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Responsabilidade Civil Responsável pelo Conteúdo: Prof. Me. Christiane Cavalcante Marcellos Revisão Textual: Prof.ª Esp. Adrielly Camila de Oliveira Rodrigues Vital Revisor Técnico: Prof. Dr. Reinaldo Zychan Teoria Geral da Responsabilidade Civil Teoria Geral da Responsabilidade Civil • Introdução ao estudo de um dos temais mais importantes do Direito; • Reconhecer as diversas formas de responsabilidade, sabendo diferenciá-las e aplicá-las ao caso concreto; • Conhecer as defesas permitidas para o causador do dano. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Introdução à Responsabilidade Civil; • Conceito de Responsabilidade Civil; • Das Diferentes Espécies de Responsabilidade Civil; • Elementos da Responsabilidade Civil; • Responsabilidade Civil pelo Ato de Terceiro; • Responsabilidade Civil pelo Fato da Coisa e do Animal; • Meios de Defesa ou Causas Excludentes da Responsabilidade Civil. UNIDADE Teoria Geral da Responsabilidade Civil Introdução à Responsabilidade Civil O Direito Civil regulamenta a vida das pessoas desde a concepção até após a morte, por isso é uma das disciplinas mais importantes do Direito. Sobre o tema que que você vai estudar agora, responsabilidade civil, não é exagero dizer que é um dos mais presentes na vida das pessoas e, consequentemente, no Poder Judiciário, afinal, quem nunca causou ou sofreu algum dano. Nossa vida é cheia de regras, não é mesmo? Elas são importantes para a convi- vência humana, as pessoas precisam saber que, se elas causarem um dano a alguém, terão que indenizar. Claro que existem outras áreas do Direito que são atingidas pelo descumprimento de regras, mas são estudadas em outras disciplinas, como Direito Penal, por exemplo, nosso foco é a responsabilidade civil, dentro do Direito Civil. Imagina uma multidão causando danos a alguém, ainda bem que a responsabili- dade civil existe. Figura 1 – Multidão de pessoas Fonte: Pixabay Sim, somos cheios de responsabilidades. Somos responsáveis por nossos pró- prios atos, pelos atos de outras pessoas, pelo fato de termos coisas e animais que causam danos e tantas outras que você vai aprender ao longo do curso. A presente unidade é fundamental, você irá estudar a base da responsabilidade civil, o seu conceito, passando por suas espécies, elementos, responsabilidade por ato de terceiro, pelo fato da coisa e do animal, bem como as defesas para o causar do dano. Ânimo e disposição para aprender! Conceito de Responsabilidade Civil Como nasce a responsabilidade? Vou começar explicando por meio de um exemplo: Antônio celebra um contrato de prestação de serviços de TI (Tecnologia da Informação) para a empresa de Mauro. Antônio assumiu uma obrigação, que é um dever jurídico ori- ginário. Caso não cumpra, nasce a responsabilidade, que é um dever jurídico sucessivo. Ou seja, a responsabilidade deriva da violação de um dever jurídico originário. 8 9 Em busca de um olhar mais técnico, é preciso que você aprenda a conceituar “responsabilidade civil”: Em seu sentido etimológico, responsabilidade exprime a ideia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa ideia. A essência da responsabilidade está ligada à noção de desvio de condu- ta, ou seja, foi ela engendrada para alcançar as condutas praticadas de forma contrária ao direito e danosas a outrem. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário. (CAVALIERI FILHO, 2020, p. 11 – grifo nosso) Perceba que ela não vem do nada, primeiro nasce a obrigação, que deriva de um contrato, da lei ou de um ato ilícito, uma vez não cumprida a obrigação (dever jurídico originário), estamos diante da responsabilidade. O artigo 186 do Código Civil é claro ao dizer que aquele que causar dano a ou- trem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilício. Já o caput do 927 comple- menta ao dizer que, quem comete ato ilícito é obrigado a indenizar. Obrigação (dever jurídico originário) NÃO cumprida = responsabilidade civil (dever jurídico sucessivo) Das Diferentes Espécies de Responsabilidade Civil Uma pessoa pode cometer um ilícito penal (violar norma penal) ou um ilícito civil (viola norma civil), mas também é possível que, em um único ato, viole as duas, como acontece em um acidente de veículo com vítima, o causador do dano responde pelo crime e pela indenização. Pensando assim, iremos estudar a diferença de responsabilidade civil e responsa- bilidade penal. Seguindo na mesma direção, vamos encontrar as diferentes espécies de responsabilidade civil: contratual, extracontratual, subjetiva e objetiva. Responsabilidade Penal e Responsabilidade Civil Importante saber, primeiramente, a distinção entre responsabilidade penal e respon- sabilidade civil. Na responsabilidade penal o causador do dano responde com a sua liber- dade, já na responsabilidade civil o causado do dano responde com o seu patrimônio. Penal = liberdade Civil = patrimônio 9 UNIDADE Teoria Geral da Responsabilidade Civil Responsabilidade Contratual e Extracontratual ou Aquiliana A reponsabilidade contratual é aquela que deriva de um contrato não cumprido, conforme artigos 394 e seguintes do Código Civil. Exemplo muito didático é a responsabilidade do transportador (contrato de trans- porte). A obrigação do transportador de pessoas é a de transportar o passageiro são e salvo ao local de destino. Se ele não cumprir a obrigação, como ocorre em caso de acidente, estamos diante da responsabilidade civil contratual. Figura 2 – Celebração de contrato Fonte: Getty Images Por outro lado, quando a obrigação não deriva de um contrato, mas de um dever legal imposto a todos de não lesar ninguém, estamos diante da responsabilidade civil extracontratual, baseada