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EA D A Penitência e a Unção dos Enfermos 4 1. OBJETIVOS • Compreender e refletir sobre a penitência. • Interpretar e analisar a unção dos enfermos. 2. CONTEÚDOS • Aspectos teológicos e jurídicos dos sacramentos da peni- tência e da unção dos enfermos. • A celebração da penitência e da unção dos enfermos. • O ministro dos sacramentos de cura. • Os sujeitos da penitência e da unção dos enfermos. 3. ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 142 1) Nesta unidade você terá contato com a normativa que disciplina os "sacramentos de cura": a penitência e a un- ção dos enfermos. 2) A Igreja coloca à disposição dos próprios fiéis que se en- contram em uma condição de pecado ou de grave en- fermidade o sacramento da penitência e da unção dos enfermos. Estes dois sacramentos se destinam a propor- cionar aos fiéis a saúde e o conforto espiritual que ne- cessitam e, em relação à unção dos enfermos, também a cura do corpo, ser for o caso. 3) A condição antropológica do destinatário destes sacra- mentos e o fato de a unção dos enfermos ter, também, o efeito (secundário) de remitir os pecados, particular- mente se não for possível administrar o sacramento da penitência, induziu o legislador a colocar estes dois sa- cramentos um ao lado do outro, considerando-os como sacramentos de cura, e separando-os da iniciação cristã e daqueles relativos ao estado de vida (ordem e matri- mônio). 4) O esquema que seguiremos na explicitação da normati- va será o mesmo das unidades anteriores: aspectos teo- lógicos e jurídicos fundamentais, a celebração, o minis- tro e o sujeito do sacramento. 5) Tendo presente a extensão da normativa e a complexi- dade do tema, não deixe de ter em mãos a literatura de apoio indicada nesta unidade. 6) Bom estudo! 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Nesta unidade você terá contato com a normativa que discipli- na os "sacramentos de cura": a penitência e a unção dos enfermos. No final desta unidade você terá uma suficiente compreen- são da disciplina da Igreja sobre estes dois sacramentos e colherá os elementos jurídicos necessários para avaliar a práxis eclesial que os envolve. 143© A Penitência e a Unção dos Enfermos 5. PENITÊNCIA O CIC dedica a este sacramento 38 cânones (959-997) distri- buídos em um esquema idêntico aos demais sacramentos: prece- de um cânon introdutório (cân. 959), que descreve sinteticamente os elementos essenciais do sacramento e que posteriormente são retomados nos diversos capítulos; seguem os capítulos sobre a ce- lebração do sacramento (960-964), sobre o ministro (965-986) e sobre o penitente (987-991). Por fim, temos um capítulo dedica- do às indulgências (992-997). Na verdade esta última normativa não diz propriamente respeito ao sacramento da penitência, que é o sacramento do perdão dos pecados, mas, de certa forma, se encontra conexa com este sacramento. Dela não nos ocuparemos neste texto. O CIC, atendo-se à tradição, chama este sacramento "peni- tência". Não ignora, porém, o termo "reconciliação" (cânn. 959, 960) presente na prenotanda do Ordo paenitentiae (1973) e em outros documentos do Magistério. O termo "reconciliação", de origem bíblica, tem, segundo alguns autores, um alcance parcial, na medida em que acentua somente alguns aspectos do sacra- mento (especialmente o efeito: a reconciliação com Deus e com a Igreja). A penitência é uma atuação existencial do batismo sob a forma de aceitação renovada e reconhecida do perdão de Deus e de reconciliação com o próximo. Essa requer, além da confissão e satisfação, a intervenção autorizada e eficaz da Igreja mediante a absolvição e, antes ainda, a contrição. O nome penitência pare- ce colher mais diretamente os aspectos essenciais do sacramento. Existem, ainda, outros nomes, como "confissão", "sacramento do perdão" e "quarto sacramento" que, na verdade, exprimem algum aspecto do sacramento. A normativa que iremos abordar traz consigo um conjunto de questões complexas de ordem bíblica, dogmática, litúrgica, his- tórica, moral e pastoral. Obviamente não será possível aprofundar tais questões e, por isso, nos limitaremos a estudar os aspectos © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 144 jurídicos do sacramento, sem, contudo, deixar de, ao menos, men- cionar, algumas questões de maior relevância. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Nos últimos anos tem-se observado uma crise deste sacramento. Diversas são as razões que tentam explicar tal fenômeno e, talvez por isso, o Magistério apre- sentou recentemente alguns documentos que tratam do tema: a) a exortação apostólica pós-sinodal Reconciliatio et Paenitentia (1984); o motu proprio Mi- sericordia Dei (2002), sobre alguns aspectos da celebração do sacramento da penitência; o "Vademecum" para os confessores sobre alguns temas de moral atinentes à vida conjugal (1997), do Pontifício Conselho para a Família; algumas alocuções do Papa João Paulo II sobre o sacramento da Penitência à Penitencia- ria Apostólica (2000). Não nos deteremos em tais documentos devido ao pouco tempo disponível para maiores aprofundamentos, o que não impede que cada aluno o faça por si. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Aspectos teológicos e canônicos fundamentais (cân. 959) Aspectos teológicos Os Evangelhos testemunham que Jesus remiu os pecados (Mc 2,5; Mt 9, 2), convidando, ao mesmo tempo, à penitência, ou seja, à conversão, à mudança radical da própria vida (Mc 1, 15). A Igreja pós-pascal manifesta a consciência de que o poder de Jesus de remir os pecados passou para a comunidade cristã e aos seus representantes (Mt 16, 19; 18, 15-18; Jo 20, 23). As co- munidades paulinas conhecem um processo penitencial de cará- ter medicinal destinado à salvação e à reconciliação do pecador. Igualmente importante é salvaguardar a santidade da comunida- de, ofendida pelo pecado (1 Cor 5, 3-5; 2 Cor 2, 5-11). São estas as raízes neo-testamentárias do sacramento da penitência, aprofundadas nas premissas do Rito da Penitência, no qual vem à luz o caráter eclesial tanto do pecado como de sua remissão. O sacramento da penitência em relação à sua celebração e à sua forma conheceu um longo processo de desenvolvimento. 145© A Penitência e a Unção dos Enfermos Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– É útil brevemente recordar as etapas deste longo processo de desenvolvimento do sacramento da penitência em relação à sua celebração e à sua forma, a fim de colher as constantes e as variáveis de sua evolução histórica: a) Período da penitência antiga (até os séculos 6º-7º). As principais caracte- rísticas deste período são: a excepcionalidade, a publicidade e a unicidade. Mais precisamente: não é habitual para o bom cristão recorrer à penitência canônica; o bom cristão, muito pelo contrário, não deveria dela necessitar. Sendo assim, a penitência era reservada a apenas alguns comportamentos considerados gravemente incompatíveis com a vida nova iniciada pelo batis- mo, como era o caso da apostasia, do homicídio e do adultério. A aceitação do caminho penitencial por parte do fiel e a inscrição no ordo paenitentium por parte do Bispo, tornava pública a situação do penitente. Mas a principal característica é a não repetição do sacramento, pois uma recaída no pecado era vista como sinônimo de não sinceridade. Por este motivo, muitos prefe- riam deixar a reconciliação para o momento da morte; b) Período da penitência tarifada (a partir do século 6º-7º). O cristianismo de então se tornou um fenômeno de massa; a crise da práxis penitencial favore- ce o nascimento de um novo modelo de penitência, atuado e difundido pelos monges irlandeses. Passa-se de um itinerário penitencial único na vida, para a confissão frequente até o ponto de ser vivida como expressãode devoção. O sacramento se personaliza e se privatiza. Para facilitar o trabalho dos confessores são elaborados prontuários e surgem os livros penitenciais que continham verdadeiros e próprios catálogos das culpas e das respectivas penitências: para cada pecado é indicada uma "tarifa", uma espécie de taxa- ção precisa expressa em mortificações e penitências; c) Período da práxis pós-tridentina (a partir do século 16). A reflexão escolás- tica, com o seu método sistemático, deu a sua contribuição para esclarecer os diversos momentos e aspectos do sacramento da penitência. Contudo, a reforma protestante com as suas negações trouxe muitos questionamentos. O Concílio de Trento, particularmente nos decretos