. Aplicação concreta dos princípios iluministas Os princípios iluministas encontraram sua aplicação concre- ta em diversos campos de ação da sociedade. Eis alguns deles: 81© Séculos 18 e 19: A Era do Liberalismo 1) Na religião: toda religião positiva, toda revelação, todo dogma, enfim, toda instituição que se posicionasse en- tre Deus e o homem era refutada. Salvava-se uma re- ligião natural, reduzida a um vago deísmo, no qual a essência divina permanecia desconhecida e era negada toda intervenção divina no mundo, e no qual se subli- nhava o aspecto ético da religião. Essas grandes linhas apareciam já no século 16, com Herbert di Cherbury. Contudo, muito mais fácil era a passagem do deísmo ao ateísmo: o barão d'Holbach, por exemplo, fazia aberta profissão de ateísmo, sendo muito aceito pela sociedade que o tornou um ídolo, lido e admirado por príncipes e senhores. O ateu, e somente ele, era o homem hones- to, sincero, incorrupto, amante do belo e de tudo o que é racional; os eclesiásticos, ao contrário, sobretudo os mosteiros masculinos e femininos, eram apresentados como centros cobertos pelo regime de privilégio, pelo foro eclesiástico e pela ignorância, a que se chamava "inútil erudição". Falando da razão contra a revelação, Comby (1994, p. 82-83) assim escreve: Um ateísmo explicito é raro. Seria perigoso expressá-lo aberta- mente. Vários podem prevalecer-se secretamente dele: o cura de Meslier (+1729), d´Holbach, Helvetius, Sade [...]. A maioria dos "fi- lósofos" pensa que seja necessária uma religião para o povo: Deus é garantidor da ordem. A maior parte inclina-se para o deísmo, uma religião natural em conformidade com a razão e que exclui toda relação: o "Grande Relojoeiro" de Voltaire, "um aposentado posto de lado". Os dogmas se opõem à razão e à natureza [...]. Ao recusar- -se a seguir a natureza, o cristianismo é um obstáculo à felicidade do homem. Por conseguinte, é preciso lutar pelo desaparecimen- to da Igrejae do cristianismo: "Esmaguemos a infâmia", exclama Voltaire. A primazia da razão não impede que o século XVIII acabe por recuperar o gosto pelo esoterismo e por um novo irracional. Insatisfeito com o empedernido racionalismo de Voltaire, Jean- -Jacques Rousseau (1712-1778) deseja restabelecer o sentimento numa religião natural. Desse modo, ele franqueia à religião o leme da Revolução e prepara o romantismo 2) Na moral: esta não se fundamentava mais em uma lei natural, apresentada como manifestação da divina lei © História da Igreja Moderna e Contemporânea82 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO eterna, mas como uma exigência da razão e da vontade humana. 3) Na pedagogia: o adolescente devia alcançar livremente a verdade, sem recebê-la passivamente do educador; portanto, seguindo o seu instinto, ele devia adquirir por si o controle das paixões. As ideias religiosas, poucas e simples, seriam aprendidas mais tarde, gradualmente. 4) Na economia: essa ciência é regida por leis como a Física e a Astronomia; basta, portanto, descobri-las e respeitá- -las para assegurar a ordem econômica. Toda interven- ção estatal para mudar o desenvolvimento natural dos fatos econômicos dos estados absolutos se substitui pela liberdade de comércio e de produção e prefere a agricultura à indústria. 5) Na política: o soberano devia assegurar a felicidade dos seus súditos, que não tinham nenhuma liberdade polí- tica, nenhum direito e esperavam tudo dele. Por essa razão, o soberano procurava impor a própria autorida- de, não como mero arbítrio, mas como uma exigência da razão, necessária para o bem dos súditos. O despo- tismo iluminado multiplicava, por isso, as intervenções do Estado, que regulava as minúcias da vida quotidiana; todavia, punha um limite ao seu privilégio e procurava tornar todos os súditos iguais perante a lei. 6. CONSEQUÊNCIAS DA REVOLUÇÃO FRANCESA A Revolução Francesa cumpriu uma obra histórica, e suas consequências produziram frutos, mas não de um dia para outro; entrando, assim, em um princípio histórico: "a história não dá sal- tos". Em poucas palavras, a Revolução destruiu, em grande parte, as estruturas político/sociais/econômicas do Antigo Regime e co- locou as bases para a construção de uma nova sociedade por meio dos princípios e ideais que lentamente foram sendo elaborados no século 18. Aos privilégios, sucederam-se a igualdade; ao arbítrio ou à autoridade absoluta do soberano, substituiu-se a soberanida- de popular e a liberdade. É a partir da Revolução e, portanto, com 83© Séculos 18 e 19: A Era do Liberalismo o surgimento do Estado Moderno que se desencadeou o Liberalis- mo, já em fase embrionária nos séculos anteriores. Com a Revolução Francesa, é uma parte do espírito das "Luzes" que é concretizada: triunfo da razão na política e luta contra o cristia- nismo. Levadas pelos exércitos conquistadores, as idéias revolucio- nárias ganham a Europa. Se os franceses distinguem claramente a Revolução da era napoleônica, os europeus consideram os dois períodos como um todo. Napoleão, "Robespierre a cavalo", propa- gou a ideologia revolucionária até mesmo nas estepes russas [...] (COMBY, 1994, p. 90). Pode-se dizer, de modo simplificado, que as consequências positivas da Revolução Francesa foram a igualdade e a liberdade, sendo esse binômio o núcleo dos princípios emanados solene- mente em 26 de agosto de 1789 e que foram posteriormente es- pecificados em leis. Art. 1º: os homens nascem e vivem livres e iguais nos direitos; as distinções sociais não podem ser fundamentadas senão sobre a uti- lidade comum; [...] Art. 6º: todos os cidadãos são igualmente admitidos em todas as dignidades, ofícios e empregos, e segundo a sua capacidade, e sem outra distinção senão aquela de sua virtude e capacidade (MARTINA, 1996, p. 34). Esse princípio de igualdade teve uma vasta aplicação. Na so- ciedade, foram abolidos os privilégios econômicos e as isenções de classes; naturalmente, esse foi um progresso mais teórico do que prático, tendo em vista que grandes injustiças permaneceram por muito tempo. No entanto, acabaram as discriminações sociais nas leis penais e na admissão aos ofícios públicos. A nobreza