no art. 186 e caput do art. 927, ambos do CC. Exemplo simples: Antônio está dirigindo regularmente seu veículo quando é surpreendido pelo veículo de Mauro, que atravessa o farol vermelho, causando danos ao veículo de Mauro. Existe algum vínculo jurídico entre Antônio e Mauro? Não! Responsabilidade civil extracontratual, portanto. Figura 3 – Acidente de trânsito Fonte: Pixabay 10 11 Contratual = deriva da violação de um contrato Extracontratual ou aquiliana = deriva da violação de uma norma legal Responsabilidade Subjetiva e Responsabilidade Objetiva Para facilitar o entendimento, vamos à pergunta: o causador do dano agiu com culpa lato sensu? Se a resposta for positiva, estamos diante da responsabilidade civil subjetiva, conforme primeira parte do art. 186 (“Aquele que, por ação ou omis- são voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem”). Seguindo o exemplo acima, quando Mauro ultrapassou o farol vermelho e colidiu com o veículo de Antônio, ele deu causa ao acidente. No entanto, como a reponsa- bilidade é subjetiva, Antônio somente será indenizado se provar a culpa de Mauro. Figura 4 – Avanço de sinal vermelho Fonte: Pixabay Você sabia que algumas pessoas respondem independentemente de culpa? É a chamada responsabilidade civil objetiva. Não se discute se o agente agiu com culpa, ela é fundada no risco assumido pela atividade desenvolvida. A responsabilidade objetiva é encontrada de forma genérica no parágrafo único do artigo 927 e também em alguns artigos específicos do Código Civil, como 936 e 937. Art. 927. [...] Parágrafo único . Haverá obrigação de reparar o dano, independente- mente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Exemplo de responsabilidade objetiva é encontrado no contrato de transporte. O ônibus da empresa X, conduzido regularmente por seu motorista, foi surpreendido 11 UNIDADE Teoria Geral da ResponsabilidadeCivil pelo caminhão de Mauro, que ultrapassou o farol vermelho e veio a colidir na lateral do ônibus, causando danos aos passageiros. O motorista do ônibus não teve culpa, mas como a responsabilidade é objetiva, o transportador responde independente- mente de culpa, conforme art. 734. A empresa deve então indenizar a vítima, para depois entrar com ação regressiva contra o causador dos danos, como permitido no art. 735. Figura 5 – Acidente entre ônibus e caminhão Fonte: Pixabay O Código Civil adotou como regra geral a responsabilidade civil subjetiva, sendo aplicada a responsabilidade objetiva somente em casos excepcionais. Subjetiva = depende da prova da culpa; Objetiva = independe da culpa. Elementos da Responsabilidade Civil Primeiro, leia o artigo 186 do Código Civil reiteradas vezes. “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Agora o caput do artigo 927, “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” Como acontece no Direito Penal, em que todo mundo sabe alguns crimes pelo número do artigo (171, por exemplo), no Direito Civil também temos alguns artigos famosos, como os arts. 186 e o caput do 927. Recomendo que você saiba pelo número, isso vai ajudá-lo muito. Os elementos da responsabilidade civil, também chamados de pressupostos da responsabilidade civil, são extraídos do precitado artigo 186 do Código Civil. São eles: 12 13 1) ação ou omissão (conduta humana), 2) dano (prejuízo), 3) nexo de causalidade, 4) culpa lato sensu. Existe divergência em relação aos elementos, para alguns autores são 4 (quatro), mas podem ser 3 (três) para quem não considera a culpa com elemento essencial em decorrência da existência da responsabilidade objetiva. É o caso dos professores Gagliano e Pamplona Filho: Embora mencionada no referido dispositivo de lei por meio das expres- sões ‘ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência’, a culpa (em sentido lato, abrangente do dolo) não é, em nosso entendimento, pressuposto geral da responsabilidade civil, sobretudo no novo Código, considerando a existência de outra espécie de responsabilidade, que pres- cinde desse elemento subjetivo para a sua configuração (a responsabilida- de objetiva). ( GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019, p. 57) Ação ou Omissão (Conduta Humana) Primeiro elemento a ser analisado é a conduta humana, que pode ser: • Positiva: significa um comportamento ativo, ou seja, foi a ação do ser humano que gerou o dano. Ex.: motorista ultrapassou o farol vermelho e colidiu com outro veículo, causando danos; • Negativa: significa um comportamento omissivo, ou seja, a omissão do ser humano que gerou o dano. De modo geral, a responsabilidade por omissão existe quando o sujeito tem o dever jurídico de agir e não agiu. Ex.: médico que deixou de realizar exame considerado fundamental para o paciente. Culpa Lato Sensu Lembrando que existe divergência sobre a culpa como um dos elementos, pois sabemos que na responsabilidade objetiva, o agente responde independentemente de culpa. A culpa lato sensu está presente no artigo 186 “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência”. Ao analisar o artigo, perceba que as ações es- tão misturadas (voluntária + negligência + imprudência), e por isso chamamos de culpa lato sensu (em sentido amplo), pois abrange o dolo e a culpa propriamente dita, que é a negligência, imprudência e imperícia (culpa stricto sensu ou em sentido estrito). O dolo é a vontade livre e consciente de praticar o ato. Não é muito comum alguém causar um dano porque quis, mas pode acontecer. A culpa stricto sensu (sentido estrito), mais comum, o dano foi causado não pela vontade do agente, mas porque o agente foi negligente, imprudente ou imperito. Em rápidas palavras, negligência é uma conduta omissiva, o agente não tomou os cuidados necessários