sobre a justificação e sobre a penitência, fixou os pontos irrenunciáveis sobre o sacramento da penitência na sessão XIV de 1551. Eis, de modo sintético, um resumo dos principais pontos:1) a penitência é um sacramento verdadeiro e próprio, ins- tituído por Cristo para reconciliar com Deus os batizados caídos no pecado, sendo distinto do sacramento do batismo (DS 1668-1672 e 1701-1703); 2) o fundamento bíblico desta verdade se encontra em Jo 20, 22-23(DS 1668- 1672 e 1701-1703); 3) para a inteira e perfeita remissão dos pecados são necessários três atos do penitente: a contrição, a confissão e a satisfação, as quais são orientadas em direção à absolvição sacerdotal (DS 1673-1693 e 1704-1715); 4) é necessário, por direito divino, confessar distintamente no sacramento da penitência todos os pecados mortais (DS 1707); 5) a ab- solvição do sacerdote é um ato judicial e a sua função não se limita apenas a declarar que os pecados estão perdoados (DS 1684-1685 e 1709); 6) os ministros do sacramento da penitência são os bispos e os presbíteros (DS 1684 e 1710); 7) o sacerdote que dá a absolvição necessita da jurisdição (DS 1686); 8) os bispos têm o direito de reservar a si o poder de perdoar cer- tos pecados (DS 1687 e 1711); 9) a imposição da satisfação para que seja remida a pena é exigida pelo próprio sacramento (DS 1689-1693 e 1712- 1715); 10) uma vez ao ano todos os cristãos são obrigados a confessar os © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 146 seus pecados (mortais) – (DS 17708). Estes pontos essenciais fixados pelo Concílio de Trento formaram a espinha dorsal da catequese e da práxis pas- toral sobre este sacramento até o Concílio Vaticano II, pois, a partir daí, os mesmos elementos foram enunciados com notáveis ampliações e um novo contexto bíblico-eclesiológico muito bem recordado pelas premissas do Rito da Penitência. O essencial do sacramento da penitência é que a reconciliação do pecador com Deus se realiza na reconciliação com a Igreja. Além disso, se pode afirmar que na evolução histórica da penitência o caráter pessoal deste sacramento sempre foi claramente reconhecido e colocado em evidência, sacrificando em boa medi- da a dimensão eclesial e comunitária, redescoberta pelo Concílio Vaticano II. Até o presente momento, porém, não chegamos a uma práxis pastoral que equilibre estes dois aspectos. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O cân. 959 retoma alguns elementos essenciais da doutrina tradicional sobre o sacramento da penitência formada ao longo deste processo, enriquecendo-os com o ensinamento do Concílio Vaticano II (LG 11; PO 5). É um dado de fé que Jesus Cristo instituiu o sacramento da penitência para que os fiéis, que após o batismo pecaram, ao se aproximarem do sacramento, arrependidos e com o propósito de se emendarem, obtenham a misericórdia de Deus, o perdão da ofensa feito a Ele e, ao mesmo tempo, se reconciliem com a Igreja, à qual feriram pelo pecado. O pecado grave incide na relação de comunhão do fiel com Cristo e com a Igreja. O pecador, uma vez que conserva ainda a fé e a esperança, continua a pertencer à Igreja, mantendo o seu direito de receber os seus bens espirituais (cân. 213). Contudo, a sua po- sição é anômala, pois ele quando peca gravemente não persevera na caridade, estando unido à Igreja com o corpo, mas não com o coração. Por isso, a ele não é permitido se aproximar da Eucaristia (cân. 916). Todavia, com o sacramento da penitência o pecador é salvo e reconciliado. O cân. 959 coloca em destaque alguns aspec- tos do sacramento da penitência: nomeia dois dos três atos es- senciais exigidos do penitente: a contrição e a confissão; recorda, ainda, a função ministerial da absolvição; indica, enfim, os efeitos que derivam do sacramento. 147© A Penitência e a Unção dos Enfermos Como os demais sacramentos, a penitência também é um sinal eficaz de graça. É o sinal eficaz do perdão e da reconciliação. O sinal sacramental – São quatro as partes essenciais que compõem o sinal sacramental do perdão e da reconciliação. Duas delas são atos do penitente (a contrição e a confissão). A absolvi- ção é o ato do ministro ou confessor. A satisfação ou penitência corresponde ao ministro indicá-la e ao penitente aceitar cumpri-la (cânn. 959 e 981). Retomemos estes elementos. a) A contrição – implica tanto a dor ou rechaço do pecado cometido, quanto o propósito de não voltar a cometê-lo. É certo que para se aproximar do sacramento da penitência é sufi- ciente a atrição, ou seja, um arrependimento "imperfeito", causado mais pelo temor do que pelo amor, embora o desejável seja sem- pre o amor e não o temor. b) A confissão – chamada de acusação dos pecados. É um ato do penitente exigido pela necessidade de que o pe- cador se manifeste ao sacerdote. A confissão é um si- nal do encontro do pecador com a mediação eclesial na pessoa do ministro, um sinal do reconhecer-se pecador diante de Deus e da Igreja. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A acusação dos pecados é um gesto litúrgico, solene em sua dramaticidade, humilde e sóbrio na grandeza de seu significado, não sendo uma mera "autoli- bertação psicológica" do pecado. Cf. JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Re- conciliatio et Paenitentia nº 31, São Paulo: Paulinas, 1984. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– c) A absolvição – é o sinal eficaz da intervenção de Deus. Mediante a fórmula sacramental e os gestos que a acom- panham se manifesta neste momento, pelo ministério da Igreja, o pecador contrito e convertido que entra em contato com o poder e a misericórdia de Deus. Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– A absolvição que o sacerdote concede ao penitente "é o momento em que, em resposta ao penitente, a Santíssima Trindade se faz presente para apagar seu pecado e lhe devolver a inocência (...); é o sinal eficaz da intervenção do Pai em © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 148 cada absolvição e da ressurreição ante a morte espiritual que se renova cada vez que se celebra o sacramento da Penitência" (Cf. JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Reconciliatio et Paenitentia nº 31, São Paulo: Paulinas, 1984). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– d) A satisfação – chamada de penitência. Enquanto aco- lhida pelo penitente é parte importante do sacramen- to. Não se trata de pagar pelo perdão recebido, fruto da graça divina, mas, sim, de um gesto de empenho pesso- al que o penitente assume diante de Deus em busca de uma vida nova. Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– Em relação às obras de satisfação assim se manifesta o Papa João Paulo II: "são o sinal do compromisso pessoal que o cristão assumiu diante de Deus, no sacra- mento, de começar uma existência nova (...); incluem a idéia de que o pecador perdoado é capaz de unir sua própria mortificação física e espiritual, buscada ou ao menos aceita, à Paixão de Jesus que lhe obteve o perdão; recordam que também depois da absolvição permanece no cristão uma zona de sombra (...) que sempre é necessário combater com a mortificação e a penitência" (Cf. JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Reconciliatio et Paenitentia nº31, São Paulo: Paulinas,1984). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Dimensão individual e eclesial do sacramento – O pecado é um fato profundamente pessoal; é uma ofensa a Deus que se ori- gina no coração de cada homem, em sua individualidade, cujas pri- meiras e mais importantes consequências afetam ao próprio peca- dor. Contudo, todo pecado tem uma dimensão social, no sentido de que seus efeitos negativos repercutem misteriosamente nos demais membros da família humana e da comunidade eclesial. É por isso que se afirma que, além de uma dimensão individual do pecado e da penitência, existe, também, um aspecto comunitário e eclesial inerente à estrutura sacramental da penitência. Tal aspecto deve sempre ser evidenciado na práxis penitencial da Igreja. Portanto, a eclesialidade do processo penitencial é algo inerente ao sacramento mesmo, independentemente da forma da celebração. Aspectos jurídicos Os aspectos jurídicos fundamentais do sacramento da peni- tência estão contidos na LG 11 e praticamente são repetidos no 149© A Penitência e a Unção dos Enfermos cân. 959, que resume a doutrina tradicional da Igreja sobre o sa- cramento. Mediante o sacerdote, a Igreja emite um juízo visível sobre o cristão penitente, que se converte em sinal do juízo invisível de Deus. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– É inegável que o sacramento possui uma estrutura análoga a um tribunal: trans- gressão da lei (o pecado), acusação (o próprio penitente), o juiz (o sacerdote) e o seu pronunciamento (absolvição sacramental e penitência). A este respeito afir- ma o Papa João Paulo II: "O sacramento da Penitência é, segundo a concepção tradicional mais antiga, uma espécie de ato judicial; porém, tal ato se desenvolve perante um tribunal de misericórdia, e não de estreita e rigorosa justiça, de modo que não é comparável, senão por analogia, aos tribunais humanos..." (Cf. JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Reconciliatio et Paenitentia nº 31, São Paulo, Paulinas, 1984). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Harmoniza-se com o caráter judicial do sacramento a sua di- mensão terapêutica ou medicinal, pois não se trata de um tribunal de condenação, mas de misericórdia, de cura espiritual e de saúde para a alma. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Aliás, a imagem do "confessor-médico" e do sacramento como cura espiritual é, sem dúvida, muito mais eficaz pastoralmente e menos problemática do que aquela do "confessor-juiz". O cân. 978 §1 acentua muito bem a dimensão tera- pêutica, sem, contudo, se esquecer da dimensão judicial. Ambas se fundem e harmonizam. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A celebração do sacramento (cânn. 960-968) A constituição litúrgica Sacrosanctum Concilium tinha esta- belecido no número 72 que o rito e as fórmulas da penitência de- veriam ser revistos de modo a exprimir mais claramente a natureza e o efeito do sacramento. O ponto de partida para esta revisão era o Ritual tridentino de Paulo V (1614), que havia chegado ao Vati- cano II praticamente sem mudança alguma. Como fruto da revisão solicitada pelo Concílio surgiu o Rito da Penitência (1974) o qual se de um lado rearticulou a práxis penitencial da Igreja, de outro não © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 150 criou uma terceira forma de penitência em relação àquela antiga e à penitência privada, mantendo, portanto, a confissão específica dos pecados e a absolvição individual. O novo Ritual romano da penitência (RP) autoriza três ritos distintos para a celebração do sacramento da penitência: • O rito individual, para reconciliar a um penitente (rito A); • O rito comunitário, para reconciliar a vários penitentes, mantendo-se, porém, a confissão e absolvição individual (rito B); • O rito comunitário, utilizado para reconciliar a vários peni- tentes, porém, com a confissão e absolvição geral (rito C). Os dois primeiros são os modos ordinários de celebrar o sa- cramento da penitência, pois em ambos se exige a confissão e a absolvição individual. Portanto, do ponto de vista jurídico, a ver- dadeira distinção está entre a confissão e absolvição individual e confissão e absolvição geral. Com este novo rito se pretende colocar em destaque o aspecto comunitário do sacramento, sem que isso signifique que a cele- bração individual (rito A) não contenha em si mesma a dimensão comunitária e eclesial. Convém observar que as três possibilidades contidas no novo Ritual romano da penitência não são oferecidas à livre escolha de cada um e muito menos se complementam entre si. Tanto o ritual quanto o CIC reafirmam que a confissão individual e íntegra e a ab- solvição individual constituem o único modo ordinário com o qual o fiel é reconciliado com Deus e com a Igreja (RP 31 e cân. 960), como ocorre nos ritos A e B. Já a utilização do rito C é autorizada apenas no quadro fixado pela normativa (RP 31 e cânn. 961-963). O CIC nos cânones 960-963 se ocupa apenas dos aspectos disciplinares do rito individual e do rito comunitário com a con- fissão e a absolvição geral. O rito comunitário com a confissão e a absolvição individual é regulado pelo Rito da Penitência (RP). Já 151© A Penitência e a Unção dos Enfermos o cân. 964 trata, também, do lugar e sede para a celebração do sacramento. Inicialmente, vamos nos ocupar das formas previstas para a celebração deste sacramento para, em seguida, tratarmos do lugar e sede da celebração do sacramento. A forma ordinária (cân. 960) O cân. 960 afirma que a confissão individual e íntegra e a absolvição constituem o único modo ordinário com o qual o fiel, consciente de pecado grave, obtém a reconciliação. Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– Confissão individual significa que se atua na relação pessoal entre confessor e penitente. Na tradição se utiliza, também, o termo "confissão auricular", isto é, feita no ouvido do padre, particularidade que indica o caráter reservado do ato (segredo). Deve ser individual porque, como todos os sacramentos, também a penitência estabelece uma relação pessoal de cada fiel com Deus. Segundo a doutrina da Igreja o pecado é um ato do indivíduo, embora possua, também, reflexos coletivos, seja na causa e nos condicionamentos do ambiente, seja nos efeitos psicológicos e teológicos. É um ato responsável e, portanto, necessita ser confessado e absolvido individualmente. O Papa João Paulo II, ao insistir sobre a importância da confissão individual, sempre destacou que se trata de um direito do fiel ter um encontro mais pessoal com o Cristo que perdoa e, ao mesmo tempo, um direito de Cristo de encontrar- -se individualmente com cada um no momento chave da vida humana que é a conversão e o perdão. Todavia, o caráter pessoal e individual da confissão não deve nos levar a perder a dimensão comunitária ou eclesial. Individualidade e eclesialidade são dois aspectos não alternativos, mas complementares que a reforma do rito da penitência procurou ressaltar e tornar mais significativos (Cf. JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Reconciliatio et Paenitentia nº 31, São Paulo, 1984). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Em relação ao cân. 960 convém esclarecer três coisas aqui: • O sacramento da penitência é o caminho ordinário para se obter o perdão e a remissão dos pecados graves come- tidos após o batismo. • Dentro do âmbito sacramental, a confissão individual e íntegra dos pecados graves, como, também, a absolvição, constituem o único modo ordinário de reconciliação, ex- ceto no caso de impossibilidade física ou moral. © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 152 • Este princípio geral condiciona toda a normativa subse- quente em relação às outras formas de celebração do sa- cramento. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O cân. 988 §1 esclarece o significado desta integridade. Todavia, o cânon960 tem presente que o fiel poderá ter dificuldades objetivas e subjetivas para uma confissão íntegra. Poderia se tratar, por exemplo, de uma impossibilidade física, ou, ainda, de uma impossibilidade moral. Para solucionar esta dificuldade o le- gislador usa o termo "por outros modos", sem, contudo, esclarecer em que con- sistem. Outro modo é a "contrição perfeita" que produziria o seu efeito somente se houvesse um sincero desejo de receber o sacramento da penitência. É o caso regulado pelo cân. 916, mas não mencionado no texto. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A absolvição é individual como previsto pelo Ritual da Penitência. É importante distinguir entre a fórmula sacramental (inteira) e as palavras essenciais da fórmula sacramental, ou seja, a última fra- se em uso a partir do século 13. Ordinariamente se utiliza a fórmu- la inteira. Em casos extraordinários, perigo de morte, por exemplo, basta a última parte (RP 21): "Eu te absolvo dos teus pecados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo". A forma extraordinária: confissão e absolvição coletiva ou geral (cânn. 961-963) Trata-se de dar a absolvição sacramental coletiva ou geral a um grupo de penitentes, sem que tenha sido realizada a confissão individual. Nesta forma temos tanto a absolvição quanto a expia- ção, mas falta um elemento importante: a confissão individual. Por este motivo esta forma é chamada de extraordinária. Revestindo- -se, portanto, de um caráter extraordinário ela não é deixada à livre escolha do ministro ou penitente, pois a normativa é bastante clara. Só é lícito recorrer a ela nos seguintes casos (cân. 961 §1): • Quando houver iminente perigo de morte e não haja tem- po para que o sacerdote ou sacerdotes ouçam a confissão de cada um dos penitentes. • Quando, tendo-se em conta o número de penitentes, não houver abundância de confessores para ouvirem as con- 153© A Penitência e a Unção dos Enfermos fissões de cada um, dentro de um tempo conveniente, de modo que os penitentes, sem culpa própria, seriam força- dos a ficar muito tempo sem a graça sacramental ou sem a sagrada comunhão. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Seria o caso, por exemplo, de uma terra de missão, onde o sacerdote passa ra- ramente e por um breve tempo, ou, então, a Igreja em uma situação de persegui- ção. Não se considera, porém, necessidade suficiente, quando não pode haver confessores à disposição, só por motivo de grande afluência de penitentes, como pode acontecer, em alguma grande festa ou peregrinação (cân. 961 §1). Não é lícito reunir uma multidão, criando-se um fato consumado, para forçar o recurso à forma extraordinária, pois os fiéis convocados poderiam ter se confessado antes ou, então, poderiam se confessar depois sem maiores problemas. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Caberá ao Bispo diocesano (e não ao confessor) julgar, levan- do em consideração os critérios indicados pela Conferência Epis- copal, em quais situações se verifica a condição estabelecida pelo legislador para a utilização da forma extraordinária (cân. 961 §2). ATENÇÃO Para se evitar o recurso a tal forma é necessário que os fiéis te- nham à sua disposição horários fixos, favoráveis e frequentes para se confessarem individualmente. O penitente para usufruir validamente da absolvição sacra- mental coletiva deve ter as devidas disposições interiores (contri- ção) e se propor a buscar a confissão individual dos pecados graves que na ocasião não pôde confessar dentro do tempo devido (cân. 962 §1). Os penitentes no momento de receber a absolvição sa- cramental coletiva devem ser instruídos sobre os requisitos para a validade da mesma e, em caso de perigo de morte, se houver tem- po, devem ser exortados a fazer o ato de contrição (cân. 962 §2). O cân. 963 estabelece que entre uma absolvição geral e ou- tra é preciso recorrer à confissão individual dos pecados graves, a não ser que se interponha uma justa causa. Nem sempre na práti- ca isto se dá. © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 154 Lugar e sede da celebração do sacramento da penitência O caráter sagrado e eclesial da penitência postula para sua mais digna celebração um lugar sagrado. Por isso, o cân. 964 §1 es- tabelece que a igreja ou o oratório é o lugar próprio para esta cele- bração. Trata-se de um lugar genérico. Em todo caso, nada impede que este sacramento seja celebrado em outros lugares, havendo uma causa razoável. Quanto à sede a ser utilizada (lugar específico), cabe às Con- ferências Episcopais a atribuição de estabelecê-la. Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– A esse respeito, assim dispôs a CNBB: 1. O local apropriado para ouvir confissões seja normalmente o con- fessionário tradicional, ou outro recinto conveniente expressamente preparado para essa finalidade. 2. Haja, também, local apropriado, discreto, claramente indicado e de fácil acesso, de modo que os fiéis se sintam convidados à prática do sacramento da penitência (ver apêndice do CIC). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Todavia, o cân. 964 §2 estabelece que deve haver em lugar visível confessionários com grades fixas entre o penitente e o con- fessor, dos quais possam usar livremente os fiéis que o desejarem. O cân. 964 §3 reconhece, porém, que nem sempre é possível usar o confessionário, permitindo, então, que, por justa causa, as con- fissões sejam ouvidas fora do mesmo. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A existência de confessionários com grades fixas entre o penitente e o confessor cumpre importantes funções: a) se salvaguarda a necessária discrição e reserva; b) se garante o direito de todos os fiéis a confessar os seus pecados sem a necessidade de revelar sua identidade pessoal; c) se facilita a compreensão do caráter sacramental do ato; d) se protege o direito de cada fiel (confessor e penitente) a defender sua inte- gridade e sua honra de qualquer perigo ou suspeita. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 155© A Penitência e a Unção dos Enfermos O ministro do sacramento (cânn. 965-986) Somente o sacerdote é o ministro do sacramento da peni- tência; apenas a ele foi conferido o poder de perdoar os pecados em nome e na pessoa de Cristo. Contudo, o caráter sacerdotal, embora necessário, não é suficiente para a administração válida do sacramento. Além do poder de ordem o ministro necessita de uma faculdade específica para ouvir as confissões dos fiéis e ab- solvê-los. Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– Os autores explicam esta exigência segundo uma tríplice perspectiva: como ins- trumento para verificar a competência do confessor que, enquanto juiz, a deve possuir; como garantia de preparação que o confessor, enquanto médico da alma, deve ter; como expressão da comunhão hierárquica dos presbíteros com a ordem episcopal (PO 7). Aliás, esta última perspectiva é indubitavelmente aquela que melhor justifica a exigência de tal faculdade para a validade do sacramento, uma vez que o sacramento reconcilia o penitente mediante o ministério da Igreja e não apenas com a Igreja. O confessor age tanto na pessoa de Cristo quanto em nome da Igreja. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Vamos compreender melhor? A aquisição da faculdade para ouvir confissões Adquire-se esta faculdade de dois modos diversos, conforme estabelece o cân. 966 §2: em virtude do próprio direito (ipso iure) ou por especial concessão da autoridade competente, de acordo com o cân. 969. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A faculdade é exigida para a validade da absolvição (cân. 966 §1), pois cabe à Igreja, através de sua autoridade competente, definir tudo aquilo que se exige para a válida e lícita celebração dos sacramentos (cân. 841). O sacerdote que não podendo dar validamente a absolvição sacramental tenta dá-la ou escuta a confissão incorre na pena de suspensão latae sententiae(cân. 1378 §2, 2º). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A faculdade concedida ipso iure poderá se realizar de três modos: mediante a lei; mediante um ofício; mediante a suplência. © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 156 Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– 1. Mediante a lei: possuem a faculdade de confessar concedida pelo próprio direito: o Papa, os Cardeais e os Bispos, a não ser que em relação a estes últimos o Bispo diocesano, num caso particular, tenha se oposto (cân. 967 §1). 2. Mediante um ofício: o cân 968 §§1-2 indica quem, por ofício, possui tal facul- dade: o Ordinário local, entendido à norma do cân. 134 §2; o Cônego peniten- ciário, entendido à norma do cân. 508 §§ 1-2; o Pároco e os outros que estão no lugar do pároco (cânn. 515 §1, 516 §1, 517 §1, 539, 541); os Superiores de instituto religioso ou de sociedade de vida apostólica se forem clericais de direito pontifício, que tiverem, de acordo com as constituições, poder execu- tivo de regime, mas limitadamente aos próprios súditos e àqueles que vivem dia e noite na casa. Trata-se aqui não apenas dos Superiores Maiores, mas, também, de seus vigários e dos Superiores locais, se as constituições tam- bém atribuem a eles o poder executivo (cân. 596 §2 e 620). Todas as pessoas indicadas, uma vez conferido o ofício, adquirem automaticamente a faculda- de de receber confissões. 3. Mediante a suplência: basta se ater a quanto estabelece o cân. 144 §1. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Já a faculdade obtida por concessão da autoridade compe- tente é regulada pelos cânn. 969-973. Neles o legislador indica a quem compete conceder esta faculdade e fixa os requisitos e as modalidades para esta concessão. Vamos ver isso melhor? a) A autoridade competente para a concessão da faculda- de (cân. 969) - Somente o Ordinário local é competente para dar a quaisquer presbíteros a faculdade de ouvirem confissões de todos os fiéis. Além dele, o Superior de instituto religioso ou de sociedade de vida apostólica, mencionado no cân. 968 §2, tem competência para con- ceder a quaisquer presbíteros a faculdade de ouvir con- fissões de seus súditos e de outros que vivem dia e noite na casa. b) Requisitos e modalidade para a concessão da faculdade (cânn. 970-973) – A autoridade competente para conce- der a faculdade deve acertar a idoneidade do presbíte- ro (cân. 970) e ouvir o seu Ordinário próprio (cân. 971). Pode conceder a faculdade por um tempo determinado ou indeterminado (cân. 972). Quando a faculdade é con- cedida habitualmente, isto é, de modo duradouro e não para um ato somente, deve ser dada por escrito (cân. 973; cân. 37). 