não mais reconhecida pela Revolução reviveu com a restauração, embora sem todos os privilégios econômicos e so- ciais de um tempo passado. Ela conservou, ainda, o seu prestígio, o qual fora constituído por uma força histórica e que nenhuma escrita podia destruir de um dia para outro; todavia, a sua sorte estava selada. A igualdade aplicou-se, também, na administração: nascia, assim, o Estado Moderno, centralizante e com um ordenamento © História da Igreja Moderna e Contemporânea84 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO jurídico uniforme em todo o território. Foram suprimidas, então, as antigas divisões em diversos territórios, cada um dos quais do- tados de leis diversas e substituídos com divisões de caráter pu- ramente administrativo regido por prefeitos. Foram suprimidos, também, antigos tribunais locais autônomos, e, no seu lugar, fo- ram instituídos três graus de instância rigidamente subordinados ao poder central. Juntamente com a igualdade, a liberdade vem definida no Art. 4º como o "o poder de fazer tudo aquilo que não prejudica os outros". Esse princípio encontrou as suas aplicações na políti- ca, em que o direito divino do rei foi sucedido pela soberanidade popular. O princípio de toda soberanidade residia essencialmente na nação, de onde derivavam os vários poderes, distintos entre si, para assegurar um estável equilíbrio e evitar arbítrios. O rei não fez mais recurso à fórmula "por graça de Deus", mas usou outra fór- mula: "por vontade da nação", para indicar a fonte do seu poder e o dever de prestar contas de sua obra ao povo, composto não mais de súditos, mas de cidadãos. Mais tarde, por uma evolução irreversível, o rei reduziu-se a um mero símbolo da unidade nacional, com poderes efetivos limi- tados, seguindo este princípio: "o rei reina, mas não governa". Pas- sou-se, assim, gradualmente, da monarquia constitucional pura, na qual os ministros eram responsáveis somente perante o sobe- rano, à monarquia parlamentar, em que eles eram responsáveis diante do parlamento e deveriam gozar de sua confiança. No âmbito civil, os cidadãos gozaram de garantias precisas que os defenderam dos eventuais arbítrios do executivo: "nenhum homem pode ser acusado, preso ou detido se não nos casos pre- vistos pela lei e segundo as formas prescritas por ela" (Art. 7º). Não menos importante foi o reconhecimento da liberdade de opinião e de imprensa: "todo cidadão pode falar, escrever e publicar livremente" (Art. 10º e 11º). Dessa forma, toda a liberda- de foi reconhecida no campo religioso: "nenhum homem deve ser 85© Séculos 18 e 19: A Era do Liberalismo molestado por suas opiniões, também religiosas" (Art. 10º) (MAR- TINA, 1996, p. 36). Logo, foi reconhecido, implicitamente, o direito à prática e à propaganda de toda religião, sem que alguém pudesse suscitar uma coação sobre as consciências. Sob o aspecto econômico, com relação aos privilégios e mo- nopólios das velhas corporações, houve a liberdade de iniciativa e de comércio. Com a lei proposta pelo deputado Le Chapelier, em 1791, a qual foi passada à história com o nome de seu criador, fo- ram suprimidas todas as corporações medievais, as quais tinham desenvolvido, na Idade Média, um papel útil, limitando a concor- rência e vindo ao encontro das necessidades dos trabalhadores; contudo, na Idade Moderna, elas eram, nada mais nada menos, do que uma casta fechada e impediam toda iniciativa particular. Vale lembrar que quase todas essas leis, que traduziam, em prática, os princípios essenciais da Revolução Francesa, foram imi- tadas, cedo ou tarde, em todos os países europeus, mostrando, de forma bastante evidente, que elas não eram fruto de umaideolo- gia apriorística, e sim respondiam às exigências objetivas da socie- dade e às aspirações da mentalidade contemporânea. Revolução, no justo esforço de acabar com o regime de pri- vilégio e de arbítrio, exasperou os princípios de igualdade e de li- berdade, sem conseguir ligá-los com outros aspectos da realidade e fazendo deles um mito, com o perigo de tornar mais difícil a rea- lização desses ideais. Assim, da exasperação pela igualdade, desenvolveu-se o in- dividualismo. Para melhor defender a igualdade e a liberdade de todos os cidadãos, o Estado, como vimos, suprimiu as associações profissionais: "[...] não existem mais corporações no Estado, não há senão o interesse individual de cada um e o interesse geral de todos" (MARTINA, 1996, p. 38). © História da Igreja Moderna e Contemporânea86 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Todo contrato de trabalho estipulado livremente entre dois indivíduos era, então, justo e respeitado. Portanto, enquanto esta- vam cumprindo um abstrato igualitarismo, os operários permane- ceram abandonados a si mesmos, sem a defesa de uma associação profissional. O resultado final foi o acúmulo de ingentes riquezas nas mãos de poucos e o pauperismo das massas, ainda que menos aparentes do que em épocas posteriores. Renasceram, assim, a servidão e as discriminações sociais. Tudo isso se desenvolveu gra- dualmente, é óbvio, pode-se afirmar que, já na Revolução, estava se formando a questão social. O mito da igualdade e da liberdade não tornava danosas so- mente as classes menos favorecidas; trazia, também, outras coi- sas, como a crise da autoridade do Estado e um novo incremento ao laicismo do século 17. A preocupação em salvaguardar a liber- dade assegurou a prevalência do poder legislativo sobre o execu- tivo, dando origem ao sistema parlamentar, que, posteriormente, se degenerou no parlamentarismo: intermináveis e estéreis dis- cussões nas câmaras; crises de governos privados de uma maioria estável; carência de uma autoridade capaz de garantir a segurança e promover o bem comum; e violação dos direitos essenciais das minorias por parte de uma maioria que abusava de sua posição. Do parlamentarismo, renasceu o desejo de uma autoridade forte: abriu-se o caminho para a ditadura. Esse foi o drama da Eu- ropa entre os séculos 17 e 19. Contemporaneamente, seja por uma natural reação à es- pecialíssima posição que a Igreja ocupava no Antigo Regime, seja pela intolerância típica