para evitar o dano. Ex.: motorista A viajou sem observar as con- 13 UNIDADE Teoria Geral da Responsabilidade Civil dições do pneu, que estava totalmente careca e estourou na rodovia, causando danos aos demais motoristas. Imprudência é o agir sem as devidas cautelas. Motorista B: motorista que conduz o veículo em velocidade acima do permitido, vindo a causar grave acidente. Imperícia é a falta de inaptidão para o exercício de determinado ato. Motorista C: dirige moto sem habilitação específica. No Direito Civil não faz diferença analisar os graus de culpa, se grave, leve ou levíssima, pois a indenização se mede pela extensão do dano, conforme art. 944 do CC “A indenização mede-se pela extensão do dano”. E, “Se houver excessiva despro- porção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização” (parágrafo único do art. 944). Nexo de Causalidade (Relação de Causalidade) O nexo de causalidade é a relação existente entre a ação ou omissão do agente e o dano. Ou seja, o dano pode existir, mas se não foi causado pela conduta do agente, não há o dever de indenizar. Algumas teorias justificam o nexo de causalidade, são elas: a) Teoria da equivalência das condições ou do histórico dos antecedentes: Por essa teoria, tudo que ocorreu antes é considerado causa para o evento danoso. Ex.: na indenização por homicídio, o comerciante da arma, o fabri- cante, os fornecedores de matéria-prima para a fabricação da arma teriam responsabilidade. Por óbvio, não foi a teoria adotada pelo Direito Civil; b) Teoria da causalidade adequada: Diferente da primeira, não são todas as causas que antecedem o evento danoso que serão consideradas, mas somente a mais relevante, adequada à produção do dano. Ex.: Mauro deu causa a um pequeno acidente de trânsito, mas com o susto, a vítima mor- reu, pois era cardíaca. Por esta teoria, Mauro não teria responsabilidade, pois o evento morte não foi por ele causado; c) Teoria do dano direto e imediato (ou teoria da interrupção do nexo causal): Um meio termo das anteriores, por essa teoria apenas o ante- cedente que deu causa seria consequência direta e imediata do dano. No exemplo anterior, Mauro responderia somente pela lesão corporal. Qual foi a teoria adotada pelo Código Civil? Questão controvertida. Da leitura do artigo 403 extrai-se a adoção da teoria do dano direto e imediato “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”. Por outro lado, é possível encontrarmos na doutrina e jurisprudência a aplicação da Teoria da causalidade adequada, como sustenta Tartuce: Em nosso parecer o Código Civil de 2002 adotou, em melhor sentido, a teoria da causalidade adequada, eis que a indenização deve ser adequada 14 15 aos fatos que a cercam. Essa conclusão pode ser retirada dos arts. 944 e 945 do CC, antes comentados. Nesse sentido, o Enunciado n. 47 da I Jor- nada de Direito Civil preceitua que o último dispositivo não exclui a teoria da causalidade adequada. É imperioso dizer que a adoção desta teoria não afasta a investigação dos fatores que excluem ou obstam o nexo de causa- lidade. (TARTUCE, 2018, p. 402) Dano O dano, em rápidas palavras, é o prejuízo, patrimonial ou extrapatrimonial, sofrido pela vítima. O dano é um pressuposto indispensável da responsabilidade civil, seja contratual, seja extracontratual, objetiva, subjetiva. Sem o dano, não há que se falar em respon- sabilidade civil. Ao julgar uma ação, primeiramente o juiz irá verificar a existência do dano. Se inexistente, provavelmente os demais elementos sequer serão analisados e a ação será improcedente. Espécies de danos: Danos Patrimoniais (Materiais) São aqueles que atingem o patrimônio da vítima. Devido ao evento danoso, a víti- ma ficou mais pobre, teve uma diminuição em seu patrimônio. Os danos patrimoniaissão divididos em: danos emergentes e lucros cessantes, ambos presentes no art. 402 do CC: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”. • Danos emergentes: aquilo que a vítima efetivamente perdeu constitui os danos emergentes, também chamados danos positivos ; • Lucros cessantes: aquilo que a vítima razoavelmente deixou de lucrar são os lucros cessantes ou danos negativos. Um simples exemplo ajudará na compreensão. Um veículo ultrapassa o farol ver- melho e atinge o veículo de um taxista. Os danos emergentes seriam o conserto do veículo, eventuais despesas médicas do motorista, já os lucros cessantes seriam os valores que o motorista razoavelmente deixou de lucrar durante o período em que o veículo ficou parado para conserto. Quando se fala em danos materiais, a doutrina prefere utilizar a expressão ressarcimento. De qualquer forma, não há problemas em se adotar também o termo reparação para os da- nos materiais. O que não é recomendável é a expressão ressarcimento para os danos morais. Para os últimos, é melhor o uso do termo reparação (TARTUCE, 2018, p. 427). 