157© A Penitência e a Unção dos Enfermos Extensão da faculdade Aqueles que têm faculdade de ouvir confissões habitual- mente, em virtude de seu ofício ou por concessão do Ordinário do lugar de incardinação ou do lugar onde têm domicílio, podem exercer essa faculdade em toda a parte, a não ser que o Ordinário local se oponha em algum caso particular, salvas as prescrições do cân. 974 §§ 2 e 3. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Se o sacerdote não tem a incardinação ou o domicílio no lugar da autoridade que concedeu a faculdade, esta fica limitada ao âmbito de jurisdição do Ordinário que a concedeu. O conceito de domicílio encontra-se no cân. 102 §1. Por incardina- ção se entende um vínculo jurídico mediante o qual um clérigo é definitivamente incorporado a uma Igreja particular, a uma prelazia pessoal, a um instituto de vida consagrada ou a uma sociedade com essa faculdade. A normativa sobre a incardinação e a excardinação se encontra nos cânn. 265-272. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cada sacerdote, mesmo se privado da faculdade de ouvir confissões, absolve validamente e licitamente a todos os peniten- tes que se encontram em perigo de morte de qualquer censura e pecado, mesmo se estiver presente um sacerdote aprovado (cânn. 976; 292). Perda da faculdade A faculdade de ouvir confissões cessa quando revogada pela autoridade competente (cân. 974), quando se perde o ofício, a in- cardinação ou o domicílio (cân. 975). A normativa se desenvolve de modo paralelo àquele sobre o modo de receber a faculdade. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Em razão do cân. 977 a faculdade de ouvir confissões cessa em relação ao cúm- plice em pecado contra o sexto mandamento, sendo a absolvição inválida, exceto em perigo de morte. Caso o confessor atentasse contra o sacramento incorreria no delito de absolvição do cúmplice (cân. 1378 §1). A faculdade não cessa se o cúmplice, após ter confessado junto a outro confessor o pecado cometido contra o sexto mandamento, confessa outros pecados. A faculdade de ouvir confissões cessa, também, quando há uma pena canônica imposta ou declarada por causa de delitos cometidos pelo sacerdote (cânn. 1331-1334; 1336). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 158 As funções do confessor (cânn. 978-982) Uma antiga tradição chama o ministro deste sacramento de confessor. O legislador, nos cânn. 978-982, recorda ao sacerdote que este deve dispor de uma série de dotes humanos, de virtudes cristãs e de capacidades pessoais para atuar como confessor. É um dever do sacerdote se manter atualizado por meio de uma forma- ção permanente para que não se torne pouco preparado para o exercício deste ministério. a) O confessor como juiz e médico – O confessor deve ser antes de tudo consciente do seu papel. Ele é "juiz e mé- dico", diz o cân. 978, utilizando-se de imagens da tradi- ção bíblica e eclesial, mas sempre ministro da justiça e da misericórdia divina. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O Pe. Hortal nos recorda que como juiz o ministro deverá formar-se um juízo prudente da causa, ou seja, deverá conhecer os pecados e as disposições do penitente, assim como pronunciar sua sentença. Como médico deverá procurar a cura ou a emenda do pecador. Como pai, representa a misericórdia divina e deve acolher o penitente com misericórdia. Como mestre deve, não em nome próprio e sim da Igreja, instruir ao penitente, atendo-se à doutrina do Magistério. Cf. HOR- TAL, Jesus. Os sacramentos da Igreja na sua dimensão canônico-pastoral. São Paulo: Loyola, 1987, p. 140-144. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– b) Prudência e discrição – O legislador exorta o sacerdote a proceder com prudência e discrição ao colocar as per- guntas. Inicialmente, o confessor deve presumir que o penitente esteja preparado e tenha feito um diligente exame, tendo a intenção de realizar uma confissão ínte- gra. Caso isto ocorra, o sacerdote não necessita e nem deve fazer perguntas. Mas o penitente pode se apresen- tar pouco preparado e pedir para ser ajudado no exame de consciência. Neste caso o legislador exorta o confes- sor a colocar as perguntas com prudência e discrição, tendo presente a condição e idade do penitente (cân. 979), sempre respeitando o quanto estabelece o cân. 220. c) Dever de dar a absolvição - Quando o sacerdote obser- var que o penitente possui as disposições necessárias 159© A Penitência e a Unção dos Enfermos para ser reconciliado com Deus e com a Igreja ele não poderá negar e nem diferir a absolvição (cân. 980). Tra- ta-se de uma aplicação do princípio fixado pelo cân. 843. Portanto, a absolvição somente poderá ser negada por um motivo muito sério. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Um motivo sério seria o confessor que se depara com uma censura e não possui a faculdade para remiti-la. Neste caso precisa de um tempo para se dirigir ao superior. O cân. 982 estabelece que quem confessa ter denunciado falsamente à autoridade eclesiástica um confessor inocente a respeito de crime de solicitação para pecado contrao sexto mandamento do Decálogo não seja absolvido sem antes ter retratado formalmente a falsa denúncia e sem que se disponha a repa- rar os danos, se houver. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– d) A penitência - As obras de satisfação são o coroamento ou ato final do sinal sacramental. Ela é, na verdade, um sinal do empenho pessoal que o cristão no sacramen- to assumiu diante de Deus, na busca de uma existência nova. Tais penitências devem ser salutares e convenien- tes, sendo necessário considerar os pecados confessa- dos, o grau de piedade, a cultura espiritual, a capacidade de compreensão e eventuais tendências a escrúpulo do penitente (cân. 981). O sigilo sacramental e o segredo (cânn. 983-985) O legislador no cân. 983 distingue claramente entre sigilo sa- cramental, termo utilizado no §1 em referência à pessoa do sacer- dote, e segredo, termo aplicado a outras pessoas distintas do con- fessor (§2). Em ambos os casos se quer destacar que tudo aquilo que é dito no sacramento é dito a Deus e não pode ser divulgado. O sigilo sacramental é a forma mais alta e absoluta de segre- do e afeta unicamente ao confessor. É matéria de sigilo todos os pecados confessados e tudo aquilo que foi conhecido na confissão. A obrigação do sigilo permanece mesmo no caso em que a absolvi- ção foi diferida ou negada. O confessor não pode de forma alguma trair o penitente, por palavras ou por qualquer outro modo e por qualquer que seja a causa (cân. 983 §1). © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 160 Sobre o confessor grava, também, a obrigação de não se uti- lizar de conhecimento obtido por meio de confissão, com gravame do penitente, mesmo se for excluído qualquer perigo de revelação (cân. 984 §1). Esta obrigação geral é especificada no confronto dos sacerdotes que são constituídos em autoridade, pois estão proibi- dos de se valer de informações obtidas em confissão para agir no foro externo (cân. 984 §2). As duas obrigações (sigilo sacramental e a não utilização da ciência obtida em confissão) são gravíssimas e não admitem qual- quer exceção. A violação é considerada um delito que comporta graves penas (cânn. 1388 §1). Quanto ao segredo, tal obrigação recai sobre todos os que tomaram conhecimento por qualquer motivo e por qualquer modo dos pecados da confissão (intérprete, quem escuta uma confissão feita em alta voz etc.). A violação do segredo é um delito punido com uma pena indeterminada, mas obrigatória (cân. 1388 §2). Também o penitente deve observar o segredo. Disponibilidade para as confissões (cân. 986) Todos aqueles que possuem o encargo de cura de almas de- vem providenciar que sejam ouvidas as confissões dos fiéis a eles confiados e que o peçam razoavelmente. Para isso é importante que sejam estabelecidos dias e horário para as confissões individu- ais (cân. 986). Nem sempre isso ocorre, por motivos vários... Por fim, em caso de urgente necessidade, qualquer confes- sor é obrigado a receber as confissões dos fiéis e em perigo de morte qualquer sacerdote deve fazê-lo (cân. 986 §2 e 976). É um dever de todo sacerdote revelar aos homens o coração do Pai e ser uma imagem do Cristo. O Penitente (cânn. 987-991) Após ter regulamentado uma série de questões relativas ao