de quantos negam uma verdade absoluta, a liberdade de culto e de opinião transformou-se, em muitos ca- sos, em aberta luta contra o catolicismo e a Igreja. Não somente a verdade e o erro foram postos no mesmo plano (situação inevi- tável e fundamentalmente correspondente a critérios de justiça numa sociedade pluralista), como também, de fato, oprimiu-se a 87© Séculos 18 e 19: A Era do Liberalismo religião católica de diversas maneiras, enquanto a sociedade, em sua ordem, prescindia, cada vez mais, de toda inspiração religiosa. No campo eclesial, os revolucionários passaram a dificultar as ações eclesiásticas e clericais, criando uma legislação anticatóli- ca que levaria, depois, à perseguição dos membros da Igreja. No dia 2 de novembro de 1789, com base na proposta de Tal- leyrand, bispo de Autun, os bens do clero são postos à disposição da nação, tornando-se assim bens nacionais. O Estado se encarre- gará da subsistência do clero e dos serviços que este último assegu- rava (assistência, ensino...). Como a Igreja possuía um sexto do solo nacional, a venda dos bens da Igreja acarreta uma transferência de propriedades sem precedentes... No dia 13 de fevereiro de 1790, a Constituinte proíbe os votos religiosos... A geografia eclesiástica é completamente modificada: de 135, as dioceses passam para 85 [...] (COMBY, 1994, p. 91). No início de 1791, o papa Pio VI condena a Constituição civil do clero e exige a retratação deste, que apoiou os revolucionários. Houve um período (10 anos) de crises e perturbação na vida da Igreja francesa, o que provocou grandes disputas internas, prisões, exílios e perseguições. O período mais difícil foram os anos de terror: 1793-1794, com muitas prisões e execuções de padres e religiosos. Após o período negro, ocorreu uma tentativa de reorganização, e, em 1801, foi assinada a Concordata com Napoleão Bonaparte, que, em 1807, anexou os Estados Pontifícios ao seu império. Com a re- constituição do Estado Pontifício no Congresso de Viena, em 1815, é iniciada a restauração católica, com a assinatura de várias con- cordatas com vários países, com a reorganização eclesial e com a fundação de centenas de novas ordens e congregações religiosas. 7. SEPARATISMO Após a Revolução Francesa, sendo os princípios desta assimi- lados pelos demais países europeus, a questão da separação entre Igreja e Estado ganhou terreno. Vale dizer que a polêmica ideoló- gica sobre o Separatismo também teve um amplo espaço tanto no © História da Igreja Moderna e Contemporânea88 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO campo leigo quanto no campo eclesiástico (entre intransigentes e católicos liberais). Tratou-se, de qualquer modo, da primeira fase histórica do processo de secularização, ou seja, do primeiro passo em direção à cidade leiga, em contraposição à cidade sacra. É um processo que diz respeito às estruturas, mas que in- cide, também, na vida concreta. Deve-se mencionar, assim, que o Separatismo (ou Separação) representa uma reação à estreita união trono/altar, típica do Antigo Regime; que "separação" não significa "distinção das competências", "autonomia", que, como sempre acontece na história, nos encontramos diante de sistemas diversos, e não diante de apenas um sistema. Nesse sentido, é importante dizer que a separação Igreja/ Estado aconteceu de três formas: • Separatismo puro: a separação pura não excluiu uma au- toridade transcendente. Essa separação não foi sinônimo de indiferentismo e muito menos de ateísmo do Estado, mas somente de respeito das respectivas competências. O Estado não professava nenhuma particular religião, não reconhecia nenhuma sociedade religiosa no seu território como dotada de plena soberanidade e independência; atribuía, porém, aos cidadãos uma plena e efetiva liber- dade de culto e atividade religiosa. Todos os cultos goza- vam de igual tratamento jurídico diante da lei, segundo os princípios do direito comum. A Igreja não recebia ajuda alguma por parte do Estado, nem para a manutenção das escolas, mas tinha plena liberdade na nomeação dos bis- pos e de todos os ofícios eclesiásticos. Contudo, o Estado exonerava os eclesiásticos do serviço militar e reconhe- cia os efeitos civis do matrimônio religioso, mantendo-se, nesse ponto, longe do laicismo europeu. As consequên- cias, portanto, são estas: nenhuma religião é oficialmente reconhecida; igualdade de direitos civis e políticos; ne- nhuma ajuda do Estado para a Igreja; reconhecimento do casamento celebrado segundo os vários ritos. 89© Séculos 18 e 19: A Era do Liberalismo • Separação mista: o Estado declarava-se incompetente nas questões religiosas, considerando a Igreja como uma sociedade privada, ainda que reconhecesse alguns privi- légios que a lei concedia a algumas pessoas em vista do bem comum. Substancialmente, concedia liberdade à Igreja, mas continuava o estipêndio para o clero; havia, também, a obrigatoriedade do casamento civil. • Separação hostil: desenvolveu-se em todas as nações la- tinas, bem como na França, Espanha, Portugal, Itália e em vários estados da América Latina, por uma natural reação à união muito estreita entre Estado e Igreja, própria do Antigo Regime. Pode-se discutir se o nome correto é "se- paração" ou se é possível usar outra expressão, como "ju- risdicionalismo aconfessional", que seria mais apropriado nos países latinos da Europa e da América. Na época,o Estado não reconhecia e não protegia a Igreja, mas de- fendia-se dela, não a reconhecendo como sociedade de direito público, impedindo-lhe todo apoio e conservando severo controle sobre ela. Em alguns lugares, a separação constituiu uma autêntica ofensiva contra a Igreja e a re- ligião. As iniciativas aconteceram no decorrer do século 19 com certa continuidade, ao menos em linhas gerais, podendo ser resumidas assim: encarceramento dos bens eclesiásticos; supressão das ordens religiosas com casos bens diversos (simples negação do reconhecimento da personalidade jurídica dos institutos, como na Itália, com a lei de 7 de julho de 1866, com a consequente expulsão dos religiosos de suas antigas casas e a constituição de "pequenas comunidades" em diversos locais); proibição de vida comum (lei de 8 de outubro de 1910 em Portu- gal); proibição dos votos religiosos; proibição de receber novos noviços; e necessidade de uma especial autoriza- ção para receber novos noviços, que era dificilmente con- cedida (lei de 1º de julho de 1901, na França). A resistên- © História da Igreja Moderna e Contemporânea90 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO cia silenciosa dos religiosos e, sobretudo, das religiosas acabou vencendo a força estatal. Em poucos casos como esse, vê-se a esterilidade histórica de batalhas contra a força da vida consagrada. 