15 UNIDADE Teoria Geral da Responsabilidade Civil Danos Extrapatrimoniais, Imateriais ou Morais São os danos que violam dos direitos da personalidade (arts. 11 a 21 do CC), como a vida, intimidade, imagem e honra. Tais danos não atingem a esfera patri- monial da vítima, não existe perda sob ponto de vista do patrimônio, tanto que a indenização não deve ser vista como um acréscimo, mas sim uma reparação, uma forma de compensar as consequências do dano moral, que são a dor, o sofrimento, o constrangimento etc. Classificação do dano moral: • Dano moral próprio ou estrito e dano moral impróprio ou amplo: o dano moral próprio atinge os sentimentos da pessoa, como dor, angústia, sofrimento. O impróprio, além dos sentimentos, atinge outros bens pessoais, como a ima- gem, nome e honra; • Dano moral provado (subjetivo) e dano moral adjetivo ou presumido (in re ipsa): Em regra, quem sofre o dano é quem deve provar (subjetivo). Em algumas situações o dano moral não necessita de prova, ele é presumido, decorre do fato em si, como a perda de um filho, apontamento indevido nos órgãos de proteção de crédito; • Dano moral direto e dano moral indireto (reflexos ou em ricochete): O dano moral é aquele que atinge a própria pessoa, na sua honra objetiva (o que as pes- soas pensam dela) e subjetiva (o que a pessoa pensa sobre si mesma). Dano moral reflexo ou em ricochete atinge a pessoa de forma reflexa. É muito comum nas relações afetivas, como ocorre com o pai que perde o filho. Importante salientar que o dano moral sempre existiu, mas passou a ser reparado desde a Constituição de 1988, o Código Civil de 1916 era omisso. O Código Civil de 2002, de forma singela, acrescentou os danos morais no art. 186, mas infelizmente perdeu a oportunidade de disciplinar com a grandeza que o tema merece. A indenização dos danos morais será objeto de estudo em outra unidade. Responsabilidade Civil pelo Ato de Terceiro Como dito no início, o campo da responsabilidade civil é muito amplo. As pessoas não respondem somente por seus próprios atos, mas também por atos praticados por terceiros, nos termos do artigo 932 do Código Civil. Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e pre- postos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; 16 17 IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspe- des, moradores e educandos; V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. Detalhe importante, os responsáveis acima respondem independentemente de culpa, mas para que isso ocorra, deve ficar provada a culpa dos terceiros elencados no artigo. Ex.: para que o hospital seja responsável, é preciso ficar provada a culpa do médico. Se o dano não foi causado pela conduta do médico, não há que se falar na responsabilidade do hospital. Para facilitar o seu entendimento, primeiro iremos analisar cada inciso, depois o que há em comum entre eles (responsabilidade objetiva, solidária e direito de regresso). Responsabilidade dos Pais Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. Figura 5 – Pai e fi lho Fonte: Pixabay Os pais respondem, independentemente de culpa, são responsáveis pelos atos pra- ticados pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. Se o filho menor, por exemplo, escondido do pai sai com o veículo da família e vem a colidir com o veículo de terceiro, o pai responde. E nem adianta provar que não teve culpa, pois a responsabilidade é objetiva. 17 UNIDADE Teoria Geral da Responsabilidade Civil Enunciado 450 da V Jornada de Direito Civil do CJF. Considerando que a responsabilidade dos pais pelos atos danosos praticados pelos filhos menores é objetiva, e não por culpa pre- sumida, ambos os genitores, no exercício do poder familiar, são, em regra, solidariamente responsáveis por tais atos, ainda que estejam separados, ressalvado o direito de regresso em caso de culpa exclusiva de um dos genitores. Você concorda? Responsabilidade dos Tutores e Curadores Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: [...] II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições Tutela e curatela são institutos de proteção ao incapaz, que serão estudados em Direito de Família. Para o momento atual, é importante apenas que você saiba o que o tutor protege o menor incapaz, e o curador, o maior, que também necessita de proteção, devido a algum tipo de deficiência. O tutor é responsável pelos atos praticados pelo tutelado enquanto menor. O cura- dor é responsável pelos atos praticados pelo curatelado. Responsabilidade do Incapaz Nas hipóteses acima, o incapaz pode ser responsabilizado? Pelo Código Civil de 1916, não, mas pelo Código Civil atual, sim, conforme artigo 928. Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem. Importante! A responsabilidade do incapaz é subsidiária Regra: quem responde é o responsável pelo incapaz. Exceção (caput do art. 928), o incapaz reponde 1. se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo; 2. ou não dispuserem de meios suficientes. Sobre a indenização, o parágrafo único estabelece que ela deve ser fixada pelo juiz de forma equitativa, e não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem. 18 19 Enunciado 39 da I Jornada de Direito Civil do CJF: A impossibilidade de privação do necessário à pessoa, prevista no art. 928, traduz um dever de indenização equitativa, informado pelo princípio constitucional da proteção à dignidade da pessoa humana. Como consequência, também os pais, tutores e curadores serão bene- ficiados pelo limite humanitário do dever de indenizar, de modo que a passagem ao patri- mônio do incapaz se dará não quando esgotados todos os recursos do responsável, mas se reduzidos estes ao montante necessário à manutenção de sua dignidade. Enunciado 40 da I Jornada de Direito Civil do CJF: O incapaz responde pelos prejuízos que causar de maneira subsidiária ou excepcionalmente como devedor principal, na hipótese do ressarcimentodevido pelos adolescentes que prati- carem atos infracionais nos termos do art. 116 do Estatuto da Criança e do Adolescente, no âmbito das medidas socioeducativas ali previstas. Enunciado 41 da I Jornada de Direito Civil do CJF: A única hipótese em que poderá haver responsabilidade solidária do menor de 18 anos com seus pais é ter sido emancipado nos termos do art. 5º, parágrafo único, inc. I, do novo Código Civil. Responsabilidade do Empregador ou Comitente Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: [...] III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e pre- postos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele. As pessoas citadas