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38 Peniciliose INTRODUÇÃO Penicillium spp. são fungos filamentosos sep- tados hialinos, pertencem à classe Hypho- mycetes e estão amplamente distribuídos na natureza. São fungos sapróbios, ou por vezes parasitam vegetais. Em raras porém crescen- tes ocasiões, estão envolvidos em infecção hu- mana e animal. São considerados fungos contaminantes, e, quando sua dispersão é feita pelo ar at- mosférico, são também chamados de fungos anemófilos. Além de serem importantes como contaminantes de substratos diversos, são responsáveis por desencadear alergias respi- ratórias, asma brônquica e rinites alérgicas, e, eventualmente, são agentes primários de micoses denominadas hialo-hifomicoses. Uma única espécie de Penicillium - Pe- nicillium marneffei - apresenta dimorfismo térmico e é geograficamente restrita. Por suas características particulares, a peniciliose por Penicillium marneffei não é uma hialo-hifo- micose, pois seu agente é um fungo dimórfico patogênico por natureza. Clarisse Zaitz Assim, a peniciliose é estudada dentro do capítulo dos fungos dimórficos. PENICILlOSE Etiologia o único agente etiológico da doença é o fungo dimórfico Penicillium marneffei, que é restri- to geograficamente ao Sudeste asiático.' Desde sua descrição, em 1956, determi- nando infecções em roedores "bambu ratos" (Rhizomys sinensis) no Vietnã, tem sido reco- nhecido como patógeno humano.! É a única espécie conhecida de Penicillium que possui dimorfismo térmico. O fungo pertence à classe Hyphomycetes, vive no solo e cresce em material orgânico. Já foi isolado tanto do solo como de roedores. Dentro da área endêmica, o fungo é isolado nas regiões geograficamente mais altas, ex- plicando a maior frequência de infecção por P marneffei em pacientes com AIDS que vi- vem na região norte da Tailândia em relação Peniciliose aos que vivem nas regiões central, nordeste e sul.2 Provavelmente existe uma fase sexual para esse fungo, que pertence à classe Hyphomyce- tes, porém ainda não foi descoberta. Epidemiologia O Sudeste da Ásia é constituído pelos países que estão geograficamente ao sul da China, leste da Índia e norte da Austrália. A região situa-se na interseção das placas geológi- cas, com forte atividade sísmica e vulcânica. Vários países fazem parte dessa região, en- tre eles: Indonésia, Filipinas, Brunei, Timor Leste, Camboja, Laos, Vietnã, Tailândia, Mianmar, Malásia, Cingapura. Peniciliose ou peniciliose marneffei é infecção oportunis- ta que ocorre primariamente em pacientes com AIDS que residem no Sudeste da Ásia.' Nos últimos anos, houve aumento significa- tivo na incidência dessa infecção nas áreas endêmicas, relacionado com o aumento de casos de AIDS.l A infecção tem sido relatada em pacientes infectados por HIV que vivem nos países do Sudeste asiático, bem como em pacientes, também infectados, que vivem na América do Norte e Europa após terem visi- tado regiões endêmicas.ê A infecção dissemi- nada é mais comumente associada a infecção avançada pelo HIV, com CD4 baixo (50 a 60 células/mmêj.! Patogênese e clínica A infecção se inicia após a inalação de coní- dios. O fungo, em sua fase leveduriforme, se desenvolve dentro da célula e se reproduz por cissiparidade. Esse modo de reprodução é distinto do que ocorre com o Histoplasma capsulatum, que, em sua fase leveduriforme, apesar de também se desenvolver dentro de células fagocitárias, o faz através de gemula- ção, formando blastoconídios. Dessa forma, no diagnóstico diferencial das infecções fúngicas nas quais leveduras intra- celulares são detectadas em cortes histológi- cos, tanto a peniciliose como a histoplasmose devem ser consideradas. 