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EA D Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios 2 1. OBJETIVOS • Reconhecer Paulo como personagem e Apóstolo de gran- de importância no Cristianismo mais antigo. • Analisar os traços marcantes de sua personalidade: exi- gente, intensa e dedicada, mas também sensível, marca- da pela ação da graça. • Compreender o período histórico de sua vida e atividades e as situações da Igreja nascente. • Interpretar as circunstâncias da Igreja de Corinto. • Desenvolver uma ideia geral de 1 e 2 Coríntios. 2. CONTEÚDOS • Paulo: personagem e Apóstolo [2]. • A Igreja de Corinto. • As duas Cartas aos Coríntios. © Cartas Paulinas58 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1) Os conteúdos aqui apresentados não têm pretensão de esgotar um assunto tão complexo; servem apenas de re- ferência. É importante, pois, que você amplie este con- teúdo com a leitura das obras indicadas nas Bibliografias básica ou complementar. 2) Além das leituras indicadas, sugerimos a você que pes- quise e compartilhe com seus colegas de turma suas descobertas. Sugerimos como fonte de pesquisa o site disponível em: <http://www.cnbb.org.br/ns/modules/ mastop_publish/?tac=819>. Acesso em: 18 mar. 2012. Não deixe de consultar os temas que mais se relacionam com o tema estudado. 3) É imprescindível que, agora, você leia as Cartas aos Co- ríntios. Essa leitura deve ser feita com atenção, primei- ramente, ao texto e, depois, às notas explicativas das diversas perícopes. Além das leituras indicadas nas Bi- bliografias básica e complementar, você pode pesquisar na internet sobre o tema. 4) É importante que você faça uma leitura de cada uma das introduções das Cartas de Paulo. A percepção de cada argumento e o modo de se apresentar são sinais do es- tado de espírito do Apóstolo. 5) Sugerimos que você compare a situação da comunidade cristã de Corinto com aquela das comunidades cristãs de hoje. Em que elas são semelhantes? Compartilhe seus comentários com os seus colegas. 6) Depois de ler o texto bíblico em questão e de acompa- nhar esses comentários, você pode dizer, do ponto de vista teológico, quais as ideias fundamentais relaciona- das ao apostolado e que Paulo expressa aqui? 7) A questão do lugar que a mulher ocupa no conjunto do pensamento paulino pode ser mal interpretada. Sugeri- mos, para uma visão muito bem colocada da questão, o interessante estudo Mulheres em Cristo, da obra: MUR- 59© Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios PHY-O’CONNOR, J. A antropologia pastoral de Paulo. Tornar-se humanos juntos. São Paulo: Paulus, 1994. p. 198ss. 8) O texto de 1 Coríntios 11,23–26 é o fundamento para a narrativa da instituição no rito da celebração da Eu- caristia. É base para o que identifica os cristãos como discípulos e é uma das raízes bíblicas para toda a Teo- logia eucarística. Sugerimos que você consulte o livro já citado: MURPHY-O’CONNOR, J. A antropologia pastoral de Paulo. Tornar-se humanos juntos. São Paulo: Paulus, 1994. p. 192ss. O tema é "Isto é meu corpo". 9) A palavra "carisma", que aparece neste texto, tem a ver com "karis", que, em grego, significa "graça", "dom", "oferta". Assim, "carisma" significa "dom", "graça". 10) Para mais informações a respeito da ideia de amor, su- gerimos que você consulte: ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 38-50. Consulte também: VAN DER BORN, A. (Org.). Dicionário enciclopédico da Bíblia. Petrópolis: Vozes, 1985. colunas 59-64. E ainda: LÉON-DUFOUR, X. (Org.). Vocabulário de teologia bíblica. Petrópolis: Vozes, 1972. colunas 44-52. 11) Alguns estudiosos opinam que o homem que teve a ex- periência mística é o próprio Paulo. Ele não se declara, pois quer destacar não o dom interior, mas, sim, o empe- nho da pregação, a superação das contradições e as difi- culdades na Evangelização, situações às quais ele chama de "fraqueza". 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Na unidade anterior, mostramos a importância de Paulo para o Novo Testamento tanto pelos seus escritos quanto por ter sido o primeiro teólogo cristão. Procuramos, também, conhecer um pou- co de seu pensamento, expresso em seus escritos, que formam o corpus paulinum. De modo especial, vimos como se estruturam duas de suas Cartas, a 1 e 2 Tessalonicenses. © Cartas Paulinas60 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Nesta unidade, vamos aprofundar um pouco mais a figura de Paulo, mostrando como ele foi importante para o Cristianismo pri- mitivo. Veremos os traços marcantes de sua personalidade, bem como o período histórico em que viveu. É um momento oportuno para você conhecer um pouco mais sobre a Igreja nascente, espe- cialmente a respeito da comunidade de Corinto. 5. PAULO: PERSONAGEM E APÓSTOLO Paulo: personalidade complexa e apaixonada Paulo não era alguém que se destacava por dotes físicos. Ele próprio escreve o que comentam a seu respeito: "suas cartas, di- zem, são imperativas e fortes, mas, quando está presente, a sua pessoa é fraca e a palavra desprezível" (2 Coríntios 10,10). Muito já se falou a respeito de uma suposta doença, que ele descreve como um "espinho na carne", "bofetadas de Satanás" (2 Coríntios 12,7–9). Seria uma doença física? Ou seriam os judeus e os judaizantes? É difícil saber hoje. Pela leitura e análise do "corpus paulinum", Paulo é dotado de um temperamento inquebrantável de um líder; é alguém que sabe o que deseja e luta intensamente por isso, até as últimas con- sequências. Tem espírito de iniciativa, grande capacidade de traba- lho e resistência. É tenaz e empreendedor. Um apaixonado pelas suas ideias, ideais e planos. Toda essa paixão e todos esses tons de sua personalidade são aplicados por ele no anúncio do Evangelho. Pela leitura de suas Cartas, nota-se que ele tinha grande sen- sibilidade, e, por isso, o amor e a rejeição, nele, manifestam-se in- tensamente. Possui um coração terno, como o de um pai amoroso, mas é, também, zeloso, ciumento do que lhe pertence. Quando os judaizantes se infiltram nas comunidades por ele fundadas, ele se revolta, acusa, alerta, lamenta, ameaça. 61© Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios Paulo não escreve de modo brilhante. Suas Cartas não de- têm grande pendor literário. À exceção de Romanos, as Cartas paulinas, como já vimos na unidade anterior, não têm um projeto redacional. São escritos esporádicos. Assim, seus argumentos po- dem parecer, em alguns momentos, um tanto confusos. Contudo, são os mais antigos testemunhos da experiência cristã a partir de Jesus Cristo, o que de per si já é algo notavelmente importante. Embora não tenham grandes elaborações literárias, as Car- tas de Paulo expressam uma notável capacidade dialética. Ele tem talento; é inegável. Escreve com expressão e envolve seus ouvintes nos argumentos. Não é um expositor frio, sem ligação com o que apresenta, mas é, como dissemos, apaixonado pela mensagem que oferece. Paulo é um intuitivo, capta as situações e elabora-as, expon- do a situação de modo a evidenciar as contradições e os proble- mas e a sugerir as soluções que, de antemão, ele já conhece e ex- pôs. É um Apóstolo decididamente cativado pela mensagem do Evangelho e profundo conhecedor da alma humana. Não admira que tenha sido o primeiro a sistematizar o pensamento cristão. Ele fez isso em suas Cartas, que, em todos os tempos e ainda hoje, continuam a ser a base da Teologia e da catequese. Sugerimos que, neste ponto, você leia o livro Atos dos Apóstolos, capítulos 21 a 28. Trata-se dos últimos períodos de Paulo livre e do início do cativeiro e, posteriormente, da viagem para Roma. Vemos, ali, como Paulo se apresenta defendendo suas ideias, em- bora esteja praticamente abandonado. Paulo: o convertido Vimos, na unidade anterior, alguns aspectos da pessoa de Paulo, em especial suaorigem e sua postura perante o Judaísmo do seu tempo. Paulo é um convertido não do ponto de vista ético e moral, mas, sim, nos seus conceitos e consequências. © Cartas Paulinas62 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO É difícil entender a postura de convertido de Paulo. Ele mes- mo não evidencia muito essa situação, senão quando apresenta. A conversão de Paulo inaugura um tempo especial para a Igreja nascente. Ocorre uma mudança de perspectiva que ainda demorará ser compreendida. Tudo indica que essa mudança ainda não estava clara no final do primeiro século, com a redação dos últimos escritos do Novo Testamento. Provavelmente, ela fosse, contudo, intuída. O Judaísmo rejeitou Jesus como Messias, o Cristo. Ele viera para anunciar o Evangelho aos judeus, descendentes dos Profetas e Patriarcas. Era a eles que sua mensagem se dirigia, mas não so- mente. Não aconteceu a aceitação maciça que se poderia esperar, mas, sim, duas posturas fundamentais: uma aceitação no sentido de complementação, o que se concretizava no Cristianismo judai- zante, e outra no sentido de aceitar um caminho novo, indepen- dente do Judaísmo e seus limites, mas sem negar a matriz judaica. Esse é um ponto importante em toda a compreensão do fe- nômeno religioso e social que tem Paulo no centro: em nenhum momento ele rejeitou a matriz judaica do Evangelho. Entretanto, soube superá-la, indo além do que um judaizante poderia pensar. Paulo deslocou a ideia da autoridade: da Lei, ou Torah, com sua expressão na escrita para o Senhor Jesus, morto e ressuscitado. O caminho para