no inciso III são estudadas no Direito do Trabalho, por isso aqui serão citadas de maneira genérica, empregador e empregado. O professor Gonçalves apresenta três requisitos para a configuração da responsa- bilidade civil do empregador, são eles: 1°) qualidade de empregado, serviçal ou preposto, do causador do dano (prova de que o dano foi causado por preposto); 2°) conduta culposa (dolo ou culpa stricto sensu) do preposto; 3°) que o ato lesivo tenha sido praticado no exercício da função que lhe competia, ou em razão dela. (GONÇALVES, 2020, p. 168) Quando o empregador não responde? Se provar que o ato não foi praticado no exercício do trabalho ou em razão dele, o que será analisado no caso concreto. Reponsabilidade dos Donos de Hotéis, Hospedarias, Casas ou Estabelecimentos onde se Albergue por Dinheiro, Mesmo para Fins de Educação Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: [...] IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspe- des, moradores e educandos. 19 UNIDADE Teoria Geral da Responsabilidade Civil Os donos de hotéis e hospedarias são responsáveis pelos danos causados pelos seus hóspedes a terceiros, bem como pelos danos causados pelos seus hóspedes a outro hóspede. A mesma responsabilidade é atribuída aos educadores, a escola responde pelo dano causado ao aluno, bem como pelos danos que o aluno causar à terceiro. Ex.: o estabelecimento de ensino deverá responder pelas práticas de bullying entre crianças e adolescentes em ambiente escolar. Responsabilidade dos que Participaram no Produto do Crime Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: [...] V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. O inciso não segue a mesma linha de raciocínio dos anteriores. A interpretação que se dá é que, quem recebeu gratuitamente produto de crime é obrigado a devolver até a concorrente quantia. Responsabilidade Objetiva Os pais, tutores, empregadores e demais responsáveis elencados no art. 932 res- pondem independentemente de culpa (responsabilidade civil objetiva), pelos atos pra- ticados pelos terceiros ali referidos. Assim, ainda que não tenha culpa, se foi o empregado que causou o dano, o empre gador responde. Igual ocorre com os demais responsáveis. Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos. Responsabilidade Solidária Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores, os coautores e as pessoas designadas no art. 932. A regra é simples, os bens do causador do dano respondem pela reparação, se mais de uma pessoa causou o dano, todos respondem solidariamente. Ademais, as pessoas designadas no art. 932 são solidariamente responsáveis com os autores e os coautores. Sobre o incapaz, a responsabilidade é subsidiária, não solidária, conforme estudado. O Enunciado 41 da I Jornada de Direito Civil do CJF apresenta uma exceção, quan- 20 21 do o menor for emancipado, “A única hipótese em que poderá haver responsabilida- de solidária do menor de 18 anos com seus pais é ter sido emancipado nos termos do art. 5º, parágrafo único, inc. I, do novo Código Civil”. Direito do Regresso Como as pessoas responsáveis elencadas no artigo 932 não praticaram o ato, é justo que tenham ação regressiva contra o causador do dano. É o que diz o artigo art. 934. “Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz”. Observe que a regra não vale para os pais, já que o precitado faz uma ressalva “se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz”. Responsabilidade Civil pelo Fato da Coisa e do Animal Mais uma responsabilidade, agora pelo fato da coisa e do animal. Não apenas as pessoas podem causar danos, mas as coisas (objetos inanimados) e os animais (seres irracionais) também podem trazer perigo. O Código Civil não traz nenhum artigo sobre a responsabilidade pelo fato da coisa, mas aplica-se a responsabilidade objetiva, em analogia aos artigos 936, 937 e 938, a seguir abordados. Não confunda a responsabilidade pelo dano causado pelo fato da coisa com a responsabilidade pelo dano causado pela ação direta do agente. Na responsabilidade pelo fato da coisa: Só se deve falar em responsabilidade pelo fato da coisa quando ela dá causa ao evento sem a conduta direta do dono ou de seu preposto – como, por exemplo, a explosão de um transformador de energia elétrica; o elevador que, por mau funcionamento, abre a porta indevidamente, acarretando a precipitação da vítima no vazio; a escada rolante que prende a mão ou o pé de uma criança; o automóvel mal estacionado na via pública, sem sinalização ou sem estar devidamente freado numa rua em declive, que se desprende e bate em outro veículo ou em uma pessoa. (CAVALIERI, 2020, p. 258) Para aprofundamento teórico do tema “Responsabilidade pelo fato das coisas”, recomendo a leitura da obra: CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 258-268. Disponível em: https://bit.ly/3b9H9Nh 21 UNIDADE Teoria Geral da Responsabilidade Civil Responsabilidade Civil pela Guarda do Animal No mundo atual, as pessoas cada vez mais estão adotando um “animal de estima- ção”, o que faz com que haja crescente número de pedido de indenização, os mais comuns são aqueles que alegam que houve ataque do animal, ou que o animal des- truiu algo. Cito, por exemplo, casos de animais que fogem aproveitando o descuido do dono e atacam pessoas, animais que destroem plantações de vizinhos, animais que causam acidentes em rodovias, animais que atacam outros animais, animais que atacam visitantes no zoológico. O assunto é tratado no artigo 936, “O dono, ou detentor do animal, ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior”. A reponsabilidade do dono ou detentor é objetiva, independente de culpa, sendo excludentes a culpa da vítima ou força maior, já que ambos rompem o nexo de cau- salidade. O enunciado 452 da V Jornada de Direito Civil do CJF acrescenta a ex- cludente de fato exclusivo de terceiro, é o caso, por exemplo, de furto em residência quando os ladrões soltam o animal feroz. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. ATAQUE DE CÃO FEROZ. MORTE DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. DANOS MATERIAIS. CONFIGURAÇÃO. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM COMPENSATÓRIO MANTIDO. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. 1. O Código Civil adota a responsabilidade civil objetiva do dono do cão quanto aos atos cometidos pelo animal, ainda que não haja culpa, salvo se provar culpa da vítima ou força maior (art. 936 do CC). 2. Está afeto ao proprietário do animal, mormente se dotado de atributos de ferocidade, o dever de guardá-lo e vigiá-lo adequadamente. Incorrendoem desídia quanto a essa incumbência, permitindo reiteradas vezes que cão de grande porte e de sua propriedade destrua cerca na divisa de terrenos e, através de aberturas empreenda ataques a pessoas ou outros animais da vizinhança que tran- sitem livremente pela via pública ou mesmo por terreno de quintal alheio, torna-se obrigado a reparar os danos que seus animais causarem a terceiros. 3. Configura dano moral o sofrimento experimentado por vizinho que teve o filho adolescente ferido, dois cachorros de estimação injustamente atacados; um ferido e outro morto, por animal de propriedade do vizinho que foi omisso no dever de guarda. 4. O quantum fixado na origem atende os critérios da razoabilidade e proporcionalidade, as condições das partes e não resvala para o enriquecimento indevido. Reforça-se o caráter pedagógico da sanção, sobretudo ante a circunstância de haver reiteração ou omissão indolente e prolongada no tempo e na pluralidade de ataques perpetrados por cães ferozes, sem medidas de contenção apresentadas pelo responsável no período. 5. Recurso conhecido e desprovido. (TJDFT, Acórdão 1199088, 07012312220188070001, Relator: CARLOS RODRIGUES, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 7/9/2019, publicado no DJE: 19/9/2019.) Fonte: https://bit.ly/3hJDt7b Responsabilidade Civil pela Ruína de Edifício ou Construção O tema está disciplinado no artigo 937 do Código Civil: “O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.” 22 23 Referido artigo é polêmico, pois ao mesmo tempo que diz que dono de edifício ou construção responde objetivamente pelos danos que resultarem de sua ruína, diz também que só será responsável se a ruína provier de falta de reparos. Ou seja, se o dono provar que a ruína ocorreu, mas que todos os reparos necessários foram feitos, não reponde. Figura 7 – Prédio em ruína Fonte: Pixabay Responsabilidade Civil pelas Coisas Caídas de Edifícios Acompanhe a responsabilidade prevista no artigo art. 938 do Código Civil: “Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.” Veja que o legislador atribui a responsabilidade ao habitante. Assim, se o inquilino fizer uma festa e o convidado deixar cair um vaso da varanda, causando danos a um transeunte, a responsabilidade é do inquilino (quem habita), não é do proprietário e nem de quem deu causa ao acidente. Meios de Defesa ou Causas Excludentes da Responsabilidade Civil Você já entendeu que a regra é pela responsabilização do causador do dano. Porém, em algumas hipóteses, é possível alegar as chamadas causas excludentes da responsabilidade civil, são elas: • Legítima defesa; • Estado de necessidade; • Exercício regular de um direito; • Caso fortuito e força maior; • Culpa exclusiva da vítima; • Fato de terceiro. 23 UNIDADE Teoria Geral da Responsabilidade Civil As três primeiras estão elencadas no artigo 188 do Código Civil, que institui que “não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente”. As demais, caso fortuito e força maior, culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro são cláusulas excludentes do nexo de causalidade e, por consequência, excluem a responsabilidade civil. Detalhe importante: quando o legislador diz que “não comete ato ilícito”, quer dizer que o ato cometido é considerado lícito, mas ainda assim, em alguns casos, existe o dever de indenizar. Legítima Defesa Trata-se de excludente prevista no artigo 188, inciso I, primeira parte do Código Civil. A definição de legítima defesa é extraída do Código Penal, art. 25, “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Aquele que se defende deve fazê-lo usando “moderadamente dos meios necessá- rio”, se agir em excesso será responsável pelo seu ato. Imagine se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, o artigo 930, permite que “contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado”. Estado de Necessidade Segundo o art. 188, inciso II, não constituem atos ilícitos os praticados à deterio- ração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente. Estamos diante do estado de necessidade. Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Art. 188. [...] Parágrafo único. O ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indis- pensável para a remoção do perigo “Não comete ato ilícito” não significa que não existe o dever de indenizar. O artigo 929 protege a vítima inocente em caso de estado de necessidade, dando-lhe direito à indenização pelo prejuízo que sofreu. Se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, o artigo 940 permite que “contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado”. 