ministro do sacramento da penitência, o legislador em cinco câ- 161© A Penitência e a Unção dos Enfermos nones estabelece algumas poucas disposições relativas ao peni- tente. Por penitente se entende aquele fiel que, de fato, procura o sacramento da penitência para receber a absolvição sacramental, fazendo parte, portanto, do sinal sacramental. Ao penitente assim entendido se referem as disposições que iremos estudar. Nelas en- contramos elementos da doutrina tradicional sobre o sacramento da penitência. Inicialmente convém destacar que o penitente retamente disposto tem o direito de ser ouvido em confissão e absolvido de seus pecados, embora o juízo sobre tais disposições caiba ao mi- nistro do sacramento. Evidentemente que o dom da salvação e o dom do perdão oferecidos no sacramento são uma ação graciosa da misericórdia divina. Consequentemente o direito do fiel não se situa neste nível, pois o que é graça não pode ser visto como uma exigência de justiça. Todavia, Cristo entregou este dom salvífico à Igreja, convertendo-a em dispensadora de tal dom por intermédio de seus ministros. Sendo assim, havendo a devida disposição cabe a estes o dever de absolver (cumprindo a vontade do Senhor) e ao fiel o direito de ser absolvido. Como, portanto, os atos do peni- tente são fundamentais para a celebração do sacramento. Vamos aprofundá-los. Entre as partes ou realidades que compõem o sinal sacra- mental do perdão temos os atos do penitente. São eles: a con- trição (precedida por um exame de consciência), a acusação dos pecados e a satisfação. a) A acusação íntegra dos pecados – A Igreja incluiu no si- nal sacramental da penitência a acusação dos pecados (confissão). Ela consente ao confessor de exercitar o pa- pel de juiz e de médico, mas é, também, um sinal do encontro do pecador com a mediação eclesial na pessoa do ministro. O fiel tem a obrigação de confessar, quan- to à espécie e ao número, todos os pecados graves de que tiver consciência, após diligente exame, cometidos depois do batismo e ainda não diretamente perdoados pela Igreja, nem acusados em confissão individual (cân. 988 §1). © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 162 b) Distingue-se entre integridade formal ou subjetiva da in- tegridade material ou objetiva. Ao penitente é exigida a integridade formal, ou seja, aquela possível nas condi- ções e na situação de cada sujeito. Trata-se, portanto, de uma integridade possível e significa que o penitente é obrigado a confessar todos os pecados graves que recor- dar caso não haja uma impossibilidade física ou moral que o dispense. Cessadas as circunstâncias (normalmen- te extrínsecas e objetivas) que impedem o penitente de confessar integralmente seus pecados graves, volta a obrigação de confessar o que foi omitido. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Entre as causas de impossibilidade física indicamos: a ignorância da língua do confessor, o mutismo, a perda da memória, a situação de uma grave doença que não permite o penitente de falar etc. Entre as causas de impossibilidade moral temos: a ignorância não consciente, o perigo de violação do sigilo sacramental, o perigo de infâmia (quando a confissão é ouvida por outros), o perigo de escân- dalo ou de pecado para o confessor ou para o penitente, uma particular relação que liga o penitente e o confessor, não sendo, por essa razão, oportuno ou ex- cessivamente gravoso manifestar os próprios pecados; o perigo de grave dano espiritual para si ou para outros, etc. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– c) A obrigação da confissão - O fiel tem a obrigação de con- fessar os pecados graves cometidos pelo menos uma vez ao ano. Portanto, a obrigação da confissão subsis- te somente se o fiel cometeu um pecado grave e deve ser cumprida em qualquer tempo do ano litúrgico (cân. 989). Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Quanto aos pecados ditos veniais a Igreja também aconselha, embora não obri- gue, que sejam confessados (cân. 988 §2). Todavia, como existe o dever da comunhão pascal (cân. 920 §2), o fiel, se não o fez antes, deve se confessar por ocasião da páscoa. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– d) Liberdade de escolher o confessor - O fiel pode se con- fessar com qualquer confessor legitimamente aprovado, mesmo de outro rito (cân. 991). e) Satisfação – Quanto à penitência ou satisfação, basta se ater ao quanto dito anteriormente ao nos referirmos ao ministro. 163© A Penitência e a Unção dos Enfermos 6. UNÇÃO DOS ENFERMOS (CÂNN. 998-1007) Segundo o Concílio de Trento (DS 1716), o sacramentoda unção dos enfermos foi instituído por Cristo (Mc 6,13) e recomen- dado e promulgado pelo Apóstolo Tiago (Tg 5,13-14). Na Igreja antiga encontramos pouquíssima documentação sobre este sacramento. Existe certa alusão ao uso do óleo, como, por exemplo, na Didaché e nas Constituições Apostólicas. As razões deste silêncio das fontes podem ser explicadas por três motivos: a) nos primeiros séculos a atenção da Igreja se voltou para os sacramentos da Eucaristia, batismo e penitência; b) a unção era um rito pacificamente aceito e não foi obje- to de polêmica alguma; c) a carta de São Tiago era pouco conhecida até então. No século 5º o Papa Inocêncio I se pronuncia sobre a unção, respondendo a uma consulta que lhe foi feita. Nela se perguntava qual sentido deveria ser dado à palavra "presbítero", que aparece na carta de Tiago, pois se queria saber se o ministro da unção seria o presbítero ou, então, o bispo. O Papa responde que, logicamen- te, o ministro da unção é também o Bispo, mas se este está envol- vido com outras ocupações nada impede que o presbítero o faça. Esta resposta do Papa historicamente adquiriu grande im- portância, pois se transformou na principal fonte jurídica para os séculos seguintes, seja como interpretação autêntica do texto bí- blico de São Tiago, seja pela autoridade da qual estava revestida. A ela se faz referência na Constituição Apostólica Sacra infirmorum unctio de Paulo VI. Antes do século 8º encontramos vários ritos e modos de se conferir a unção. Ao lado da unção sacramental existia, ainda, a prática da unção privada que poderia ser feita aos enfermos por qualquer pessoa. Todavia, vai se tornando cada vez mais constante nos documentos da Igreja a referência ao texto de São Tiago toda vez que se fala da unção como sacramento. © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 164 Do século 8º ao século 13 não encontramos documentos em nível de Igreja universal relativos a este sacramento. Alguns sínodos ou concílios regionais e locais insistiram em uma maior valorização deste sacramento e em sua administração segundo a "tradição apostólica". Eugênio IV, no Concílio de Florença (1439-1445), expõe a doutrina da unção tal como foi elaborada e aperfeiçoada ao longo dos séculos precedentes, indicando a matéria, a forma, o sujeito, o número de unções, o ministro e o efeito do sacramento (DS 1324- 1325). O Concílio de Trento (1545-1563) reafirmou a natureza sa- cramental da unção em um contexto histórico no qual esta foi ne- gada e expôs os principais aspectos doutrinais deste sacramento (DS 1694-1700). Várias intervenções dos Papas e da Cúria Romana ocorridas nos séculos seguintes procuraram resolver dúvidas e problemas concretos, esclarecendo, sobretudo, a quem compete administrar o sacramento e quais seriam as faculdades dos párocos. O CIC de 1917 praticamente reafirma o quanto ficou estabe- lecido no Concílio de Trento. O Vaticano II se ocupou da unção nos seguintes documentos: Sacrosanctum Concilium (SC), Lumen Gentium (LG), Presbyterorum Ordinis (PO) e Orientalium Ecclesiarum (OE). Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– A SC exprime uma preferência pela utilização do nome "Unção dos Enfermos", substituindo a antiga expressão "Extrema-Unção", pois não se trata de um sa- cramento dado apenas aos que estão no final da vida, mas, também, para todos os que começam a correr perigo de morte, por motivo de doença ou de idade avançada (cf. nº 73). Além disso, prescreve a revisão do Ritual e ordena que seja revisto o número de unções (cf. nºs 74-75). A LG, no contexto do exercício do sacerdócio comum dos fiéis, nos diz que: Pela Sagrada Unção dos enfermos e pela oração dos presbíteros, a Igreja toda entrega os doentes aos cuidados do Senhor sofredor e glorificado, para que os alivie e salve (Tg 5,14-16) (cf. nº 11). 