Deus deixou de ser a Torah escrita e os compor- tamentos que ela impunha e passou a ser o seguimento de Jesus Cristo e o modelo que ele propunha. Porém, não era fácil essa mudança para um judeu, acostu- mado aos seus preceitos e normas, que davam segurança e iden- tidade. Um dos momentos mais importantes para o judeu fiel é o encontro para as refeições. Não se trata de simples almoço ou lan- che, mas, sim, de um momento de expressar, juntos, a gratidão ao Senhor. Aqui, reside um grande problema: como sentar-se à mesa com um cristão, que, não vindo do Judaísmo, não tem as práticas judaicas de pureza e purificação? O judeu deveria romper com sua 63© Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios identidade para aceitar os limites de quem não tinha essa perspec- tiva judaica? Mas Jesus não viera para os judeus? Então, por que deixar de ser judeu em função de outro, estranho, que entrou no grupo dos discípulos? A convivência não era uma realidade fácil. Era necessário, seguramente como alguns já tinham compreendido, uma separa- ção. O que ocorreu foi, sob esse ponto de vista, algo natural: a separação entre cristãos oriundos do Paganismo, com as liberda- des rituais, foi uma necessidade. Paulo, no entanto, reservou para o mundo judaico a prerrogativa de trazer à terra o Messias. Isso nunca poderia ser tirado de Israel. Por isso é que o vemos, quando chega a uma cidade nova, sempre anunciar entre os judeus em sua comunidade local. Depois que estes, normalmente, rejeitam o Evangelho, ele se dirige aos pagãos. Paulo compreende essa situação complexa que se vai deline- ando. Na sua Carta aos Romanos, ele aborda esse tema com muita propriedade, e nós estudaremos esse texto oportunamente. Aqui, é necessário compreender um pouco mais da personalidade do Apóstolo. A conversão de Paulo assinala, enfim, uma etapa importante na história da salvação. Não é um elemento insignificante, mero acidente. É, sem dúvida, um passo em sequência à ressurreição e ao evento de Pentecostes. A conversão de Paulo não é um fato privado; antes, é um elemento teológico, um evento, um aconteci- mento eficaz que transforma os rumos da história da salvação. De uma possível experiência tímida, restrita aos ambientes judaicos e ao Povo da Promessa, passa para uma rica e, especialmente, plural realidade de assimilação e amplitude. O Messias não era mais uma realidade ou solução apenas para o judeu fiel: era uma proposta para todo homem, independentemente de sua raça. No evento pascal, lemos nos Evangelhos que o Ressuscitado aparece a Pedro e aos Doze. Paulo afirma que, depois disso, Je- sus ressuscitado foi visto, ainda, por mais de quinhentos irmãos ao © Cartas Paulinas64 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO mesmo tempo (cf. 1 Coríntios 15,6). E, finalmente, apareceu a ele, o antes perseguidor que, agora, devia ser Apóstolo. E Paulo perce- be, por raciocínio ou por dom interior, que o Evangelho não pode- ria ser restrito. Então, ele sai, vai ao encontro de quem está fora do âmbito restrito do Judaísmo. Ele busca os pagãos, sem nunca deixar (insiste sempre nisso) de anunciar aos judeus. É nesse con- texto, praticamente como consequência dessa situação, que Paulo passa a ser missionário. Você consegue reconhecer, na conversão de Paulo, algum outro exemplo? Note que a conversão de Paulo não é moral, do pecado para a graça, mas, sim, de conceito, de fundamento: do Judaísmo baseado na Lei para o Cristianismo oriundo da graça. Há mais exemplos de conversões desse tipo? E de outro tipo, do pecado para a graça? 6. AS CARTAS AOS CORÍNTIOS: 1 CORÍNTIOS A cidade de Corinto Corinto era a capital da região grega da Acaia, uma cidade senatorial, isto é, com um cônsul que tinha poderes oriundos do senado romano. Fundada centenas de anos antes da era cristã, Co- rinto teve percalços e destruições em sua história, mas, com Júlio César, em 44 a.C., pôde iniciar um notável desenvolvimento. Nesse período, ela renasceu como que das cinzas e, com o sucessor de Júlio César, Otaviano Augusto, em 27 a.C., recebeu a identidade de capital da província, governada por um cônsul e com um afluxo incessante de migrantes vindos de todos os lados do Império. Em Corinto, havia dois portos que, de lados opostos do istmo que formava a geografia portuária favorável ao comércio, ligavam a Ásia à Europa. Era, portanto, uma cidade de passagem, com to- das as características de cosmopolitismo. Havia, ali, os mais diver- sos costumes e línguas, as mais conflitantes posições filosóficas e 65© Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios religiosas. Certamente, os judeus constituíam um, se não impor- tante grupo, pelo menos um grupo que se fazia notar pelos seus costumes e trabalhos na cidade. Mas os cultos pagãos eram a expressão forte da cidade. Lá, existiam os cultos egípcios a Serápis e a Isis; o culto à grande mãe Cibele, da Frigia; e o culto aos deuses romanos, como Vênus, cha- mada entre os gregos de Afrodite. Além disso, havia os cultos lo- cais, dos deuses Possêidon, Esculápio, Melicerte e Palêmon. Cada um deles com templos, festas, devoções, expressões cultuais e costumes os mais variados. A quantia de escravos era enorme, superando a de homens livres. Isso terá um notável reflexo na comunidade cristã de Corin- to. Em 1,26–31, temos uma noção do grupo que formava aquela Igreja. O comércio e os transportes exigidos por ele eram o forte da cidade, e a oferta de diversão, especialmente de cunho sexual, era um subproduto de grande impacto. Corinto era uma cidade li- cenciosa, cheia de luxúria e prazeres. Ali, Paulo estabelece um pos- to avançado em direção ao Ocidente. Ali, foi fundada uma Igreja que dará à grande Igreja dois dos mais preciosos escritos do Novo Testamento. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Onde existe uma supervalorização do lucro, criando-se, para tanto, um movimen- to frenético de mercadorias e pessoas, existe, também, uma resposta de vazio e uma consequente busca de prazeres. Corinto apresenta essa realidade. Para lá, Paulo dirige-se sabendo que está escolhendo um posto avançado e central, de onde poderá dirigir-se para muitos outros lugares. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Paulo chega a Corinto na sua segunda viagem missionária, em meados do ano 49, fazendo de lá a última etapa da caminhada. Em Atos 15,36—18,22, encontramos os relatosdessa viagem. Pau- lo vem de uma experiência muito negativa em Atenas. Lemos, em Atos 17,22–31, que Paulo buscou, no areópago da grande cidade de Atenas, apresentar seus argumentos com elaborados conceitos filosóficos e técnicas retóricas. Mas foi infeliz nos resultados quan- © Cartas Paulinas66 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO do mencionou a ressurreição como principal elemento do anúncio (Atos 17,32). A maioria desprezou-o e não deu atenção ao Evange- lho. Alguns poucos aceitaram receber a boa nova (Atos 17,34). Tal- vez encontremos um eco dessa rejeição da parte dos atenienses a respeito do Evangelho apresentado por Paulo em 1 Coríntios 1,21: "Já que o mundo, com a sua sabedoria, não reconheceu a Deus na sabedoria divina, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura de sua mensagem". Contudo, Paulo também percebeu que devia ter uma postu- ra diferente no confronto com o cosmopolitismo de Corinto. Talvez seja esse estado de espírito que podemos ler em 1 Coríntios 2,1–5: Também eu, quando fui ter convosco, irmãos, não fui com o pres- tígio da eloquência, nem da sabedoria anunciar-vos o testemunho de Deus. Julguei não dever saber coisa alguma entre vós, senão Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado. Eu me apresentei em vosso meio num estado de fraqueza, de desassossego e de temor. A mi- nha palavra e a minha pregação estavam longe da eloquência per- suasiva da sabedoria; eram, antes, uma demonstração do Espírito e do poder divino, para que vossa fé não se baseasse na sabedoria dos homens mas no poder de Deus (1 Coríntios 2,1-5). Paulo associa-se com Áquila e Priscila, casal vindo de Roma, já cristãos. Provavelmente, Paulo exercia a mesma profissão de ambos, fabricante de tendas. Então, foi morar com eles (Atos 18,3). Assim, consegue um ambiente mais seguro para a evangelização de Corinto, onde permanece por um ano e meio. Logo chegam, vindos da Macedônia, Silas e Timóteo (Atos 18,5). Como sempre, a pregação de Paulo foi dirigida primeiro aos judeus. Mas eles rejeitam-no, e o Apóstolo deixa a sinagoga de- clarando que fizera o possível para tornar o Evangelho conhecido. Alguns, porém, aceitam a mensagem, dentre os quais Tício Justo, prosélito que habitava próximo da sinagoga, e o chefe desta, Cres- po. Vendo isso, como lemos em Atos 18,7–8, muitos se converte- ram também à fé em Jesus Cristo. Depois de ser abertamente rejeitado pelos judeus morado- res de Corinto, Paulo dirige-se aos pagãos. Mas era tudo muito 67© Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios difícil para Paulo. Corinto era marcada pelo vício, pela luxúria, pela idolatria. Como apresentar as virtudes cristãs em uma sociedade assim, tão corrompida? Como transformar mentes e corações? Paulo pode ter-se sentido impotente diante desse estado de coi- sas. Paulo, então, teve um sonho e, nele, uma revelação e estímu- lo: Numa noite, o Senhor disse a Paulo em visão: Não temas! Fala e não te cales. Porque eu estou contigo. Ninguém se aproximará de ti