8. IGREJA E LIBERALISMO O século 19 trouxe para o mundo ocidental um novo modo de encarar a política, a economia, a religião, a sociedade etc. Após a Revolução Francesa, na questão política e na relação entre Esta- do e Igreja, foi forte a questão do Liberalismo. Segundo Zagheni ( 1999, p. 87-88): Relação entre Igreja e Estado, no século XIX, deve ser posta no con- texto do liberalismo, que, partindo da visão da pessoa como ser individual capaz de alcançar a felicidade com a ajuda da razão, vê o Estado como uma entidade composta de indivíduos e não de gru- pos. Conseqüentemente, a autoridade não é concebida segundo a forma patriarcal da família (em que a dignidade do homem é garan- tida pela inserção orgânica no conjunto); antes, baseia-se num con- trato. Esse contrato existe para que o indivíduo, desenvolvendo ao máximo os próprios interesses econômicos, promova lucro maior. Essa concepção requer que a economia de desenvolva segundo suas próprias leis e que seja excluída qualquer forma de interven- ção ou planificação estatal. Esse Estado não precisa de Deus para alicerçar a própria autoridade e nem do "instrumento" da Igreja para levar a população à obediência à autoridade constituída: ele se considera incompetente em matéria religiosa e interpreta a reli- gião como uma questão individual, privada. O Estado não reconhe- ce que uma religião determinada deva ser protegida e financiada: portanto (em linha de princípio), há a separação entre Igreja e Esta- do, embora essa separação não precise ser introduzida de repente, em todos os lugares e da mesma maneira [...]. Assim, diante da re- ligião, o Estado liberal constrói para si uma ideologia que podemos chamar de "laicismo". É contra essa especial configuração que a Igreja do século passado (século XIX) se posiciona, afirmando o pró- prio direito de existir como realidade pública e também para defen- der os valores individuais e sociais que eram ignorados ou violados. Diante do mundo novo surgido com a Revolução Francesa, enquanto a luta entre o antigo modo de viver e o novo já tinha acabado e o Absolutismo parecia ressurgir vitorioso das cinzas, 91© Séculos 18 e 19: A Era do Liberalismo que posicionamento deveriam ter os católicos? Interpretando a herança revolucionária e as mudanças irreversíveis, Comby afirma (1994, p. 102): O catolicismo francês e europeu saiu profundamente transformado da Revolução e do Império. Em sua maioria, os bens da Igreja ha- viam passado para mãos leigas. Não se retomará a primeira grande secularização da sociedade francesa. Único príncipe eclesiástico, o papa ainda conserva um poder temporal. A liberdade de cultos é integrada à legislação. Os franceses podem afirma-se não-católicos ou não-cristãos. Pela criação do registro civil, as etapas da existên- cia humana escapam ao controle da Igreja, que perde igualmente o domínio do ensino. Em um período de transformações radicais, às vezes, não é fácil distinguir o erro da verdade, os aspectos contingentes dos va- lores permanentes. A herança revolucionária dividiu os franceses e essa divisão perdu- rou até um período recente. Enquanto os 'liberais' se prevaleciam dos princípios revolucionários de liberdade e de igualdade, os ca- tólicos, em sua maioria, viram na Revolução a obra de Satã. Essa é a razão por que, no século XIX, os católicos que desejavam uma restauração social e religiosa com base no modelo do Antigo Regi- me se opções aos liberais, que se empenham em defender as aqui- sições revolucionárias. O conflito se desenrola no interior da Igreja quanto alguns católicos consideram que os princípios de 1789 não são incompatíveis com o Evangelho e que é inútil desejar ressusci- tar um passado já cumprido (COMBY, 1994, p. 102). Desenvolveu-se, portanto, dentro da Igreja e entre os cató- licos, uma dupla tendência: de um lado, encontramos os católicos intransigentes e, de outro, os católicos liberais. Católicos intransigentes A obra O Liberalismo é pecado, publicada em 1884, pelo sa- cerdote espanhol Sarda y Salvany, é o símbolo do posicionamento geral dos católicos intransigentes diante das suas liberdades mo- dernas. A imprensa católica do século 19 foi largamente invadida pelos seguintes juízos: © História da Igreja Moderna e Contemporânea92 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 1) a liberdade é a amiga mais fiel e cara do demônio, por- que abre caminhos para inumeráveis e quase infinitos pecados; 2) toda partícula de liberdade tem de ser condenada; 3) a liberdade de consciência é uma loucura e a liberdade de imprensa é um mal que jamais se deplorará suficien- temente; 4) uma vez que o Liberalismo é intrinsecamente perverso, não resta outra coisa a fazer senão rechaçar em bloco as doutrinas. Essa mentalidade estava muito presente no início do sécu- lo quando da constatação dos males imediatos que a Revolução tinha causado em todos os campos. Mais ainda: desconfiava-se de tudo aquilo que se apresentava como novo; por exemplo: toda novidade na Política era uma revolução; na Filosofia, um erro; na Teologia, uma heresia. O Absolutismo, com a estreita união entre trono/altar, aparecia como o melhor regime político para os católi- cos que tinham uma mentalidade intransigente. O ideal, para eles era a volta ao antigo regime. O movimento intransigentismo, pode ser assim definido: Movimento católico italiano, criado no século XIX, em defesa da religião e da Igreja na sociedade face ao Estado liberal. Desvincu- lando-se do saudosismo legitimista dos velhos regimes, estabe- leceram-se, os