165© A Penitência e a Unção dos Enfermos O decreto PO se ocupa do ministro próprio do sacramento da Unção: os pres- bíteros que "pela unção dos enfermos aliviam os doentes" (cf. nº 5). Por fim, o decreto OE admite uma exceção em relação ao sujeito da unção, por força da qual, o fiel oriental que, em boa fé, se encontra fora da Igreja Católica, sob de- terminadas condições, pode receber a unção de um sacerdote católico, como, também, um fiel católico, em determinadas circunstâncias e em determinadas condições, pode receber a unção de um ministro oriental não católico (cf. nº 27). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Por fim, Paulo VI, em novembro de 1972, promulgou a Cons- tituição Apostólica Sacra infirmorum unctio, mediante a qual pro- curou modificar a fórmula do sacramento, estendeu a matéria aos olhos vegetais e esclareceu a questão da repetição do sacramento. De todas essas fontes que mencionamos dependem os cânn. 998-1007 do CIC atual dedicados à unção. A matéria encontra-se distribuída da seguinte forma: um cânon introdutório que contém os principais aspectos teológicos do sacramento (cân. 998); quatro cânones dedicados à celebração do sacramento (cânn. 999-1002); um cânon dedicado ao ministro (cân. 1003) e quatro cânones que tratam do sujeito apto a receber o sacramento (cânn. 1004-1007). Passemos, então, para o estudo dos principais aspectos da normativa. Vamos lá? Aspectos teológicos e canônicos fundamentais (cân. 998) O cân. 998, utilizando-se das palavras da LG 11, esclarece- -nos que a finalidade deste sacramento é a de recomendar ao Se- nhor sofredor e glorificado os fiéis gravemente doentes, para que os alivie e salve. Ao mesmo tempo estabelece a matéria e forma deste sacramento ao afirmar: "confere-se ungindo-os com óleo e proferindo as palavras prescritas nos livros litúrgicos" (cân. 998). Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– Como todo sacramento do NT a unção dos enfermos é um sinal visível através do qual se expressa e se realiza a graça específica do sacramento. Esta signifi- cação eficaz se realiza mediante um rito sagrado que consiste em ungir com óleo o corpo do enfermo (matéria) ao mesmo tempo em que se pronunciam as se- guintes palavras (forma): "Por esta santa unção e por sua piíssima misericórdia, © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 166 o Senhor venha em teu auxílio com a graça do Espírito Santo para que, liberto dos teus pecados, ele te salve e, na sua bondade, alivie os teus sofrimentos". A matéria remota, isto é, a substância utilizada para realizar a unção, sempre foi o óleo de oliva bento e consagrado pelo bispo. Todavia, o Concílio de Trento deixou indeterminado o tipo de óleo a ser utilizado, limitando-se a afirmar que a Igreja, segundo a carta de São Tiago, sempre usou o óleo benzido pelo bispo. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O CIC atual inova em relação ao CIC de 1917 (cân. 937) na terminologia utilizada (não mais "extrema unção", mas, sim, "un- ção dos enfermos") e na individuação dos elementos teológicos que definem o sacramento (LG 11) e na determinação da matéria exigida na realização do rito (não mais óleo de oliva, mas simples- mente "óleo", inclusive vegetal). Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– A história deste sacramento é marcada, ao menos no Ocidente, por duas con- cepções diferentes entre si. A primeira, consolidada a partir do século 11 e pre- dominante até o Concílio Vaticano II, considera a unção como "extrema unção", ou seja, o sacramento dos moribundos, dispondo-os para a morte e para a gloria celeste. A segunda, prevalente nos primeiros nove séculos, constante no Orien- te, retomada pela teologia contemporânea e assumida pelo Concílio Vaticano II, interpreta a unção como sacramento dos doentes que oferece aos fiéis que passam pela prova da doença, o conforto de Cristo e da Igreja. O Ritual Romano reformado e promulgado por Paulo VI já no título indica a orientação que se deve seguir: "Sacramento da unção e cura pastoral dos enfermos".–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O sacramento da unção dos enfermos constitui um dos sete grandes sinais da salvação. Na vida da Igreja o zelo de Cristo pelos doentes tornou-se um sinal sacramental através da unção dos en- fermos efetuada com o óleo benzido. Esboçado pelo evangelista Marcos (Mc 6,12-13), o sacramento aparece com clareza na carta de São Tiago quando nos diz: Está alguém enfermo? Chame os presbíteros da Igreja, e estes fa- çam oração sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o enfermo e o Senhor o restabelecerá. Se ele cometeu pecados, ser-lhe-ão perdoados (Tg 5,14-15). O sacramento da unção dos enfermos está inserido em uma das experiências mais angustiosas para a consciência humana: a dor e a doença. Seguindo o exemplo do Senhor, a Igreja procu- ra cuidar dos enfermos, mostrando-se solícita para com eles, pois 167© A Penitência e a Unção dos Enfermos sabe que tal serviço é prestado ao próprio Cristo nos membros sofredores de seu Corpo. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A comunidade cristã mostra a sua solicitude pelos enfermos de vários modos: com a visita aos doentes, com a ajuda no sofrimento, com o conforto da fé, com a oração da esperança em favor deles. O sinal principal desta solicitude é o sa- cramento da unção dos enfermos através do qual se pede a cura e, sobretudo, a graça de se viver de modo cristão a doença. No ato litúrgico da unção dos enfermos instaura-se entre os doentes e a comunidade uma relação especial: "A Igreja os recomenda ao Senhor sofredor e glorificado para que alivie as suas penas e os salve e os exorta a unir-se espontaneamente à paixão e morte de Cristo, contribuindo, assim, para o bem do Povo de Deus" (LG11). Dos enfermos a Igreja espera um testemunho e uma missão particular: "lembrar aos que gozam de saúde de que existem bens essenciais e duradouros e que apenas o mistério da morte e ressurreição de Cristo poderá redimir e salvar esta nossa vida mortal" (Ritual da Unção dos Enfermos 3). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A celebração do sacramento da unção dos enfermos (cânn. 999- 1002) O CIC contém algumas novidades em relação ao novo ritual. Ficou determinado que a matéria do sacramento é o óleo de oliva ou, conforme a oportunidade, outro óleo vegetal. O contexto mais apropriado para a benção do óleo é a missa do crisma presidida pelo Bispo. Mas todos os equiparados ao Bispo diocesano e qual- quer presbítero, em caso de necessidade, pode benzer o óleo a ser utilizado no sacramento da unção dos enfermos (cân. 999). Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O rito da unção dos enfermos e sua assistência pastoral, aprovado por Paulo VI em 1972, introduziu algumas adaptações, levando em consideração determina- das circunstâncias modernas. Particularmente destacamos: a) foi modificada a fórmula sacramental de modo que fossem mais bem expres- sos os efeitos do sacramento; b) ficou estabelecido que pode ser utilizado, de acordo com as circunstâncias, qualquer óleo vegetal e não apenas de oliva, como no passado; c) simplificou-se o rito e o número das unções. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Em relação às unções, na Idade Média, na Igreja de Roma, tinha-se o hábito de ungir os enfermos nos cinco sentidos, pedin- © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 168 do para cada um deles o perdão pelos pecados cometidos. Agora são previstas duas unções: uma sobre a testa, recitando a primeira parte da fórmula, e a outra sobre as mãos, completando o restante da fórmula. Se necessário é possível, também, uma só unção, ou sobre a testa, ou em qualquer outra parte do corpo (cân. 1000 §1). O legislador acrescenta que o ministro deve fazer a unção com a própria mão, a não ser que uma razão grave aconselhe o uso de instrumento (cân. 1000 §2). Quatro são os esquemas de celebração do sacramento pre- vistos para circunstâncias diversas: a) o rito ordinário; b) a celebração durante a missa; c) a celebração em uma grande assembléia de fiéis; d) a celebração para conferir a penitência, o viático, e a confirmação a um enfermo em perigo de morte. A situação de doença, particularmente quando esta é grave ou crônica, por motivo de idade avançada, pode tornar difícil para o doente viver a celebração do sacramento com consciência e luci- dez. Por este motivo, a Igreja recomenda que os pastores de almas e os parentes cuidem para que os doentes sejam confortados pelo sacramento em tempo oportuno (cân. 1001). Por fim, em relação à celebração comunitária do sacramento para um grande número de doentes o CIC se limita a lembrar que os fiéis devem estar adequadamente preparados e bem dispostos e que cabe ao Bispo diocesano estabelecer normas a esse respeito (cân. 1002). O ministro da unção dos enfermos (cân. 1003) Todo sacerdote, e somente ele, pode administrar validamen- te a unção dos enfermos (cân. 1003). 