para te fazer mal, pois tenho um numeroso povo nesta cidade (Atos dos Apóstolos 18,9–11). A pregação, a instrução e a insistência de Paulo não só pro- duziram notáveis frutos, mas, também, exasperaram os ânimos dos judeus da cidade. Conduzido por eles perante a autoridade romana, o procônsul Galião, é apresentado como um agitador interno do Judaísmo. Isso não agrada a autoridade romana, que despreza os acusadores e não castiga Paulo. Ao contrário, em Atos 18,17, lemos que o procônsul mandou espancar Sóstenes, chefe da sinagoga, certamente um dos instigadores contra o Apóstolo. Este permanece ainda alguns dias na cidade e, depois, com Priscila e Áquila, vai para as costas da Síria. Primeira Carta aos Coríntios Agora que você já fez uma leitura atenta de 1 Coríntios, pas- semos ao estudo dessa Carta, de sua estrutura e do contexto em que foi escrita. Circunstâncias Durante a terceira viagem missionária (entre os anos 53 e 57), enquanto se encontrava em Éfeso, Paulo preocupou-se com a Igreja de Corinto. Ele tinha para com ela sentimentos de pai, como lemos em 1 Coríntios 4,15, e soube que haviam muitos problemas por lá, certamente de ordem moral. Manda, então, para lá, uma Carta, que, lamentavelmente, não chegou até nós. Em 5,9ss, le- mos algo a respeito. Na minha carta vos escrevi que não tivésseis familiaridade com os © Cartas Paulinas68 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO impudicos. Porém, não me referia de um modo absoluto a todos os impudicos deste mundo, os avarentos, os ladrões ou os idólatras, pois neste caso deveríeis sair deste mundo. Mas eu simplesmente quis dizer-vos que não tenhais comunicação com aquele que, cha- mando-se irmão, é impuro, avarento, idólatra, difamador, beber- rão, ladrão. Com tais indivíduos nem sequer deveis comer (5,9–11). Essa primeira Carta aos Coríntios, agora perdida, não obteve êxito. Então, Paulo escreve a que chamamos de 1 Coríntios, que deveria ser a segunda se aquela não fosse perdida. O Apóstolo recebeu notícias alarmantes, vindas de cristãos conhecidos: por intermédio de representantes da casa de Cloé (1 Coríntios 1,11) e de Apolo (Atos 18,27 e 1 Coríntios 16,12). Essas notícias traziam o retrato de divisões, partidos que armavam uns contra os outros usando o nome de Paulo, de Apolo e de Cefas (Pedro). Havia um caso de incesto público (1 Coríntios 5,1–13) e um frequente uso dos tribunais pagãos para solucionar problemas entre membros da comunidade (1 Coríntios 6,1–11). Alguns até criavam raciocí- nios ambíguos a respeito da liberdade em Cristo (1 Coríntios 6,12– 20; 10,23). Além disso, chegam alguns representantes de Corinto: Esté- fanas, Fortunato e Acaico (1 Coríntios 16,17), que apresentam a Paulo situações diversas que esperam soluções. São como pergun- tas ou questões relativas à vida que alguns filhos apresentam ao pai. Esse é o contexto em que nasce a 1 Coríntios: a necessidade de responder a problemas concretos, sem muita ordem lógica. 1 Coríntios deve ter sido escrita por volta do ano 55 ou 56; alguns insistem até em 57, mas essa é uma data muito tardia. Pare- ce que foi escrita próxima da Páscoa, pois utiliza imagens pascais, como em 5,7s e 16,5–9. Não é uma Carta sistemática, como aca- bamos de dizer, com exposições claras sobre pontos importantes da doutrina cristã. Antes, é um escrito do momento, motivado por situações concretas. 1 Coríntios, junto à segunda, pode ser identi- ficada como ótima representante do gênero de cartas e do pensa- mento mais original de Paulo. 69© Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios Estrutura e comentário de 1 Coríntios A primeira e a segunda Carta de São Paulo aos Coríntios não contêm um esquema lógico, uma estrutura bem pensada ou arti- culada. Como já dissemos, são frutos de ocasião, escritas a partir de situações concretas e de perguntas não acadêmicas, mas, sim, experimentadas. Assim, um esquema teórico pode apresentar li- mites e imperfeições, mas é possível montar uma visão geral. Pode-se dividir 1 Coríntios em duas grandes partes, além de uma introdução e uma conclusão. Vejamos sua estrutura no Qua- dro 1. Quadro 1 Primeira Carta de Paulo aos Coríntios. PRIMEIRA CARTA DE PAULO AOS CORÍNTIOS 1,1–9 1,10—6,20 1,10–16 1,17–31 2,1–5 2,6–16 3,1–8 3,9–17 3,18–23 4,1–21 5,1–13 6,1–11 6,12–20 7,1—15,58 7,1–9 7,10–16 Endereço e introdução. Primeira parte: Desordens e sua condenação. Divisão interna. A cruz: loucura, escândalo e sabedoria. Apresentação da pregação de Paulo: sua fragilidade. Sabedoria de Paulo. As divisões e suas causas. O fundamento de tudo: Cristo. Sabedoria e loucura. Os apóstolos e o mundo. O caso do incesto. Os tribunais pagãos. A impureza. Segunda parte: questões e situações. Celibato e virgindade. Os cônjuges e seus direitos e deveres. © Cartas Paulinas70 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO PRIMEIRA CARTA DE PAULO AOS CORÍNTIOS 7,17–24 7,25–40 8,1–13 9,1–14 9,15–2710,1–13 10,14—11 11,2–16 11,17–34 12,1–11 12,12–30 14,1–25 14,26–40 15,1–11 15,12–20 15,21–58 16,1–9 16,10–18 16,16–25 O chamado de Deus. Celibato. A idolatria e as carnes aos ídolos. Os missionários. As renúncias do Apóstolo. Exemplos de Israel. O escândalo. O traje das mulheres. A celebração da ceia. Os carismas. Analogia entre o corpo e os membros da Igreja. Esboço de uma hierarquia de dons. Os dons na assembleia. A ressurreição: o anúncio fundamental do Ressuscitado. Jesus Cristo ressuscitado: esperança e vida. A ressurreição do fiel. Conclusão. Coleta. Notícias diversas. Saudação final. Endereço e introdução (1,1–9) Paulo faz a introdução costumeira, identificando-se e asso- ciando o "irmão Sóstenes" a si. Dirige-se à Igreja de Corinto, afir- mando que eles são santificados em Jesus Cristo e chamados à santidade. Esse chamado não é limitado a eles, mas é dirigido a todos o que invocam o nome de Jesus. Aqui, está contido o motivo fundamental da Carta: a santida- de como participação na vida divina. Paulo dirige-se aos coríntios lembrando-os dessa vocação. Eles vivem em meio a uma socieda- 71© Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios de absurdamente corrompida pelos vícios. No início de sua Carta, ele propõe esse princípio e desenvolve-o amplamente. Primeira parte: desordens e condenação (1,10–6,20) Nessa primeira parte da 1 Coríntios, Paulo apresenta argu- mentos, exortações e até ameaças a partir do que ele ouviu nos relatórios de seus colaboradores. São situações que pedem uma palavra, geralmente, uma palavra firme, para conduzir à mudan- ça de comportamento. O que chama a atenção nisso é que, mes- mo em meio às palavras duras e ameaças, Paulo apresenta sua fé, declara-se fiel em Cristo, insiste na necessidade do seguimento de Jesus e exorta à fidelidade. Divisão interna (1,10–16) Paulo abomina essa divisão, pois ela não expressa a harmo- nia nem a vontade de Deus. A cruz: loucura, escândalo e sabedoria (1,17–31) Em poucos versículos, Paulo apresenta um dos textos mais conhecidos que identifica o Cristianismo. Partindo da busca de si e da sabedoria, ele apresenta a cruz, a loucura e o escândalo, mas, sobretudo, a salvação. Aqui, ele chega ao ponto alto dessa reflexão com esse longo axioma: Os judeus pedem milagres, os gregos reclamam a sabedoria; mas nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucu- ra para os pagãos; mas, para os eleitos — quer judeus quer gregos —, força de Deus e sabedoria de Deus. Pois a loucura de Deus é mais sábia do que os homens, e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens (1,22–25). A verdadeira pregação cristã nada tem a ver com a sabedoria humana, mas vem da adesão ao Cristo crucificado. Aos coríntios, Paulo recorda que eles não são sábios ou poderosos, mas simples e humildes; por isso, devem dar graças a Deus pelo chamado que receberam. © Cartas Paulinas72 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Apresentação da pregação de Paulo: sua fragilidade (2,1–5) Paulo declara que veio aos coríntios com toda a fragilidade que lhe é própria, sem as seguranças que seriam de se esperar de um pregador destemido. Certamente, está aqui, de modo sublimi- nar, a experiência de Tessalônica, quando ele precisou fugir de lá pela perseguição dos judeus. Sabedoria de Paulo (2,6–16) Paulo declara que tem uma sabedoria que não é marcada pelas vaidades humanas. A sabedoria de Deus, pregada por Paulo, é misteriosa e secreta, mas dada a conhecer para quem a aceitar pela ação do Espírito Santo. Temos, nesse passo, outro axioma im- portante: Mas o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, pois para ele são loucuras. Nem as pode compreender, porque é pelo Espírito que se devem ponderar. O homem espiritual, ao contrário, julga todas as coisas e não é julgado por ninguém (2,14–15). As divisões e suas causas (3,1–8) Paulo põe em evidência o motivo das divisões em Corinto. Ele inicia com uma palavra dura, lembrando que os coríntios são homens carnais, incapazes de ouvir a verdade e aceitá-la. Paulo acusa-os de ciúmes tolos, nascidos dessa situação. Uns declaram- -se de Apolo, outros de Paulo… Mas esses dois são apenas ser- vos de Deus, que faz tudo crescer. É a ele que os coríntios devem voltar-se. O fundamento de tudo: Cristo (3,9–17) Em uma série de argumentos incisivos, Paulo afirma o que fundamento de tudo é Cristo, não um pregador cristão. Ele usa da imagem da construção, usa do argumento do julgamento e con- clui com uma frase que pode