24 25 Exercício Regular de um Direito Excludente prevista no artigo 188, I, segunda parte, os atos praticados no exer- cício regular de um direito reconhecido não constituem ato ilícito. O protesto, por exemplo, traz consequências danosas, mas se o devedor passou um cheque sem fundos, é um direito do credor protestar o título. Caso Fortuito ou Força Maior (Excludente do Nexo de Causalidade) O caso fortuito ou força maior são excludentes do nexo de causalidade, pois o dano não foi causado pela conduta do agente. A doutrina sempre foi divergente quanto à definição do Caso Fortuito e da Força Maior. O Código Civil atual não faz distinção, como se verifica pela simples leitura do caput do artigo 393: “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso for- tuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”. O pa- rágrafo único completa o tratamento igualitário ao afirmar que o “caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujo efeito não era possível evitar ou impedir”. No caso fortuito o evento não se pode prever e nem evitar, é proveniente de ato humano. Exemplo: greve, guerra. A força maior é possível prever, mas impossível evitar, decorre de eventos naturais. Exemplo: o atraso na prestação de serviço devido a um ciclone violento que atingiu o local. A doutrina moderna divide o fortuito em fortuito interno e fortuito externo (força maior). O fortuito interno não exclui a responsabilidade, pois o fato imprevisível guar- da relação direta com a atividade desenvolvida. No caso do contrato de transporte, por exemplo, se o pneu furou e causou danos aos passageiros, a empresa de trans- porte tem responsabilidade. Furar o pneu está relacionado com o risco da atividade desenvolvida pelo transportador. Figura 8 – Pneu furado Fonte: Pixabay 25 UNIDADE Teoria Geral da Responsabilidade Civil O fortuito externo, que se equipara à força maior, exclui a responsabilidade, pois o fato não guarda qualquer relação com a atividade desenvolvida. É o caso, por exemplo, de assalto no coletivo. Tal fato não está relacionado com a atividade do transportador. A rede de fast-food McDonald’s foi responsabilizada pelos danos sofridos por um consumi- dor que sofreu assalto à mão armada no momento em que comprava produtos no drive-thru da lanchonete. O relator do caso (REsp 1.450.434), ministro Luis Felipe Salomão, observou que a falha do serviço ficou configurada no processo; assim, não seria razoável afastar a responsabilidade do fornecedor. Salomão destacouque o roubo com uso de arma de fogo pode ser considerado fato de ter- ceiro equiparável a força maior, apto a excluir, como regra, o dever de indenizar, por ser evento “inevitável e irresistível, acarretando uma impossibilidade quase absoluta de não ocorrência do dano”. Porém, o relator assinalou que, em diversas situações, o STJ tem reconhecido a obrigação de indenizar, a exemplo de delitos no âmbito das atividades bancárias, em estacionamentos pagos ou mesmo em estacionamentos gratuitos de shoppings e hipermercados. Ele apontou que a rede de lanchonetes, ao disponibilizar o serviço de drive-thru aos seus clientes, acabou atraindo para si a obrigação de indenizá-los por eventuais danos sofridos, pois assim como ocorre nos assaltos em estacionamentos de grandes estabe- lecimentos, em troca dos ganhos financeiros indiretos gerados pelo conforto oferecido aos consumidores, o McDonald’s assumiu o dever de lealdade e segurança implícito a qualquer relação contratual. Ao agregar a forma de venda pelo drive-thru aos seus serviços – explicou o ministro –, a lanchonete incrementou o risco da atividade, “notadamente por instigar os consumidores a efetuar o consumo de seus produtos de dentro do veículo, em área contígua ao estabele- cimento, deixando-os, por outro lado, mais expostos e vulneráveis a intercorrências como a dos autos”. “Tenho que o serviço disponibilizado foi inadequado e ineficiente, não havendo falar em caso fortuito ou força maior, mas sim fortuito interno, porquanto incidente na proteção dos riscos esperados da atividade empresarial desenvolvida e na frustração da legítima expec- tativa de segurança do consumidor médio, concretizando-se o nexo de imputação na frus- tração da confiança a que fora induzido o cliente”, concluiu o ministro. Fonte: https://bit.ly/2QIK2Li Culpa Exclusiva da Vítima (Excludente do Nexo de Causalidade) Mais uma excludente do nexo de causalidade. O dano ocorreu, mas não foi causado pela conduta do agente, e sim por culpa exclusiva da vítima, o que afasta o dever de indenizar. Não confunda culpa exclusiva com culpa concorrente. Somente a culpa exclusiva exclui a responsabilidade, a concorrente não. A culpa concorrente apenas reduz a indenização, conforme art. 945 “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.” 26 27 Ementa: APELAÇÃO. Responsabilidade civil. Indenização por danos materiais e morais. Queda do au- tor em função de obra não sinalizada em passeio público. 1. Ausência de prova de ação ou omissão imputável aos réus que fosse apta a gerar o dever de indenizar. Culpa exclusiva da vítima. Autor que transitava com sua bicicleta de maneira ilegal sobre a calçada, em desconformidade com os arts. 58 e 59 do Código de Trânsito Brasileiro. Em se tratando de via de grande fluxo de veículos, sem ciclovia ou acostamento, e insegura a circulação de bici cleta pelo bordo da via, era de se esperar que o autor descesse da bicicleta e a empurrasse sobre o passeio, na forma do art. 68, § 1º, do Código de Trânsito Brasileiro. Autor que não se acautelou, preferindo pedalar sobre a calçada, vindo sofrer a queda que resultou na fratura de seu fêmur, a sugerir que empregava alta velocidade. Ausência de nexo de causalidade entre o suposto buraco e a queda, fazendo-se de rigor a confirmação da sentença que decla rou a improcedência da ação. 2. Honorários advocatícios. Redução que se impõe. Fixação na forma do art. 85, §§ 2º e 11, do CPC, em percentual a incidir sobre o valor dado à causa, eis que o arbitramento por equidade acabou por suplantar aquele último. Já considerado o trabalho adicional realizado na instância recursal. 