seus adeptos, num plano nitidamente religioso. Defendiam a questão romana não como exigência de legitimismo dinástico, mas como uma necessidade religiosa para a liberdade da Igreja. Preocupavam-se com o novo Estado italiano e as suas rela- ções com a Igreja (SCHLESINGER, 1995, n.p). É importante ressaltar, contudo, que a oposição ao Libera- lismo nascia por motivos mais elevados. Os intransigentes, por exemplo, moviam uma crítica cerrada às lacunas e aos erros do sistema, opondo-se às tentativas de laicização dos liberais. Nesse sentido, o Liberalismo, ao menos em suas formas mais radicais, fazia da razão humana o único critério da verdade, negando a ela a possibilidade de submeter-se à Revelação; proclamava um indi- ferentismo sistemático que colocava o ateísmo e todas as religiões 93© Séculos 18 e 19: A Era do Liberalismo sob o mesmo plano; separava a Economia da Moral; fazia do Esta- do um Estado absoluto; reduzia a função social da religião (quando não anegava); recusava dar à Igreja o direito de intervir com auto- ridade, além das questões estritamente dogmáticas, especialmen- te no campo social. Esses erros acabavam por minar as bases da fé. Os intransigentes preocupavam-se com a defesa das estrutu- ras cristãs da sociedade que facilitassem aos fiéis o cumprimento dos seus deveres religiosos. Temos de levar em consideração, nes- se contexto, que a Igreja não é composta por apenas um pequeno grupo, e sim por um povo imenso, do qual fazem parte, também, os fracos, incapazes de se manterem coerentes com o próprio ide- al somente com suas próprias forças, de resistir às pressões do ambiente circunstante. Na época, o apoio estatal era defendido abertamente pelos católicos intransigentes, tática essa que pode historicamente ser considerada "errada", uma vez que eles não puderam conceber outra forma de sociedade cristã além daquela do Antigo Regime. Mesmo assim, continuaram a defender uma sociedade organizada hierarquicamente e fundada sobre o privilégio, bem como religio- samente unida, na qual a fé católica era considerada como o úni- co fundamento do Estado, e, portanto, os direitos políticos e civis eram subordinados à fé e à prática religiosa. • Católicos liberais Enquanto os intransigentes se endureciam em suas posições radicais aos ideais modernos, os católicos liberais iniciavam e pros- seguiam o seu difícil e cansativo trabalho de explicação e de acei- tação dos princípios de 1789. Vários elementos contribuíram para a mentalidade mais aberta desses católicos, mas pode-se dizer que foi o encontro da fé tradicional com o novo clima surgido com a Revolução Francesa que se revelou fecundo e estimulante. De um lado, os católicos eram levados a conceber, de uma maneira nova, as relações en- tre sociedade religiosa e sociedade civil; de outro, colocavam-se © História da Igreja Moderna e Contemporânea94 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO em maior evidência alguns aspectos da Igreja mesma, os quais, na época pós-tridentina, permaneceram em segundo plano. O grande esforço dos católicos liberais era fazer a Igreja en- tender que o Antigo Regime já estava morto; demonstrar que o acordo entre religião e liberdade seria algo bom e positivo; dissi- par os juízos contra a religião e evitar que o progresso em curso se concretizasse sem inspiração cristã: "Se a Igreja não caminhar com o povo", observa o Pe. Joaquim Ventura no prefácio do Discurso pelos mortos de Viena, feito em Roma em novembro de 1848 e colocado no índice no ano seguinte, "não é por isso que o povo deixará de caminhar, mas caminhará sem a Igreja, fora da Igreja e contra a Igreja" (MARTINA, 1996, p. 185). Aprofundando o significado do Liberalismo Católico: Movimento de emancipação do pensamento católico surgido no século XIX. Resultou principalmente em duas vertentes: a político- -religiosa e a científica. A primeira estendeu-se pela zona francófo- na, donde surgiram grupos liberais ativos em torno dos periódicos L´Avenir com Lamennais à frente e Le Correspondent sob Mon- tlambert. Na Alemanha, o liberalismo católico colocou o centro de suas preocupações no âmbito da ciência. O professor bávaro J. Froschammer encarregou-se de exaltar a liberdade científica. Ou- tros partilharam das mesmas idéias. Roma intervém, porém, com quase nenhum sucesso. O movimento propaga-se pelas minorias cultas e não tarda a aparecer um grave conflito entre a cúria roma- na e a teologia universitária alemã (SCHLESINGER, 1995, n.p). Assim, o maior mérito de todos os liberais católicos foi o de ter reforçado a absoluta necessidade de a Igreja alcançar um acor- do entre ela e o mundo moderno. Justamente eles falaram sobre os perigos da união muito estreita entre trono e altar e sobre a necessidade de pôr fim a esse sistema; insistiram, ainda, sobre a mais nítida distinção entre as duas sociedades, sobre a liberdade da Igreja sem sofrer ingerência estatal e sobre a purificação de to- dos os compromissos temporais. Os liberais católicos ainda viram bem os aspectos positivos do Liberalismo, entre os quais estão o respeito à consciência e a concepção da verdade como uma conquista pessoal, livre e cons- 95© Séculos 18 e 19: A Era do Liberalismo ciente. Dessa forma, a liberdade poderia ter sido útil à Igreja se os católicos tivessem sabido aproveitar essa nova mentalidade. E o Liberalismo? E os católicos liberais? Não somente no campo político, mas em todos os assuntos então discutidos, os ca- tólicos liberais tinham sua posição bastante clara, como na ques- tão da liberdade de imprensa, de consciência, da reforma da Igre- ja, em que tentavam colocar a Igreja em seu tempo. Um grande golpe para os católicos liberais, contudo, veio com o papa Gregório XVI. O papa condenou todos os princípios do Liberalismo religioso e político com a encíclica Mirari vos. Nela, condenou-se não somente o indiferentismo, mas também "[...] aquela absurda e errônea opinião ou antes delírio, que se deva sustentar e garantir a todos a liberdade de consciência" (Mirari vos, Gregorio XVI, de 12 de agosto de 1832). Foi condenada, tam- bém, a liberdade de imprensa, pela qual se difundiram, no povo, os escritos de todo gênero. Finalmente, recusou-se a tese daqueles que queriam separar a Igreja do Estado. Com essa encíclica, a cúria romana deixou clara a sua preferência pelo Absolutismo, uma vez que condenava a liberdade de consciência e o indiferentismo. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Gregório XVI: antes de ser eleito papa, Gregório XVI foi um monge camaldu- lense. Nos 16 anos do seu pontificado (1830-1846), assumiu atitudes reacioná- rias e extremamente hostis a qualquer renovação ou concessão ao "espírito da época", ou seja, contrariamente ao que muitos esperavam para uma reforma na Igreja. Em sintonia com as tendências restauradoras daqueles anos, reforçadas no Congresso de Viena (1815), ele promoveu, no seu pontificado, a institucio- nalização da unidade entre trono e altar, vinculando, assim, a Igreja às antigas estruturas da sociedade que a Revolução Francesa tinha abalado. Gregório XVI considerava, de fato, o papado como uma instituição imutável, que nunca podia transigir com os "caducos e transitórios" valores temporais. Além disso, ele via nas aspirações dos fautores da unificação italiana uma "tremenda ameaça" para o poder temporal dos papas, base indispensável para o exercício da sua função espiritual como chefe da Igreja. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– © História da Igreja Moderna e Contemporânea96 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 9. PONTIFICADO DE PIO IX (1846-1878) Quando Gregório XVI morreu, os problemas políticos rela- cionados com os Estados Pontifícios e a crescente campanha dos patriotas italianos tiveram uma influência significativa na escolha do seu sucessor. A preferência caiu sobre o Cardeal Mastai, em virtude de ser "aberto" e de ter ideias "avançadas". –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Giovanni Maria Mastai-Ferretti nasceu em 13 de maio de 1792, na cidade de Senigallia (perto de Ancona, Itália), sendo o último de nove filhos. Desde os seus 15 anos até cerca de 30 anos, sofreu ataques epilépticos. Estudou como semi- narista no Colégio Romano de 1816 a 1819. Sua formação teológica, entretanto, foi apressada e sumária, como a de muitos eclesiásticos do seu tempo. Em 1827, foi nomeado bispo de Spoleto, de onde foi transferido para Ímola em 1832. Nas duas dioceses, teve uma atuação pastoral notável, sabendo superar situações difíceis decorrentes de agitações revolucionárias naquelas regiões. Conseguiu ganhar simpatia e benevolência de seus diocesanos por causa de sua mode- ração. Nos meios reacionários romanos, temia-se muito o seu espírito "liberal". –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Assumindo o pontificado no mesmo dia de sua eleição (16 de junho de 1846) e adotandoo nome de Pio IX, ele governou a Igre- ja durante um período de 32 anos, o mais longo da história. Sua fase "liberal" durou dois anos: de 1846 a 1848. Realizou algumas reformas nos Estados Pontifícios, mas, no fundo, estas apareceram mais como "concessões" para apaziguar os espíritos inquietos. Às suas tendências liberais, Pio IX pôs um fim bruscamente em uma alocução em 29 de abril de 1848, quando rejeitou a luta contra a Áustria, que ocupava parte do norte da Itália, declarando-se "neu- tro" em relação ao movimento de unificação italiana. Os acontecimentos de 1848 tiveram como efeito uma rup- tura radical de Pio IX com os revolucionários identificados como "liberais", sob o ponto de vista psicológico. A reação transformou- -se, no decorrer dos anos, em uma espécie de "declaração de prin- cípios": todo regime constitucional, de inspiração liberal-democrá- tica, é, por si só, perverso e contrário à religião; daí as posições de intransigência diante do "espírito da época", em um gesto de 97© Séculos 18 e 19: A Era do Liberalismo rejeição e oposição incondicionais. A institucionalização dessa ani- mosidade, por parte da Igreja hierárquica, fez que o papado se tornasse incapaz de influenciar, de forma positiva e construtiva, na nova configuração sociocultural e econômico-política da Europa do século 19. Pio IX marcou profundamente a orientação do catolicismo na segunda metade do século 19, embora fosse acentuadamente emotivo, o que o tornava cordial e simpático. Sua preparação inte- lectual foi superficial e, por isso, faltava-lhe, às vezes, um discerni- mento mais objetivo sobre os acontecimentos; por exemplo, para ele, as convulsões políticas em que a Igreja estava envolvida eram vistas apenas como um episódio da grande luta entre Deus e Sa- tanás, não realizando, assim, uma análise mais realista dos fatos. Naturalmente, esses limites não nos impedem de citar as suas qualidades: simplicidade, bondade, operosidade, talento ora- tório, profundidade de sentimentos religiosos, acentuada devoção marial, consciência do dever pastoral e defesa dos valores cristãos em uma sociedade cada vez mais laicizada. Além disso, Pio IX empenhou-se, seriamente, em melhorar a qualidade da vida católica: estimulou as devoções populares, promoveu a espiritualidade sacerdotal e empreendeu reformas na vida religiosa, tendo três objetivos, quais sejam, a retomada da vida comunitária, a seleção acurada de religiosos e o apoio às no- vas fundações que melhor correspondessem às urgências da épo- ca. Durante os 32 anos do pontificado de Pio IX, o movimento mis- sionário cresceu notavelmente; na América Latina, por exemplo, 206 novas dioceses e vicariatos foram erigidos entre 1849 e 1878. Pio IX, contudo, não soube adaptar-se à profunda evolução política e social que caracterizou o século 19. Foi incapaz de dis- cernir o que foi positivo na Revolução Francesa e deixou-se condi- cionar pela situação concreta da Península Italiana. Todos os seus esforços como pontífice visaram à reafirmação do transcendente e do sobrenatural contra as tendências racionalistas e laicizadoras © História da Igreja Moderna e Contemporânea98 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO daqueles anos. Somente nessa perspectiva, entende-se um docu- mento como o Sílabo, por exemplo. SÍLABO ou SYLLABUS: é um documento que elenca os chama- dos "erros modernos". A ideia de condenar esses erros já aparecia em 1849, em um sínodo provincial em Spoleto, sendo amadureci- do aos poucos, e, em 1864, o documento foi apresentado, conde- nando 80 erros do mundo moderno. As 80 proposições que condenam os erros modernos conti- das no Sílabo abraçam dez capítulos, os quais podem ser reunidos em quatro pontos fundamentais: 1) O primeiro grupo de erros diz respeito ao panteísmo, ao naturalismo, ao racionalismo absoluto, ao indiferentis- mo e à incompatibilidade entre razão e fé. Também fala sobre os autores católicos que não queriam obedecer a um magistério infalível. 