ser, também, considerada um axioma cristão: "Não sabeis que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?" (3,17). Sabedoria e loucura (3,18–23) 73© Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios Concluindo essa série de argumentos, Paulo praticamente exalta-se e declara que, somente fazendo-se louco, aos olhos do mundo, poderá ser realmente sábio. Declara que os valores são invertidos: a sabedoria do mundo é loucura para Deus; e o que pode ser loucura nesse mundo é a sabedoria de Deus. Portanto, os pregadores, Paulo, Apolo, Cefas e tudo o que existe são de Cristo, e Cristo é de Deus. Os apóstolos e o mundo (4,1–21) Em uma longa sequência, Paulo apresenta a identidade apostólica e a realidade da missão do apóstolo. Ele recorda que o Senhor coloca tudo às claras, até o que está escondido por medo ou pela maldade. Depois, ele inicia uma diatribe: um debate com um interlocutor fictício. Nesse debate, ele defende a fraqueza dos apóstolos como sinal da presença de Deus. O tom sugere uma exal- tação e uma severa acusação aos coríntios e aos que se declaram, também, apóstolos. Ele não mede palavras para demonstrar suas ideias. No final, retoma a calma e declara que ele próprio é o que gerou a fé dos coríntios e é o seu pai. Eles não devem ceder aos falsos líderes, que desejam o controle para obter o poder. Sugere, depois, que irá a Corinto para encontrar-se com a Igreja e conti- nuar a ensinar-lhe. É curiosa a última palavra desse capítulo, que expressa toda a intensidade dos argumentos do Apóstolo e de seu amor por aquela Igreja. Ele diz, em uma pergunta retórica: "Que preferis? Que eu vá visitar-vos com a vara, ou com caridade e espí- rito de mansidão?" (4,21). Não podemos deixar de assinalar outro versículo, que pode ser, também, um axioma cristão: "Porque o Reino de Deus não consiste em palavras, mas em atos" (4,20). O caso do incesto (5,1–13) Paulo segue argumentando sobre o problema do incesto que existe dentro da Igreja de Corinto e que é um escândalo. Aqui, temos uma situação concreta e a ação de Paulo sobre os que a realizam. Partindo do problema concreto, que ele sugere ser até motivo de orgulho da parte dos coríntios, ele lembra que o fer- © Cartas Paulinas74 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO mento leveda a massa, em uma alusão metafórica aos maus exem- plos que podem corromper o conjunto. Lembra que, na sua outra carta, que, infelizmente, não chegou até nós, ele ordenou que os fiéis coríntios não tivessem familiaridade com os impudicos. E faz uma lista de indivíduos que não merecem a amizade, nem sequer a companhia das refeições. Os versículos 10 e 11 apresentam essa lista. Aqui, ele também é direto: Deus julgará quem está fora da Igreja, mas quem está dentro dela deve comportar-se de modo diverso. Os tribunais pagãos (6,1–11) Trata-se de uma situação igualmente escandalosa para Paulo e que, por nada, poderia contribuir para o Evangelho. Os cristãos, quando tinham suas diferenças, apresentavam-se para ser julga- dos em tribunais pagãos. Para o Apóstolo, isso é um absurdo! Pau- lo entende que os coríntios foram lavados, purificados, justificados pelo Senhor (versículo 11). Ele faz outra relação de indivíduos que não possuirão o Reino de Deus: impuros, idólatras, adúlteros, efe- minados, devassos, ladrões, avarentos, bêbados, difamadores e assaltantes (versículo 10). A impureza (6,12–20) Nesse passo,Paulo aborda a questão da sexualidade, inician- do com um versículo que será, também, um axioma: "Tudo me é permitido, mas nem tudo convém. Tudo me é permitido, mas eu não me deixarei dominar por coisa alguma" (6,12). A sociedade coríntia era marcada pelo sexualismo e pela li- cenciosidade. Paulo sabe disso e lembra aos seus filhos coríntios dessa situação e da nova vida em Cristo Jesus. Ele declara: "Não sabeis que vossos corpos são membros de Cristo?" (6,15). Então, eles devem estar em Cristo, fugindo da fornicação. O corpo é tem- plo do Espírito Santo (versículo 19) e, por isso, deve ser mantido da pureza de sua natureza. 75© Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios Segunda parte: questões e situações (7,1—15,58) Nessa segunda parte, Paulo responde às questões que lhe chegaram como perguntas. Os coríntios desejam saber como se comportar em determinadas questões. Então, Paulo responde- -lhes com aplicação e, até mesmo, usando de sua experiência pes- soal. Celibato e virgindade (7,1–9) Em uma sociedade marcada pelo sexo, os coríntios pergun- tam-se qual deve ser a conduta a ser seguida: o casamento ou a virgindade. Paulo preza a virgindade como um modo de estar livre para o serviço ao Senhor. Contudo, nem todos são chamados para a obra missionária; assim, é melhor o matrimônio. O que Paulo propõe pode ser entendido em um ambiente onde o sexo faz parte do todo, não é o todo. Em outras palavras, ele compõe, com tantos outros elementos, a expressão da vida cristã. Quando o sexo toma o lugar de tudo, então, já não se fala mais de comunidade cristã! Aqui, Paulo desce a considerações bem práticas, para os casais e para os solteiros. Os cônjuges e seus direitos e deveres (7,10–16) Paulo lembra a necessidade da fidelidade. Havia, em Corinto, a situação de casamentos entre cristãos e pagãos. Era uma ques- tão a ser analisada pelo Apóstolo, que a soluciona mandando que o casamento seja mantido se for do desejo dos dois. O argumento é que a parte cristã santifica a outra, e os filhos são, também, san- tos. Mas, se houver uma separação, então, que ela se dê, e a parte cristã está livre. O chamado de Deus (7,17–24) Paulo inicia falando da realidade da circuncisão: alguns cris- tãos são circuncisos, pois estavam, anteriormente, no Judaísmo ou foram influenciados por ele. Paulo simplesmente diz que os cir- cuncisos fiquem como estão; os que não são circuncisos não se © Cartas Paulinas76 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO façam circuncidar, pois nada disso vale em função de Jesus Cristo. Depois, fala para aqueles de seu tempo, abordando a situação da servidão (os escravos). Para o Apóstolo, o chamado do Senhor é a superação de toda escravidão. Celibato (7,25–40) Inicialmente, Paulo lembra que não tem um mandamento do Senhor a respeito do celibato, mas que usa o bom senso e a sua própria experiência. Então, ele discorre sobre a situação dos que entram a fazer parte da Igreja: os que estão casados fiquem assim; os que não estão fiquem, também, como estão. O casamento não é um mal ou um pecado, mas impõe muitas preocupações. Aqui, é difícil compreender os argumentos, visto que a compreensão do matrimônio no tempo de Paulo é uma, e a moderna, outra. Não há, para os contemporâneos de Paulo, a possibilidade de escolha de um marido ou uma esposa. Essa escolha, na época, era feita pelos pais dos jovens. Já parte daí a grande diferença! Paulo não insiste na necessidade do celibato, mas, sim, na aceitação dos limi- tes da escolha, o que se traduz por fidelidade e atenção. A idolatria e as carnes aos ídolos (8,1–13) Essa é uma questão prática bem distante de nosso tempo. Como que prevendo alguma reação posterior, Paulo inicia dizendo que a ciência (os argumentos insistentes e racionais) incha, mas a caridade (o amor cristão) constrói. Em seguida, ele aborda a ques- tão: os animais que, em sacrifícios públicos, eram oferecidos aos ídolos. As carnes daí resultantes eram levadas para o consumo da população. Alguns podem se escandalizar com isso: cristãos co- mendo carnes oferecidas aos ídolos! Paulo indica que é livre, o que sugere que isso pode muito bem acontecer, mas que não convém. Para os fiéis, há um único Deus, e isso basta. Mas quem não en- tende isso pode se escandalizar. Recorda, então, que não é a carne que cria o problema, mas o modo de pensar de quem a come e de quem vê o fato. Ele recorda que é melhor deixar o que pode causar escândalo em benefício de quem é mais fraco na fé. 77© Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios Os missionários (9,1–14) Paulo inicia essa passagem com uma defesa, ao que parece, nascida de alguma dúvida a respeito de sua identidade de apósto- lo. Alguns o acusavam de não ter visto Jesus – este deveria ser o critério para a identidade apostólica: ver o Senhor. Paulo, então, declara que viu o Senhor, e nós sabemos como: ressuscitado. Em seguida, lembra direitos naturais e adquiridos pela própria iden- tidade apostólica. Mas ele renuncia a muitos desses direitos para estar livre na sua palavra e para não ser peso a ninguém. As renúncias do Apóstolo (9,15–27) Paulo declara que sua glória é o anúncio do Evangelho (ver- sículo 16). Ele renunciou a muitos direitos em função do direito maior que ele declara ser o próprio anúncio do Evangelho. Decla- ra-se disposto a deixar-se de lado para ganhar todos para Cristo. Para os judeus fiz-me judeu, a fim de ganhar os judeus. Para os que estão debaixo da lei, fiz-me como se eu estivesse debaixo da lei, embora o não esteja, a fim de ganhar aqueles que estão debaixo da lei. Para os que não têm lei, fiz-me como se eu não tivesse lei, ainda que eu não esteja isento da lei de Deus — porquanto estou sob a lei de Cristo —, a fim de ganhar os que não têm lei. Fiz-me fraco com os fracos, a fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, a fim de salvar a todos. E tudo isso faço por causa do Evangelho, para dele me fazer participante. Exemplos de Israel (10,1–13) Paulo faz uma digressão