3. Apelo provido em pequena parte, apenas para reduzir o valor da verba honorária. (TJSP, 9ª Câmara de Direito Público, Apelação nº1009936-82.2014.8.26.0053, Relator: Oswaldo Luiz Palu, j. 28/07/2020). Fonte: https://bit.ly/3bce0ki Fato de Terceiro (Excludente do Nexo de Causalidade) Terceiro é aquele estranho à relação jurídica. Lembre-se de que o contrato é for- mado por duas partes, terceiro não é nenhuma das partes envolvidas no contrato. Não é qualquer fato de terceiro! O fato de terceiro que exclui a reponsabilidade é aquele que não está relacionado com a atividade desenvolvida. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE RODOVIA. ROUBO E SEQUESTRO OCORRIDOS EM DEPENDÊNCIA DE SUPORTE AO USUÁRIO, MANTIDO PELA CONCESSIONÁRIA. FORTUITO EXTERNO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. 1. Ação ajuizada em 20/09/2011. Recurso especial interposto em 16/09/2016 e distribuído ao Gabinete em 04/04/2018. 2. O propósito recursal consiste em definir se a concessionária de rodovia deve ser respon- sabilizada por roubo e sequestro ocorridos nas dependências de estabelecimento por ela mantido para a utilização de usuários (Serviço de Atendimento ao Usuário). 3. “A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não-usuário do serviço público, é condição suficiente para estabelecer a responsa- bilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado” (STF. RE 591874, Repercussão Geral). 4. O fato de terceiro pode romper o nexo de causalidade, exceto nas circunstâncias que guar- dar conexidade com as atividades desenvolvidas pela concessionária de serviço público. 5. Na hipótese dos autos, é impossível afirmar que a ocorrência do dano sofrido pelos recor- ridos guarda conexidade com as atividades desenvolvidas pela recorrente. 6. A ocorrência de roubo e sequestro, com emprego de arma de fogo, é evento capaz e suficiente para romper com a existência de nexo causal, afastando-se, assim, a responsabilidade da recorrente. 7. Recurso especial provido. (STJ, 3ª Turma, REsp. nº 1.749.941 - PR (2017/0240892-4), Relatora Ministra Nancy Andrighi, j. 04/12/2018). Fonte: https://bit.ly/3bce0ki 27 UNIDADE Teoria Geral da Responsabilidade Civil Cláusula de Não Indenizar A cláusula de não indenizar, “é o acordo de vontades pelo qual se convenciona que determinada parte não será responsável por eventuais danos decorrentes de inexecução ou de execução inadequada do contrato” (GONÇALVES, 2020, p. 743). A cláusula de não indenizar não está prevista no Código Civil, mas pode ser esti- pulada em contrato. A controvérsia gira em torno de sua validade. Figura 9 – Estacionamento Fonte: Pixabay A cláusula de não indenizar costuma estar inserida nos tickets de estacionamento, resta saber se ela é válida: “Não nos responsabilizamos por objetos deixados no interior do veículo”. A resposta é não, referida cláusula não exclui a responsabilidade. Trata-se de rela- ção de consumo, sendo expressamente vedada pelo Código de Defesa do Consumi- dor no artigo 25. O assunto em questão, aliás, encontra-se sacramentado pelo STJ, por meio da Súmula 130: “A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de danos ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”. De modo geral, a doutrina e jurisprudência não veem com bons olhos a cláusula de não indenizar, por isso a análise deve ser feita de acordo com o caso concreto. Ementa: RECURSO – APELAÇÃO CÍVEL – CONDOMINIO – FURTO DE MOTOCICLETA NO INTERIOR DA GARAGEM DO CONDOMINIO – REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS – AÇAO DE COBRANÇA. Ação objetivando o autor ressarcimento pelo furto de sua motocicleta ocorrido dentro da ga- ragem do condomínio. Impossibilidade. Existência de cláusula que isenta o requerido de tal responsabilidade. Ausência de prova de que o condomínio dispunha de sistema de segurança especial para impedir tais furtos, bem como inexistência de prova de culpa de prepostos, que tenha contribuído para a ocorrência noticiada. Obrigação de indenizar afastada. Procedência parcial. Sentença reformada. Recurso de apelação do condomínio requerido integralmente provido para julgar a ação improcedente, melhor distribuídas as verbas sucumbenciais (TJSP: 25ª Câmara de DireitoPrivado, Relator(a): Marcondes D’Angelo, do j. 20/10/2016). Fonte: https://bit.ly/3bce0ki 28 29 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros O Júri GRISHAM, J. O Júri. Rio de Janeiro: Ed. Rocco., 1998. Vídeos Saber Direito – Responsabilidade Civil Contemporânea – Aula 1 Professora Monica Queiroz, TV Justiça. https://youtu.be/H4vCyFtoqxw Filmes Super Size Me: a dieta do palhaço Documentário: Super Size Me: a dieta do palhaço. Direção e Produção: Morgan Spurlock. Imagem Filmes. 2004. 1 DVD (1h40). https://youtu.be/TInxKF8JrxQ O Mercado r de Veneza Direção: Michael Radford. Produção: Barry Navidi, Michael Lionello Cowan, Julia Verdin, Cary Brokaw, Luciano Martino, Jason Piette. 2004 – 1 DVD (2h18m). https://youtu.be/cYMLKe9QLjg Leitura Responsabilidade Civil do Empregador https://bit.ly/3lwF9mV 29 UNIDADE Teoria Geral da Responsabilidade Civil Referências CAVALIERI FILHO, S.. Programa de responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2019. (e-book) GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de direito civil: responsa- bilidade civil. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. (e-book) GONÇALVES, C. R. Responsabilidade civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. (e-book) 30
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