169© A Penitência e a Unção dos Enfermos Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– A fonte do cân. 1103 é o Concílio de Trento que afirma que isso está indicado claramente nas palavras de São Tiago (Tg 5, 14-15). O Concílio esclarece que por presbítero se deve entender no texto bíblico os Bispos ou os sacerdotes por eles regularmente ordenados (DS 1697 e 1719). Durante a fase de revisão do CIC, um consultor propôs que o diácono fosse ad- mitido como ministro extraordinário da unção dos enfermos. A questão foi remeti- da para o Papa João Paulo II que reafirmou a exclusiva reserva do ministério da unção dos enfermos ao sacerdote, acolhendo, assim, a doutrina teologicamente certa e a prática multissecular da Igreja, segundo a qual, o único ministro válido é o sacerdote (bispo e presbítero). A exclusiva reserva do ministério da unção ao sacerdote está em relação de dependência com o sacramento do perdão dos pecados e a digna recepção da Eucaristia. Portanto, nenhum outro pode ser considerado ministro ordinário ou extraordinário do sacramento. De fato, não encontramos no Magistério qualquer documento que acene para a possibilidade de transferir a competência da unção dos enfermos aos diáconos, nem mesmo como ministros extraordinários. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Têm o dever e o direito de administrar a unção dos enfermos todos os sacerdotes encarregados da cura de almas, em favor dos fiéis confiados a seus cuidados pastorais, a saber: o pároco (cân. 530, 3º), o capelão (cân. 566 §1), o reitor do seminário (cân. 262), os cooperadores do pároco (cân. 548 §2), os superiores das comu- nidades religiosas clericais. Por uma causa razoável, qualquer outro sacerdote pode administrar esse sacramento, com o consentimento, ao menos presumido, do sacerdote que possui tal direito (cân. 1003 §2). Qualquer sacerdote poderá levar consigo o óleo bento para poder administrar, em caso de necessidade, o sacramento da unção dos enfermos (cân. 1003 §3). A quem se deve administrar a unção dos enfermos (cânn. 1004- 1007) Nos primeiros séculos sujeito da unção dos enfermos era considerado o fiel doente. O Concílio de Florença (1439) confirma a teoria e a práxis dominante na idade média segundo a qual o su- jeito de tal sacramento seria apenas o doente que corria risco de morrer (DS 1324). O Concílio de Trento, mesmo confirmando subs- tancialmente a doutrina do Concílio de Florença, considera o sujei- © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 170 to deste sacramento o doente grave (DS 1698). O Concílio Vaticano II, na constituição SC 73, estabeleceu que a unção dos enfermos deve ser administrada toda vez que por enfraquecimento físico ou velhice o enfermo começa a entrar em perigo de morte. Sendo as- sim, o cân. 1004 § 1 estabelece o seguinte: "A unção dos enfermos pode ser administrada ao fiel que, tendo atingido o uso da razão, começa a estar em perigo pormotivo de doença ou velhice". À norma do cân. 1004 §1 podemos afirmar que são necessários três requisitos para que se possa administrar este sa- cramento: • Ser fiel – sendo a unção sacramento da fé, não pode ser conferida a quem ainda não foi batizado, pois o batismo é a porta dos sacramentos. • Ter chegado ao uso da razão - O sacramento deve ser dado aos doentes que ao menos implicitamente o pedi- ram quando estavam no uso de razão (cân. 1006). Portan- to, não é necessário ter o uso de razão no momento da administração do sacramento. • Estar, mesmo no começo, em perigo por motivo de do- ença ou velhice – Não se exige mais que o doente esteja, de fato, à beira da morte. É suficiente que comece a se encontrar em perigo devido a uma situação que poderá levá-lo à morte. Vamos aplicar tais requisitos a alguns casos concretos para facilitar sua compreensão: a) Quem irá se submeter a uma intervenção cirúrgica por causa de uma doença grave, por exemplo, pode receber a unção, tanto por causa da doença em si, quanto por causa dos riscos embutidos em qualquer cirurgia (anes- tesia, infecção etc.). b) Quem se encontra em idade avançada e com as forças debilitadas também pode receber a unção, mesmo que não tenha uma doença grave específica. 171© A Penitência e a Unção dos Enfermos c) É possível, ainda, dar a unção às crianças. Além de uma doença grave, é bom lembrar que se exige, também, o uso de razão, como visto anteriormente. A idade de 07 anos, geralmente usada, é apenas um indicativo geral, pois o que importa, na verdade, é verificar em cada caso específico se a criança, em sua vida humana e religiosa, consegue compreender que obterá conforto ao receber o sacramento, aceitando-o, portanto, de bom grado. d) Os que perderam o uso da razão ou se encontram em es- tado de inconsciência também podem receber o sacra- mento desde que haja suficiente motivos para sustentar que estes, se estivessem conscientes, teriam pedido ou aceitado livremente o sacramento (cân. 1006). e) Por fim, na dúvida se o doente já atingiu ou não o uso de razão, se está gravemente doente ou não, se está mor- to ou não, o sacramento deve sempre ser administrado (cân. 1005). O sacramento poderá ser repetido se o doente, depois de ter convalescido, recair em doença grave, ou durante a mesma enfer- midade, se o perigo se agravar (cân. 1004 §2). A unção não deve ser administrada aos que perseverarem obstinadamente em pecado grave manifesto (cân. 1007). Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– Esta norma se encontra em paralelo com o cân. 915, mas, as duas situações são diferentes. O estar em perigo de morte não é um momento qualquer da vida e relativamente a este momento a Igreja, cuja lei suprema é a salvação das almas, em sua ação se limita ao essencial, pedindo, apenas, o essencial. Além disso, é necessário que nesta circunstância (perigo de morte) tanto o fiel quanto a Igreja desejem o que é necessário para a salvação. Portanto, o estar em situação de pecado grave manifesto não deveria constituir um impedimento ao sacramento, por exemplo, se tal sacramento fosse simplesmente pedido. Ao contrário, a von- tade de perseverar obstinadamente no pecado deveria ser provada e não pode ser presumida, pois, o bem maior aqui é a salvação, lei suprema da Igreja. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 172 7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira, na sequência, as questões propostas para verificar seu desempenho no estudo desta unidade: 1) A normativa canônica sobre o sacramento da Penitência prevê quantas for- mas de celebração deste sacramento? É possível utilizar qualquer uma de- las, indistintamente? Justifique. 2) A confissão individual seguida da absolvição sacramental é a única forma de se obter o perdão dos pecados graves? Justifique. 3) O que se exige do ministro para que possa atender aos fiéis em confissão? Basta ter sido ordenado? 4) No sacramento da Penitência existe alguma diferença entre sigilo sacramen- tal e segredo? Explique. 5) Quem pode receber o sacramento da unção dos enfermos? 8. CONSIDERAÇÕES Nesta unidade, você foi convidado a compreender e refletir sobre a penitência, bem como Interpretar a unção dos enfermos. Na próxima unidade, você será convidado a compreender os principais aspectos normativos relativos ao sacramento da ordem. Até lá! 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GHIRLANDA, G. O direito na Igreja, mistério de comunhão. Compêndio de Direito Eclesial. Aparecida: Santuário, 2003. GRINGS, D. A ortopráxis da Igreja. O Direito Canônico a serviço da pastoral. Aparecida: Santuário, 1996. HORTAL, J. E haverá um só rebanho: história, doutrina e prática católica do Ecumenismo. São Paulo: Loyola, 1989. ______. O código de direito canônico e o ecumenismo. Implicações ecumênicas da atual legislação canônica. São Paulo: Loyola, 1990. ______. Os sacramentos da Igreja na sua dimensão canônico-pastoral. São Paulo: Loyola, 1987. 173© A Penitência e a Unção dos Enfermos JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Reconciliatio et Paenitentia, São Paulo: Paulinas, 1984. MÜLLER, I. Direitos e deveres do Povo de Deus. Petrópolis: Vozes, 2004. Centro Universitário Claretiano – Anotações
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