olhando para a história de Israel. Cita momentos da história em que, mesmo sabendo cometer er- ros, os israelitas foram em frente. Segundo ele, isso pode ser de ajuda e estímulo para não pecar, não errar. O escândalo (10,14—11,1) Temos, aqui, um longo passo, em que Paulo faz considera- ções sérias a respeito da conduta da Igreja. No fundo, o que está em evidência é a coerência com a vocação, o chamado à fé cristã. Ele insiste que "[…] não podeis beber ao mesmo tempo o cálice do © Cartas Paulinas78 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Senhor e o cálice dos demônios" (10,21). Em 10,23, encontramos mais um versículo que se tornou axioma: "Tudo é permitido, mas nem tudo é oportuno. Tudo é permitido, mas nem tudo edifica". E, em 10,31–33, declara suas motivações: Portanto, quer comais quer bebais ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus. Não vos torneis causa de escânda- lo, nem para os judeus, nem para os gentios, nem para a Igreja de Deus. Fazei como eu: em todas as circunstâncias procuro agradar a todos. Não busco os meus interesses próprios, mas os interesses dos outros, para que todos sejam salvos (10,31–33). O traje das mulheres (11,2–16) Aqui, temos uma passagem curiosa e que levanta muitas dú- vidas. Ela parece ser uma inserção dentro do texto de 1 Coríntios. Em 11,1, encontramos: "Tornai-vos os meus imitadores, como eu o sou de Cristo". Paulo faz essa afirmação depois de uma série de advertências e explicações a partir dos desvios e das dúvidas dos coríntios. Subitamente, em 11,2, ele declara: "Eu vos felicito por- que em tudo vos lembrais de mim e guardais as minhas instruções […]", o que soa contraditório! Em contrapartida, em 11,7, o texto afirma: "Fazendo-vos essas advertências, não vos posso louvar a respeito de vossas assembleias que causam mais prejuízo que pro- veito". Uma afirmação contraditória?! Esse texto de 11,2–16, emi- nentemente comportamental, parece ser uma interpolação em1 Coríntios. Ele foge subitamente do tom dominante até o momen- to. Contudo, não se podem descartar as afirmações aqui apresen- tadas sem uma análise de seu conteúdo e do seu contexto. Em primeiro lugar, é necessário lembrar a licenciosidade se- xual que existia em Corinto e os costumes derivados dessa situa- ção. Além disso, os cultos orgiásticos, no qual estavam presentes as hieródulas, eram muito marcantes na cidade. Assim, os corín- tios viviam em um mundo imerso na luxúria programada, culti- vada religiosamente. Ora, o que Paulo propõe é uma atitude de resistência quando impõe à mulher uma situação de resguardo. É 79© Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios verdade que afirmações que imprimem à mulher uma situação de submissão soam antipáticas em nossos dias. Não se trata de avaliar a palavra do Apóstolo, nem de negá- -la ou aprová-la conforme nosso sistema de valores e conceitos. Trata-se de compreendê-la devidamente inserida em seu contexto social e cultural. Na realidade, uma leitura mais atenta de toda a passagem deixa claro que os limites impostos às mulheres não são o tema geral da perícope. Em 11,11–12, encontramos uma bela reflexão sobre a relação de gênero a partir da experiência cristã. Com tudo isso, aos olhos do Senhor, nem o homem existe sem a mulher, nem a mulher sem o homem. Pois a mulher foi tirada do homem, porém o homem nasce da mulher, e ambos vêm de Deus (1 Coríntios 11,11–12). A celebração da ceia (11,17–34) O tema da ceia é fundamental na Teologia da 1 Coríntios. Ele surge, como todos os temas de 1 Coríntios, de uma situação con- creta que pede uma solução. O texto de 11,17ss apresenta a ques- tão como um abuso do comer e beber. A ceia eucarística, ainda não desenvolvida como o será em breve, realizava-se durante uma refeição fraterna. Contudo, essa fraternidade está sendo rompida: os partidos estão impedindo a comunhão fraterna (versículos 18 e 19), e a ceia deixou de ser fraterna para ser de exageros (versículo 20). Para demonstrar o quanto isso é condenável, o Apóstolo rela- ta sua experiência da ceia do Senhor: Eu recebi do Senhor o que vos transmiti: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão e, depois de ter dado graças, partiu-o e disse: Isto é o meu corpo, que é entregue por vós; fazei isto em memória de mim. Do mesmo modo, depois de haver cea- do, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue; todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memó- ria de mim. Assim, todas as vezes que comeis desse pão e bebeis desse cálice lembrais a morte do Senhor, até que venha (11,23–26). Paulo segue afirmando que a ceia pode ser um motivo de condenação se não for expressão da vivência do Evangelho. Se- gundo ele, esta é a razão que, em Corinto, muitos não se sentem © Cartas Paulinas80 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO fracos em sua vida cristã: não estão em comunhão com Cristo. Em seguida, Paulo indica que dará outras orientações quando for visi- tar os coríntios. Os carismas (12,1–11) Paulo inicia a resposta à questão dos dons espirituais, ou ca- rismas. É provável que houvesse, em Corinto, algumas tendências ao misticismo pagão. Assim, o Apóstolo insiste na realidade nova dos coríntios: eles são, agora, iluminados pelo Espírito Santo. Por isso, no versículo 4, argumenta que, embora os dons sejam diver- sos, o Espírito que os concede é o mesmo. Os dons são dados de vários modos e intensidades, mas é o mesmo Espírito que realiza a unidade entre todos. Analogia entre o corpo e os membros da Igreja (12,12–30) Paulo faz uma comparação que se tornou célebre: a do cor- po e seus membros com a graça que os indivíduos recebem na co- munidade de fé. "Há muitos membros, mas um só corpo" (12,20), ele afirma. São nesses membros que o Senhor encontra a possi- bilidade de tornar o Evangelho conhecido. É necessário, contudo, colocar os dons, ou, conforme a analogia, os membros do corpo, a serviço de todo o corpo e em comunhão com ele. A teologia dos carismas, ou dons, encontra, aqui, um ponto alto. A caridade (12,31—13,13): a questão da caridade, ou do amor, é bem difícil de ser abordada. O caso é que essa virtude nem sempre é bem encarada. Pode-se usar essa perícope de Paulo para exaltar o erotismo ou a paixão individualista. Pode-se ler o termo "caridade" no sentido de amor erótico ou amor "platônico". Contudo, "caridade" significa o amor dado a Deus em primeiro lu- gar. A capacidade de amar a Deus determina a possibilidade de amar aos outros. Então, o foco de atenção está em Deus e, a partir daí, ela, a caridade, gera a possibilidade de superar os limites e as situações humanas mais complexas. No final, Paulo expõe, em três versículos, alguns pontos e raciocínios que serão outros axiomas que acompanharão o Cristianismo como chave interpretativa. 81© Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Desde que me tornei homem, eliminei as coisas de criança. Hoje vemos como por um espelho, confusa- mente; mas então veremos face a face. Hoje conheço em parte; mas então conhecerei totalmente, como eu sou conhecido. Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade - as três. Porém, a maior delas é a caridade (13,11–13). Na cultura grega, estabeleceu-se a existência de três tipos de amor: Ágape, Filia e Eros. • Amor "Ágape": é o amor "caridade", ou entrega, doação total, sem limites ou condições. • Amor "Filia": é o amor de amizade, de entrega a alguém e busca de alguém para a fidelidade. • Amor "Eros": é a busca de outro para a complementação, para a satisfação de si e do outro. Esboço de uma hierarquia de dons (14,1–25) Voltando ao assunto dos carismas, ou dons, Paulo estabe- lece uma comparação entre a profecia e a glossolalia. Há indícios de que os coríntios estavam bem ligados a esse tipo de prática carismática. Paulo orienta-os a preferir a profecia à glossolalia. Em um modo comparativo, o Apóstolo vai citando situações de quem "fala em línguas" e de quem profetiza, declarando que essa situ- ação é melhor em relação àquela. A situação apresenta-se bem complexa na Igreja de Corinto, pois o Apóstolo usa 25 versículos para o assunto, demonstrando, ensinando, exortando a respeito da situação. E sobressai sempre a ideia da profecia, que é, por sua vez, a comunicação de Deus. Os dons na assembleia (14,26–40) Se é importante zelar pela realidade da glossolalia, ou dom das línguas, é igualmente necessário estar atento para o da profe- cia. A profecia dita em benefício próprio ou de modo misterioso, sem edificação da comunidade; não produz efeito nem é sinal de Deus. O desejo de Paulo é que haja um saudável equilíbrio entre esses dois dons, que são do agrado dos coríntios. © Cartas Paulinas82 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO A ressurreição: o anúncio fundamental do Ressuscitado (15,1–11) Depois de responder às questões levantadas pelos corín- tios, Paulo aborda o fundamento da experiência cristã fazendo um querigma, um anúncio solene. Estabelece a ideia da tradição, da transmissão que gera a vida com Cristo: "Eu vos lembro, irmãos, o Evangelho que vos preguei, e que tendes acolhido, no qual estais firmes" (15,1). Ele declara que Jesus Cristo ressuscitou, cumprindo as Escrituras. Foi visto por muitos e, finalmente, por ele próprio, Paulo. Certamente, podem ter aparecidos os que declaravam que Paulo não era do grupo histórico dos Doze e que, por isso, não tinha autoridade de transmitir e ensinar. Entretanto, ele declara que transmite porque recebeu. E recebeu-o do próprio Senhor ressuscitado, do qual ele é testemunha. Por fim, reconhece sua humildade e declara que, nela, Deus fez muita coisa, até mais do que em outros. Eu vos transmiti primeiramente o que eu mesmo havia recebido: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado, e ressurgiu ao terceirodia, segundo as Escrituras; 5 apa- receu a Cefas, e em seguida aos Doze. Depois apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma vez, dos quais a maior parte ainda vive (e alguns já são mortos); depois apareceu a Tiago, em seguida a to- dos os apóstolos. E, por último de todos, apareceu também a mim, como a um abortivo (15,3–8). Jesus Cristo ressuscitado: esperança e vida (15,12–20) Paulo eleva seu espírito e declara a necessidade absoluta da fé na ressurreição. Podemos entender isso em relação, como já falamos em outra passagem, à sociedade da época, marcada pela morte e pelos limites da vida. Paulo, então, insiste nessa afirmação da ressurreição de Jesus como condição absoluta para a felicidade. Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé. Além disso, seríamos convencidos de ser falsas testemu- nhas de Deus, por termos dado testemunho contra Deus, afirman- do que ele ressuscitou a Cristo, ao qual não ressuscitou (se os mor- tos não ressuscitam). Pois, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, é inútil a vossa fé, e ainda estais em vossos pecados. Também estão perdidos os que morreram em Cristo. Se é só para esta vida que temos colo- 83© Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios cado a nossa esperança em Cristo, somos, de todos os homens, os mais dignos de lástima. Mas não! Cristo ressuscitou dentre os mor- tos, como primícias dos que morreram! (15,14–20). A ressurreição do fiel (15,21–58) Paulo liga a verdade da ressurreição do Senhor à necessidade da ressurreição do fiel. Ele usa imagens bíblicas como a de Adão, contrapondo-o ao Cristo. Se aquele morreu, este vive, e, vivendo, ele resgata a todos. Então, falando do final de tudo, o Apóstolo serve-se de imagens apocalípticas. Paulo também cita um comba- te "com as feras em Éfeso" (versículo 32), recordando algum de- bate ocorrido naquela cidade do qual, infelizmente, não se tem qualquer notícia, senão essa palavra. Com esse passo, encerra-se a série de respostas de Paulo à Igreja de Corinto. Conclusão. Coleta (16,1–9) Paulo cita a coleta que está fazendo em benefício dos santos. Ele refere-se aos cristãos de Jerusalém, que passam penúria. Indi- ca aos coríntios a mesma regra que indicou aos gálatas. Informa, depois, que irá visitar Corinto e ficar na comunidade algum tempo. Nos versículos 8 e 9, ele declara que ficará em Éfeso, onde se abriu uma "porta", seguramente, possibilidades novas de evangelização. Não sem dificuldades! Notícias diversas (16,10–18) Em poucos versículos, ele faz referência a diversas situações e pessoas. Destaca Timóteo e uma possível visita dele aos corín- tios. Ele deve ser atendido e ouvido, pois está em plena comunhão com o Apóstolo. Exorta, também, a Igreja: "Vigiai! Sede firmes na fé! Sede homens! Sede fortes! Tudo o que fazeis, fazei-o na ca- ridade" (16,13–14). No final, indica a família de Estéfanas como as primícias da Acaia, isto é, os primeiros convertidos a Cristo na região de Corinto. Eles merecem consideração e respeito. Estéfa- nas, juntamente com Fortunato e Acaico, foram os representantes coríntios que vieram até Paulo dar-lhe notícias da Igreja, a que, agora, devem retornar. © Cartas Paulinas84 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Saudação final (16,19–25) Paulo transmite saudações dos cristãos da Ásia. Lembra Prisca (Priscila) e Áquila, seus colaboradores fieis. Indica que está escrevendo, nesse ponto, a saudação. E, no final, como que en- contrando dificuldades para despedir-se e deixar de argumentar e ensinar, indica o amor ao Senhor como sinal de bênção, pois sua ausência é maldição. Usa a expressão aramaica "Maran athá", que significa "vem, Senhor!", e, ainda, declara seu amor por todos em Cristo Jesus. 7. AS CARTAS AOS CORÍNTIOS: 2 CORÍNTIOS Unidade e circunstâncias A 2 Coríntios nasce de circunstâncias históricas que nos fo- gem ao controle. Óbvias para os coríntios, sem dúvida, mas obscu- ras para nós. Por isso, é necessário adentrar no momento em que essa Carta foi redigida e tentar entrever suas motivações. No fim da permanência de Paulo em Éfeso, ele enviou Tito a Corinto para resolver situações lá existentes. Este deveria encon- trar o Apóstolo em Trôade, mas Paulo, em função da revolta dos ourives, lembrada em Atos 19,23ss, teve de deixar Éfeso antes do tempo. Ao chegar a Trôade, não encontrou Tito, que ainda não chegara. Foi, então, em direção à Macedônia, pois estava intensa- mente angustiado com tudo o que ocorria em Corinto. A Igreja havia sido fundada pelo Apóstolo, mas as relações entre eles sofreram tremenda perturbação. O livro de Atos dos Apóstolos não informa o que pôde ter acontecido em Corinto. Pau- lo encontra-se, finalmente, com Tito na Macedônia, provavelmen- te em Filipos, e recebe notícias favoráveis a respeito de fundação coríntia. Escreve, então, essa Carta, intensa de emoções, polêmi- cas, ironias e defesas, pelo ano 57 ou início de 58. 85© Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios A última visita de Paulo a Corinto foi algo doloroso, como se pode intuir de algumas passagens, como 2 Coríntios 12,14; 13,1–2: Eis que estou pronto a ir ter convosco pela terceira vez. Não vos serei oneroso, porque não busco os vossos bens, mas sim a vós mesmos. Com efeito, não são os filhos que devem entesourar para os pais, mas os pais para os filhos (2 Coríntios 2,14). É esta a terceira vez que vou visitar-vos. Pelo depoimento de duas ou três testemunhas se resolve toda a questão. Quando de minha segunda visita, já adverti àqueles que pecaram, e hoje, que estou ausente, torno a repeti-lo a eles e aos demais: se eu for outra vez, não usarei de perdão! (2 Coríntios 13,1–2). Paulo cita, em 2,4, certa Carta de lágrimas, anterior a essa 2 Coríntios, mas que não podemos identificar como a 1 Coríntios. Foi numa grande aflição, com o coração despedaçado e lágrimas nos olhos, que vos escrevi, não com o propósito de vos contristar, mas para vos fazer conhecer o amor todo particular que vos tenho (2 Coríntios 2,4). Da leitura de 2,5–8 e de 7,12, há indício de que houve uma ofensa feita a Paulo que muito o machucou. Se alguém causou tristeza, não me contristou a mim, mas de certo modo — para não exagerar — a todos vós. Basta a esse homem o castigo que a maioria dentre vós lhe infligiu. Assim deveis ago- ra perdoar-lhe e consolá-lo para que não sucumba por demasiada tristeza. Peço-vos que tenhais caridade para com ele […] (2 Corín- tios 2,5–8). Portanto, se vos escrevi, não o fiz por causa daquele que cometeu a ofensa, nem por causa do ofendido; foi para que se manifestasse a vossa dedicação por mim diante de Deus (2 Coríntios 7,12). Houve, pois, uma visita do Apóstolo a Corinto entre a pri- meira e a segunda Carta. Uma visita dramática, que deixou marcas e sofrimentos. Houve, também, uma Carta, a das "lágrimas", que não nos é conhecida. Contudo, em Atos dos Apóstolos, não temos alusão a problemas dessa grandeza em Corinto! Isso dificulta ainda mais uma avaliação do problema. Nesse desencontro de informa- ções, temos o pano de fundo para os argumentos de 2 Coríntios. O que houve foi, certamente, o seguinte: a 1 Coríntios e o envio de Timóteo a Corinto não obtiveram sucesso. Paulo, então, © Cartas Paulinas86 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO deve ter decidido ir a Corinto para solucionar a situação. Entretan- to, essa visita foi um desastre, com alguma ofensa pública sobre o Apóstolo. Ele retornou a Éfeso e escreveu outra Carta, a dita das "lágrimas", em que exigia a punição de quem lhe havia ofendido (2 Coríntios 7,8–13), confiando-a a Tito. Combinou com este o encon- tro em Trôade em determinado tempo. Veio a revolta dos ourives em Éfeso, e Paulo precisou deixar essa cidade antes do tempo; foi à Trôade, mas não encontrou Tito. Partiu de lá para a Macedônia, onde foi, finalmente, alcançado por Tito, que lhe trouxe boas no- tícias de Corinto. Paulo, então,escreveu, finalmente, a Carta que temos como 2 Coríntios, que veremos no Quadro 2. Quadro 2 Estrutura e comentários à Carta 2 Coríntios. ESTRUTURA E COMENTÁRIO DE 2 CORÍNTIOS 1,1–11 1,12—7,16 1,12—2,17 3,1—4,6 4,7—5,13 5,14—7,16 Endereço e saudação. Primeira parte: apologia de Paulo. Defesa de acusações. Ministros do Evangelho. A vida do Apóstolo. Ministério da reconciliação. 8,1—9,15 8,1–14 9,1–15 Segunda parte: exortação. Exortação. Generosidade. 10,1—13,10 10,1–18 11,1—12,10 12,11—13,10 13,11–13 Terceira parte: polêmicas. Ameaças e ironias. Censuras aos coríntios. A conduta de um pai. Conclusão. 87© Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios Endereço e saudação (1,1–11) Paulo inicia com a saudação costumeira. Associa Timóteo a si, indicando-o como irmão. Dirige-se à Igreja de Corinto e a todos os que se encontram na Acaia. Passa a fazer uma ação de graças pelas consolações. Certa- mente, tem em mente as notícias satisfatórias que lhe foram trazi- das por Tito depois da visita deste a Corinto. Declara sua esperança a respeito da Igreja daquela cidade: o mesmo afeto deve uni-los. Em seguida, cita a tribulação passada na Ásia. Trata-se, cer- tamente, do problema com os ourives em Éfeso. Contudo, sabe- mos que Paulo sempre encontra dificuldades e oposições, espe- cialmente da parte dos judeus e dos judaizantes. O Apóstolo confia na presença do Senhor, que ele tem como o ressuscitado que rea- liza a liberdade. Primeira parte: apologia de Paulo (1,12—7,16) Nessa primeira parte, Paulo inicia com sua defesa, passa para sua identidade de apóstolo e o que isso implica e afirma a re- conciliação como fruto da experiência do Espírito. Isso tudo ocorre em Corinto, e ele, Paulo, junto a Tito, pode sentir a alegria da co- munhão e da paz com eles. Defesa de acusações (1,12—2,17) Paulo está consciente da importância que tem para os co- ríntios. Declara que sua orientação, sua força, está no alto, na gra- ça de Deus. Em seguida, traça, em poucas linhas, seus planos de viagem. Esses planos foram abalados pelas novas situações que haviam surgido. Nesse ponto, faz uma inflexão, questionando, em forma de discurso retórico, sua situação. Ele não está na dúvida ou movido pelas situações. Seu modelo é Cristo, que é ou sim ou não. Em função das situações, Paulo não foi a Corinto. Declara que foi para poupar os coríntios. Mandou para a Igreja uma Carta, escrita "em meio a muitas lágrimas", não para entristecer os co- © Cartas Paulinas88 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO ríntios, mas para deixá-los a par de seus sentimentos. Se tal Carta causou tristeza a alguém da comunidade, ele compreende, pois foi, também, uma censura feita em favor da graça de Cristo. Paulo passa, em seguida, a recordar sua passagem por Trôa- de, o encontro com Tito e as notícias dele recebidas. Dá graças a Deus pela ação que Ele realiza. Paulo tem em mente, certamente, a situação de arrependimento que deve dominar a Igreja de Co- rinto. Ministros do Evangelho (3,1—4,6) Aqui, começa a argumentação mais intensa. Para Paulo, não há necessidade de "cartas de apresentação" de uma ou outra Igre- ja. Provavelmente, alguns pregadores cristãos portavam cartas do gênero para poder entrar nas comunidades que iam surgindo e, nelas, realizar seu ministério. Paulo declara que a carta de sua apresentação é a própria Igreja de Corinto. É o Espírito de Deus que escreveu tal Carta e é essa a certeza do Apóstolo. Esse Espírito tornou Paulo um homem apto para a realização da obra que lhe foi confiada. Paulo não prega a si mesmo, mas ao Senhor. Se alguém não entende a pregação, o Evangelho de Paulo, é porque não está na perdição. Sente-se servo dos coríntios por causa de Jesus Cristo. No final dessa longa passagem, declara: Porque Deus que disse: "Das trevas brilhe a luz", é também aquele que fez brilhar a sua luz em nossos corações, para que irradiásse- mos o conhecimento do esplendor de Deus, que se reflete na face de Cristo (2 Coríntios 4,6). A vida do Apóstolo (4,7—5,13) Paulo inicia uma descrição poética, emocional e, sobretudo, teológica de sua ação como apóstolo. Não tem ilusões a respeito de sua realidade: "[…] temos este tesouro em vasos de barro, para que transpareça claramente que este poder extraordinário pro- vém de Deus e não de nós" (2 Coríntios 2,7). Continua com uma lista impressionante de "qualidades", que, muitas vezes, são "anti- 89© Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios qualidades" que os apóstolos apresentam. Na verdade, ele está se referindo, especialmente, a si mesmo. O retrato parece, em alguns momentos, muito amargo. Mas a ideia é esta: transmitir a realidade do apóstolo diante dos valo- res do mundo e das seguranças que ele impõe. Já o verdadeiro apóstolo sofre tudo para poder conduzir para Cristo. Não busca nunca vantagens, mas sabe que todas as tribulações terão sentido ou serão a certeza da glória em Cristo Jesus. Paulo indica que a vida é passageira, a "tenda", ou "morada terrestre" (5,1). Aguarda a morada celeste e tem desejo dela. Mas sabe que deve estar dignamente preparado. Exorta, pois, para a atenção, como dom do Espírito. Contudo, enquanto o homem fiel está neste mundo, deverá caminhar pela fé. Ele ainda não vê, mas sabe que há mais do que a vista alcança. Todos irão comparecer perante o tribunal de Cristo e receber a retribuição. Ministério da reconciliação (5,14—7,16) "A caridade de Cristo nos compele" (2 Coríntios 5,14). Assim Paulo inicia esse período, no qual aborda o serviço da reconcilia- ção que se opera em sua pessoa, no seu ministério. Ele não tem interesses humanos, mas apenas os interesses de levar todos para Cristo. "Todo aquele que está em Cristo é uma nova criatura. Pas- sou o que era velho; eis que tudo se fez novo!" (2 Coríntios 5,17). A intensidade da argumentação de Paulo dá a entender uma intensa unidade com o Senhor. Ele se sente realmente um dos seus "colaboradores". É o tempo favorável para a conversão, para a sal- vação. Por isso, todos devem ter um espírito tocado pela graça de Cristo. Paulo elenca uma série de situações próprias dos que estão em Cristo. Em 5,4–10, ele apresenta, por contrastes, virtudes e si- tuações que julga fundamental ao discípulo. © Cartas Paulinas90 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO Subitamente, Paulo declara seu amor, seu carinho e sua atenção para com os coríntios. Pede que sejam diferentes, que se- jam tomados pela comunhão com Deus em Cristo, pois, afinal, a luz brilha para eles (6,16–18). Ele pede que todos os seus ouvintes, os membros da Igreja de Corinto, tenham a atenção voltada para o Espírito e aceitem essa chamada de atenção. Chega a ponto de declarar: Não vos digo isto por vos condenar, pois já vos declaramos que es- tais em nosso coração, conosco unidos na morte e unidos na vida. Tenho grande confiança em vós. Grande é o motivo de me gloriar de vós. Estou cheio de consolação, transbordo de gozo em todas as nossas tribulações. De fato, à nossa chegada em Macedônia, ne- nhum repouso teve o nosso corpo. Eram aflições de todos os lados, combates por fora, temores por dentro. Deus, porém, que consola os humildes, confortou-nos com a chegada de Tito; e não somen- te com a sua chegada, mas também com a consolação que ele re- cebeu de vós. Ele nos contou o vosso ardor, as vossas lágrimas, a vossa solicitude por mim, de modo que ainda mais me regozijei (2 Coríntios 7,3–7). Em outros lugares, Paulo também se exalta e declara toda a sua ligação com essa Igreja que o fez sofrer, mas que ele tem como sua obra em Cristo Jesus no Espírito Santo. E faz isso para deixar clara a importância que essa comunidade tem para o próprio Cris- to Jesus. Por isso, nas notícias felizes de Tito, Paulo pode exultar no Senhor. Segunda parte: exortação (8,1—9,15) A segunda parte centra-se na ideia da coleta para a Igreja- -Mãe de Jerusalém. Paulo elogia a generosidade dos coríntios e exorta-osà doação, tendo como base o exemplo do próprio Jesus. No final, ele dá a entender que essa ação é para que a Igreja de Jerusalém entenda e conheça a generosidade que existe da parte das igrejas formadas por pagãos. Exortação (8,1–24) Aqui, está o tema da coleta em favor dos irmãos da Judeia. Paulo não descuida dessa situação, pois sabe que eles precisam. A 91© Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios Igreja-Mãe de Jerusalém espera, da abundância da Igreja de Corin- to, uma oferta generosa. Para motivar os coríntios, ele usa o exemplo do próprio Je- sus: "Vós conheceis a bondade de nosso Senhor Jesus Cristo. Sen- do rico, se fez pobre por vós, a fim de vos enriquecer por sua po- breza" (2 Coríntios 8,9). Paulo indica Tito como representante para a coleta, junto a outro que ele não cita o nome, mas que é conhecido deles. Ele o faz para estar seguro de que a ação que realiza é segura e tem a confiança das igrejas. Generosidade (9,1–15) Paulo declara os coríntios generosos. Ele teme, contudo, que eles não estejam preparados. Por isso, envia-lhes quem pode exortá-los à preparação. É o apóstolo experiente que está falando, atento às suas palavras, mas sincero no que expressa. A coleta para os irmãos da Judeia será de maior benefício para os próprios coríntios, pois será causa de graça da parte de Deus. Afinal, a referida coleta não tem apenas uma função prática, de socorro dos que têm necessidade. Ela é para testemunhar a comunhão entre as igrejas da gentilidade e a Igreja-Mãe de Jeru- salém. Terceira parte: polêmicas (10,1—13,10) A terceira parte é um misto de ironias bem elaboradas, base- adas nos argumentos de seus adversários, e de observações acer- ca da missão apostólica, da identidade de evangelizador que Paulo carrega e de sua postura pessoal diante das situações da Igreja de Corinto. Ameaças e ironias (10,1–18) Paulo inicia um discurso difícil e exigente, bem como irôni- co. A primeira afirmação já se apresenta de modo a fazer eco so- bre o que dizem a seu respeito. Afirmam que ele é humilde na © Cartas Paulinas92 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO presença dos seus ouvintes e arrogante por Carta dirigida a eles. Então, ele assume essa postura, declarando-se manso e ousado (10,1). Afirma que não age por interesse carnal (humano). Alguns agem e causam confusão. Ele está disposto e preparado a intervir na comunidade se for o caso, para que retornem ao bom caminho da obediência a Cristo. O Apóstolo insiste na observância de suas palavras, pois também será enérgico em pessoa se os coríntios não se convencerem disso. Paulo não se gloria de