353 Após a inalação de conídios e o início do processo reprodutivo, ocorre a disseminação para nódulos linfáticos, fígado, baço, pulmão, intestino, medula e pele. O sistema reticuloendotelial é o principal alvo do P. marneffei. Dois tipos de evolução clínica da doença podem ocorrer: a infecção focal ou então a infecção progressiva, disse- minada e fatal. A infecção em geral está associada a febre prolongada, anemia, perda de peso, linfonodo- megalia generalizada, hepatomegalia, diar- reia, tosse crônica e lesões cutâneas.! As lesões cutâneas são características e consistem em pápulas com umbilicação ne- erótica central.1,5-7 Lesões orais usualmente ocorrem em pacientes com doença dissemi- nada. Na doença avançada, há disseminação he- matogênica do fungo acometendo diversos ór- gãos, inclusive a pele, que se apresenta com rash e múltiplas pápulas molusco contagioso- símile. Diagnóstico Exame micológico Devido à disseminação hematogênica do fun- go, material para exame micológico pode ser obtido de lavado brônquico, sangue, punção de medula óssea, aspirados de nódulos linfá- ticos e biópsia de pele.f Por se tratar de fungo dimórfico, devemos analisar suas duas fases: Fase Jeveduriforme Ao exame microscópico direto, visualizam-se células leveduriformes septadas. A colônia em ágar Sabouraud-dextrose com cloranfeni- col apresenta-se leveduriforme, membranosa, sulcada e sem pigmentação. O cultivo em lâ- mina nessa fase mostra células levedurifor- mes ovais ou elípticas com septação, dispostas linearmente, simulando "hifas artrosporadas" (Fig.38.1). 354 Fig. 38.1 Cultivo em lâmina da fase leveduriforme de Pe- nicillium marne!fei. Células leveduriformes ovais ou elíp- ticas com septação, dispostas linearmente, simulando "hifas artrosporadas". Fase micelíana Ao exame direto, visualizam-se hifas septadas hialinas tortuosas. A cultura em ágar-Sabou- raud-dextrose com cloranfenicol é algodonosa e branca no início, adquirindo tonalidade ró- sea ou marrom com periferia rosada a partir da 2ª semana (Fig, 38.2). O microcultivo ou cultivo em lâmina nessa fase mostra hifas septadas hialinas e conídios com aspecto de Fig. 38.2 Cultura da fase miceliana de Penicillium mame- !feioAlgodonosa e branca no início, rósea ou marrom com periferia rosada a partir da 2-ª- semana. Peniciliose Fig. 38.3 Microcultivo da fase miceliana de Penicil/ium marne!fei. Hifas septadas hialinas e conídios com aspecto de pincel, idêntico ao microcultivo das demais espécies de Penicil/ium. pincel, idêntico ao microcultivo das demais espécies de Penicillium (Fig, 38.3). Anatomopatológico No tecido, a infecção pelo P. marneffei pode se apresentar de maneiras distintas, variando desde granulomas bem constituídos, passan- do por granulomas frouxos, até reações supu- rativas. O fungo, que é dimórfico, pode ser evidencia- do em sua fase leveduriforme tanto dentro de histiócitos como no extracelular, apresentan- do formas variáveis e medindo 3 a 12 11mno seu maior eixo. Diferentemente da histoplas- mose, em que se encontram blastoconídios, na peniciliose visualizam-se septos transversos nas células leveduriformes, que traduzem o modo de reprodução por cissiparidade, sendo seu encontro diagnóstico de infecção pelo P. marneffei. As septações podem ser visualiza- das pelo HE, pelo PAS ou por colorações que utilizam a prata (Fig. 38.4). Sorologia Hoje já existem estudos com as técnicas de aglutinação de látex e ELISA pesquisando antígenos para o diagnóstico sorológico de peniciliose.ê'! Penidliose figo 38.4 Anatomopatológico. HE. Células leveduriformes com septação no interior dentro de macrófagos espu- mosos. Tratamento Peniciliose não tratada geralmente é fatal.' Itraconazol é a droga de primeira escolha para formas leves e moderadas da doença, enquanto anfotericina B é preconizada para pacientes graves. O tratamento recomendado nas formas graves é anfotericina B (0,6 mg/kg/dia duran- te 2 semanas), seguida por itraconazol (400 mg/dia por via oral, por 10 semanas)." Após o tratamento inicial, pacientes imu- nocomprometidos devem ser mantidos com itraconazol 200 mg/dia em uso contínuo de- vido à recorrência da doença.P Profilaxia pri- mária em pacientes com CD4 < 100 células/ mm" com itraconazol pode prevenir tanto pe- niciliose quanto criptococose.é REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Al-Abdely HM. Management of rare fungal infections. CurrOpin lnfect Dis 2004; 17:527- 532. 2. 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