2) O segundo grupo recolhe os erros da ética natural e sobrenatural com especial interesse pelo matrimônio. Nele, é condenada a moral leiga que pretende salvar a distinção entre o bem e o mal, a separação entre casa- mento e contrato de matrimônio. 3) A terceira série fala dos erros sobre a natureza da Igreja, a natureza do Estado e sobre a relação entre os dois po- deres. A Igreja, por sua própria natureza, é independen- te, e o Estado é subordinado à lei moral; menciona, tam- bém, os direitos naturais anteriores e independentes do Estado. Além disso, são recusadas todas as teorias juris- dicionalistas que falavam da subordinação da Igreja ao Estado, enumeram-se os abusos dos governos, e não se aceita o princípio fundamental do Liberalismo, ou seja, a separação entre Igreja e Estado. 4) Mais grave foi o quarto grupo de proposições, pelo me- nos enquanto se referia às reações provocadas. Diz que a religião católica ainda deveria, naqueles dias, ser con- siderada religião de Estado, com a exclusão dos outros cultos; assim, são condenadas a liberdade de culto, a li- berdade de pensamento e a de imprensa. Em resumo, 99© Séculos 18 e 19: A Era do Liberalismo não aceitam as teses fundamentais da sociedade mo- derna, os imortais princípios da Revolução Francesa. E como se isso não bastasse, a última proposição afirma ser categoricamente falsa a afirmação pela qual o roma- no pontífice pode e deve reconciliar-se com o progresso, com o Liberalismo e com a civilização moderna (o Sílabo e todos os documentos da Igreja podem ser lidos no site disponível em: <www.documentacatholicaomnia.eu>. Acesso em: 06 jun. 2012). Reações ao Sílabo Nenhum documento emanado pela Santa Sé provocou tan- tas discussões como o Sílabo. Intransigentes e liberais entusiasma- ram-se por motivos opostos: os primeiros, porque a Santa Sé teria condenado, também, os católicos liberais; os segundos, porque a Santa Sé teria entrado definitivamente no obscurantismo. Todavia, o Sílabo ainda é visto hoje como um exemplo de coragem, de fidelidade aos princípios, de intuito político que pôs luz em alguns perigos presentes no Liberalismo que poderiam jus- tificar o Estado totalitário. Essa visão foi compartilhada pelos cató- licos (ainda que não tenha sido pela maioria). A opinião clássica da maioria, porém, foi bem diversa: o Sí- labo permaneceu como um exemplo clássico do obscurantismo católico, senão o único, ou, pelo menos, o mais significativo. O elenco de dezembro de 1864 foi considerado como um novo anel de uma longa cadeia de intervenções com as quais a Igreja se colo- cava contra o mundo moderno. Muitos dos que partilharam dessa opinião afirmaram que a Igreja, ao menos até o Vaticano II, não renunciou nunca ao seu obscurantismo e que, de Pio IX a Pio XII, não cessou de excomungar os ideais do mundo contemporâneo. Concílio Vaticano I A primeira ideia da realização de um Concílio Ecumênico foi exposta em 1864, na eminência do Sílabo, com a finalidade de res- © História da Igreja Moderna e Contemporânea100 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO taurar a fé cristã no século 19, como o foi o Concílio de Trento no século 16. O anúncio público foi feito por ocasião da comemo- ração do martírio de São Pedro, em 1867. A convocação ocorreu por meio da bula Aeternus Patris, em 28 de junho de 1868, sendo realizada a abertura em 8 de dezembro de 1869, mesma data da definição do dogma da Imaculada Conceição e do Sílabo. Foram preparados quase cinquenta esquemas para serem estudados durante o Concílio; entretanto, somente seis foram dis- cutidos e dois chegaram a uma conclusão (destes, um discorria so- bre um catecismo único, que foi aprovado, mas não promulgado). A questão que polarizava a realização desse Concílio se referia à infalibilidade do papa e a muitas discussões anteriores, as quais tomavam conta do cenário eclesiástico. Em fevereiro de 1869,a revista Civilização Católica publicou um artigo propondo uma definição por aclamação (sobre o dogma da infalibilidade). Houve, porém, uma réplica com Döllinger, bis- po alemão, que escreveu: "[...] o papado no seu desenvolvimento atual se assemelha a uma apêndice parasita mal sã e sofredora, unindo-se ao organismo da Igreja que corta e paralisa as melhores forças da Igreja" (MARTINA, 1996, p. 241). Nesse sentido, Dupanloup, bispo francês, disse que a Igre- ja viveu 18 séculos sem esse dogma, enquanto a infalibilidade da Igreja universal é admitida por todos e é suficiente para a plena segurança da fé. Para que serviria, então, uma nova definição? Assembleia Cerca de setecentos padres conciliares participaram do Vati- cano I; a maior parte era composta por europeus e por favoráveis à definição do dogma da infalibilidade. O primeiro documento aprovado foi o Deus Filius, que con- tém quatro capítulos: Deus pessoal, livre, criador e providente. Esse documento trata sobre os valores e limites da razão que po- dem conhecer Deus, mas tem a necessidade absoluta de Revela- 101© Séculos 18 e 19: A Era do Liberalismo ção para as verdades sobrenaturais, uma necessidade moral para conhecer algumas formas de erros e algumas verdades naturais; ele explica sobre a natureza da fé, virtude sobrenatural, mas com consentimento cego, porque foi fundado sobre provas da Reve- lação, milagres e profecias; e ainda afirma que não há nenhum contraste entre fé e razão. O documento Deus Filius condenava o Racionalismo e o Tra- dicionalismo, que negavam à razão a capacidade de conhecer as supremas verdades religiosas e morais, alcançáveis somente por meio de