feitos humanos, mas, sim, de agir pelo Senhor. Não se apoia em trabalhos alheios, mas na sua própria atividade, feita em comunhão com o Senhor. Censuras aos coríntios (11,1—12,10) Em seguida, Paulo apresenta suas realizações e disposições. Em primeiro lugar, apresenta sua relação com a Igreja de Corinto nos moldes de um noivo com uma noiva. Teme que sua noiva seja seduzida pela serpente, como o foi Eva no episódio do Gênesis. Quem prega um Jesus diferente do que ele prega é possível que seja aceito pela comunidade! Isso o assombra! Tratam-se dos "eminentes apóstolos" (11,6), seguramente judaizantes que desviam a mensagem original de Paulo, o Evan- gelho que ele apresenta de modo gratuito. Ele se sacrificou pelos coríntios e não nega o fato. E foi por amor. Continuará a fazê-lo. Essa é sua glória. O Apóstolo acusa seus detratores, certamente, os "eminen- tes apóstolos" já citados, de disfarce e sedução sobre os coríntios. Nesse ponto, inicia uma série de versículos interessantes, em que apresenta as qualidades de tais apóstolos e as suas (11,22–23). Depois, traça um perfil de suas atividades e tribulações (11,24– 29), muitas das quais não se têm conhecimento nem pelo "corpus paulinum", nem pelo livro de Atos. E, brilhantemente, coroa seu discurso declarando que sua glória está na fraqueza, não no poder. É magnífica essa passagem, pois apresenta o Apóstolo na força de sua eloquência e expressão de fé em Jesus Cristo. A ideia é que Paulo é forte quando assume a fraqueza, como Cristo na cruz. 93© Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios São hebreus? Também eu. São israelitas? Também eu. São minis- tros de Cristo? Falo como menos sábio: eu, ainda mais. Muito mais pelos trabalhos, muito mais pelos cárceres, pelos açoites sem me- dida. Muitas vezes vi a morte de perto. Cinco vezes recebi dos ju- deus os quarenta açoites menos um. Três vezes fui flagelado com varas. Uma vez apedrejado. Três vezes naufraguei, uma noite e um dia passei no abismo. Viagens sem conta, exposto a perigos nos rios, perigos de salteadores, perigos da parte de meus concidadãos, perigos da parte dos pagãos, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos entre falsos irmãos! Trabalhos e fadigas, repetidas vigílias, com fome e sede, frequentes jejuns, frio e nudez! Além de outras coisas, a minha preocupação cotidiana, a solicitude por todas as igrejas! Quem é fraco, que eu não seja fraco? Quem sofre escândalo, que eu não me consuma de dor? Se for preciso que a gente se glorie, eu me gloriarei na minha fra- queza. Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que é bendito pe- los séculos, sabe que não minto. Em Damasco, o governador do rei Aretas mandou guardar a cidade dos damascenos para me prender. Mas, dentro de um cesto, desceram-me por uma janela ao longo da muralha, e assim escapei das suas mãos (2 Coríntios 11,22–33). Continua sua defesa apresentando experiências místicas. Cita um exemplo de arrebatamento interior e, em seguida, decla- ra, mais uma vez, sua glória na fraqueza. Para concluir essa argumentação, Paulo diz que, apesar de ter revelações, que propriamente não informa, tem um "aguilhão na carne" (12,7), identificado, depois, como "anjo de Satanás", que impede que ele se encha de soberba. O que será esse "aguilhão" e "anjo de Satanás"? A esse respeito muito já se escreveu e falou. Assim, alguns dizem ser uma doença crônica, algo como a epilep- sia. Outros afirmam que é um problema de ordem comportamen- tal. Há, ainda, a questão dos judeus revoltados e dos judaizantes que o perseguem insistentemente. O que pode ser é difícil de de- terminar. Mas é algo que incomoda tremendamente o Apóstolo, mas que ele aceita como caminho da graça. Segundo o texto, em 12,8-9, ele pediu, em oração, a libertação desse problema. Porém, foi-lhe revelado que basta a graça de Cristo para a vida. Ele aceita seus limites e conclui esse argumento afirmando que se compraz em tudo o que, para outros, pode ser incômodo e humildade, mas, © Cartas Paulinas94 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO para ele, é vantagem. Em 12,10, declara uma frase que se tornou também axioma: "Quando sou fraco, então é que sou forte". A conduta de um pai (12,11—13,10) Paulo afirma sua qualidade de apóstolo pela sua conduta. Recorda que é o pai quem deve prover seus filhos, e ele o faz, em relação aos coríntios, como um pai faria. Ele lhes confia bens e força, não os rouba ou frauda. Declara sua retidão e comunhão de intenções. Intuímos que a situação que serviu de pano de fundo para essa Carta e as reações de Paulo deve ter sido realmente grave, pois os argumentos são constantes e enérgicos. Parece que os ini- migos de Paulo, presentes na Igreja e detendo liderança, inven- taram coisas sobre ele, lançando dúvidas sobre seu ministério e conduta. E, ainda por cima, obtêm vantagens da Igreja. Paulo re- volta-se contra isso, pois, na realidade, quem está sendo enganado são os próprios coríntios. Começando a conclusão da Carta, Paulo anuncia que irá vi- sitar a Igreja de Corinto em breve, pela terceira vez. A primeira foi na fundação da Igreja; a segunda foi marcada por divergências; a terceira será depois dessa Carta de comunhão. Ele afirma que haverá testemunhas para decidir a situação. Os que erraram se- rão repreendidospor ele, que, conforme diz (3,2), não usará meias medidas. Todos devem examinar-se a si mesmos e ver como está a própria consciência. Paulo mantém o tom aparentemente irônico, com a argumentação da fraqueza de sua parte. Mas é para pôr em evidência que é a força de Cristo que deve prevalecer. Conclusão (13,11–13) Finalmente, deseja a alegria a todos, a perfeição, o encora- jamento. Os coríntios devem viver em paz. A saudação final é uma fórmula litúrgica. 95© Paulo: Apresentação – 1 e 2 Coríntios 8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade: 1) Não existem outras fontes de informações a respeito de Paulo além do cor- pus paulinum e do livro de Atos dos Apóstolos. Tendo em vista que se faz grande uso das Cartas por parte da Igreja (especialmente na sua Liturgia), pode-se ter uma ideia de sua personalidade e características por meio do conjunto de sua obra? Sendo positiva a resposta, como se pode caracterizar Paulo? 2) Como se pode entender a "conversão" de Paulo? O que essa conversão de- terminou na caminhada da Igreja primitiva? 3) A conversão de Paulo marca uma virada importante. Embora ele seja judeu fiel e convicto, percebe que a mensagem cristã, o Evangelho, não pode estar limitada ao mundo judaico. Mesmo sendo judeu, Jesus não pode ficar assim. O que isso significou para a Igreja primitiva? Qual a importância de Paulo nesse processo? Do conjunto de informações que se tem no corpus paulinum e em Atos, ele é o único que deu esse passo? 4) Com base no estudo desta unidade e com o estudo das obras aqui referen- dadas, como se podem caracterizar a cidade de Corinto e a Igreja que lá é fundada? 5) Como se deu a evangelização nessa cidade de Corinto e como foi fundada essa importante Igreja? 6) Quais os pontos fundamentais apresentados por Paulo na 1 Coríntios? 7) Sabedoria humana e pregação do Evangelho: duas questões interessantes de serem analisadas em paralelo. Paulo faz isso em 1 Coríntios. Como é seu pensamento a respeito? 8) A 1 Coríntios é uma Carta tensa, evidenciando problemas sérios que Paulo indica e até acusa. Quais são os principais problemas ali apresentados? 9) Embora com muitos problemas, a 1 Coríntios também apresenta elementos de grande importância e decisão para a Teologia cristã nascente. Elenque dois ou três pontos que são anotados em 1 Coríntios. 10) Faça um paralelo entre a 1 Coríntios e a 2 Coríntios, evidenciando os pontos de semelhança e as diferenças, as propostas específicas de uma Carta e de outra. © Cartas Paulinas96 Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO 9. CONSIDERAÇÕES As Cartas aos Coríntios representam a intensidade e o ardor do Apóstolo. Ele não esconde o envolvimento emocional e deixa, com isso, a certeza, para seus leitores de todos os tempos, de que a evangelização é, também, um processo que envolve a paixão, o desejo de o outro ser feliz e estar na luz da verdade. A personalidade do Apóstolo é claramente destacada: Paulo acredita no que faz e vive a mensagem que apresenta. Para ele, o que, hoje, podemos chamar de Teologia não é um conjunto de ideias abstratas, mas, sim, um mundo de certezas que envolvem a vida. Paulo é um homem prático que vive o que anuncia com a intensidade de uma descoberta recente. A Teologia deve a Paulo categorias de pensamento e de dis- tinção que são importantes para a convivência e o progresso hu- mano. 10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998. BARBAGLIO, G. As cartas de Paulo (I). Tradução de José Maria de Almeida. São Paulo: Loyola, 1989. HAWTHORNE, G. F.; MARTIN, R. P.; REID, D. G. Dicionário de Paulo e suas cartas. Tradução de Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Paulus, Vida Nova, Loyola, 2008. LÉON-DUFOUR, X. (Org.). Vocabulário de teologia bíblica. Petrópolis: Vozes, 1972. colunas 44-52. MURPHY-O’CONNOR, J. A antropologia pastoral de Paulo. Tornar-se humanos juntos. Tradução de João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1994. 198ss. VAN DER BORN, A. (Org.). Dicionário enciclopédico da Bíblia. Petrópolis: Vozes, 1985. colunas 59-64.
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