uma revelação primitiva transmitida pela sociedade, e que foi uma tentação difundida na primeira metade do século 18 como reação do século 17 à Revolução Francesa. Constituição "Pastor Aeternus" Com o documento Pastor Aeternus, ficou aprovado o dogma da infalibilidade papal, depois de muitas discussões entre os mem- bros que participaram da assembleia. O âmbito das definições in- falíveis foi limitado às declarações ex cathedra, ou seja, quando o papa falava na sua condição de "papa", sendo esclarecido que precisava haver uma união entre o ele e a Igreja. A infalibilidade resultou desta forma: • Absoluta: não no sentido de ilimitada, que seria uma prer- rogativa divina, mas no sentido de que excluía o apelo a uma instância superior, que era o próprio Concílio. • Pessoal: não porque era estendida a todos os atos, mas para excluir a distinção entre a "sede" e "aquele que está na sede" (um papa poderia errar, mas seu erro seria corri- gido pelo sucessor e pela série coletiva dos papas; assim, o papado, no seu conjunto, seria infalível). • Separada: porque excluía, como condição jurídica vincu- lante, o consentimento dos bispos, ainda que fosse admi- tida uma união entre o papa e a Igreja, entre a cabeça e o corpo. De fato, o papa não podia definir o que fazia parte © História da Igreja Moderna e Contemporânea102 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO da Revelação e da tradição. Também não se excluía que, em linha geral, se informasse, por meio do episcopado, se a doutrina que pretendia definir fazia parte da Revelação. Exatamente por isso, não poderia faltar a ele o consenso do episcopado e dos fiéis. Significado do Vaticano I No dia 20 de setembro de 1870, Roma foi tomada; e, no dia 20 de outubro, o Concílio foi prorrogado em virtude das agitações políticas, não sendo mais possível dar continuidade a ele. Pode-se dizer que o Concílio teve pouca incidência sobre a vida da Igreja. É frequentemente lembrado apenas como o Concí- lio que definiu a doutrina sobre a infalibilidade papal, e, para essa informação, há três observações a serem feitas: • A definição foi moderada, uma vez que se reforçou a identidade entre infalibilidade do papa e da Igreja, escla- recendo os limites, bem como explicando a conexão do "cabeça" da Igreja com "seu corpo". Em outras palavras, o papa devia estar sempre em união com toda a Igreja e com os bispos. • O feito histórico foi mais amplo do que o jurídico. Se a definição foi moderada, a autoridade pontifícia foi refor- çada. Dois acontecimentos são quase simultâneos: em 18 de julho e em 20 de setembro: o dogma da infalibilidade e a perda do resto de poder temporal. Não era a punição de uma desenfreada ambição, a perda do poder já ana- cronístico, mas era a compensação, uma renovação de prestígio e de maior autoridade espiritual. • Relações entre o Vaticano I e II – o Vaticano I é um termo final de um longo processo histórico, depois do conciliaris- mo, a estéril definição de Florença, sem efeitos práticos, o compromisso tridentino que evitou discutir o assunto. So- mente no Vaticano II, com o documento conciliar Lumen 103© Séculos 18 e 19: A Era do Liberalismo gentium, é que se esclareceu como o papa exercia seu papel de autoridade máxima dentro da Igreja: [...] assim como por disposição do Senhor São Pedro e os outros Apóstolos constituem um Colégio Apostólico, paralelamente o Romano Pontífice, Sucessor de Pedro, e os Bispos, Sucessores dos Apóstolos, estão unidos entre si (LUMEN GENTIUM, 1966). Concluindo o tema do Concílio Vaticano I, Comby (1994, p. 124) assim escreve: O Vaticano I deixa uma impressão de desequilíbrio. Por falta de tempo, o Concílio falou do papa e não dos bispos, mas, sem dú- vida, uma teologia do episcopado não estava madura. Essa falta de tempo talvez tenha sido providencial. Finalmente, a definição da infalibilidade teve menos consequências que a da primazia. No sentido estrito, o papa não exerceu a infalibilidade senão quando da definição da Assunção, em 1950. Em compensação, ao afirmar a primazia, o Concílio reconhece ao 'papa ´uma jurisdição ordiná- ria, imediata, episcopal sobre toda a Igreja´. A primazia favorece a centralização romana, aumenta o prestígio e o poder do papado no momento em que este perde seu poder temporal. Restava conciliar essa primazia com o poder dos bispos. A afirmação da colegialida- de virá no Vaticano II. As definições do Vaticano I por vezes aumen- taram a tensão entre a sociedade política e a Igreja. Isso serviu de pretexto para a implantação de medidas anticlericais em diversos países 10. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira, na sequência, as questões propostas para verificar seu desempenho no estudo desta unidade: 1) Ficou claro para você o processo de construção do pensamento Iluminista e sua abrangência? 2) Que avaliação você faz da Revolução Francesa? 3) Quais as consequências do pensamento Iluminista e da Revolução Francesa para o Cristianismo? 4) O que você pensa da Intransigência Católica do século 19? © História da Igreja Moderna e Contemporânea104 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 11. CONSIDERAÇÕES Nesta unidade, conhecemos o Iluminismo e suas caracterís- ticas, bem como o Separatismo e o Liberalismo. Conhecemos, ain- da, o pontificado de Pio IX e as tendências da sociedade e da Igreja no período após a Revolução Francesa. Já na próxima unidade, trataremos sobre a era do Totalita- rismo. 12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACTA GREGORI XVI. I Roma. Encíclica Mirari Vos, 1901. 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A Idade Média: curso de História da Igreja II. São Paulo: Paulus, 1997. TOMMASEO, N. Delle inovazioni religiosi e polituche buone all'Iitalia. Brescia, 1963. VV.AA. Nova história da Igreja. Petrópolis: Vozes, 1973. ZAGHENI, G. A Idade Contemporânea: curso de História da Igreja IV. São Paulo: Paulus, 1999. ______. A Idade Moderna: curso de História da Igreja III. São Paulo: Paulus, 1999. SCHLESINGER, H.-PORTO, H. Dicionário Enciclopédico das Religiões. Petrópolis: Vozes, 1995. v.1.
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